Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Entrevistas
05/03/2018 (Nº 63) ENTREVISTA COM RAFAEL DE ARAUJO AROSA MONTEIRO PARA A 63ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=3133 
  

ENTREVISTA COM RAFAEL DE ARAUJO AROSA MONTEIRO PARA A 63ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

POR BERE ADAMS

Apresentação - O entrevistado desta edição é Rafael de Araujo Arosa Monteiro, que é Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM - USP) e Especialista em Educação Ambiental para a Sustentabilidade (Senac - São Paulo) (2015). Rafael possui graduação em Gestão Ambiental pela Universidade de São Paulo (2012) e é pesquisador do Laboratório de Educação e Política Ambiental - Oca da ESALQ-USP. Atua na equipe pedagógica do Curso de Especialização "Educação Ambiental e Transição para Sociedades Sustentáveis" e como Educador Ambiental do Projeto Albatroz, sendo responsável por coordenar as ações do Coletivo Jovem Albatroz. Principais temas de atuação: transição para sociedades sustentáveis, educação ambiental, diálogo, juventude e conservação marinha. Certamente teremos muito a aprender com ele!

Bere Adams – Olá Rafael, ficamos muito felizes por tê-lo como nosso entrevistado desta edição, e somos muito gratos pela sua disponibilidade, muito obrigada! Normalmente inicio as minhas entrevistas com esta pergunta: Como surgiu o seu interesse pela Educação Ambiental (EA)?

Rafael – A EA se apresentou para mim durante a graduação. Primeiro, na realização de uma ação pontual junto a alunos da rede pública, depois, de forma mais contínua, quando atuei no Projeto Tamar e no voluntariado do Projeto Albatroz. No entanto, apesar de ter gostado de trabalhar com EA, eu queria atuar com gestão ambiental em empresa, motivado pelo retorno financeiro que tal trabalho pudesse me oferecer. Consegui, logo que sai da graduação, um emprego no qual eu era o responsável por cuidar da gestão ambiental do empreendimento realizado pela contratante. Porém, a forma como a questão ambiental era tratada dentro da empresa, enquanto algo secundário, periférico e sem importância, me trouxe uma forte frustração e descontentamento com a área, o que me fez rever meus objetivos profissionais. Em meio a esse caos da indecisão, surgiu a oportunidade de lecionar em um espaço de reforço escolar. Ali meu ânimo e minha esperança voltaram a renascer. Aquele sentimento que tive ao longo das ações de EA que desenvolvi durante a graduação retornaram, e percebi que a transição para um modelo de sociedade, diferente do que temos hoje, tem na educação um caminho muito potente, uma vez que nos permite rever nossos valores e nossa forma de nos relacionarmos com o Outro (humano e não humano). Esse processo interno de desconstrução dos valores da lógica de mercado e do consumo (exercício que faço até hoje), os quais recebi ao longo da minha trajetória histórica, foi muito importante para encontrar o meu caminho. Foi então que surgiu uma oportunidade de trabalho, agora em uma ONG de conservação marinha, para atuar enquanto educador ambiental. Após os três primeiros meses de ingresso nessa organização tive a certeza de que a EA era a área que queria atuar. Busquei, então, aprofundar meus conhecimentos teóricos sobre o assunto na pós-graduação em Educação Ambiental para a Sustentabilidade (Senac-SP), visando exercer a práxis. Atualmente estou trabalhando em outra ONG de conservação marinha e finalizando o meu mestrado, no qual investigo o diálogo na educação ambiental. Minha pretensão de vida é me tornar professor universitário, tendo a EA como temática, e contribuir com projetos de educação ambiental formal e não-formal espalhados pelo nosso país.

Bere Adams – De forma bem sucinta, se é que isto é possível, como você percebe a EA no Brasil?

Rafael – Uau, que pergunta complexa. Penso que tivemos muitos avanços em nosso país em se tratando de EA, destaco aqui a Política Nacional de EA (PNEA), o Programa Nacional de EA (ProNEA) e o Programa Nacional de Formação de Educadoras(es) Ambientais (ProFEA). Por outro lado, ainda temos muitos desafios a vencer. Garantir que a EA seja um processo continuado, articulado e permanente é imprescindível. Nesse sentido, superar as ações pontuais é de extrema relevância, buscando a articulação das diversas iniciativas de EA espalhadas pelo país para que consigamos ganhar força e alcance. Em paralelo a isso, devemos garantir a permanência de tais processos, elaborando e implantando políticas públicas de EA, em todas as esferas (municipal, estadual e federal). Esses são, a meu ver, importantes desafios para aquelas(es) que atuam nesse campo.

