Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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11/09/2016 (Nº 57) AÇAÍ: MANEJO E SUSTENTABILIDADE-UMA EXPERIÊNCIA NO MUNICIPIO DE MUANÁ/MARAJÓ
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AÇAI: MANEJO E SUSTENTABILIDADE – UMA EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE MUANÁ/MARAJÓ-PA.

SILVA (Alcir do Socorro Pacheco da)¹, VINAGRE (Marco Valério de A.)², CARDOSO (Andréia do Socorro Conduru de Sousa)³

 

RESUMO:

            No ano de 1998, instalou-se na cidade de Muaná, arquipélago do Marajó-PA, a empresa Muaná Alimentos como uma unidade de processamento de açaí. Esta empresa adquiriu uma área de 5.000 há de açaizeiros onde implantou um projeto-piloto de manejo florestal sustentável e, por conta de seus cuidados com a produção de palmito e açaí – desde o plantio até a embalagem – foi certificada, com nota 85,0, pelo Bureau Veritas – Entidade Internacional de Certificação. Neste artigo, faz-se um relato dessa experiência pioneira e seus resultados nesta parte da Amazônia brasileira, onde produtos como o palmito e o açaí estão saindo do campo da subsistência para o mercado internacional.

Palavras-chave: Açaí, Amazônia, Floresta, Marajó, sustentabilidade.

 

 

 

(1)  Silva, Alcir do Socorro Pacheco da Silva.

Universidade da Amazônia, Professor, Mestrando em Desenvolvimento e Meio Ambiente Urbano, Especialista em Educação ambiental. Endereço: Av. Alcindo Cacela nº 287, CEP 66060-902 – Umarizal – Belém/PA, email: silva.alcir@hotmail.com

 

 

 

(1)  Vinagre, Marco Valério de Albuquerque.

Universidade da Amazônia, Professor, Doutor em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia, Mestre em Recursos Hidricos e Saneamento Ambiental, Especialista em Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Regional. Endereço: Av. Alcindo Cacela nº 287, CEP 66060-902 – Umarizal – Belém/PA, email: valeriovinagre@gmail.com

 

 

 

(2)  Cardoso, Andréia do Socorro Conduru de Sousa.

Universidade da Amazônia, Professora, Doutora em Desenvolvimento Socioambiental, Mestre em Engenharia Civil, Especialista em Gestão pública. Endereço: Av. Alcindo Cacela nº 287, CEP 66060-902 – Umarizal – Belém/PA, email: aconduru@globo.com

 

 

 

 

 

1.    INTRODUÇÃO:

 

O presente artigo retrata uma experiência de manejo sustentável do açaí, praticado por uma empresa privada no município de Muaná, arquipélago do Marajó-PA, no ano de 2002.

No ano de 1998, por conta de seus cuidados com a produção de palmito e açaí – desde o plantio até a embalagem – a empresa Muaná Alimentos recebeu nota 85,0 pelo Bureau Veritas – uma entidade internacional de certificação. Por esses fatores e outros conceitos de sustentabilidade, a empresa estava se habilitando a ganhar o aval do FSC – Forest StewardshipCouncil -a principal entidade certificadora de produtos florestais no planeta, representada no Brasil pelo IMAFLORA – Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola -, reconhecido internacionalmente.

A certificação é uma maneira de dar credibilidade ao consumidor e garantias de retorno de capital, através de um maior mercado cada vez mais competitivo e unificado que transpõe fronteiras buscando vantagens comparativas e competitivas no mundo globalizado.

A Internacional Organizatios for Standartization (ISO), foi fundada em 1947 por 25 países entre os quais o Brasil. O representante brasileiro foi a ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Segundo a ABNT, as vantagens da normatização são “aumentar a produtividade por meio da eliminação de desperdícios melhorando a qualidade do produto e proporcionar mais segurança e satisfação para conviver”.

Com a crise econômica e ambiental e a revolução tecnológica do final do século XX, aliadas ao impacto politico dos movimentos ambientalistas, levam o Estado, os países ricos e os organismos internacionais (FMI e Banco Mundial) à adoção de um novo modelo de estratégia de desenvolvimento para a Amazônia, baseado no desenvolvimento sustentável.

