Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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11/09/2016 (Nº 57) EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO: ÍNDICE DE RELIGAÇÃO E SUSTENTABILIDADE - IRES
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El objetivo central de este trabajo es reflexionar sobre los desafíos epistemológicos, educativos y políticos resultantes de la revolución de la complejidad en la historia de la ciencia de mediados del siglo XX

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTO:

ÍNDICE DE RELIGAÇÃO E SUSTENTABILIDADE - IRES

 

Ana Braga de Lacerda

Mestre em Educação e Especialista em Ecologia e Recursos Naturais, pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – Pesquisadora e Educadora Ambiental.

ana.lacerda@globo.com – Telefones: (55-27--98375720)

Endereço: Av. Capixaba 301 – Vila Velha – ES – Brasil – CEP 29102-855

 

Eixo temático: Educação Ambiental e Cidadania

 

 

 

"(...) o grande problema colocado, sob diversas formas e nos diversos tempos,

ao nosso modo de conhecer, é o desafio permanente

  da complexidade de nosso mundo a conhecer.”

Edgar Morin (2002:111)

1.    Introdução

O desafio lançado de se pensar coletivamente o contexto latino-americano, a partir da complexidade, nos instiga à reflexão sobre as questões mais fundamentais, que compõem a nossa realidade na atualidade.

            De diversas áreas como educação, política, ciência e tecnologia, emergem aspectos importantes relacionados ao ambiente, à ecologia, às relações entre sociedade e natureza, à cidadania e às muitas formas de desenvolvimento.

            Aquilo a que comumente chamamos de realidade latino-americana, na verdade, constitui-se de uma multiplicidade de realidades, que compartilham esferas espaço-temporais. Essas realidades podem apresentar um grande enraizamento em tradições originais ou estarem mais alinhadas com o modo de viver globalizado dos grandes centros urbanos mundiais, mas, em geral, revelam miscigenações e hibridismos culturais, que transitam entre a tradição, a modernidade e a pós-modernidade.

            Diante de um quadro tão diverso, faz-se necessária uma abordagem que inclua essa multiplicidade, encarada aqui como complexa, não apenas pelo seu pluralismo, mas também pelas incertezas que se entrelaçam, principalmente diante dos desafios do desenvolvimento, formando um emaranhado de sonhos individuais e coletivos, incertezas e realizações.

            A partir do pensamento complexo e da perspectiva da ética complexa, pretendo realizar uma aproximação às contradições que permeiam as questões socioambientais latino-americanas, atravessando seus vários níveis de realidade e propondo a religação necessária entre sociedade e natureza, tendo como caminho a Educação Ambiental.

 

2.    Os desafios do desenvolvimento

2.1. O ideário desenvolvimentista

Ao termo desenvolvimento são atribuídos sentidos provenientes de áreas como biologia, psicologia, saúde e economia. Em geral, lhe são emprestados aspectos positivos, relativos à progressão, ao amadurecimento e à conquista de condições favoráveis.

Por possuir abrangência tão vasta, o termo desenvolvimento é, em geral, acompanhado de adjetivos que especificam o foco em questão. Assim temos ‘desenvolvimento físico’, ‘desenvolvimento infantil’, ‘desenvolvimento econômico’. Entretanto por mais que se tente delimitar alguns aspectos, o termo desenvolvimento remete a um conjunto de transformações. Dessa forma, quando se fala em desenvolvimento econômico, aí está embutida a associação a melhorias em vários setores, que ultrapassam a economia.

Sob esse enfoque, o prêmio Nobel de Economia de 1998, Amartya Sen (2000:29), destaca que:

O desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades, que temos razão para valorizar, não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo.

A ideia estabelecida do conceito de desenvolvimento econômico como um aspecto essencialmente positivo, fez e faz com que ele seja apresentado como justificativa para inúmeras ações previstas em políticas públicas e privadas, pelo mudo afora. Mas, se esta ideia parece ser consensual, qual é o problema então em se almejar o desenvolvimento econômico, tanto individual, quanto coletivo?

Parece que o problema não está localizado no conceito em si, mas na visão unidimensional da realidade. Se pudermos incluir a perspectiva da complexidade, perceberemos as relações subjacentes à ideia de desenvolvimento econômico e constataremos que ela é uma das contradições socioambientais mais prementes da atualidade.

A ideia de desenvolvimento permeia o paradigma da modernidade e, associada ao conceito de progresso e de novo, investe-se da perspectiva de algo melhor a ser almejado. Aqui, as várias modalidades de desenvolvimento parecem se interpenetrar: desenvolvimento científico, embasando o desenvolvimento econômico, impulsionando, por sua vez, o desenvolvimento das garantias sociais.

Santos (2002) localiza o despertar da racionalidade da ciência moderna a partir do século XVI, com desdobramentos que partem das ciências naturais em direção às ciências sociais, opondo-se aos conhecimentos considerados não-científicos como o senso comum e as humanidades. Assim, no bojo do paradigma da modernidade estão as promessas de igualdade, liberdade, paz e de dominação da natureza, promessas essas que, para o autor, não foram cumpridas e apresentam seus resultados perversos, com fortes impactos sociais e ambientais.

