Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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05/03/2018 (Nº 63) EDUCAÇAO AMBIENTAL PERCEPÇOES FELIPEQUARA, CAMETÁ (PA)
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: PERCEPÇÕES E NECESSIDADES DOS MORADORES DA COMUNIDADE FELIPEQUARA, CAMETÁ (PA)

ENVIRONMENTAL EDUCATION: PERCEPTIONS AND NEEDS OF THE RESIDENTS OF THE COMMUNITY FELIPEQUARA, CAMETÁ (PA)

MACIEL ¹, Eduardo de Oliveira; TAVARES ², Francinei Bentes;

 Estudante do Curso de Licenciatura em Ciências Naturais – Polo de Limoeiro do Ajuru do Campus Universitário do Tocantins / Cametá, da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: edumaciel10@yahoo.com.br

 Professor do Campus Universitário de Abaetetuba, da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: francinei@ufpa.br



Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar as problemáticas ambientais na comunidade de Felipequara (município de Cametá-PA), tentando inicialmente compreender para minimizar os fatores considerados como problemas ambientais, abrindo espaço para pensar soluções visando a importância da preservação da flora e fauna regional. Através do uso de metodologias qualitativas e quantitativas, com entrevistas com 25 (vinte e cinco) moradores locais, percebeu-se que os moradores da localidade possuem noções importantes sobre os problemas ambientais, que podem ser trabalhadas em ações de Educação Ambiental, seja no espaço educacional escolar, seja em ações de educação não formal; para amenizar os problemas ambientais que foram encontrados localmente, como por exemplo: extinção dos peixes, desmatamento ilegal, queimadas criminosas nos campos de natureza e o descarte irregular de lixo. Esses temas foram considerados como os mais relevantes dentre as problemáticas socioambientais existentes localmente.



Palavras-Chaves: Problemáticas socioambientais; Educação Ambiental, Baixo Tocantins.



Abstract

This article aims to analyze the environmental problems in the community of Felipequara (municipality of Cametá-PA), initially trying to understand to minimize the factors considered as environmental problems, opening space to think solutions with the importance of preserving the regional flora and fauna. Through the use of qualitative and quantitative methodologies, with interviews with 25 (twenty-five) local residents, it was noticed that local residents have important notions about environmental problems, which can be worked on in Environmental Education actions, either in space educational or non-formal education actions to alleviate the environmental problems that were found locally, such as: extinction of fish, illegal deforestation, criminal burnings in the fields of nature and the illegal disposal of garbage. These themes were considered as the most relevant among the socio-environmental problems existing locally.


Keywords: Socio-environmental problems; Environmental Education, Baixo Tocantins.


  1. Introdução

A Educação Ambiental (EA) é amplamente discutida no contexto escolar, porém pouco se fala sobre esse assunto no dia-a-dia das comunidades que vivem em contato direto com o meio natural amazônico. Ou seja, muitas vezes aquilo que se aprende na escola não é colocado em prática no cotidiano (AVANZI, 2004). Por tais motivos, neste trabalho será abordado esse assunto, fazendo uma análise sobre as percepções e necessidades dos moradores da comunidade rural de Felipequara, situada no município de Cametá-PA, no que diz respeito às questões ambientais, e também no que se refere às opiniões dos moradores locais em relação ao fato de que os recursos pesqueiros dos rios e igarapés estão se esgotando.

Desta forma, tendo em vista esse desafio, as questões que se colocam são o que pode ser feito pela própria comunidade, e também pelas instituições ambientais, frente a esse cenário. Em primeiro lugar, é possível afirmar que a comunidade não possui nenhum acordo de pesca (Normas criada pela comunidade para manter o controle dos recursos pesqueiros) nem há coleta de lixo regular, portanto há moradores que despejam seus resíduos e sobras de consumo diretamente no igarapé que passa próximo à localidade. Sendo assim, a partir desses problemas, ressalta-se a importância de discutir com as famílias da comunidade aspectos relacionados à Educação Ambiental, visando que atualmente pode-se estar sofrendo as consequências das atitudes destruidoras, no sentido da pouca valorização da natureza ao longo do tempo.

Dessa forma, considera-se que a escola tem um papel muito importante nesse processo de EA na comunidade de Felipequara e nas proximidades. Todavia, é imprescindível que os professores da escola como um todo, e principalmente da área disciplinar de Ciências Naturais, possam estimular seus educandos a cuidar cada vez mais cedo do meio ambiente onde vivem, para que as gerações futuras possam usufruir de um ambiente agradável para viver.

A presente pesquisa justifica-se por buscar analisar as percepções em torno de elementos da Educação Ambiental na comunidade de Felipequara. Um dos aspectos que chama a atenção é o fato de que, nos últimos anos, com o aumento da população local, houve agressões à natureza em busca da sobrevivência por parte dos moradores da região, entre elas podem ser destacadas as queimadas para plantio de mandioca e pimenta-do-reino e principalmente a pesca predatória no igarapé que dá nome à vila. Além do desenvolvimento de atividades produtivas em busca da sobrevivência e renda, esses fatores podem ser consequência parcial do fato de que grande parte da população local tem baixo nível de escolaridade, principalmente as gerações anteriores, que todavia possuem seu saber local construído ao longo do tempo, em relação direta com o meio ambiente, embora careça de iniciativas de educação ambiental formal. Por isso, considera-se que há essa necessidade de uma educação ambiental na escola, local onde também pode ser discutido em jogo o futuro da comunidade junto ao conhecimento do homem com o meio ambiente, o que se pode fazer com que nossos filhos e netos não sejam tão afetados devido à agressão humana na natureza.

É necessário destacar que Felipequara é uma comunidade na qual os moradores, em grande parte, vivem basicamente das atividades produtivas desenvolvidas localmente, e em outros casos a partir de subsídios de programas sociais do Governo Federal, tendo ainda alguns funcionários públicos e aposentados. Sendo assim, a população local tende a tirar seu sustento da natureza desenvolvendo atividades como a agricultura familiar e pesca. Porém, é necessário destacar que, muitas vezes, essas ações, a despeito de ajudar na sobrevivência dessas famílias, podem gerar problemas ambientais que podem parecer inofensivos, em um primeiro olhar, mas que estão intimamente ligados, de forma geral, a elementos mais amplos de uma crise socioambiental, como: escassez de peixe, queimadas nos campos de natureza, etc.