As alternativas tecnológicas vem favorecer a valorização econômica dos recursos florestais tropicais, tornando-se necessário a construção de um novo conceito de extrativismo para a região. Esse novo conceito deve promover a qualidade do produto florestal através da associação do recurso técnico com as novas alternativas de cultivo, criação e beneficiamento da produção.

Extrativismo é um termo relacionado com a valoração econômica e a conservação das florestas tropicais; e, visto como uma forma de coleta dos recursos naturais, sejam eles minerais, vegetais ou animais. Ate recentemente algumas obras o consideravam como atividade não rentável, levando-nos a concluir que toda forma de extração seria insustentável.

No final da década de 80 surge o paradigma da valorização da floresta para a contribuição da defesa do ambiente e dos povos da floresta através de atividades extrativistas dos produtos florestais não lenhosos (PFNL).

O novo modelo de extrativismo precisa ser coerente com as características do ambiente e com os desejos e exigências culturais do seu povo. E na Amazônia há uma diversificação do uso dos recursos em sistema de coleta, de cultivo e de criação de animais que favorecem um modo de vida e cultura diferenciadas e ao mesmo tempo harmônicas com a natureza, pois os hábitos desses povos dependem dos ciclos naturais e seus conhecimentos são baseados em valores, símbolos, crenças e mitos.

Para muitas famílias da floresta e de seus arredores, os produtos não lenhosos da floresta, o açaí, por exemplo, representam as únicas fontes de renda, por isso, há certa preocupação em preservá-los. Além do mais, um número cada vez maior desses produtos está tendo participação nas exportações, pois eles estão saindo do campo da subsistência para o mercado internacional como é o caso do açaí e do palmito.

 

 

2.    POR QUE O AÇAÍ?

 

O açaizeiro (Euterpe Olerácia), pertencente à família das palmáceas, é uma planta característica do Estado do Pará, que pode ser encontrada nas várzeas, em locais pantanosos ou úmidos e com mais raridade em terrenos afastados da beira do rio.

Essa palmeira fornece dois produtos alimentares essenciais: o palmito e os frutos, a partir dos quais a bebida é elaborada.

A procura pelo açaí vem alcançando proporções consideráveis, visto que varias pesquisas tem demonstrado o quanto ele é benéfico como complemento alimentar. O palmito também é muito apreciado e vem ganhando cada vez mais espaço na mesa dos brasileiros.

O açaizeiro tem uma produtividade elevada e frutifica em períodos distintos do ano (80% da sua produção em três meses) dependendo das condições ambientais (solo e clima), da localização geográfica e das praticas de cultivo. Em Belém (PA), a safra – período de alta produção – ocorre de agosto a dezembro, no verão amazônico.

Desde o inicio dos anos 90, o açaí fez sua entrada no mercado externo, configurando o desenvolvimento de uma nova produção de renda.

 

3.    CONHECENDO A MUANÁ ALIMENTOS:

 

A empresa Muaná Alimentos instalou-se no município de Muaná em 1998, como uma unidade de processamento de açaí. Ela possuía 5.000 há de açaizeiro – também colhia palmito e açaí em 3.000 há de terras arrendadas, além de uma área de 4.000 há de preservação permanente, utilizada como referência no Marajó.

A empresa maneja floresta primaria e secundaria do tipo floresta equatorial típica de várzea. Para isso possui instalações e equipamentos modernos, como embaladora automática, túnel de congelamento e câmara frigorifica própria para estocagem de ate 32 toneladas. Para ao transporte da fruta, a Muaná Alimentos utiliza caixas plásticas que são desinfetadas após o descarregamento dos frutos.

Conta com uma frota de oito barcos próprios, onde o açaí, depois de produzido, é transportado para Belém e carregados em caminhões frigoríficos para serem “exportados” para todo o Brasil.

De olho no mercado externo e no crescimento da demanda interna por alimentos saudáveis, a empresa vinha investindo em técnicas de manejo sustentado, obrigando-se, por contrato com seus fornecedores, a adotar métodos de cultivo que garantam a biodiversidade da floresta e repassar esses conhecimentos às comunidades. O manejo era seguido rigidamente nos 7.000 há de área de cultivo devidamente registrada no IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – e, orientados por engenheiros florestais.

Além do manejo ecológico, a empresa vinha desenvolvendo programas sociais nas comunidades ribeirinhas, como o Projeto Açaí Marajoara, em parceria com o governo estadual e as prefeituras dos municípios de Curralinho, São Sebastião da Boa Vista, Ponta de Pedras, Cachoeira do Arari e Muaná – todos no arquipélago do Marajó.

