Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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05/03/2018 (Nº 63) ANÁLISE MULTITEMPORAL DA MATA CILIAR EM TRECHOS DO RIO POTENGI ASSOCIADA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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ANÁLISE MULTITEMPORAL DA MATA CILIAR EM TRECHOS DO RIO POTENGI ASSOCIADA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL


Silenildo Rafael Lopes1; Adalfran Herbert de Melo Silveira2; Fernando Moreira da Silva3


1Mestrando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da UFRN. E-mail: silenildo.bio@hotmail.com

2Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos Geoambientais da UFRN.

E-mail: adalfran_vl@hotmail.com

3Prof. Dr. do Departamento de Geografia da UFRN. E-mail: fmoreyra@ufrnet.br


Resumo

As matas ciliares são importantes ecossistemas que contribuem diretamente para a manutenção da quantidade e da qualidade da água, mantém a morfologia do canal fluvial, a temperatura do ar e constituem-se como ambientes ricos em biodiversidade. Assim, o presente estudo investigou a evolução da mata ciliar em quatro trechos do rio Potengi, inseridos no município de São Paulo do Potengi/RN, realizando-se através da coleta de dados espectrais nos períodos de 1978, 1986 e 2017, da calibração radiométrica e pré-processamento das informações. O mesmo foi desenvolvido com a participação de estudantes do ensino médio de uma escola pública local a partir de visitas em campo, análise dos mapas através do NDVI e, posteriormente, interpretação e comparação dos dados dos períodos de referência com as informações verificadas in loco. Como resultado, constatou-se que ao longo dos três períodos pesquisados, as áreas inseridas no núcleo urbano apresentam menor densidade vegetal nas margens do rio, podendo ser associado a urbanização e a instalação da barragem Campo Grande, o que provocou desmatamento e incentivou a ocupação de suas margens. Os resultados ainda evidenciam a importância da educação ambiental no processo de investigação e análise de problemas ambientais. Por fim, aponta-se para a necessidade da fiscalização no uso e ocupação do solo, a recuperação da vegetação ciliar e o desenvolvimento constante de outras atividades de educação ambiental.


Palavras-chave: Recursos Hídricos. Vegetação. Sensibilização Ambiental.


Abstract

The riparian forests are important ecosystems that directly contribute to the maintenance of the quantity and quality of water, maintains the morphology of fluvial channels, the temperature of the air and act as environments rich in biodiversity. Thus, the present study investigates the evolution of the riparian vegetation in four segments of the Potengi river, inserted in the municipality of São Paulo do Potengi/RN, performing through the collection of spectral data in the periods of 1978, 1986 and 2017, calibration radiometric and pre-processing of the information. The same was developed with the participation of students in a local public school from visits in the field, analysis of the maps through the NDVI and, subsequently, interpretation and comparison of data reference periods with the information verified on the spot. As a result, it was found that over the three periods surveyed, the areas inserted in the urban core have lower-density vegetation on the banks of the river, and may be associated with urbanization and the installation of the dam, which has caused deforestation and encouraged the occupation of their margins. The results also highlight the importance of environmental education in the process of research and analysis of environmental problems. Finally, it points to the need for supervision in the use and occupation of land, recovery of riparian vegetation and the constant development of other environmental education activities.


Keywords: Water Resources. Vegetation. Environmental Sensitization.


INTRODUÇÃO


A mata ciliar apresenta importância relevante, principalmente para as bacias hidrográficas, para as populações humanas e conservação da biodiversidade local. Influencia no controle da qualidade da água, evita o assoreamento e reduz o risco de inundações (CASTRO; MELLO; POESTER, 2012), além de contribuir com a diminuição da temperatura do ar e o aumento do conforto térmico local, redução dos ruídos e dos impactos ambientais causados pela urbanização (ABE et al, 2016). Essa cobertura vegetal, fundamental para manutenção das características e estrutura da bacia hidrográfica, interfere no transporte e na diminuição da temperatura da água, redução do processo erosivo e aumento da infiltração e recarga dos aquíferos (TUNDISI &MATSUMURA-TUNDISI, 2008; POLETO, 2011).