É importante citar que há na localidade uma instituição escolar, no caso a Escola Municipal de Ensino Fundamental Marciano Corrêa de Miranda, (Código Inep 15069532) que segundo a diretora tem se preocupado com essa “questão ambiental”. Assim, várias ações já foram feitas pelos professores e alunos no ano de 2016 em relação a esses temas, como a coleta de lixo na comunidade, verificando possíveis criadouros do Aedes aegypti (mosquito que transmite a dengue, febre chikungunya e também o zika vírus). Ressalta-se que não há coleta de lixo na comunidade, sendo que cada morador cuida dos dejetos e resíduos produzidos, mas nem todos têm bons hábitos e costuma despejar os rejeitos em locais impróprios, como a beira das ruas na localidade e até no igarapé de onde se retira parte do alimento diário e fonte de água em abundância.

Também podem ser citados o desmatamento da flora da região, para retirada de madeira sem autorização do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), levando à extinção de várias espécies na localidade, como o angelim vermelho (Dinizia excelsa) e o acapu (Voucapoua americana), prejudicando diretamente a fauna regional, sendo que localmente já foram extintas espécies como a anta (Tapirus terrestris) e houve a quase extinção da onça pintada (Panthera onca), que há alguns anos atrás, segundo relatos de caçadores, ainda existiam em pequeno número, e que atualmente, com o avanço do desmatamento, migraram para outra região, de acordo com o que foi relatado por entrevistados. Entretanto ainda existem, segundo relatos de outro caçador, algumas espécies de animais silvestres como o veado (Cervidae), o porco-do-mato (Pecari tajacu), a cotia (Dasyprocta aguti) e outros animais, tendo em vista que não há predadores naturais para essas espécies (ou seja, os animais que se alimentam das referidas espécies). Todavia, o desmatamento ilegal na região pode favorecer o desaparecimento dessas espécies a curto e médio prazo.

Foram relatadas, também, pelos moradores mudanças como o período de estiagem (época do ano com poucas chuvas) que está sendo considerado atualmente mais longo que o habitual (normalmente acontecia de agosto a dezembro), e que habitualmente está acontecendo de junho a fevereiro do ano seguinte. Isso faz com que muitas espécies procurem água próximo à área povoada perto da foz do igarapé, já que a nascente do mesmo seca por completo, dificultando a sobrevivência desses animais. Há certa preocupação pela manutenção das espécies nativas, pois alguns entrevistados relataram que a queimada criminosa nos campos de natureza (áreas de vegetação herbácea nativa), contribui diretamente para a extinção, ou seja, os campos de natureza, em abundância na região, são queimados todos os anos no verão, o que segundo um morador da localidade, “faz nascer novos capins”, sendo que as espécies de caça são atraídas para habitar os campos de natureza, visando sua alimentação, e nestes locais são caçados, muitas vezes de forma indiscriminada.

Assim, a ação humana, quando feita sem se levar em conta as preocupações ambientais, destrói a cadeia alimentar de duas formas: primeiro pela diminuição dos recursos naturais, e segundo pela destruição dos habitats (locais onde residem as espécies), reduzindo a biodiversidade. A destruição desta provoca desequilíbrios no ambiente que podem ser catastróficos, como, por exemplo, o desflorestamento, e junto com elas várias espécies de animais; o desmatamento das áreas de floresta ao longo dos cursos de água, que contribui para o processo de erosão, que aterra os rios (ou seja, que diminui a profundidade do curso d’água por meio da deposição de sedimentos e outros materiais); e, por fim, a queima da vegetação gera desequilíbrio ambiental na região, esses e outros aspectos serão tratados nessa pesquisa na comunidade de Felipequara.

Desta maneira, as percepções sobre os diferentes problemas ambientais vivenciados localmente, mostrada nesta pesquisa, servem como base para uma discussão ambiental na comunidade, pois se percebe que muito precisa ser feito para melhorar a qualidade de vida das pessoas e, para que as mesmas possam ter consciência da importância da natureza para os seres vivos, que se dá desde a respiração do ar, com o consumo de oxigênio (O2) e sua produção através do processo de fotossíntese realizado pelas plantas, ou seja, o ser humano depende diretamente delas para sobreviver. Eis uma das razões pela qual se deve discutir sobre a necessidade de preservar, cuidar, “plantar mais árvores” para que possamos viver com mais qualidade, incluindo o direito que as gerações futuras também tenham acesso a um meio ambiente conservado, com qualidade de vida.

Dessa forma, a pergunta de pesquisa do presente trabalho indaga: Quais as percepções dos moradores da comunidade rural de Felipequara (Cametá-PA) em relação às questões ambientais na localidade, como por exemplo, no esgotamento dos recursos naturais locais, e o que pode ser feito para que isso não aconteça? Como hipótese que norteia o trabalho de pesquisa, pode-se afirmar sobre o esgotamento dos recursos naturais, como citado acima, parte também do fato que há uma superexploração desses elementos na comunidade e no entorno, além do fato de que a comunidade não possui coleta de lixo e nem acordo de pesca (Normas criadas pela comunidade para manter o controle dos recursos pesqueiros), no caso dos estoques pesqueiros, que também estão se esgotando localmente. Esses aspectos podem ter consequências negativas para as futuras gerações, pois é necessário perceber que há um desequilíbrio no ecossistema e isso pode afetar os moradores da localidade, que não terão à disposição um recurso natural que anteriormente era importante, inclusive para a alimentação, como é o caso dos estoques pesqueiros.