As promessas não-cumpridas, descritas por Santos, que fundamentaram as teses desenvolvimentistas, são também apresentadas por Leroy (2002) como um engodo, que se apoia em duas ilusões básicas: a de um caminho único a ser trilhado e a de que existam no planeta condições ecológicas para que todos “cheguem lá”. Nesse caso, o “lá”, onde se almeja chegar, configura-se como o modelo dos países do Norte.  Assim, disseminou-se pelos quatro cantos do planeta, pelo processo de globalização, um modelo hegemônico idealizado de desenvolvimento, para o qual e pelo qual correm, disputam e se digladiam as nações.

Morin (2003:82) alerta para os dois aspectos do desenvolvimento: o mito global de bem-estar e uma concepção reducionista, focada apenas no crescimento econômico e ignorando os problemas humanos de identidade, da comunidade, da solidariedade e da cultura.

Paradoxalmente, é do cerne desse movimento hegemônico desenvolvimentista que emergem forças contra-hegemônicas, apontadas por Santos (2002) como sendo formadas pelas lutas subparadigmáticas. Assim, para ele, não haveria apenas um movimento de globalização, mas globalizações: a globalização hegemônica, conduzida pelos grupos dominantes e a globalização contra-hegemônica, levada a cabo por grupos sociais dominados e subordinados.

No contexto latino-americano e, em particular, brasileiro, a formação de uma cultura contra-hegemônica busca, segundo Leroy (2002:31), a criação de caminhos alternativos de mudança social, contrapondo-se à: concentração de renda e desigualdade social; degradação ambiental e social; dívida externa e subordinação aos credores internacionais; divisão internacional da produção; erosão da democracia e mercantilização da política.

No que concerne às questões socioambientais, surge, fortemente, o aspecto da subjugação, apontado por Morin (2005a:89) como sendo não somente uma subjugação dos vegetais e animais, mas também dos territórios naturais aos padrões de organização humanos.

Esse aspecto de subjugação permeou a trajetória histórica de colonização da América Latina e possibilitou às metrópoles européias o impulso à modernidade. Podendo contar com fontes aparentemente inesgotáveis de metais, outras matérias-primas e força de trabalho, ornadas em ouro e prata, as metrópoles prosperaram, sustentadas pelo suor escravo dos povos indígenas e africanos.

Ao mesmo tempo em que riquezas naturais eram suprimidas das colônias americanas, lhes era imposta a cultura das metrópoles europeias, apresentada como mais elaborada e evoluída. Gradativamente, foi havendo a supressão de línguas nativas, de práticas de cura, de formas de pensar, de se organizar, de manifestações artísticas, de alimentos originais, aliada à substituição por um modo de ser e de viver considerado como mais desenvolvido e desejado.

Assim, a história latino-americana é uma história de dominação, mas é também uma história de resistência e de conquistas anti-hegemônicas, vividas nos períodos de luta pela independência das colônias, pela libertação dos escravos, pela consolidação de identidades nacionais, pelo fim dos regimes ditatoriais, pelos avanços nos direitos à cidadania e pela melhoria da qualidade de vida.

Tendo vivido períodos conturbados de dominação, os povos latino-americanos buscam, na atualidade, consolidar a via democrática. Porém, com a complexificação das sociedades contemporâneas, as forças de dominação encontram-se pulverizadas e são mais dificilmente identificadas. As sociedades latino-americanas, que foram marcadas por um passado de autoritarismo e medo em relação aos poderes governamentais, vivem hoje sob os desígnios de grandes corporações multinacionais, que ditam as normas de mercado e tentam tornar o mundo culturalmente mais homogêneo e ainda identificado com o ideário do progresso e do crescimento econômico.

2.2. O movimento recursivo do desenvolvimento

O olhar complexo em direção aos rumos do desenvolvimento nos chama a observar o surgimento de uma “contradição antagônica residual”, que Lupasco (1986:29) identifica no campo da Física e que, guardados os devidos cuidados que precisamos ter com transferências para os fenômenos sociais, nos ajuda a entender que, por mais que seja forte e garantido pelo paradigma da modernidade, pela ideia do novo, do melhor, do conseguir chegar lá, o conceito de desenvolvimento comporta caminhos potenciais latentes, formados por aspectos que se contrapõem a esse ideário.

Dessa forma, para aqueles que tomam por base o princípio que identifica o caminho hegemônico do desenvolvimento econômico como uma via única, amparada pelo conhecimento científico e entendida como uma verdade do “Norte”, que exclui ou desqualifica aspectos como a tradição, a espiritualidade, as artes, as humanidades e as questões ambientais, faz-se necessária uma escolha por esta ou aquela via. Entretanto, quando se admite a existência de processos contra-hegemônicos, do “Sul”, gerados no cerne dos processos hegemônicos, pode-se ousar dar um salto na compreensão desses processos e encará-los de forma complexa, admitindo a existência de diferentes e simultâneos níveis de realidade, que se atualizam e se alternam de forma incerta e surpreendente.

