Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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11/09/2016 (Nº 57) ETNOECOLOGIA DA ANUROFAUNA EM UMA ÁREA DO COMPLEXO VEGETACIONAL DE CAMPO MAIOR (PI), NORDESTE BRASILEIRO
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ETNOECOLOGIA DA ANUROFAUNA EM UMA ÁREA DO COMPLEXO VEGETACIONAL DE CAMPO MAIOR (PI), NORDESTE BRASILEIRO

 

Geandre de Lira Sousa[1]

Kelly Polyana Pereira dos Santos[2]

Romildo Ribeiro Soares3

Simone Mousinho Freire 4

 

RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo avaliar como os moradores rurais da comunidade Pau Arrastado/Campo Maior/PI compreendem e se relacionam com a anurofauna da região, no tocante a conhecimentos, usos, crenças e manejo. Para a obtenção de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas. Conheceu-se sete etnoespécies, calhando 10 espécies de anfíbios da caatinga, área predominante no Complexo de Campo Maior. A pesquisa teve um papel fundamental, no sentido de difundir os conhecimento etnozológicos e etnoecológicos da anurofauna no Complexo de Campo Maior (PI).

Palavras-Chave: Anuros. Conhecimento Popular. Etnozologia. Etnotaxonomia.

 

 

ETHNOECOLOGY OF ANURANS IN AN AREA COMPLEX LARGEST FIELD VEGETATION (PI), NORTHEASTERN BRAZIL

 

SUMMARY

This research aimed to evaluate how rural residents of Pau Dragged community / Campo Maior / PI understand and relate to anurofauna the region, with regard to knowledge, practices, beliefs and management. For data collection semi-structured interviews were conducted. Met-seven ethnospecies, chancing 10 amphibian species from the caatinga, predominant area in Campo Maior Complex. The research has a key role in order to spread the knowledge of etnozológicos and ethnoecological anurofauna in Campo Maior Complex (PI).

Keywords: Anura. Popular knowledge. Ethnobiology. Etnotaxonomia.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A etnociência é o ramo da ciência que envolve todos os saberes sobre a natureza, observação feita por Lévi-Strauss em seu livro La Pensée Sauvago (1989). Segundo ele a etnociência é uma “ciência concreta”, porém estes saberes não se limitam somente como conjectura de utilidade prática, ela pode variar de saberes mais completos ou simplesmente a saberes simbólicos. Ao que se observa os estudos etnológicos é bem mais expressivo nas ciências naturais, desta forma a ‘etnociência’ (DIEGUES e ARRUDA, 2001), compartilha os conhecimentos adquiridos entre as ciências naturais e sociais.

Na envergadura da etnociência, surge a etnobiologia, que por sua vez possibilita os estudos atribuídos a etnoecologia que pode ser determinada como conjunto de estudos referentes aos conhecimentos e crenças, atribuídas e aplicadas, que interligam entre as relações de grupos de pessoas e de animais, aos quais estão inseridos a um mesmo ecossistema (MARQUES, 2002). Com a função de revelar, compreender e contribuir para a sistematização de forma cientifica, as diversas teorias práticas ao ambiente, buscam atuar da mesma forma que diversos grupos tradicionais operam (NORDI et al., 2001). Observado que estudos etnobiológicos vem demonstrando que o modo de manipulação de recursos naturais, se aplica de forma diferente em diversos grupos sociais, podendo observar um modelo único para cada grupo, o que visa sempre um novo mecanismo para a utilização do meio ambiente (POSEY, 1982; SCHEPS, 1993).

Porém estudos etnoecologicos envolvendo vertebrados em especial da ordem dos anuros, são bem relevantes, uma vez que estes desenvolvem enumeras funções na natureza, tais como controle biológicos, bioindicadores de alterações ambientais, têm importante papel no equilíbrio das cadeias alimentares, servindo de alimento para cobras, morcegos, roedores, macacos, aves e até para outros anfíbios; no âmbito da medicina utiliza-se substâncias químicas de anfíbios como antivirais e antibacterianos, ainda na medicina como cita (STTEBINS; COHEN, 1995), o tecido de anfíbios, por apresentarem alto poder regenerativo, têm sido usados com sucesso no tratamento da recomposição da pele de seres humanos acometidos por acidentes com queimaduras. Porém há poucos registros literários referentes as relações ecológicas entre homem e anfíbios. Tendo estes, grande repulsão por boa parte da população, o que dificulta a aplicação de uma educação ambiental a respeito da herpetofauna, causando uma sensação de medo ou nojo, o que pode gerar um bloqueio por parte dos educandos em relação à preservação (LEITE et al., 2004).