Como objetivo geral, o presente trabalho de pesquisa visa conhecer as percepções dos moradores locais em relação à questão ambiental e aos elementos de sustentabilidade (desenvolver o presente e garantir o futuro das próximas gerações) tendo em vista seus posicionamentos frente à preservação dos recursos naturais. Como objetivos específicos, a pesquisa pretende discutir a problemática do esgotamento dos recursos pesqueiros devido à pesca predatória no igarapé Felipequara, e por fim, relacionar os aspectos da poluição do igarapé local com a falta de cuidado com os resíduos sólidos (lixo) na comunidade. Esses e outros problemas ambientais são considerados como importantes para discutir sobre a percepção local sobre as questões ambientais na localidade supracitada.



  1. Referencial Teórico



A presente pesquisa fundamentou-se em uma busca de bibliografias que tratassem de temas como os princípios da Educação Ambiental (EA) crítica, buscando contribuições em diversos autores, especialistas no campo da EA e que tem se dedicado no aprofundamento do pensar educativo. Tais autores comungam da ideia de que os problemas ambientais ou crise ambiental correspondem “muito mais à crise de uma sociedade do que uma crise de gerenciamento da natureza” (BRUGGER, 1994, p. 27, apud CARVALHO, 2004, p. 16).

Tais autores propõem também uma educação ambiental comprometida com a transformação da realidade, onde o indivíduo se veja como parte da natureza e não dono absoluto dela. “Nessa concepção, a ação transformadora sobre a realidade é um caminho para a emancipação dos sujeitos” (AVANZI, 2004, p. 37). Assim, o que se busca, em última instância, é uma mudança nas relações humanas, sociais e ambientais, ou seja, nas complexas relações da sociedade com a natureza. Segundo Gutierrez e Prado (2000, p. 45 apud AVANZI, 2004, p. 37), “é a partir da vivência cotidiana que será gestada esta transformação”. Segundo Silva (2008), inexiste ainda uma conceituação perfeitamente delimitada e consensual do que seja Educação Ambiental. O seu conceito ainda se encontra em fase de construção.

É por essa razão que encontramos uma pluralidade de definições para o termo Educação Ambiental e consequentemente uma gama de práticas educacionais. Atualmente, a EA é amparada por lei no Brasil, podendo ser citados alguns fragmentos legais relacionadas à Educação Ambiental formal e não formal (de acordo com a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental - PNEA). O Artigo 1º da referida legislação afirma que constituem a Educação Ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade como sendo um componente essencial e permanente da educação nacional que deve estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal.

Dessa maneira, ao abordar a Educação Ambiental no ensino formal (entendidas como a educação escolar desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando: educação básica; educação superior; educação especial; educação profissional; educação de jovens e adultos), tal conceito deverá ser desenvolvido como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal, e deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas. Os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999, p. 01).

Nesse sentido, quando discutimos as perspectivas envolvidas no debate acadêmico sobre a Educação Ambiental, devemos desenvolver perspectivas de análise que abarquem a complexidade da problemática socioambiental, de modo que se leve realmente em conta todos os contextos e tipos de conflitos existentes nas relações entre os seres humanos, e destes com os demais elementos que fazem parte dos ecossistemas. Assim, segundo a Lei que institui a PNEA, em seu Artigo 2º:


A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental”
(BRASIL, 1999, p. 01 citado por
REIS; SEMÊDO; GOMES, 2012, p. 03).



Sobre o conceito de Educação Ambiental não formal, o supracitado autor entende que é constituído pelas ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e sua organização e participação na defesa da qualidade do ambiente. O poder público, nos níveis federal, estadual e municipal deverá incentivar a difusão, nos meios de comunicação de massa, de informações acerca de temas relacionados ao ambiente; a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não governamentais na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não formal; a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as organizações não governamentais; a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de conservação, das populações tradicionais ligadas às unidades de conservação. Os meios de comunicação principalmente televisão e internet, que exercem um papel primordial no processo de EA, ressaltando que na comunidade citada apenas na escola municipal se tem acesso à internet. Jacobi (2003, p. 01) reforça estes fatores como importantes, pois segundo ele:


Nestes tempos em que a informação assume um papel cada vez mais relevante, ciberespaço, multimídia, internet, a educação para cidadania representa a possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas na defesa da qualidade de vida (JACOBI, 2003, p. 01).



Partindo do princípio que a EA não pode se limitar ao discurso da preservação da fauna e da flora, mas deve envolver e levar em conta todo o contexto e os conflitos existentes nas relações entre os seres humanos e estes com o ambiente natural, do qual é parte integrante, e não donos, porém, como o principal responsável pelo conjunto por ser o único ser, comprovadamente, racional, resolveu-se adotar este enfoque na presente pesquisa. Como afirma Gadotti (2005),

A educação ambiental muitas vezes limitou-se ao ambiente externo sem se confrontar com os valores sociais, com os outros, com a solidariedade, não pondo em questão a politicidade da educação e do conhecimento”. (GADOTTI, 2005, p. 15)

Ainda para esse autor, pensar uma sociedade sustentável requer, antes de tudo, entender as ações de transformação cultural da mesma, e isso não se dará sem um projeto de educação ambiental fundamentada nos princípios da solidariedade reflexiva, na interdependência entre as pessoas e a natureza, numa relação de proximidade e de colaboração entre os seres humanos e naturais, incitando assim, a autodeterminação dos sujeitos.

Assim:

Atualmente, a maioria das ações didáticas voltadas para a educação ambiental tem sido efetuada de forma difusa, esporádica e desarticulada entre os diferentes níveis de ensino formais. Além disso, sua abordagem em sala de aula, na maioria das vezes, é marcadamente naturalista, ou seja, concebe o meio ambiente tão somente em sua expressão biológica. Nessa visão, é reforçada a dicotomia entre Natureza e Sociedade, Natureza não-humana e Natureza humana, ecossistemas naturais e ecossistemas socioculturais. Em outras palavras, essa perspectiva não leva em consideração a interface que existe entre a natureza e sociocultura (SILVA, 2008, p. 02).