Para Santos (2002:50), “O paradigma da modernidade é muito rico e complexo, tão susceptível de variações profundas como de desenvolvimentos contraditórios. ”

A crescente industrialização e urbanização das potências econômicas mundiais e a sua posterior expansão e implantação em países considerados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento se apoiou no já comentado ideário de progresso, mas não pôde evitar que fortes contradições viessem a emergir desse processo. As consequências da exploração sem critérios dos bens naturais e das classes sociais envolvidas com a produção crescente de bens materiais começaram a eclodir, de forma inevitável, de dentro do próprio processo, por meio de lutas sociais e alertas ambientais.

Sob o olhar complexo, percebe-se o movimento recursivo do desenvolvimento econômico mundial: ele gera crescimento, produz bens materiais, carrega promessas de conforto e emancipação, mas gera também exploração, dependência, abismos entre classes e graves impactos socioambientais, que parecem exigir que surjam soluções advindas novamente do movimento desenvolvimentista, isto é, para resolver o inchaço dos centros urbanos, novos equipamentos e serviços precisam ser criados e implantados, formas de locomoção precisam ser mais eficientes, exigências previdenciárias precisam ser atendidas para garantir, por exemplo, a cura de doenças muitas vezes causadas pelo próprio modo de vida opressor.

2.3. Meio ambiente e desenvolvimento

Em relação às questões ambientais, no cerne da expansão desenvolvimentista, mais fortemente a partir da década de 1970, paradoxalmente, teve início a formação do embrião da retração, por meio de pontos de convergência mundial para o fato de que algumas questões precisariam ser discutidas por todos, pois já extrapolavam as fronteiras nacionais, como nas situações envolvendo desastres ecológicos.

Grandes conferências mundiais sobre o meio ambiente, como a realizada em Estocolmo, em 1972 e em Belgrado, em 1975, inauguraram a preocupação planetária. Nelas foram firmados acordos e compromissos que se refletiriam na estruturação política e na formulação das legislações ambientais nacionais, como as verificadas no Brasil, principalmente nas décadas de 1980 e 1990.

O enfoque dado às questões ambientais centrou-se, a princípio em uma abordagem ecológica, focada na compreensão e manutenção dos processos naturais. A emergência da ecologia e a preocupação com as questões ambientais começaram a inverter o sentido da subjugação, isto é, ao invés de buscarem impor a lógica humana à natureza, propunham trazer a dinâmica da natureza para a centralidade das discussões humanas. Para Morin (2005a:106): “O pensamento ecologizado é a introdução do olhar ecológico na descrição e na explicação de tudo aquilo que vive, incluindo a sociedade, o homem, o espírito, as idéias, o conhecimento. ”

O momento inicial do movimento ambientalista, mais centrado nas questões conservacionistas, foi sendo contagiado pelo social. O antagonismo que polarizou o movimento ambiental x o movimento social começou então a se enfraquecer sob a perspectiva de que as lutas pela cidadania poderiam também direcionar-se às questões ambientais, já que estariam diretamente vinculadas à qualidade de vida das sociedades.

Gradativamente as práticas das forças propulsoras do desenvolvimento econômico vão se alinhando às exigências de órgãos reguladores e fiscalizadores, que são, em sua maioria, amparadas por uma legislação revisada e mais restritiva às atividades com potencial de geração de impactos ambientais.

Além disso, os discursos também se adéquam às expectativas dos novos consumidores, mais exigentes e identificados com as causas ambientais. Não se pode negar a importância do desenvolvimento de tecnologias nas mais diversas áreas e, em particular, daquelas que visam à redução dos impactos ambientais. Seja por meio do aprimoramento do setor produtivo, no controle de emissões, seja no percurso dos produtos ao longo da cadeia produtiva, no seu transporte ou na previsão de destinação e reaproveitamento de resíduos. Também há um movimento crescente de revisão das matrizes energéticas, com a fixação de metas de substituição do uso de combustíveis fósseis por fontes de energia mais “limpas” e renováveis. Todo esse esforço mundial tem apresentado avanços e retrocessos, principalmente nos compromissos firmados a partir de estudos científicos sobre as mudanças climáticas, como os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), da ONU, encontrando resistências por parte dos governos direcionados pela lógica da continuidade de crescimento e do aumento dos níveis de consumo, mesmo que isso não represente necessariamente a justiça e a equidade socioambientais.

Paralelamente aos avanços da via tecnológica, é necessário que aconteçam também avanços na via das relações sociais de poder, com o estabelecimento de metas também para o fortalecimento dos espaços democráticos de participação, em nível local, regional, nacional e global, seja por meio de conselhos, comissões, fóruns, redes, em que as partes interessadas possam ser representadas de forma paritária.

Nesses espaços de confronto e diálogo, a diversidade de saberes, provenientes de diversas áreas do conhecimento e a vontade popular também precisam ser considerados. Não se trata da busca pelo eterno consenso, mas o respeito por diferentes perspectivas que, em geral, refletem diferentes níveis de realidade e diferentes níveis de percepção dos sujeitos envolvidos.