A Serra de Santo Antônio é uma região, onde seus limites extremam com a comunidade urbana, devido a essa proximidade a Serra passa por especulações imobiliárias, bem como cogita-se a possível exploração turística, efeito que podem causar o desequilíbrio ambiental da região, levando a perda de saberes tradicionais relacionado ao manejo de animais e vegetais que sustentam esse equilíbrio ambiental. Como os dados relativo a diversidade biológica da Serra de Santo Antônio ainda estão sendo explorados na sua maioria, por se tratar em parte de uma área pública e outras partes particulares, ainda não há programas de conservação dos diversos recursos biológicos, sendo assim como se trate de um complexo de biomas, sua degradação pode estar levando a perda de forma significativa de espécies endêmicas e à eliminação de processos ecológicos, desta forma por apresentar várias comunidades pertencentes da região, torna-se necessário mais estudos que complementem a região.A Serra de Santo Antônio por ser classificada como área pouco explorada e por possuir grande potencial de exploração turística rural futura, como cita (CEPRO, 2007), e ainda na esperança de se tornar área de proteção ambiental estadual (BRASIL, 2006), com a exploração de um turismo ecológico por parte do Governo Estadual, com construção de teleférico e hotéis como aborda (GOMES, 2013).

Considerando a importância da Serra de Santo Antônio, do ponto de vista biológico e cultural, foi estudada uma comunidade humana inserida nessa serra: Comunidade Pau Arrastado. Para tanto, o presente trabalho teve como objetivo analisar o conhecimento dos moradores, e, assim observar e conhecer as relações que se estabelecem na relação homem e anuros, no tocante a conhecimentos, usos, crenças e manejo.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

Área e População de Estudo

 

O município de Campo Maior localiza-se a 84 km da capital Teresina, compreende uma área de 1.675.713 km². Possui uma população de 45.177 habitantes que corresponde a uma densidade demográfica de 26,96 habitantes/km², onde 11.656 pessoas vivem na zona rural. A maior altitude apresentada no centro da cidade atinge 125m. A estimativa de populacional para 2015 é de 45.971 pessoas (IBGE CIDADES, 2016). O município não possui grandes elevações e as planícies predominam na bacia sedimentar do Meio Norte, sendo sua baixada no rio Longá a de maior significação, onde há zonas intercaladas de “cuestas” com chapadas de altitudes de 150 a 300 metros na parte Leste, onde ocorre a Serra de Santo Antônio (Figura 1), distante do centro aproximadamente 15 km (IBGE, 2010). Segundo Garcia (2004) As condições climáticas do município de Campo Maior (com altitude da sede a 125 m acima do nível do mar), apresentam temperaturas mínimas de 28º C e máximas de 35ºC, com clima quente tropical. Segundo o mesmo autor, o município foi criado pela Carta Régia de 19/06/1861, tendo sua sede as coordenadas geográficas de 04º 49’ 40” de latitude sul e 42º 10’ 08” de longitude oeste.

A presente pesquisa foi realizada no período de Dezembro de 2015 a Julho de 2016, na comunidade rural Pau Arrastado, esta localiza-se nas proximidades da Serra de Santo Antônio e possui 24 famílias e 28 moradores (IBGE CIDADES, 2010), destes, 20 foram entrevistados, sendo escolhidos os maiores  de dezoito anos. A comunidade Pau Arrastado trata-se de uma típica localidade rural, com um pequeno povoado (Figura 1). Possui energia elétrica, uma pequena igreja, um pequeno campo de futebol. A comunidade inclui vários moradores nascidos e criados na região, que mantém um contato diário com os ambientes naturais da área em estudo. A agricultura baseia-se na produção sazonal de arroz, mandioca e milho.

 

 

 

Figura 1: Localização do município de Campo Maior, com destaque da comunidade estudada Pau Arrastado do entorno da Serra de Santo Antônio/ Piauí, Brasil.

 

 

 

Fonte: Adaptação feita a partir de IBGE MAPAS (2010), (Sousa, 2016).

 

 

 

 

 

Procedimentos

 

A pesquisa foi realizada no período de Dezembro de 2015 a Julho de 2016, utilizando-se uma abordagem qualitativa e quantitativa, investigando-se aspectos do conhecimento popular, significados da cultura local e relação do conhecimento empírico com o conhecimento científico.