Por outro lado, a solução destes problemas também está, teoricamente, ainda ao alcance da população humana. No entanto, isso implica no fato de que é necessário reconstruir, pelo menos em parte, aquilo que é destruído através das atividades produtivas, mesmo sabendo que o planeta pode já ter perdido 25% de sua capacidade de auto-regeneração (segundo dados citados por autores como LOMBARDI, 2009, p. 181).

Dessa forma, é preciso considerar que uma visão da Educação Ambiental que não leve em conta as problemáticas sociais e uma perspectiva transformadora da realidade pouco poderá contribuir para as mudanças sociais, econômicas e ambientais que se colocam como desafio frente à ação humana. Por isso, se defende nessa pesquisa uma postura teórica crítica e transformadora, tendo em vista a Educação Ambiental, tratada dialogicamente a partir de um tema específico, que é a escassez de recursos naturais em uma comunidade rural e as percepções locais em relação a esse problema socioambiental concreto.



  1. Elementos Metodológicos



Para realizar este estudo, os procedimentos metodológicos empregados tiveram como princípio a necessidade de realizar uma revisão bibliográfica sobre as temáticas escolhidas para estudo (Educação Ambiental e recursos naturais), tentando visualizar elementos concretos desses aspectos teóricos a partir do caso da comunidade de Felipequara (situada na zona rural do município de Cametá-PA).

Além disso, secundariamente, a escolha desta abordagem também implicou a realização de entrevistas semiestruturadas (com roteiro de questões previamente elaborado, e que segue em anexo) com os educadores e com a diretora de uma escola do campo (Escola Municipal de Ensino Fundamental Marciano Corrêa de Miranda), situada na referida localidade. Assim, também se levou em consideração que esse é um dos instrumentos mais práticos para a realização de uma pesquisa como essa. Essa opção se deu por entender que essa pode ser uma excelente ferramenta de mobilização e sensibilização para o debate sobre a Educação Ambiental, considerando que tais perguntas elencadas podem ser transformadas em eixos temáticos mais ampliados acerca da problemática tratada no presente trabalho de pesquisa.

Para tanto, as entrevistas foram realizadas também com alguns moradores da referida comunidade, escolhidos por residirem há bastante tempo na comunidade (pelo menos há mais de uma década), tentando entender seus pontos de vista e percepções acerca dos aspectos socioambientais abordados por meio de questionários, analisando seus conhecimentos sobre os recursos naturais presentes na comunidade. A presente pesquisa foi realizada através de entrevistas, com aplicação de questionário (que consta em anexo), e sendo feitas fotografias na localidade de Felipequara, interior do município de Cametá, estado do Pará, entre os dias 08 e 20 de junho de 2017. Foram entrevistadas, de forma aberta, 02 (duas) pessoas consideradas como informantes-chave da localidade, por serem lideranças e moradores antigos do local, e outras 23 (vinte e três) pessoas responderam ao questionário aplicado na comunidade (pescadores, agricultores, aposentados, professores e alunos). As entrevistas foram realizadas com o intuito de deixar os informantes mais à vontade para o diálogo estabelecido entre o entrevistador e o entrevistado, segundo demonstrado por Gerhardt e Silveira (2008), sendo utilizados os questionários e canetas para anotação dos dados.

Como dito anteriormente, a pesquisa desenvolveu-se por meio de uma abordagem qualitativa quantitativa, porém com a busca de informações quantitativas que foram levantadas nos questionários, de acordo com os objetivos que se queriam alcançar no trabalho de pesquisa, configurando a utilização de uma abordagem quali-quantitativa (GERHARDT; SILVEIRA, 2008). Neste contexto, colocar em evidência para fins de reflexão e debate as percepções sobre os aspectos ambientais na comunidade estudada é uma forma desta buscar olhar para suas próprias ações desde o passado, e para repensar, a partir do presente, o futuro desejável para a sustentabilidade socioeconômica e ambiental das famílias.



  1. Resultados e Discussões

Falar de Educação Ambiental pode fazer com que o senso crítico de ver além do que está sendo discutido fique de lado, e a população viva para si própria, sem pensar nas gerações futuras, que é o âmago do conceito de sustentabilidade. Talvez por não se ter uma educação ambiental satisfatória, que leve os sujeitos a pensarem que destruir a natureza é tão prejudicial para o homem, como também para os animais, plantas e demais seres vivos que nela vivem. Todavia, é importante acrescentar que as populações locais possuem saberes desenvolvidos a partir da relação direta com a natureza, e se partir-se desses conhecimentos acumulados ao longo das gerações, certamente poderá haver ações de conservação ambiental baseada no que as populações locais definem como regras de uso dos recursos comuns, fundamentadas no assim chamado saber ambiental (LEFF, 2012).



    1. A Origem da Comunidade de Felipequara



A comunidade de Felipequara foi fundada na década de 1970, pelas primeiras famílias que chegaram a essa região em busca de terras para plantar, principalmente mandioca e arroz e que segundo os mais velhos moradores em 1918 foi realizado o primeiro Círio em homenagem a Sant’Ana (padroeira da comunidade) que hoje é uma festa muito tradicional na região. Outrossim, o nome Felipequara surgiu em homenagem a um dos primeiros habitantes que tinha o nome de Felipe, que também gostava de tirar tapioca e “destaquarar” (retirar taquaras). Foi assim que as pessoas falaram que “Felipe quara”, o que deu origem a esse que é o nome atual da localidade. Uma das primeiras famílias a habitar esse lugar foi a família Miranda, sendo que Marciano Corrêa de Miranda, que também dá nome à escola local, era avô de minha mãe. Com o tempo, as famílias foram se multiplicando e dando origem às outras e assim sucessivamente povoando a localidade. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) em 2010 a população de Felipequara era de 572 habitantes, 98 domicílios e Renda Per capita de R$ 103,69. (IBGE, 2010).