2.4. Afinal, queremos ou não o desenvolvimento?

Apesar dos resultados positivos verificados com a implantação de medidas restritivas às atividades impactantes ao meio ambiente, o ideário do desenvolvimento não mudou. Em geral, as pessoas continuam sonhando em “chegar lá”, em poder adquirir de forma crescente, bens materiais que lhes garantam conforto, segurança, mobilidade, facilidades de comunicação e lazer. O desenvolvimento aparece agora como tentando se mostrar como “sustentável”, apesar de ser facilmente verificável que o seu ritmo, nos moldes das grandes potências econômicas, é claramente insustentável.

Em trabalhos anteriores (Lacerda, 2007; 2010) aponto o fato de que o agravamento de impactos ambientais apresenta uma paradoxal igualdade na desigualdade. Igualdade, pois seus efeitos, muitas vezes, não respeitam fronteiras geográficas e sociais, como se observa nos grandes desastres ecológicos e nas disputas envolvendo o uso da água de rios que percorrem diferentes países e desigualdade em virtude da forma diferenciada como os impactos afetam os di­ferentes grupos sociais. Em geral, os efeitos cotidianos da crise ambiental atingem, de forma mais intensa, as populações mais carentes, que vivem em condições pre­cárias em relação ao saneamento básico, à exposição a poluentes, ao contato com agrotóxicos, à dificuldade de acesso à água potável, entre outros, configurando o quadro do desumano e da negação às condições básicas de cidadania, que precisa ser considerado pela Educação Ambiental. Além disso, o impacto gerado pelos seres humanos também é comprovadamente diferen­ciado, apresentando uma relação entre o nível de desenvolvimento e o acesso aos bens de consumo, podendo determinados indivíduos de sociedades industrializadas gera­rem dezenas de vezes mais resíduos e outros impactos ao ambiente do que aqueles provenientes de sociedades menos industrializadas; com padrões culturais diferentes ou com menos acesso às diversas formas de energia e consumo.

Um aspecto relevante para a Educação Ambiental é o da observação de como os discursos em prol de um desenvolvimento sustentável são facilmente assumidos pelo mercado e pela lógica dominante. Nesse sentido, Leroy (2002:19) considera que “(...) ao tomarem para si o desenvolvimento sustentável, o mercado e o pensamento eco­nomista dominante buscam obscurecer a existência de uma dinâmica social que combi­na apropriação privada do mundo material e aprofundamento das desigualdades. ” O autor destaca ainda que “O que existe no mundo é uma enorme iniquidade (uma perversidade) na apropriação dos recursos e da energia retirados da natureza. Uma minoria de cerca de 20% da hu­manidade consome cerca de 80% desses recursos, produzindo ao mesmo tempo cerca de 80% da poluição e da degradação ambiental que ameaçam o planeta como um todo (...)”.

Em relação à alimentação, por exemplo, o modelo de desenvolvimento dominante contribui para que ocorra a perda dos referenciais ancestrais de como cultivar e obter alimentos e a subsequente dependência de sementes e produtos industrializados e, muitas vezes, geneticamente modificados. Os resultados desiguais aqui são a facilidade de acesso a esses produtos e aumento dos índices de obesos nas sociedades mais industrializadas e a dependência de ajuda humanitária, entre as nações mais pobres. O mesmo é observado em relação à perda da sabedoria no uso de plantas medicinais e a dependência crescente dos sistemas de saúde e dos medicamentos industrializados, que, em geral, têm sua produção e comercialização protegida por patentes, que encarecem o seu preço final à população.

Entretanto há também uma aparente preocupação ambiental generalizada. Permeada fortemente por aspectos do imaginário que associam o meio ambiente apenas à natureza, têm-se quase uma unanimidade da necessidade de conservar áreas verdes, de se diminuir os desmatamentos, de se proteger os rios e mares e todas as espécies vegetais e animais que possam estar sendo ameaçadas. Apesar disso, mais uma vez, paradoxalmente, há um afastamento e quase um estranhamento em relação à natureza e um crescente fascínio pela concentração da população em grandes centros urbanos e por áreas comerciais construídas, em geral, de forma desvinculada à localidade, para abrigar todo o tipo de sonho de consumo de bens, serviços e entretenimento, com garantias de conforto e segurança.

Diante desse contexto, em que parece haver uma total falta de conexão entre as causas e as consequências, em que não se faz a relação entre um sonho de consumo e o seu impacto ambiental, em que se continua acreditando em um planeta dotado de uma infinita paciência para os caprichos de uns e uma infinita tolerância para a miséria de outros, faz-se necessário e urgente um movimento de religação ética.