Primeiramente foram estabelecidos contatos prévios com a população da área para a obtenção de informações acerca dos hábitos e costumes locais. Na pesquisa em campo, as capacidades de empatia e de observação por parte do investigador e a aceitação por parte do grupo estudado são fatores fundamentais para a realização do estudo etnobiológico, sendo o estabelecimento do rapport (confiança mútua entre pesquisador-pesquisado) uma condição essencial (MONTENEGRO, 2002)

Tais contatos foram facilmente adquiridos pela participação de uma professora da comunidade, pois essa orientou e nos introduziu na comunidade.

As entrevistas semiestruturadas foram aplicadas (MINAYO, 1993), auxiliadas por meio de um roteiro padronizado. As informações obtidas nas fases da pesquisa foram categorizadas e analisados a partir dos princípios etnobiológicos propostos por BERLIN (1992).

O questionário foi aplicado com vinte informantes maiores de 18 anos, oito do sexo masculino e doze do sexo feminino que espontaneamente participaram da pesquisa. Para garantir o sigilo quanto à identidade dos informantes, foram conferidos pseudônimos a cada um. Os entrevistados foram escolhidos de modo aleatório, considerando critérios como: origem rural e tempo de residência na área de estudo, não possuir conhecimentos científicos sobre anfíbios e disposição em colaborar com o estudo.

Tais entrevistas foram realizadas mediante permissão dos entrevistados através de aceite, conhecimento e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, uma pertencente ao entrevistado e outra ao pesquisador.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Aspectos socioeconômicos

 

Quanto aos aspectos socioeconômicos, a comunidade apresenta-se simples e carente. Seus moradores apresentam baixo nível de escolaridade, tendo tido estes, pouquíssimas oportunidades, sejam elas devido as dificuldades de acesso à escola, seja pela necessidade muito cedo de trabalhar na agricultura. Quanto ao grau de escolaridade, a população encontra-se distribuída da seguinte maneira: (Tabela 1).

Observa-se que a ocupação profissional da maioria dos entrevistados é a agropecuária, contando ainda donas-de-casa, e em uma mínima proporção professoras. Porém observa-se que todos trabalham na lavoura, tendo-se assim uma agricultura familiar, produzindo alimentos e criando animais para sua subsistência. Suas moradias são construídas de tijolos com teto de telha de cerâmica e piso de cimento, não há saneamento básico e a fonte de água são poços artesanais.

 

Tabela 1: Perfil Socioeconômico da comunidade rural Pau Arrastado, Campo Maior-PI.

 

Entrevistado (a)

Sexo

Idade

Ocupação

Escolaridade

Tempo de Moradia

Y1

M

51

Lavrador

EFI

51 ANOS

Y2

M

73

Aposentado

EMI

1 MÊS

Y3

M

63

Aposentado

EFC

35 ANOS

Y4

M

34

Lavrador

EFI

16 ANOS

Y5

M

31

Auxiliar administrativo

EMC

31 ANOS

Y6

M

33

Lavrador

EMI

33 ANOS

Y7

M

55

Lavrador

NE

55 ANOS

Y8

M

20

Estudante

EMC

20 ANOS

X1

F

50

Professora

PG

25 ANOS

X2

F

54

Do lar

EFC

29 ANOS

X3

F

28

Estudante

EMC

28 ANOS

X4

F

53

Lavradora

EFC

33 ANOS

X5

F

32

Professora

ESI

32 ANOS

X6

F

42

Lavradora

EFI

42 ANOS

X7

F

52

Do lar

EMI

52 ANOS

X8

F

42

Lavradora

EFI

25 ANOS

X9

F

33

Do lar

EMI

10 ANOS

X10

F

18

Estudante

EMC

18 ANOS

X11

F

78

Aposentada

EFI

55 ANOS

X12

F

53

Lavradora

EFI

10 ANOS

 

Fonte: (Sousa, 2016).

Legenda: (NE) Nunca Estudou, (EFI) Ensino Fundamental Incompleto, (EFC) Ensino Fundamental Completo, (EMC) Ensino Médio Incompleto, (ESI) Ensino Superior Incompleto, (ESC) Ensino Superior Completo. As incógnitas X identificam os indivíduos do sexo feminino e o Y indivíduos do sexo masculino.