4.2 Como os Primeiros Moradores Percebiam a Questão Ambiental

Os primeiro habitantes e fundadores da comunidade Felipequara nunca estudaram, portanto não tinham conhecimentos sobre Educação Ambiental provindos do aprendizado escolar, possuindo basicamente conhecimentos empíricos adquiridos de seus pais, que de certa forma ajudavam os moradores a cuidar do meio ambiente onde viviam, trabalhando conjuntamente em comunidade até para pescar o próprio alimento, e assim sendo pessoas respeitadoras do meio ambiente, vivendo em contato direto com esse meio. O senhor Luzinan Maciel Mendes, atualmente com 80 anos e aposentado, sendo um dos fundadores da comunidade, em entrevista concedida para o autor deste artigo, no dia 18 de dezembro de 2016, foi perguntado a ele, como os moradores tratavam a questão ambiental na comunidade nas décadas de 1970 e 1980? Segundo o Sr. Luzinan Mendes, se referindo ao igarapé:

O marisco naquela época era diferente, a gente mariscava praticamente de mutirão, tinha esses poços aqui no igarapé, quando dava a época do marisco que a água tava baixa, era liberado aí todos iam participar do marisco com redes de lancear, outros com zagaia (...) todo peixe pegado era dividido por todos que estavam lá. E tinha o marisco que o pessoal saía diariamente para pegar bóia para a família que era liberada pela comunidade.



Como discutido anteriormente, a perspectiva da Educação Ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações em uma abordagem ampliada, devendo também converter cada oportunidade em experiências educativas que busquem refletir sobre as condições necessárias para se construir sociedades verdadeiramente sustentáveis. A partir da fala do morador entrevistado, percebe-se que o uso comum dos recursos naturais fazia com que todos se beneficiassem dos produtos da pesca, por meio do mutirão, partindo dos conhecimentos ambientais locais. Como visto, é nesta perspectiva de educação que se pretende encaminhar este trabalho, principalmente no que se refere à construção das análises a partir das informações colhidas na pesquisa de campo, e que dão sustentação à pesquisa.

4.3 As Percepções dos Moradores da Comunidade Sobre os Problemas Ambientais

Sendo assim, o objetivo das entrevistas realizadas neste trabalho visa fundamentar um estudo sobre o tema mencionado anteriormente, numa perspectiva de construção do conhecimento a partir das percepções sobre o meio ambiente e sobre os recursos naturais no local de estudo, pois esta pesquisa não visa apenas colher dados acerca de um determinado território ou sobre uma determinada realidade, mas também analisar esta realidade com uma visão crítica, de modo a que possa contribuir na formação mais ampla das pessoas que estão envolvidas neste processo.

A análise das entrevistas se deu a partir de algumas questões consideradas como mais relevantes para alcançar os objetivos propostos no trabalho (conforme o questionário em anexo). A pesquisa foi realizada entre os dias 08 e 20 de junho de 2017, na localidade de Felipequara, foram entrevistados através de questionários 23 pessoas como nos mostra a TABELA 01, a seguir.

TABELA 01: Dados dos entrevistados


ITEM


Nº DE ENTREVISTADOS


MÉDIA DE IDADE


PORCENTAGEM

ENTREVISTADOS

23

37,4

100%

HOMENS

14

41,5

60,9%

MULHERES

09

32

39,1%



Fonte: Dados de campo (2017).

O questionário de pesquisa continha perguntas do cotidiano dos moradores da comunidade, a partir do qual percebe-se a grande preocupação dos entrevistados com a questão ambiental, porém a responsabilidade com as gerações futuras só aumenta.

A primeira das questões foi aplicada na entrevista com a Diretora da E.M.E.F. Marciano Corrêa de Miranda, cujo nome é Ângela Maria Gonçalves de Oliveira, sendo questionado a ela qual a preocupação da referida escola em relação à questão ambiental. Segundo a entrevistada:

Sabemos que a falta de consciência ambiental é um dos grandes problemas que vem afetando a sociedade, sofrendo com isso graves conseqüências ambientais, tais como: falta de água e comida, aquecimento global, poluição de rios e mares e doenças incuráveis (...) por isso a questão ambiental é um dos temas bastante discutidos em nossa escola, pois todas as pessoas precisam se conscientizar, para vivermos mais e melhor.

Foi questionado ainda à referida diretora sobre o que a escola tem feito na prática com os alunos para além da sala de aula, em relação aos aspectos ambientais. Segundo a entrevistada:

A escola tem se preocupado também com a comunidade, interagindo com outros grupos, incentivando os alunos a desenvolverem trabalhos como: palestras, pesquisas, mutirão para coleta de lixo, incentivo para plantio de árvores, cuidar da água e outros.



Foram também entrevistados moradores, utilizando o questionário que consta em anexo, de modo a procurar entender os principais problemas socioambientais vivenciados na localidade.

Cuidar do meio ambiente é dever de todos, segundo a entrevistada Alessandra Cardoso, 36 anos, professora da rede pública municipal, que afirma que “o meio ambiente é o bem mais precioso que Deus preparou para nós, por isso devemos preserva-lo da melhor maneira possível acabando com as queimadas nos campos que prejudicam os animais”.

Ainda segundo a entrevistada, Alessandra Cardoso, atualmente está quase impossível viver sem agredir a natureza, pois o homem tira além do que precisa para sua subsistência. A partir da entrevista, observou-se que na comunidade citada não existe acordo de pesca, nem para extração de madeira, ou seja, o uso desses recursos é feito sem um maior controle por parte da comunidade ou de órgãos ambientais. De acordo com a entrevistada, é difícil criar um acordo de pesca ou outros só com os moradores porque o poder público nada pode fazer sem que haja interesse da comunidade.

Essa também é uma preocupação da moradora Maria do Espírito Santo Moraes, 50 anos, ACS (Agente Comunitária de Saúde), pois segundo ela “deveria haver preocupação do poder público, conscientização da população, divulgação nas escolas e prevenção em geral”. Dentre os principais aspectos ambientais citados, sem dúvida o maior interesse é preservar o igarapé que dá nome à comunidade, justamente de onde se tira parte do sustento da família, pois há vários anos a população era muito menor e a demanda também era, sendo que existiam peixes em abundância para os moradores, como relatou também o senhor Luzinan Mendes, 80 anos, um dos fundadores da comunidade.