Bere Adams – A EA se revela como uma prática (ou um processo contínuo) educacional muito amplo, que alcança diferentes dimensões promovendo, também, reflexões relacionadas com a emancipação humana, autonomia e liberdade. Como você percebe a EA, neste sentido, envolvendo o universo social amplo e suas distintas instâncias?

Rafael – Para mim um processo de EA que não envolva o universo social amplo e suas distintas instâncias, assim como a questão da emancipação humana, autonomia e liberdade é muito limitado e acaba por reforçar o paradigma vigente, ao invés de transformá-lo. A EA, enquanto processo (contínuo, permanente e articulado) deve buscar romper com essa lógica fragmentadora, competitiva e perseguidora de lucro, a qual reforça um modelo de relação com o Outro, baseada em princípios egoístas e individuais.

Nossos processos de EA devem evidenciar as contradições dessas formas de relação, permitindo aos sujeitos participantes identificar como essa cultura foi construída historicamente por nós e como nós a reforçamos no nosso dia a dia, pois ao fazê-lo poderemos desconstruir, individual e coletivamente, tais valores para construir novos.

Bere Adams – Fale-nos sobre o seu trabalho como integrante na equipe pedagógica do Curso de Especialização "Educação Ambiental e Transição para Sociedades Sustentáveis” e sobre os seus principais desafios:

Rafael – Antes de qualquer coisa é importante dizer que o curso busca romper com a lógica fragmentadora do conhecimento. Não temos disciplinas ministradas por professores. Trabalhamos com quatro eixos transversais – “Utopia, Espiritualidade e Conjuntura”; “Educação Ambiental”; “Intervenção e conhecimento científico”; e “Políticas Públicas de transição para sociedades sustentáveis” (não havendo hierarquia entre eles), os quais são trabalhados pela própria equipe pedagógica e professores convidados em encontros presenciais de 10h (sábado e domingo) ou 30h (de quinta-feira a domingo) em regime de imersão. Em paralelo, as(os) estudantes devem planejar, executar e avaliar um Projeto de Intervenção na realidade em que vivem e atuam, a partir da perspectiva do aprender fazendo, da práxis.

Nesse sentido, o meu papel, enquanto integrante da equipe, é auxiliar no planejamento, execução e avaliação das atividades desenvolvidas junto às(os) estudantes, assim como ser o interlocutor (uma espécie de orientador) de um dos grupos que estão planejando e executando sua intervenção.

Acredito que um dos maiores desafios desse processo é a desconstrução individual e coletiva, tanto das(os) estudantes, quanto da equipe pedagógica, dos valores do paradigma vigente da educação que temos arraigados dentro de nós, no qual somos estimulados a ouvir passivamente, a não ousar e ser criativos, a aprender de forma fragmentada e por aí vai. No curso nós buscamos ir na direção oposta, estimulando a criação de uma comunidade de aprendizagem, baseada nos princípios da autogestão em que todas(os) são sujeitos ativos e corresponsáveis pelo processo educador que se desenvolve.

Bere Adams –Há quanto tempo você atua neste curso, e qual é o perfil dos alunos que nele ingressam?

Rafael –Atuo desde sua fase de planejamento, que se deu em 2016. Estamos na primeira turma, a qual se iniciou em fevereiro de 2017. Temos 25 estudantes, sendo a maioria mulheres (20). Os territórios de origem são diversos, havendo uma predominância de estudantes vindos de São Paulo (capital) e Piracicaba/SP. Mas temos também pessoas do interior do Estado e do litoral. A faixa etária, atuação e formação são bastante diferenciadas.

Bere Adams – De que forma este curso contribui para que os alunos saiam bem preparados para atuarem, de forma crítica, no desenvolvimento de sociedades sustentáveis?