 

Etnoecologia da anurofauna

 

Todos mostraram conhecer parte ou todos os aspectos da biologia e ecologia dos anuros. Foi observado que o grupo é conhecido geralmente pela população da comunidade por “sapos”, mesmo sabendo separá-los por formas, cores e locais onde vivem. A Etnoecologia tem como função desvendar, compreender e sistematizar, cientificamente, todo um conjunto de teorias e práticas relativas ao ambiente, oriundos de experimentação empírica do mesmo por culturas tradicionais, indígenas ou autóctones (NORDI et al., 2001). Ainda, conforme Nordi et al. (2001), pode haver, entre os indivíduos tradicionais, aqueles que verdadeiramente conhecem e dominam a complexidade do seu ambiente efetivo, pois acumulam em suas mentes, durante muitos anos, “o saber” e o “saber fazer”. Cabe a Etnoecologia a decodificação meticulosa, com rigor científico, da mente do tradicional, tornando compreensível e difundido a sua forma de interpretar e relacionar-se com a natureza.

 

Castro (1997) destaca em muitas sociedades a visão de que a natureza é um sistema interligado, onde não existe nem dominado e nem dominador, havendo sim uma interdependência entre as várias entidades físicas e sobrenaturais, desta forma destacando inúmeros estudos desenvolvidos pela Ecologia e Etnoecologia assim expandindo a diversidade e a extensão dos saberes e das técnicas por eles desenvolvidas para apropriar-se de recursos do meio ambiente e adaptá-los a suas necessidades.

Quando questionados sobre a primeira coisa que sentem ao verem um anuro, as respostas variaram em algumas classes, cerca de 4 entrevistados (20%) afirmaram que não sentem nada, pois os anuros são inofensivos, para 12 dos entrevistados (60%) afirmaram que sentem repugnância, medo ou receio, um dos entrevistados (5%) confidenciou que sua vontade é de matar, porém explicou o motivo da sua resposta, Y 3:“rapaz sinto vontade de matar eles, por que são seres sujos e também causam muito mal aos animais que se aproximam dele e assim minha vontade é de matar eles mesmo”. Dois dos entrevistados (10%) afirmaram sentir nojo, pois tratam-se de animais “molhados” e “melequentos”, e apenas (5%), afirmou ter curiosidade por esse tipo de animal (Figura 02).

 

Figura 02. Primeiro pensamento ao ver um anuro.

 

 

Fonte: (Sousa, 2016)

 

 

 

Verificou-se também, qual a maneira como os entrevistados faziam para diferenciar cada “tipo” de anuro (Figura 03).

 

 

Figura 03. Como se diferenciam cada “tipo” de anuro

 

 

Fonte: (Sousa, 2016)

 

            Os entrevistados também relatam e descrevem alguns aspectos relevantes da biologia dessas espécies, tais como: diferença entre macho e fêmea, hábitos, comportamento, alimentação e desenvolvimento, de acordo com o que mostra a cognição comparada na (Tabela 2).

 

Tabela 2: Cognição comparada: citações e relatos dos entrevistados locais do Pau Arrastado acerca do modo de vida dos anuros e o que é encontrado na literatura cientifica sobre este tema.

 

 

PRINCIPAIS RELATOS DOS ENTREVISTADOS DA COMUNIDADE PAU ARRASTADO SOBRE OS ANUROS

CITAÇÕES DA LITERATURA CIENTÍFICA

 

Como o(a) Sr.(a) diferencia o macho da fêmea:

“As fêmeas são maiores que os machos”

 

Entrevistado Y1

Nos anuros é evidente o dimorfismo sexual (MÁRQUEZ, 1997).

Em quais ambientes os anuros podem ser vistos? :

“O mais próximo da água”

 

Entrevistado Y 4

Estes animais também habitam locais com água, principalmente no período de reprodução para oviposição e equilibra a temperatura (Giaretta e Kokubum, 2004).

 

E em qual horário o(a) Sr.(a) mais vê ou ouve os anuros? :

“Geralmente eles saem no período da noite”

 

Entrevistado X 4

São animais de hábito noturno (Cassemiro et al, 2012).

Há uma época do ano que eles aparecem amis ou época que geralmente se reproduzem? : “A época que eles mais aparecem e uns bem novinhos é mais no inverno”

 

Entrevistado X 6

Os anfíbios precisam de água ou umidade para se reproduzirem, por isso o período chuvoso é o ideal para atrair as fêmeas com o canto e realizar o acasalamento (Duellman & Trueb, 1994; Narvaes e Rodrigues, 2009, Buckley et al., 2010).