Tundisi e Matsumura-Tundisi (2010), afirmam que a vegetação ripária também possui relevante importância no ciclo hidrológico, repondo água para a atmosfera sob forma gasosa através da evapotranspiração. Corroborando com isso, um estudo realizado por Likens (1992), na Floresta de Hubbard Brook, Estados Unidos, observou que 38% da precipitação anual estava relacionada a evapotranspiração da vegetação.

As matas ciliares ainda se constituem como importantes áreas por serem ricas em biodiversidade e manterem alta produtividade biológica, se estabelecendo como áreas de refúgio e fontes de dispersão de diferentes espécies (TUNDISI & MATSUMURA-TUNDISI, 2008).

O Código Florestal Brasileiro (Lei no 12.651/2012), considera a mata ciliar como Área de Preservação Permanente (APP) no qual delimita as faixas das margens dos cursos d’água a serem preservadas, avaliando também a característica e a largura desses ambientes.

Apesar de desempenhar importantes funções hidrológicas e biológicas e constitui-se como áreas ambientalmente protegidas, as matas ciliares ainda sofrem diversos tipos de degradação. Com o crescimento das cidades, essa vegetação foi sendo devastada, acarretando problemas como inundações, poluição e modificação paisagística, provocando a descaracterização dos cursos d’água (ALMEIDA, 2003; FERREIRA & DIAS, 2004).

No município de São Paulo do Potengi, trechos da margem urbana do rio Potengi e da barragem Campo Grande, consideradas áreas de preservação (APP), estão sendo ocupadas por construções irregulares, acarretando em inundações em períodos de elevado índice pluviométrico. Na zona rural, os agricultores familiares utilizam as margens e o leito do rio para suporte forrageiro através do plantio, irrigado ou não, de diversas culturas e ainda para a dessedentação de animais, tendo sofrido atualmente com o assoreamento devido a destruição das matas ciliares (BRASIL, 2010).

Outro fator que contribui para a diminuição das matas ciliares tem sido as obras de engenharia, principalmente as hidráulicas que atuam sobre os rios, modificando seus cursos naturais, como observado no caso da barragem Campo Grande. Além disso, ocorrem os desmatamentos, seja para a agricultura, ou para instalação de outras obras, acarretando no aumento do escoamento superficial e na redução da evapotranspiração. Com o aumento do escoamento superficial, ocorre erosão da bacia vertente, o assoreamento do rio e aumento do risco de inundações (POLETO, 2014).

Visualizando os cenários de degradação da vegetação ciliar ao longo dos cursos d´água, a gestão aliada a Educação Ambiental, permite a promoção de ações que visem a preservação e a conservação dessas áreas. A Educação Ambiental aproxima a escola do meio ambiente, de modo que as atividades em campo estimulam a sensibilização, conscientização, reflexão, conservação do patrimônio ambiental local e mudança de atitudes (ESTEVES; VASCONCELOS; FERNANDES, 2007; NASCIMENTO, SODRÉ-NETO, OLIVEIRA, 2013).

Um outro instrumento que pode contribuir para a manutenção ou recuperação dessas áreas são as imagens de satélites, podendo ser utilizadas em sala de aula como ferramenta de ensino, auxiliando os alunos na compreensão de problemas ambientais de bacias hidrográficas, oportunizando mudanças de atitudes do ser humano e novas formas de relação com o ambiente (COSTA & PINHEIRO, 2012). Essas imagens também são importantes para identificação da degradação das matas ciliares e uma ferramenta relevante para interpretação ambiental, que se configura como instrumento de educação, permitindo a conexão e a compreensão das pessoas com seu entorno ecológico (CHAGAS, 2011; DIAS; SALVADOR; BRANCO, 2014).

Assim, a integração de diferentes dados e informações, podem contribuir para o monitoramento e recuperação da saúde ambiental, de modo que, os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) tem importante utilidade na caracterização de espaços físicos, detecção de informações climáticas, relevo, solo, degradação da flora e distribuição hidrográfica, além da capacidade de auxiliar na obtenção de informações sociais, econômicas e políticas e que podem contribuir com atividades de Educação Ambiental em sala de aula, ou também, em pesquisas e extensão fora do espaço escolar (WRUBLACK et al., 2014).