Este entrevistado relatou ainda que os poucos moradores da época tinham um “acordo informal”, mais que era respeitado porque tinham consciência que era de onde vinha o sustento da família, os homens se reuniam antes do período apropriado para pescar (maio a dezembro) para que nenhum morador ficasse sem o pescado. Segundo o informante, atualmente as coisas mudaram muito, pois a população se multiplicou no local, onde as perspectivas de vida são limitadas, sem geração de emprego e renda apenas com alguns servidores públicos e aposentados com salários fixos e com a grande maioria vivendo da pesca e da agricultura familiar.

TABELA 02: Ações para que o igarapé Felipequara recupere seus estoques pesqueiros

ALTERNATIVAS

Nº DE RESPOSTAS

PORCENTAGEM

Respeitar o período da piracema.

10

43,4%

Elaborar um acordo de pesca na Comunidade.

07

30,4%

Proibir a pesca com Visor e Flecha

06

26,8%

Permitir somente a pesca artesanal.

01

4,3%


Fonte: Dados de campo (2017).

A TABELA 02 mostra as percepções de moradores sobre o que deve ser feita para o Igarape Felipequara voltar a ter peixes, a mesma revela a percepção de 43,4% dos entrevistados que expressaram a opinião de que deve haver a preservação do pescado no período da piracema (que na região vai de janeiro a início de maio), essa é a época de reprodução das espécies de peixes nativos da região, ou seja, respeitar esse período evitando a pesca é primordial para a manutenção desses peixes, para evitar que sejam capturados muitos pequenos ou até mesmo antes de se reproduzirem. Outra alternativa importante respondida por 30,4% dos entrevistados, é sobre o acordo de pesca na comunidade (que já existiu há anos atrás segundo o entrevistado Luzinan Mendes), que os entrevistados garantem ser essencial, pois assim seria possível tirar da natureza somente para o consumo da família, portanto um acordo na localidade poderia amenizar o problema da escassez de peixes, pois no acordo seria proibido a pesca predatória.

A FIGURA 01 mostra o igarapé no início do verão, época propícia para a pesca, pois é o começo da estiagem (período de poucas chuvas) na região. É nesse período que se pesca com “timbó” Ateleia glazioviana (veneno extraído de uma planta), e se pesca por meio de mergulho com flecha e visor, além de se destruir a “casa” dos peixes nas samambaias em volta do igarapé, entre outras ações que podem ser consideradas predatórias.

FIGURA 01: Igarapé Felipequara, interior de Cametá-pa.

Fonte: Enéias Maciel (2017)

Já a FIGURA 02 mostra o peixe sendo preparado às margens do igarapé pelos próprios pescadores, uma prática muito comum na localidade, sendo que os primeiros peixes pescados são para a “merenda” dos pescadores e os próximos são levados para as famílias. Percebeu-se que, mesmo com todas as dificuldades já citadas neste trabalho, ainda existem recursos pesqueiros no igarapé, porém não se sabe até quando será possível sustentar as famílias utilizando a pesca artesanal. Assim, reafirma-se que é necessário conscientizar a população local para a importância da preservação, com a pesca artesanal sendo feita de modo sustentável. Assim:

Embora desde 1978 já houvesse uma tendência de queda progressiva da captura, de acordo com dados da SUDEPE (hoje IBAMA), o declínio registrado pode ser um reflexo da ação conjunta dos impactos da UHE de Tucuruí sobre o sistema à jusante e sobre o ciclo hidrológico, da sobrepesca dos principais estoques e do acelerado desmatamento das margens do rio Tocantins, além da captura não seletiva e de práticas predatórias como o uso de redes finas e do timbó (PPDJUS, 2003, p. 21).



FIGURA 02: Peixes capturados sendo assados às margens do igarapé Felipequara

Fonte: Enéias Maciel (2017)

No caso dos recursos pesqueiros na região, poderia se dar o que o trabalho clássico de Hardin (1968 citado por SCHMITZ et al., 2011, p. 183) denominou de “tragédia dos comuns”, ou seja, a sobre-exploração dos recursos por meio de atividades predatórias de pesca, combinada com a diminuição na quantidade de pescado à disposição das populações ribeirinhas após a construção da barragem de Tucuruí, levaria ao esgotamento dos recursos por causa dos inevitáveis conflitos e divergências de interesses que tal situação ocasionaria. Filgueira e Santos afirmam que:

A preocupação em reverter este processo vai mais além do controle e manutenção dos recursos naturais na região, pois os pescadores visam buscar garantias de sobrevivência para si e suas famílias. É desse modo que reforçam suas práticas sociais e tentam encontrar mecanismos endógenos que os fortaleçam e permita que os recursos pesqueiros possam ser administrados e apropriados de forma equânime e sustentável. (FILGUEIRA; SANTOS, 2006, p. 10).

Dando prosseguimento às entrevistas sobre as temáticas ambientais, a segunda pergunta feita aos entrevistados sobre o assunto foi sobre o lixo, buscando saber dos moradores o que acham sobre o assunto, quase não se discute esse problema na comunidade, já que cada família cuida do seu próprio lixo, dando destinação conforme achar melhor. Porém, muitas vezes nem sempre o destino dado é o correto. Assim, esta pesquisa vem discutir, entre outros temas, o problema dos resíduos sólidos e seus principais impactos no meio ambiente local. A TABELA 03 mostra as percepções dos moradores sobre esses problemas.

TABELA 03: Melhor destinação do lixo doméstico produzido pelos moradores

ALTERNATIVAS

Nº DE RESPOSTAS

PORCENTAGEM

Queimar no quintal

16

69,5 %

Enterrar no quintal

04

17,3 %

Jogar no mato

0

0 %

Jogar no igarapé para os peixes

0

0 %

Utilizar como adubo orgânico

08

34,7 %


Fonte: Dados de campo (2017).