 

2.5. Ética e desenvolvimento

Estamos diante de um impasse. Ou bem nos rendemos aos apelos atraentes das novas tecnologias do conforto ou bem aderimos às causas socioambientais e passamos a pensar um pouco naqueles que, além de não terem acesso a essas ‘modernidades’ estão sendo vítimas dos maiores impactos socioambientais. Dentro de uma lógica clássica, precisaríamos realmente optar, pois uma opção exclui a outra, possui sua própria identidade e bases teóricas que as sustentam. Uma é regida pelo princípio da infinita capacidade humana de se superar em termos de domínio dos elementos, criatividade, inovação, fascínio, comunicação e a outra é regida pelo princípio do bem comum, da atenção ao outro, da busca por justiça, do altruísmo. Entretanto, olhando à nossa volta, vemos que a realidade não está tão facilmente delimitada. Como já foi dito, a vida é mesmo uma grande confusão de desejos e já se foi o tempo em que o ‘bem’ e o ‘mal’ podiam ser mais facilmente determinados e identificados pelos grupos sociais! A ética baseada no estabelecimento do que seja o certo e o errado, o bem e o mal, o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o melhor e o pior, cede lugar à incerteza e à constatação da necessidade da ética complexa, entendida aqui como religação em várias dimensões:  

A ética é, para os indivíduos autônomos e responsáveis, a expressão do imperativo da religação. Todo ato ético, vale repetir, é, na realidade, um ato de religação, com o outro, com os seus, com a comunidade, com a humanidade e, em última instância, inserção na religação cósmica. (Morin, 2005b:36)

 

Considerar a incerteza ética, quando as dimensões éticas entram em conflito, não significa aderir ao relativismo ou ao ceticismo. Não se trata de alardear a morte dos valores, a perda da moral ou final dos tempos, mas sim perceber que as relações nas sociedades modernas tornam-se cada vez mais complexas e atravessadas por novas possibilidades e que o restabelecimento ético é possível por meio de vias de religação entre o local e o global; entre o atendimento aos interesses individuais, coletivos e planetários; entre os saberes populares e os científicos; entre comunidades, escolas, empresas e poder governamental; entre a teoria, a prática e o imaginário.

 

2.6. Transdisciplinaridade

 

Para que a religação ética seja possível são necessários caminhos que privilegiem as trocas e o trânsito entre dimensões, que ultrapassem os limites dos diversos campos do conhecimento humano e que incluam múltiplas perspectivas. Para Paul (2009:13), “(...) o fato humano escapa de todo recorte disciplinar, o jogo da vida se apresentando, a cada instante, em diferentes ordens: quântica e física, genética, biológica, fisiológica, psicológica, imaginal, social, cultural e espiritual”. Nesse sentido, a transdisciplinaridade, definida por Nicolescu (1999:53) como sendo o que está, ao mesmo tempo, entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina, constitui-se como bastante adequada para lidar com questões complexas.

 A transdisciplinaridade emerge da constatação do isolamento entre as diversas áreas do conhecimento, que foi causado pela excessiva especialização e pelo fechamento em fronteiras disciplinares. Para Sommerman (2006:35), a hiperespecialização contribuiu para a percepção dos limites de cada disciplina e de que “qualquer fenômeno humano, social ou natural é composto por diferentes dimensões ou por diferentes níveis. ”

A transdisciplinaridade implica alguns pressupostos tais como: levar-se em conta a complexidade das situações, os diversos níveis de realidade, os diversos níveis de percepção e a possibilidade de existência simultânea de fenômenos antagônicos. Ciurana (2003:61) afirma que: “Gerir a complexidade do mundo exige o transdisciplinar. O reducionismo a um único nível de observação mostra-se letal em contextos em que não só é o econômico, mas sim, também, o social, o lingüístico, o cultural, o que é preciso levar em conta. ”

2.7.Índice de Religação e Sustentabilidade – IRES

Cabe destacar aqui algumas iniciativas que ajudam a ampliar a visão sobre condições necessárias à qualidade de vida das pessoas e de desenvolvimento das nações, incluindo indicadores como saúde, habitação, deslocamentos, alimentação. Esse é o caso da criação, em 1972, no Butão, do índice FIB (Felicidade Interna Bruta), em que critérios como desenvolvimento igualitário, valores culturais, ambientais e boa governança também são considerados. O FIB se contrapõe e desafia a busca dos países por um bom PIB (Produto Interno Bruto), em que são calculados os resultados monetários da produção de bens e serviços. Além do FIB, alternativas para que aspectos além do material comecem a ser considerados surgem de forma crescente, como é o caso do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), criado em 1990, pelos economistas Amartya Sen e Mahbub ul Haq, em que são avaliados itens como a expectativa de vida ao nascer, a escolaridade e o PIB per capita. Também o conceito de Pegada Ecológica, termo criado em 1992, pelo canadense William Rees para avaliar o conjunto dos impactos causados pelas atitudes de cidadãos e nações sobre o planeta, inclui novos parâmetros como a forma de consumo de produtos, água e energia, tipo de alimentação e de locomoção, entre outros.

O surgimento desses índices mais abrangentes, que incluem perspectivas mais integrais dos seres humanos, impulsiona visões alternativas e diferenciadas, para que o desenvolvimento da trajetória humana sobre o Planeta Terra ganhe mais sentido e possa ser avaliado sob a ótica da religação. Desse modo, proponho reflexões sobre o nível de religação em que nos encontramos, por meio do indicador Índice de Religação e Sustentabilidade – IRES, nas dimensões individual, socioambiental e planetária.