Para análise da cobertura vegetal, detecção das mudanças ocorridas e quantificação da degradação da vegetação, as técnicas de geoprocessamento podem ser utilizadas para auxiliar a geração de índices de vegetação em diferentes períodos (GOMES, et al, 2011).

Diante disso, o foco deste estudo foi realizar uma análise multitemporal da mata ciliar em recortes do rio Potengi, localizados no município de São Paulo do Potengi, semiárido do Rio Grande do Norte, buscando compreender as modificações ocorridas, suas causas e consequências. Tal investigação visou a obtenção de conhecimentos sobre as condições atuais da vegetação, gerando informações como subsídios para ações da gestão pública e configurando-se como instrumento de Educação Ambiental na escola e na comunidade.


ÁREA DE ESTUDO


Os trechos do estudo estão inseridos na Bacia Hidrográfica do rio Potengi. A bacia ocupa uma área total de 4.093 km2, abrangendo cerca de 7,7% do território estadual. No município de São Paulo do Potengi localiza-se o açude Campo Grande, considerado o segundo maior reservatório da bacia, com capacidade volumétrica atual de mais de 23 milhões de m3 de água. O regime pluviométrico no território é caracterizado por chuvas anuais médias que decrescem do litoral para o interior, passando de cerca de 1.300 mm na foz para 500 mm nas cabeceiras. Quanto ao uso do solo, na bacia destacam-se diversas classes, principalmente a Caatinga antropizada (36,4%) e a Caatinga herbácea-arbustiva (31,1%) (SEMARH, 1998).

A área do estudo compreendeu quatro trechos do rio Potengi (Figura 1), localizados no município de São Paulo do Potengi/RN:

  • Ponto 1 (P1): Comunidade de Curicaca (zona rural).

  • Ponto 2 (P2): Barragem Campo Grande (zona urbana).

  • Ponto 3 (P3): Bairro Novo Juremal (zona urbana).

  • Ponto 4 (P4): Comunidade de Boa Vista (zona rural).


Figura 1 - Localização de áreas da pesquisa. Fonte: Adalfran Herbert, 2017.


A definição da área pesquisada ocorreu principalmente pela existência de crescentes atividades potencialmente degradantes da vegetação ciliar do referido curso d´água, a carência desse tipo de estudo na região e ainda como oportunidade de envolver estudantes de uma escola pública local, permitindo o seu engajamento no processo de investigação científica, diálogo com a comunidade e reflexões sobre a atual situação ambiental do rio.


PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


Os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa, inicialmente foram pautados por uma revisão bibliográfica acerca da temática de estudos que envolvem: processamento digital de imagens, geoprocessamento, educação ambiental, degradação e inundação.

A pesquisa desenvolveu-se com a participação de alunos da Escola Estadual Maurício Freire, situada no núcleo urbano do município supracitado e considerada a maior instituição escolar do território Potengi, atendendo exclusivamente o Ensino Médio.

Foi estabelecido o número de 10 alunos com participação direta por motivos técnicos e operacionais, ou seja, a logística do translado durante as visitas, a capacitação dos estudantes participantes, a coleta e a interpretação dos dados obtidos.

Desta forma, o estudo realizou-se a partir de cinco etapas:

Etapa 1: Identificação de atividades potencialmente degradantes e áreas degradadas de mata ciliar através de visitas em campo juntamente com os estudantes envolvidos.

Etapa 2: Coleta de dados espectrais; LANDSAT 3, 5 e 8 durante os períodos de 1978 (anterior a construção da barragem Campo Grande), 1986 e 2017 (posterior a construção da barragem), respectivamente.

Etapa 3: Calibração radiométrica e pré-processamento das informações.

Etapa 4: Análise espaço-temporal por meio do mapeamento da mata ciliar pelo Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI).