A maioria dos entrevistados mostrou certo conhecimento empírico com a problemática do lixo, sendo que quase 70% disseram que queimar no próprio quintal é a melhor solução. Olhando com uma visão superficial, pode-se até concordar e respeitar as opiniões, mas os entrevistados não levaram em consideração que fazer queimadas provoca poluição do ar, principalmente se tratando de lixo que não passou por um processo de seleção, no qual tudo está misturado e que latas e garrafas, por exemplo, não queimam com facilidade, ou seja, continuam no ambiente como lixo. Outra alternativa respondida por 17,3% dos entrevistados foi de enterrar os resíduos no quintal, uma prática muito comum na zona rural onde não tem coleta de lixo. Através do conhecimento empírico, as donas-de-casa enterram as sobras, evitando queimar para não poluir o ambiente, mas mesmo sem saber que estão poluindo o solo, pois os resíduos decompostos podem chegar ao lençol freático.

Certamente, o ideal seria que houvesse um aterro sanitário, mas isso parece distante da realidade local, porque até a sede do município (Cametá) não possui e o lixo produzido na cidade é descartado à céu aberto. A falta de conhecimentos de parte dos moradores locais com o descarte dos resíduos sólidos gera consequências negativas, pois quando chove o lixo das ruas é levado, chegando muitas vezes ao igarapé, de onde muitas pessoas consomem tal água e tiram seu alimento através da pesca, sem pensar que aquele peixe poderá estar contaminado se tiver ingerido lixo contaminado, por exemplo.

Em relação aos resíduos sólidos, a realidade da comunidade não está distante do que acontece em todo o país, hoje em dia, de acordo com o levantamento feito pela Associação Brasileira de Empresas de Límpeza Pública e Resíduos Sólidos (ABRELP), a média de lixo gerado por pessoa no país foi de 178 quilos (kg), montante 5,3% superior ao de 2009 (359 kg) Ao longo de 2010, o montante chegou a 60,9 milhões de toneladas de lixo. Dessas, 6,5 milhões de toneladas não foram coletados e acabaram em rios, corregos e terrenos baldios. Do total de resíduos produzidos 42,4% ou 22,9 milhões de toneladas/ano, não receberam destinação adequada: foram para lixões ou aterros sanitarios (que não tem tratamento de gases e chorume) (REVISTA DAE, 2011). O órgão que realiza as pesquisas sobre o lixo coletado no país é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. No entanto, esses dados não são muito confiáveis, pois são passados pelas prefeituras dos municípios, e são de difícil verificação (RICARDO; CAMPANILI, 2008).

Tendo em vista essa problemática do lixo na localidade, segundo a entrevistada Andréia dos Santos Sena, 39 anos professora da rede municipal de ensino, “o desastre ambiental nada mais é do que o retorno de nossa imprudência como ser humano, não respeitamos o meio em que vivemos”. Para ela falta mais consciência ambiental, pois precisa-se preparar um ambiente saudável para as gerações seguintes e conta-se com participação primordial da escola nesse sentido.

A pesquisa buscou analisar a extinção de alguns animais silvestres presentes na localidade e seus arredores, buscando entender os motivos que levam esses animais a desaparecerem na região onde a fauna e bastante diversificada, podendo ser citados o porco-do-mato (Pecari tajacu), a cotia (Dasyprocta aguti), entre outros. Essa riqueza está acabando de forma que não nos damos conta.

É necessária conscientização para manter a fauna, pois a cadeia alimentar tem que funcionar para o equilíbrio ecológico, já que algumas espécies precisam de predadores naturais e o principal animal do topo dessa cadeia é a onça pintada (Panthera onca), a mais ameaçada de extinção, pois, segundo caçadores locais, ainda existem pouquíssimas. Segundo os entrevistados, existem vários fatores que contribuem para isso, como mostra a TABELA 04, abaixo:

TABELA 04: Motivos para a extinção da fauna local

ALTERNATIVAS

Nº DE RESPOSTAS

PORCENTAGEM

Desmatamento da floresta.

03

8,6%

As queimadas criminosas nos campos de natureza.

14

60,8%

Caça Predatória

06

26,8%

Período de estiagem muito longo.

0

0%

Grandes quantidades de roças, afetando o habitat dos animais.

04

17,3%



Fonte: Dados de campo (2017).

Entre os prováveis motivos, podem ser citados o desmatamento da floresta respondido por 8,6% dos entrevistados que acreditam que esse é o principal motivo, levando em consideração que madeireiros de outras regiões extraem sua produção da floresta nativa de Felipequara, por serem bastante diversificadas as espécies de madeira. Outro motivo apontado pela maioria dos entrevistados (60,8%) foram as queimadas criminosas nos campos naturais (ou de natureza). Essa é uma prática muito comum no verão, quando as áreas de capim estão secas, pois pessoas podem jogar restos de cigarro sem saber que podem estar provocando um desastre ambiental e/ou as vezes são de forma proposital para a surgimento de novas gramíneas para pastagem para a criação de animais.

Esse problema da caça indiscriminada e da redução de indivíduos e de espécies nativas é encontrado em toda a Amazônia. Segundo Rosas (2006, p. 21), “o uso na alimentação de produtos derivados de animais silvestres representa a principal fonte de proteína animal para as comunidades tradicionais de diferentes áreas tropicais”. Todavia, essas ações vêm sendo ditas como sendo um dos principais motivos de extinção ou queda da população de várias espécies da fauna silvestre amazônica. Somente na Amazônia Brasileira, estima-se que sejam consumidos anualmente, pelas populações rurais, entre 9 e 23 milhões de aves, mamíferos e répteis (PERES, 2000 apud ROSAS, 2006, p. 21).

Sendo assim, os resultados da pesquisa mostraram que os moradores da localidade possuem noções importantes sobre os problemas ambientais, que podem ser trabalhadas em ações de Educação Ambiental, seja no espaço educacional escolar, seja em ações de educação não formal.