Vale destacar que, como a criação deste caminho de reflexão tem como base as formulações de Edgar Morin sobre a ética complexa e que, para ele, um pressuposto é de que ela se aplica a ‘indivíduos autônomos e responsáveis’, só podemos começar a falar em ética complexa dentro de um contexto de livre arbítrio e, por isso, os itens propostos visam também à avaliação do nível de autonomia que as pessoas têm para engajar-se em uma proposta de religação. Outro aspecto importante é o de que, apesar da tabela subdividir-se em três dimensões, elas são completamente interdependentes e se atravessam continuamente, podendo apresentar contradições e desequilíbrios entre si. A divisão ajuda apenas a localizar pontos fortes de religação e outros a serem trabalhados.

As tabelas apresentam questões que possam impulsionar reflexões, debates e avaliações, podendo ser utilizadas em caráter pessoal ou em espaços coletivos. Não foi estabelecida uma “pontuação”, ficando a critério de quem as utilize a delimitação ou não de um valor por item avaliado.

 

ÍNDICE DE RELIGAÇÃO E SUSTENTBILIDADE – IRES

Reflexões sobre alguns aspectos de religação, em várias dimensões

 

IRES individual

 

1 Sente-se feliz e religado consigo mesmo.

2. Tem liberdade e oportunidade para refletir, escolher e agir sobre:

a) a sua forma de pensar;

b) a sua afetividade;

c) o tipo de educação/formação que quer ter;

d) o seu trabalho;

e) a sua moradia;

f) a sua alimentação;

g) as suas formas de locomoção;

h) a sua tradição religiosa (ou nenhuma);

i) as suas formas de lazer;

j) as suas formas de expressão;

k) as tecnologias que deseja conhecer e utilizar.

3. Reflete sobre seus pensamentos, palavras e ações.

4. Faz autocrítica, quando percebe que errou.

5. Conhece a origem da água que utiliza e reflete sobre a sua utilização.

6. Conhece a origem das fontes de energia que utiliza e reflete sobre como as utiliza.

7. Conhece a origem e a composição dos produtos que utiliza em seu cotidiano.

8. Conhece a destinação dada à água e aos resíduos dos produtos que utiliza.

 

IRES socioambiental

 

1. Tem liberdade e oportunidade de refletir, escolher e agir sobre:

a) conviver com a sua família;

b) os seus relacionamentos;

c) conhecer a comunidade da qual faz parte;

d) conhecer a história do lugar onde vive e, se for o caso, suas comunidades tradicionais;

e) conhecer pessoas de sua comunidade;

f) conhecer as associações (de moradores, esportivas, religiosas, ambientais ou outras) de sua comunidade.

2. Reconhece e aceita o pluralismo de ideias nos grupos sociais dos quais participa.

3. Procura agir com cordialidade em relação às pessoas com as quais convive.

4. Procura integrar várias áreas do conhecimento na busca por soluções às situações que se apresentam em seu cotidiano social.

5. Engaja-se solidariamente na identificação de problemas, soluções e potencialidades de:

a) sua família;

b) de seus amigos;

c) de sua comunidade;

d) de sua cidade;

e) de seu estado;

f) de seu país.

6. Participa da escolha de representantes políticos.

7. Participa da definição de políticas públicas (em conselhos, comissões, comitês, fóruns, redes etc.).

8. Conhece a origem da água que é utilizada por sua comunidade e reflete sobre essa utilização.

9. Conhece as áreas naturais de sua localidade e a sua biodiversidade.

10. Contribui de alguma forma para a conservação dessas áreas naturais.

11. Conhece os setores produtivos e de serviços de sua localidade e os que estão em fase de implantação e os impactos socioambientais que eles geram ou que poderão gerar.

12. Conhece as fontes de energia utilizadas em sua comunidade e reflete sobre essa utilização.

13. Conhece a origem e composição dos produtos que são utilizados em sua comunidade.

14. Conhece a destinação dada à água e aos resíduos dos produtos utilizados por sua comunidade.

15. Conhece as tecnologias às quais a sua comunidade ou os grupos dos quais participa têm acesso.

 

IRES planetário

 

1. Tem liberdade e oportunidade de refletir e agir sobre as relações entre a sua localidade e o planeta.

2. Conhece como a sua comunidade está relacionada com o restante da humanidade.

3. Conhece as relações entre as formas de vida da sua localidade e a biodiversidade do planeta.

4. Conhece as diferenças entre os impactos socioambientais gerados pelos diferentes modos de vida dos diferentes grupos sociais do planeta.

5. Procura ter notícias e se preocupa com as dificuldades enfrentadas por parte da humanidade nas situações de guerra, fome, pobreza, doenças, discriminação, desertificação, falta de água potável, situações de risco e violência, entre outras.

6. Procura se engajar em ações humanitárias mundiais.

7. Procura adotar um modo de vida que cause menos impactos negativos ao planeta.

Essas são algumas reflexões que podem contribuir para uma autoavaliação sobre alguns aspectos de religação. Outros aspectos podem ser acrescidos a esta listagem de sugestões de reflexões, de acordo com o contexto de cada indivíduo e grupo social, mas o importante é que tentemos localizar nosso grau de autonomia e de interferência no modo de vida que realizamos.