Etapa 5: Interpretação das informações geradas pelos mapas e análise das mudanças ocorridas nos períodos de referência, contribuindo com o desenvolvimento da percepção e sensibilização ambiental dos estudantes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO


Durante as visitas nas áreas pesquisadas, procurou-se no primeiro momento estimular os estudantes participantes a fazerem a leitura do referido ambiente. Posteriormente, em cada local, analisou-se a mata ciliar quanto a sua localização, densidade, tipos de espécies e ações antropogênicas potencialmente degradantes.

A análise da vegetação ciliar do rio Potengi no município de São Paulo do Potengi/RN nos anos de 1978, 1986 e 2017 permitiu verificar as consequências do aumento populacional em determinadas áreas, o estabelecimento de atividades produtivas às margens do rio e a construção de reservatório hídrico que, associados a outros fatores, como a falta de planejamento estratégico, a ausência de políticas públicas voltadas à educação, a conservação e ainda a regulamentação de atividades nessas áreas, têm gerado, historicamente, inúmeros problemas socioambientais e econômicos na região.

Com base no mapeamento realizado através do NDVI, ao analisar as áreas pesquisadas no ano de 1978, anterior a construção da barragem (Figura 2), observa-se menor densidade na mata ciliar em P2 e P3, ambas localizadas na zona urbana. Dentre as áreas rurais, P4 apresentou maior índice de vegetação. Visualiza-se que P2 encontra-se inserida em uma localidade que apresenta em seus arreadores área tanto com alta concentração vegetal, quanto área com baixa concentração.


Figura 2 - Mapa do Índice de Vegetação no município de São Paulo do Potengi no ano de 1978. Fonte: Adalfran Herbert, 2017.


Quanto a caracterização da mata ciliar no ano de 1986 (Figura 3), verifica-se P2 como a área com menor índice de vegetação, seguido posteriormente por P3, ambas inseridas na zona urbana. O fato da densidade vegetal ser mais baixa em P2, está relacionada a construção da barragem Campo Grande, instalada em 1984 e, consequentemente ter provocado o desmatamento na área, atraído a implantação de atividades agropecuárias em suas margens e ainda provocado o aceleramento da urbanização. Observa-se ainda neste período, que a maior densidade vegetal se encontra em P1 e P4, correspondentes as áreas rurais.

É importante observar ainda a dinâmica populacional do município para compreensão da relação entre a quantidade de indivíduos e o seu ambiente de inserção. Dados do IBGE (2011) apontam que em 1980, a população urbana (5.581) era menor que a população rural (7.972) do município e, a partir de 1991, a população urbana (8.304), ultrapassou a rural (6.255).

Corroborando com tal situação demográfica, Poleto (2014) afirma que o Brasil apresentou até meados da década de 1970 equivalência em sua população urbana e rural. No entanto, a partir disso, a população urbana sofreu crescimento exponencial e que, sem planejamento, ocasionou alterações nas condições ambientais das bacias hidrográficas.


Figura 3 - Mapa do Índice de Vegetação no município de São Paulo do Potengi no ano de 1986. Fonte: Adalfran Herbert, 2017.



Em 2017, verifica-se que a vegetação ciliar (Figura 4) se encontra com maior densidade em P4, P3 e P1, respectivamente. Em P2, correspondente a área da barragem Campo Grande, é o ponto que apresenta menor vegetação em suas margens. Atualmente, apesar da barragem não ser utilizada para o abastecimento humano, utiliza-se desse recurso para a produção agrícola, pecuária, piscicultura e para o turismo.

Ao realizar uma análise comparativa da mata ciliar nos três períodos estudados, constatou-se a perda da vegetação às margens do Potengi, principalmente na zona urbana, ao longo dos anos, ocasionada por diversos fatores e provocando consequências ambientais, sociais e econômicas.


Figura 4 - Mapa do Índice de Vegetação no município de São Paulo do Potengi no ano de 2017. Fonte: Adalfran Herbert, 2017.