5 Considerações Finais

Por fim, considera-se que a presente pesquisa pode ter levantado alguns temas para o processo de Educação Ambiental na comunidade citada, e demonstra que os moradores de Felipequara apresentam certo nível de consciência ambiental. Entretanto, essas noções possuídas a partir dos saberes locais podem ser trabalhadas por meio da EA, em parceria entre escola e comunidade, para amenizar os problemas ambientais que foram como exemplos: extinção dos peixes, desmatamento ilegal, queimadas criminosas nos campos de natureza e o descarte irregular de lixo. Considerou-se que esses temas foram os mais relevantes dentre as problemáticas socioambientais existentes localmente.

Certamente, tais aspectos são relevantes de serem trabalhados no âmbito da Educação Ambiental formal (com o apoio da escola da comunidade), como em espaços não-formais de EA (como, por exemplo, em possíveis tratativas para um futuro acordo de pesca na localidade). Certamente, esse assunto é extenso e não se esgota necessariamente nessas iniciativas, embora se perceba que as mesmas são necessárias no âmbito dos problemas ambientais identificados localmente.

São esses e outros problemas socioambientais sobre os quais os moradores da localidade devem tomar consciência das suas consequências diretas na vida de todos, visando construir um lugar melhor para se viver, com ambiente menos poluído e a natureza conservada, e utilizada de forma sustentável. Assim, espera-se que esta pesquisa contribua diretamente para estimular as pessoas quanto à importância da conservação ambiental na comunidade e em outras situadas na região, apontando-se futuras pistas de reflexão nesse sentido, que podem ser continuadas em trabalhos acadêmicos e ações concretas posteriores. Espera-se que os resultados deste trabalho possam auxiliar nesse processo, abrindo oportunidade para um diálogo com a comunidade acerca das problemáticas ambientais.





6 Referências

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CARVALHO, I. C. M. Educação Ambiental Crítica: nomes e endereçamentos da educação. In: LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Brasília: Mistério do Meio Ambiente, 2004.

FILGUEIRA, G. C.; SANTOS, J. N. A. Inovação e práticas endógenas na atividade pesqueira do Baixo Tocantins: uma alternativa face à dificuldade de oferta. In: Anais... Fortaleza: XLIV Congresso da SOBER, jul. 2006.

GADOTTI, M. Pedagogia da Terra e cultura de sustentabilidade. Revista Lusófona de Educação, Lisboa, n. 6, p. 15-29, 2005.

GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

GESTÃO AMBIENTAL; O caminho da Sustentabilidade. 2016. Disponível em: http://WWW.academiasdetalentos.com.br/05pdf>. Acesso em: 31 out. 2016.

JACOBI, Pedro; Educação, Cidadania e Sustentabilidade. São Paulo, 2003.

LEFF, E. Aventuras da Epistemologia Ambiental: da articulação das Ciências ao diálogo de saberes. São Paulo: Cortez, 2012.

LOMBARDI, R. (Ed.). Almanaque Abril. São Paulo: Abril, 2009.

PLANO POPULAR DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA REGIÃO A JUSANTE DA UHE TUCURUÍ. PPDJUS: minuta preliminar. Belém: Conselho Gestor do PPDJUS / Eletronorte, 2003 (mimeo).

REIS, L. C. L. SEMÊDO, L. T. A. S.; GOMES, R. C. Conscientização Ambiental: da educação formal a não formal. Revista Fluminense de Extensão Universitária. Vassouras-RJ, 2012.

REVISTA DAE. Geração de lixo em 2010 foi seis vezes superior ao crescimento da população. 2011. Disponível em: <http://www.revistadae.com.br/novosite/noticias_ interna.php?id=4760>. Acesso em: 22 jun. 2016.

RICARDO, B.; CAMPANILI, M. (Ed.). Almanaque Brasil Socioambiental. São Paulo: ISA, 2008.



ROSAS, G. K. C. Pressão de caça, abundância, densidade e riqueza de mamíferos em duas áreas de coleta de castanha-do-brasil situadas no sudoeste do Estado do Acre, Brasil. Rio Branco, 2006. 80 f. Dissertação (Doutorado em Ecologia e Manejo de Recursos Naturais) – Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade Federal do Acre.

SILVA, A. S. Educação Ambiental: Aspectos Teórico-Conceituais Legais e Metodológicos. Educação em Destaque, Juiz de Fora-MG, 2008.

7 Anexo 01 – Questionário utilizado com os moradores da comunidade de Felipequara



  1. O que você acha que deve ser feito para o igarapé Felipequara voltar a ter peixes?

( ) Respeitar o período da piracema.

( ) Elaborar um acordo de pesca na comunidade.

( ) Proibir a pesca de visor e flecha.

( ) Permitir somente a pesca artesanal.

( ) Suspender todas as atividades pesqueiras por um ano.

  1. A comunidade não possui coleta de lixo. Qual o melhor destino para o lixo doméstico dos moradores?

( ) Queimar no quintal.

( ) Enterrar no quintal.

( ) Jogar no mato.

( ) Jogar no igarapé para os peixes.

( ) Utilizar como adubo orgânico.



  1. A região de Felipequara possui muitos animais (caças) ameaçados de extinção. Qual o principal motivo?

( ) Desmatamento da floresta.

( ) As queimadas criminosas nos campos de natureza.

( ) Caça predatória.

( ) Período de estiagem (seca) muito longo.

( ) Grandes quantidades de Roças, que é necessário realizar queimadas.



8 Anexo 02 – Entrevistas presenciais Semiestruturadas





PERGUNTAS FEITAS PARA A DIRETORA DA E.M.E.F. MARCIANO CORRÊA DE MIRANDA.

1. Qual a preocupação da escola em relação à questão ambiental?

2. O que a escola tem feito na prática com os alunos para além da sala de aula?





PERGUNTAS FEITAS PARA O SR. LUZINAN MENDES, 80 ANOS.

1. Como os moradores tratavam a questão ambiental na comunidade nas décadas de 1970 e 1980?

2. Sobre, o que achava do tratamento dos moradores ao meio ambiente nos dias atuais, principalmente ao igarapé?

























Ilustrações: Silvana Santos