O primeiro passo para se avançar no Índice de Religação e Sustentabilidade - IRES é o de admitir que diferentes pontos de vista possam ser levantados e a cada situação esses deverão ser colocados em discussão, em busca de caminhos que atravessem vários níveis de interesses e de valores e que apontem alternativas acordadas entre as partes. O importante aqui é sair da reação automática em direção ao consumo desenfreado de soluções e partir para o enfrentamento das incertezas e para a construção de vias originais sustentáveis.

Um cuidado a ser observado e o de que o trabalho de religação não seja envolto pela ilusão de instantaneidade, tão presente na atualidade. A religação, em todas as dimensões, é processual e muitas vezes lenta e instável, pois depende de um conjunto de fatores, que partem da vontade individual, mas vão além dela.

Como exemplos mais práticos do que está em curso nesse sentido, podemos destacar os fóruns sociais locais, em que são chamados ao diálogo comunidades, setores produtivos e poder governamental para o debate de situações que perpassam essas três esferas.

Fóruns de discussão sobre comércio justo e economia solidária, em que lógicas diferentes são apontadas, colocando em evidência o protagonismo comunitário, a solidariedade e em que são levantados limites, regulações e soluções para impactos socioambientais.

Comitês de Bacias Hidrográficas, com representação do Poder Público, usuários e comunidades, para a discussão e busca de soluções para as questões relacionadas à conservação, recuperação e usos dos mananciais, por meio de formulação de políticas públicas e direcionamento da gestão para o uso sustentável das águas.

Movimentos de integração entre a sabedoria popular e o conhecimento científico, na busca de melhores formas de manejo da agricultura orgânica e da utilização de plantas medicinais, com parcerias entre pesquisadores, universidades e comunidades.

Conselhos gestores de unidades de conservação, em que a comunidade e outros setores são chamados a participar dos destinos de áreas naturais.

Uso de tecnologia em comunicação virtual, como forma de mobilização social e movimentos de inclusão digital e cultural, possibilitando o acesso aos meios de produção cultural local, seja em vídeo, fotografia, música e outros.

Ressignificação da tradição, libertando-a daquilo que limita e exclui as pessoas e fortalecendo-a pelo que integra, dá visibilidade e empresta o senso de cidadania e pertencimento a um local geográfico ou virtual.

Redes sociais temáticas, em que pessoas identificadas com causas das mais diversas abrangências, como socioambientais, culturais, étnicas, de gênero, são debatidas e transformadas em ações coletivas.

2.6.        Educação Ambiental ou Educação para o Desenvolvimento Sustentável?

A dimensão educativa tem permeado, de forma crescente, as discussões socioambientais. Antes colocada à parte ou como uma preocupação secundária, a educação aparece, a partir da Conferência de Belgrado, em 1975 e, mais diretamente na Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental de Tibilisi, em 1977, como uma das vias indicadas para a inserção do ambiental na pauta mundial.

No Brasil, a Política Nacional de Meio Ambiente, instituída em 1981 e a Constituição Federal de 1988 apontaram a necessidade de inclusão e difusão da Educação Ambiental em todos os níveis da sociedade brasileira.

Os desdobramentos das diretrizes de Tibilisi foram observados nas conferências mundiais seguintes e, em especial, na Conferência Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, em 1992, quando foi elaborado o Tratado de Educação Ambiental Para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, estabelecido no Fórum Global.

Na área educacional, observou-se a inclusão da temática ambiental no sistema formal de ensino, em 1997, com a publicação dos Parâmetros curriculares Nacionais, pelo Ministério da Educação (MEC), com o tema transversal Meio Ambiente.

Por ter emergido de contextos complexos, não ter se fechado em uma área restrita do conhecimento e por transitar nos mais diversos setores da sociedade, a Educação Ambiental foi se constituindo como transdisciplinar, isto é, sempre esteve entre, através e além das disciplinas. 

No Brasil, a difusão da Educação Ambiental ganhou escolas, universidades, comunidades, unidades de conservação, setores governamentais, empresas e se articulou em Redes sociais, em âmbito estadual e nacional.

Identificada fortemente com os princípios do Tratado de Educação Ambiental, de 1992, possui uma trajetória comprometida com a formação de sociedades sustentáveis.

A decisão da Assembléia Nacional das Nações Unidas de determinar o período de 2005 a 20014 como a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, delegando à UNESCO a atribuição de sua sistematização e difusão, suscitou debates, sobretudo na América Latina, sobre quais seriam as implicações de se direcionar a trajetória já trilhada da Educação Ambiental para o foco do Desenvolvimento Sustentável.