O diagnóstico do comportamento temporal da mata ciliar do rio Potengi mostrou modificações que podem estar agregadas as consequências, a exemplo das inundações. Conforme o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais (UFSC, 2013), o estado do Rio Grande do Norte apresentou, entre 1991 e 2012, 206 registros oficiais de inundações excepcionais caracterizadas como desastres, destacando-se o ano de 2004 com 92 registros. O estudo constatou o município de São Paulo do Potengi como o segundo mais afetado do estado, alcançando a quantidade de cinco ocorrências, uma no ano 2000, duas em 2004, uma em 2005 e uma em 2009, registrando no penúltimo ano a destruição total de três residências localizadas as margens do rio Potengi. Ainda de acordo com o atlas, esses episódios de inundação, são recorrentes em áreas urbanas, principalmente quando essas áreas apresentam ocupação desordenada em planícies de inundação, contemplando a degradação da mata ciliar, fato em que os habitantes dessas localidades e suas moradias tornam-se vulneráveis ao aumento do nível dos rios.

De acordo com o relatório Leitura Técnico-comunitária “A cidade que temos”, elaborada durante a construção do Plano Diretor de São Paulo do Potengi, as margens do rio Potengi são consideradas áreas de risco para o uso habitacional devido aos alagamentos em períodos de chuva em que ocorre o aumento de seu nível, identificando moradias principalmente nos bairros Centro, Novo Juremal e Santa Clara sujeitas a esses problemas (SÃO PAULO DO POTENGI, 2005).

A análise e a interpretação dos mapas nos três períodos pesquisados demonstraram menor densidade de mata ciliar principalmente na zona urbana. A supressão da vegetação ciliar, associada ao processo acelerado da urbanização e a ausência de planejamento tem provocado ao longo dos anos inúmeras consequências aos recursos hídricos e à própria população local. Para Poleto (2014), a urbanização, de todas as atividades antrópicas, é a que gera maiores alterações no processo hidrológico terrestre. Em alguns casos, áreas consideradas de APP são substituídas por residências, construídas em faixas de 10 a 15 metros a partir das margens dos cursos d’água.

Um fator agravante ligada a perda da mata ciliar é o assoreamento do rio Potengi. Em todas as áreas pesquisadas foram observadas alterações morfológicas do canal fluvial, acúmulo de sedimentos e redução do volume hídrico, esta última verificada com maior intensidade na barragem Campo Grande. O reservatório, instalado em 1984 com o objetivo de abastecer a cidade de São Paulo do Potengi e ainda garantir suporte hídrico para atividades produtivas como agricultura, pecuária e pesca, possuía capacidade máxima de armazenamento de 34.000.000 m3. Atualmente, devido ao assoreamento, sua capacidade volumétrica é de 23.139.587 m3 (RIO GRANDE DO NORTE, 2017).

Através das visitas em campo, foi possível com a participação dos estudantes, caracterizar a mata ciliar presente nas quatro áreas de estudo, além de identificar atividades antrópicas relacionadas a degradação ambiental e suas consequências.

Em P1 verificou-se resquícios de vegetação, composta principalmente por arbustos e poucas árvores, em sua maioria algaroba (Prosopis juliflora). Essa área, concentrava em até meados de 2015, produção de hortaliças e frutas através de irrigação. Atualmente, em decorrência da estiagem prolongada e diminuição do volume hídrico local, as margens e o leito do rio concentram o cultivo de plantas forrageiras, principalmente o capim elefante (Pennisetum purpureum).

Em P2 observou-se baixa densidade vegetal localizada em margens e ainda no interior do reservatório, composta por arbustos e árvores, principalmente por jurema (Mimosa tenuiflora) e algaroba (Prosopis juliflora). A vegetação que cresce no interior da barragem pode ser apontada como resultado do baixo volume de água, tendo sido registrado o volume máximo de armazenamento no ano de 2011. Foi possível verificar ainda o elevado nível de assoreamento, onde a concentração de sedimentos no reservatório tem sido utilizada para o cultivo de capim (Pennisetum purpureum). O processo de assoreamento, como já mencionado anteriormente, reduziu drasticamente a capacidade volumétrica da barragem Campo Grande. Suas margens são ocupadas por residências e bares, além da produção agrícola e pecuária.