Rafael –O curso estimula as(os) estudantes a construírem suas utopias, individuais e coletivas, visualizando que tipo de sociedade(s) sustantável(is) querem, a partir da análise da conjuntura historicamente construída, para que possam identificar as contradições vividas. A partir disso, intervém na realidade por meio dos princípios de uma educação ambiental dialógica, crítica, emancipatória e transformadora, buscando aprender fazendo, agindo e refletindo, vivenciando também a essencialidade de criar e cultivar articulações no território, incluindo o Outro que é e pensa diferente, propondo o diálogo e construindo caminhos de futuro. Todos esses aspectos permitem às(aos) estudantes irem formando sua consciência crítica frente à realidade vivida, buscando atuar na transição para sociedades sustentáveis.

Bere Adams – E no Projeto Albatroz, você atua com jovens, coordenando o Coletivo Jovem Albatroz. Quais são as principais ações deste coletivo?

Rafael – O Coletivo Jovem Albatroz tem como objetivo formar jovens educadoras(es) ambientais para atuarem em ambientes costeiros e marinhos, por meio dos princípios teóricos e metodológicos de uma educação ambiental dialógica e crítica. Os jovens são estimulados a desenvolver intervenções em ambientes costeiros e marinhos. A última realizada foi a “Consuma São”, a qual ocorreu nas praias de Santos/SP, tendo como objetivo trazer a reflexão sobre os valores consumistas. O nosso produto educomunicativo está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZLZwkMBaSFI. Além disso, as(os) jovens realizam e participam de cursos, eventos, oficinas e visitas técnicas, bem como marcam presença em reuniões de órgãos colegiados com o intuito de incidir em políticas públicas ligadas à juventude e meio ambiente.

Bere Adams –Como você descreve a participação dos jovens dentro do coletivo?

Rafael – As(os) jovens que chegam ao Coletivo já possuem algum encanto com a questão ambiental e um forte desejo de pôr a mão na massa, de agir em prol de mudanças na realidade. Dessa forma, são estimuladas(os) a desenvolverem o protagonismo e a autonomia, tendo liberdade para propor atividades para o próprio coletivo, por exemplo, um curso de aprofundamento teórico e metodológico, ou para outro grupo de jovens. Nesse sentido, já participamos de alguns eventos sobre juventude e meio ambiente, compartilhando a nossa experiência com outros grupos de jovens que atuam em ambientes costeiros e marinhos.

Bere Adams –O que você poderia destacar em relação às mudanças de atitudes que ocorrem a partir das ações desenvolvidas pelo Coletivo Jovem Albatroz? Os resultados são aparentes e concretos?

Rafael – É possível afirmar que as(os) jovens que passam pelo Coletivo desenvolvem ou aprimoram suas habilidades para continuar atuando na transformação da realidade. Temos jovens que fundaram projetos próprios, outros que estão trabalhando em diferentes setores (público e privado) a partir dos princípios do Coletivo, e há aquelas(es) que ainda estão na universidade e propõem atividades para outros jovens, buscando estimulá-los a se inserir nesse movimento de transição para sociedades sustentáveis.

Bere Adams – Qual é a sua maior satisfação por trabalhar com a EA? Quem e o que mais te inspira?

Rafael – A EA é para mim um caminho para essa transição paradigmática que almejo. Trabalhar com processos de educação ambiental me anima por isso, porque sinto que estou caminhando junto com muitas pessoas na construção desse novo mundo possível. Isso é fantástico! Muitas pessoas me inspiram, desde os teóricos da área, e aqui destaco Paulo Freire, até as pessoas com quem convivo e que divido os momentos dentro dos processos de EA que estou envolvido – colegas do laboratório de pesquisa (Oca), a equipe pedagógica do curso de especialização, a equipe do Projeto Albatroz, os jovens do Coletivo e meu orientador de mestrado, o Prof.Dr. Marcos Sorrentino. Além disso, me inspira ver ações transformadoras, sejam elas pequenos gestos do cotidiano ou grandiosas.

Bere Adams – Finalizando, então, deixa-nos uma frase, um pensamento:

Rafael – “Para o pensar ingênuo, o importante é a acomodação a êste hoje normalizado. Para o crítico, a transformação permanente da realidade, para a permanente humanização dos homens [e das mulheres].” (FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981, p. 97)

Bere Adams – Rafael, em nome de toda equipe da revista, agradeço pela sua participação e pelo compartilhamento de suas tão primorosas e exemplares experiências com a EA. Certamente, uma grande inspiração para os/as que vislumbram um mundo melhor para todos. Muito obrigada, Bere Adams e equipe da revista.

Para contato com o entrevistado: rafael.araujo.monteiro@gmail.com



Ilustrações: Silvana Santos