Mesmo reconhecendo a grande importância do esforço da UNESCO em difundir a preocupação com o desenvolvimento sustentável, a manutenção do conceito de Educação Ambiental, para as mais diversas possibilidades de inserção da dimensão educativa nas questões socioambientais, tem se constituído, ao menos no contexto latino-americano, em uma forma de reconhecimento dos caminhos já trilhados de lutas, conquistas e avanços. Trata-se aqui do fortalecimento das bases que permitirão a continuidade de pesquisas, teorizações, formulação de projetos e atividades críticas dos modelos de desenvolvimento insustentáveis e fomentadoras de transformações efetivas.

Essa questão é também levantada por Sauvé (2005: 320-321), quando considera que, sob certos aspectos, a proposição do desenvolvimento sustentável seja pertinente, como sendo uma chave para o diálogo entre economia, política e meio ambiente, mas que a definição do desenvolvimento sustentável como um fim para a educação é questionável. Para a autora, “(...) é possível ter em vista uma educação ambiental que, ainda que considerando a perspectiva do desenvolvimento sustentável (como importante fenômeno sócio-histórico), não se restrinja a isso.”

Outro aspecto relevante é o da necessária religação de saberes proposta pela Educação Ambiental, que delineia o seu perfil transdisciplinar, diante das urgências e situações complexas com as quais se depara.

A Educação Ambiental está inserida em contextos transpassados por muitas variáveis, são, por exemplo, escolas que possuem suas dinâmicas próprias de funcionamento, suas relações interpessoais, sua inserção em um ambiente, em uma comunidade, que por sua vez, também possui histórias, características e provavelmente alguma relação de aproximação ou afastamento do contexto natural e social onde está inserida. Estes aspectos múltiplos apontam mais provavelmente para desequilíbrios do que para equilíbrios idealizados. (Lacerda, 2006:7)

Neste sentido, Carvalho (2004:158) tece interessantes comentários sobre trabalhos em Educação Ambiental, que integrem a dimensão do ensino formal ao não formal, de maneira a que esta divisão vá se constituindo em integração e estabelecendo novos vínculos de solidariedade entre a escola, a comunidade e a realidade socioambiental que as envolve.

3.     Conclusão

As discussões acerca dos vários aspectos que estão envolvidos na temática do desenvolvimento revelam o seu caráter multirreferencial, trazendo à tona questões relacionadas às consequências do desenvolvimento econômico desenfreado e seus impactos socioambientais.

Também as formas de assimilação de uma nomenclatura ‘politicamente correta’, como a do desenvolvimento sustentável pode mascarar formas aparentemente mais aceitas de se continuar com os mesmos objetivos de se levar adiante um desenvolvimento insustentável ambientalmente, injusto economicamente e desigual socialmente.

A perspectiva da ética complexa contribui para a reflexão sobre a religação entre as dimensões pessoal, social e planetária, sugerindo a inserção do diálogo, do pensamento complexo e da transdisciplinaridade na superação dos desafios da atualidade.

O surgimento de indicadores que vão além do PIB, isto é, que ultrapassem a perspectiva monetária do desenvolvimento, como o FIB, o IDH e a Pegada Ecológica, favorecem uma abertura para novas possibilidades, como as reflexões que apresento sobre o Índice de Religação e Sustentabilidade (IRES), segundo o qual, são avaliados aspectos de religação nas esferas individual e socioambiental e planetária.

A valorização do particular, do individual e do conhecimento tido como científico, em detrimento do comunitário, do coletivo e do conhecimento popular ou tradicional marcou a expansão do paradigma hegemônico moderno.  No sentido inverso, a Educação Ambiental pode e deve fomentar novas e antigas possibilidades de espaços comunitários de aprendizagem, no sentido do fortalecimento de aprendizagens e religações socioambientais, ou seja, através do incremento de reflexões, com os sujeitos envolvidos e suas comunidades, sobre questões relacionadas ao desenvolvimento regional, à geração de renda, à qualidade de vida, a impactos ambientais, a unidades de conservação, entre muitas outras. (Lacerda, 2010:40).

O debate atual sobre os rumos da Educação Ambiental, fomentado por análises sobre a sua eficácia ou não diante das mudanças ambientais em curso tem exigido o posicionamento de educadores. Nesse sentido, parece-me bastante prudente questionar não apenas o desempenho da Educação Ambiental frente a esses desafios, mas sim os modelos de desenvolvimento hegemônicos, que são, em seu cerne, insustentáveis.

Dessa forma, ao invés de se conceber a Educação Ambiental apenas como um instrumento dentro da lógica de continuidade dos modelos hegemônicos de desenvolvimento, que ela possa ser considerada como um campo fértil e impulsionador de processos de religação e de formação de sociedades sustentáveis.

 

4.     Referências Bibliográficas

  

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Lacerda, Ana Braga de. 2010. Educação Ambiental ente o humano o não humano e o desumano. In: TRISTÃO, Martha; JACOBI, Pedro. (Org.). Educação ambiental e os movimentos de um campo de pesquisa. 1ª ed. São Paulo: Annablume. p. 31-49.

 

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Sauvé, Lucie. 2005. “Educação ambiental: possibilidades e limitações”. In: Educação e Pesquisa, v. 31, n.2, maio/ago:317-322.

Ilustrações: Silvana Santos