Observou-se em P3 mudança na morfologia do rio, principalmente pelo assoreamento elevado, tendo provocado o estreitamento do leito do rio. Desta forma, formou-se um corredor de vegetação, composta principalmente por algarobas (Prosopis juliflora), no interior do rio. Se esta situação, tem por um lado evitado o aumento do assoreamento na área, por outro, a algaroba por ser considerada exótica invasora, impedindo que espécies nativas possam se estabelecer e se desenvolver no local. Utiliza-se ainda essas áreas resultantes do processo de assoreamento para a agricultura e pecuária.

Ainda em P3, as margens são ocupadas por residências e empreendimentos comerciais. Observou-se a instalação de estacionamentos e a extração de areia no leito do rio, além de barramentos realizados para acúmulo de água para dessedentação animal. A área ainda recebe grande descarga de efluentes in natura oriundos de residências e dos empreendimentos inseridos no local.

Em P4 foi possível verificar maior densidade e variedade de espécies vegetais, apesar de algumas atividades que se desenvolvem no local. Foram identificadas espécies como o trapiá (Crateva tapia), a algaroba (Prosopis juliflora), a jurema (Mimosa tenuiflora) e a craibeira (Tabebuia aurea), além de espécies frutíferas como a manga (Mangifera indica). No entanto, suas margens também são ocupadas por atividades agrícolas, principalmente o cultivo de capim elefante (Pennisetum purpureum), e a pecuária, onde o gado em certos pontos, é criado livremente no leito do rio. Ainda foi possível verificar em alguns pontos a erosão provocada pelo solo exposto, contribuindo para o processo de assoreamento e lixiviação do solo.

Por fim, verificou-se que essas atividades desenvolvidas contribuíram significativamente para o desenvolvimento da sensibilização ambiental dos estudantes. Por meio dessas práticas foi possível constatar o envolvimento dos mesmos na busca por compreender como determinados processos produtivos e a urbanização sem planejamento contribuíram ao longo de períodos distintos para a degradação da mata ciliar do rio Potengi. Desta forma, durante o estudo compreendeu-se a importância da vegetação ciliar para qualidade do ecossistema aquático e da área do entorno, para controle e impedimento de inundações e para a manutenção da biodiversidade.

Portanto, os resultados obtidos evidenciam a importância da educação ambiental no processo de investigação e análise de problemas ambientais. Tais práticas promoveram o envolvimento dos estudantes com a realidade socioambiental da comunidade, integrando, para isso, conhecimentos científicos, sociais, econômicos, históricos e culturais locais.


CONCLUSÃO


A análise multitemporal da mata ciliar do rio Potengi permitiu verificar as mudanças ocorridas nas áreas pesquisadas nos períodos de 1978, 1986 e 2017. Possibilitou ainda compreender a evolução do processo antrópico, através da dinâmica populacional e das atividades produtivas locais, juntamente com estudantes do ensino médio, constituindo assim, importantes atividades de educação ambiental.

A urbanização da cidade e a construção da barragem Campo Grande são dois fatores que contribuíram para o desmatamento e a ocupação das margens do Potengi.

A degradação da mata ciliar apontou para uma tendência recorrente de inundações em áreas urbanas, principalmente quando essas áreas apresentam ocupação desordenada em planícies de inundação, fato em que os habitantes dessas localidades e suas moradias tornam-se vulneráveis ao aumento do nível dos rios.

Nas áreas de estudo inseridas na zona rural, apesar de maior intensidade de atividades agrícolas e pecuárias, foram as que apresentaram maior densidade e diversidade florística, incluindo espécies nativas da Caatinga como a jurema e a craibeira.

Verifica-se a necessidade de um monitoramento constante dessas áreas, a fiscalização de atividades de uso e ocupação do solo, a implementação de projetos de recuperação da mata ciliar e o desenvolvimento de políticas de educação ambiental visando a sensibilização e a efetiva participação das comunidades no processo de discussão, deliberação e execução de projetos e ações.

Assim, o processo de educação ambiental, como realizado nesta pesquisa, deve fomentar a integração da comunidade com o seu ambiente de vivência por meio de práticas que estimulem os indivíduos a raciocinar complexamente, perceber e interpretar as diferentes situações ambientais, promovendo o desenvolvimento socioambiental capaz de difundir seus conhecimentos frente as crescentes problemáticas das áreas pesquisadas.



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Ilustrações: Silvana Santos