 

Fonte: (Sousa, 2016)

 

            Ainda quanto a morfologia e comportamento dos anuros, 5 entrevistados (25%) expuseram que os filhotes e adultos dos anuros são iguais, 6 entrevistados (30%) afirmaram que os anuros vivem na água e 8 entrevistados (40%) expuseram que os anuros cantam. Notamos assim que o que contribui para a provável falta de conhecimento sobre esses animais se dá pela aversão que a maioria dos entrevistados possui para com esses (Tabela 3).

 

Tabela 3. Resulta o percentual de algumas das perguntas feitas a populares da comunidade Pau arrastado, sobre a morfologia e comportamento de anuros.

 

Perguntas

Sim

Não

 

Os filhotes são iguais aos adultos?

 

 

25%

 

75%

Todos os anuros vivem na água?

 

30%

70%

Todos os anuros cantam?

40%

60%

Fonte: (Sousa, 2016)

 

Quando questionados sobre o que os anuros comem, todos os entrevistados, responderam corretamente, insetos. Porém 4 entrevistados (X 4, X 7, Y 1 e Y 5) afirmaram que além de comerem insetos os anuros do tipo Jia que é o Dermatonotusmuelleri(Boettger, 1885), se alimentam de pequenas aves e ainda o entrevistado Y 5 disse que o Sapo cururu grande que é o Rhinellajimi(Stevaux, 2002) que estava se alimentando de ração para porcos. Todos ainda afirmaram também que a população dos anuros tem aumentado muito nos últimos anos, acham que o que motivou isso foi o aumento do número de insetos, principalmente o aumento de grilos na região.

 

Etnoconservação

 

            Quando perguntados sobre a importância dos anuros para os homens e para a natureza, 14 entrevistados (70%) expuseram que os anuros são importantes no controle de insetos enquanto pragas, também limpando as casas de aranhas e outros pequenos animais, para 3 entrevistados (15%) os anuros são importantes para alguma coisa, porém não sabem explicar como afirma X 7: “Eles devem ter alguma importância para a natureza, mais eu não sei dizer pra que é não”. E outros 3 entrevistados (15%) afirmam que os anuros não ofertam nenhum tipo de benefício nem aos homens e nem a natureza como um todo, como fala a entrevistada X 4: “Acho que os sapos não apresentam nenhuma importância nem pra nós, nem pra nada na natureza, só existem por que Deus quer”.

            Os anuros são muito importantes para o ser humano, bem como também para todo ciclo de vida na natureza, manifestam sua importância nas cadeias e teias alimentares, fazendo assim as vezes de controle biológico, impedindo a proliferação de pragas e epidemias (BERNARDE, 2012). Além desta os anuros são importantes indicadores biológicos, desta forma indicam a saúde geral dos ecossistemas (TOCHER 1998).

            Além da importância e conservação foi questionado também se eles conheciam alguma história (crendice) dos anuros, assim entender a relação que se estabelece entre anuros e comunidade, 10 entrevistados (50%) expuseram não conhecerem nenhuma história e os outros 10 entrevistados (50%) afirmam que os anuros, principalmente o Sapo cururu grande que é o Rhinellajimi (Stevaux, 2002) é utilizado em rituais de bruxaria, macumba ou ainda magia negra, como relata X 1: “eles são usados muito em magia negra, principalmente o sapo cururu grande, a pessoa que quer fazer algum mal até mesmo matar outra, pega um cururu bem grande, coloca dentro da boca dele um pedaço de tecido da roupa ou até mesmo cabelo da pessoa que se deseja fazer mal e costura, depois enterra o sapo em um cemitério, lá o sapo vai sofrer durante 07 dias e a pessoa também até morrer”.

            Constatou-se também nas entrevistas que o conhecimento etnoornitológico, foi adquirido por instruções e conhecimentos empírico de pais, avós e moradores idosos da região, e uma vez questionados sobre a relação que mantinham com a natureza, a resposta foi uma só, mantém uma reação de “vida”, como foi citado, pois de lá tiraram e tiram ainda hoje o seu sustento e de seus familiares, mantendo sempre uma reação de cuidado e bem estar.

 

Etnotaxonomia

 

            Na área estudada foi registrada sete etnoespécies, as quais correspondem a 10 espécies comparadas a lista de anfíbios da caatinga, sendo esta área predominante no Complexo de Campo Maior/PI. (Tabela 4). Desta forma são conhecidas mundialmente 6.771 espécies de anfíbios (FROST, 2011), destas sendo 988 da espécie de anfíbios anuros são registradas para o Brasil (SEGALLA et al., 2014) e 103 (10,4%) encontram-se para o Dominio das Caatingas (CAMARDELLI,  NAPOLI, 2012), porém essa riqueza é subestimada.

 

 

Tabela 4: Etnoespécies citadas pelos moradores locais e respectivas espécies de anuros identificadas (este estudo).

 

ETNOESPÉCIES

NOME CIENTÍFICO

Gia

Leptodactylus vastus (A. Lutz, 1930)

Rã de bananeira

Hypsiboas raniceps (Cope, 1862)

Caçote

Leptodactylus fuscus (Schneider, 1799)

Caçote

Leptodactylus troglodytes (A. Lutz, 1926)

Rãzinha de espuma

Physalaemus kroyeri (Reinhardt & Lütken, 1862 “1861”)

Sapinho pedra

Pseudopaludicola pocoto (Magalhães, Loebmann, Kokubum, Haddad & Garda, 2014)

Sapo cururu pequeno

Rhinella granulosa (Spix, 1824)

Sapo cururu grande

Rhinella Jimi (Stevaux, 2002)

Rãzinha puladeira de banheiro

Scinax x-signatus (Spix, 1824)

Sapo boi

Dermatonotus muelleri (Boettger, 1885)

Fonte: (Sousa, 2016).

 

            Constatou-se que entre as etnoespécies mais citadas, destacam-se: Sapo cururu grande Rhinella Jimi (Stevaux, 2002), Caçote Leptodactylus troglodytes (A. Lutz, 1926), Gia Leptodactylus vastus (A. Lutz, 1930) e Rãzinha puladeira de banheiro Scinax x-signatus

(Spix, 1824). Geralmente, as espécies mais citadas pelas comunidades locais são aquelas que desempenham um maior significado e importância, seja cultural, trófica ou econômica (COOKE, 1884; DINIZ et al., 2012).

 

CONCLUSÃO

 

Em virtude dos fatos mencionados pelos moradores da comunidade Pau arrastado, acredita-se que a pesquisa teve um papel fundamental, no sentido de difundir os conhecimento etnozológicos e etnoecológicos da anurofauna no Complexo de Campo Maior(PI), afora deste, permitiu a sistematização das informações empíricos e tradicionais, bem como a relação anuro homem e também os benefícios trazidos pelas espécies ao homem e ao meio ambiente. Desta forma verifica-se também a carência de estudo e disseminação desses conhecimentos tão importantes no processo de manutenção do meio ambiente.

 

REFERÊNCIAS

 

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CAMARDELLI, M.; NAPOLI, M. F. 2012. Amphibian Conservation in the Caatinga Biome and Semiarid Region of Brazil. Herpetologica. 68:31-47.

 

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GOMES, E. Serra de Santo Antonio pode ser transformada em ponto ecoturistico. 2013. Disponível, em:http://www.meionorte.com/campomaior/serra-de-santo-antonio-pode-sertransformada-em-ponto-de-ecoturismo-250427.html Acesso em: (06/ janeiro de 2016).

 

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TOCHER, M. D. 1998. Diferençasnacomposição de espécies de sapos entre trêstipos de floresta e campo de pastagemnaAmazônia central. In GASCON & MONTINHO, P. (Eds.) Floresta Amazônica: dinâmica, regeneração e manejo. INPA, Manaus. pp. 219-233.

 



 

[2]Biólogo, Especialista em Biodiversidade e conservação (UESPI). CV: http://lattes.cnpq.br/5101491849932776. Email: geandred.lira@hotmail.com

2Bióloga, Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPI). CV: http://lattes.cnpq.br/7828718104419938. Email: kellypolyna@hotmail.com

3 Biólogo, Prof. Dr. Do departamento de Biologia (UFPI). CV: http://lattes.cnpq.br/8644891817997829. Email: romildo@ufpi.edu.br

4Bióloga,Prof. Dra. Do Departamento de Biologia (UESPI). CV: http://lattes.cnpq.br/6657289608245073. Email: simoneuespi@gmail.com

 

 

Ilustrações: Silvana Santos