Esse projeto visava garantir a sustentabilidade econômica das associações comunitárias através de cursos de capacitação profissional, formação de agentes de desenvolvimento e outras ações. A empresa também se comprometia a comprar toda a produção dos pequenos agricultores de São Miguel do Pracuúba, distrito de Muaná, eliminando os atravessadores e repassando técnicas aos produtores rurais.

 

4.    O MANEJO FLORESTAL DA EMPRESA:

 

A proposta da empresa visava o aproveitamento de palmito e frutos do açaizeiro em áreas de várzeas na ilha de Marajó. Dentro desse contexto, os principais objetivos a serem perseguidos no manejo florestal realizado nas áreas da empresa são:

 

ü  Aumentar o numero de estirpes sem comprometer a biodiversidade local;

ü  Melhorar a produtividade dos açaizais;

ü  Extração de estirpes que apresentam uma melhor qualidade e rendimento industrial, cuja idade e desenvolvimento permitam a produção de sementes.

 

Para atingir esses objetivos, a empresa segue como critério:

 

 

ü  Manejar touceiras com três estirpes adultas (prontas para colheita), três estirpes jovens e três mudas;

ü  Estabelecer uma media de 620 touceiras produtivas por hectare manejado,

ü  Ciclo de colheita de três estirpes a cada três anos.

 

Antes de começar uma operação de manejo florestal de uma área, a Muaná Alimentos elabora um projeto de acordo com a legislação florestal e submete às autoridades do IBAMA –Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, para aprovação. Os principais passos constantes do projeto são:

 

ü  Identificação de campo;

ü  Avaliação da documentação da propriedade;

ü  Definição de área com potencial produtivo;

ü  Analise estatística dos dados contidos no inventario florestal diagnostico;

ü  Definição da locação da reserva florestal em mapas;

ü  Definição e locação nos mapas das unidades de produção (talhões), com aproximadamente 50 há;

ü  Após a aprovação do IBAMA, começa o processo de manejo.

 

A empresa adotava outros aspectos de manejo na área liberada, como:

 

ü  Subdivisão dos talhões em unidades de trabalho – facilitava o planejamento e controle da produção, assim como o processo de cadeia de custodia dos produtos retirados;

ü  Adotava instalações de parcelas permanentes – serviam para monitorar os efeitos do manejo florestal aplicados na área sobre os ecossistemas locais.

 

O sistema de manejo propriamente dito, seguia as seguintes ações:

 

ü  Bosqueamento– para reduzir a competição de luz, mantendo pelo menos 20% de todas as espécies encontradas;

ü  Anelamento– para abrir espaços entre as copas e permitir a entrada de luz, mantendo 20% de cada espécie;

ü  Subdivisão dos talhões em unidades de trabalho – ação realizada no momento em que estão preparando as áreas para a colheita tanto do palmito como dos frutos. Cada unidade mede 2,5 há e são identificados com o Código do Talhão e o Código da Unidade de Trabalho. Por exemplo: T04 – U12;

ü Colheita de tratamento – para criar uma uniformização das touceiras. A ideia era deixar, depois da colheita, cada touceira com uma conformação de três estirpes jovens e mudas;

ü Plantio de mudas – para manter as áreas produtivas com uma media de 620 touceiras por hectare;

ü Instalação de parcelas permanentes – eram instaladas tanto nas áreas de produção como na área de reserva florestal, o que servia como uma ferramenta para gerar dados para o sistema de monitoramento do manejo;

ü Manutenção das áreas manejadas – manter uma densidade de cobertura vegetal que permita a regeneração natural da Euterpe Olerácea.

 

 

 

5.    RESULTADOS:

 

Esse projeto foi baseado no manejo sustentável do açaí, com reflorestamento de todas as áreas cultivadas e ações socioambientais com as famílias dos produtores. Incluía ainda, a ampliação da produção de frutos tropicais como cupuaçu, buriti, tucumã e outras espécies florestais, durante a entressafra do açaí na região, que vai de janeiro a julho.

Considerando os procedimentos e os resultados experimentais do manejo sustentável do açaí no município de Muaná, podemos concluir que o mesmo pode ser auto sustentável, devido a fatores como:

 

ü    Custo de manejo e beneficiamento da polpa e do palmito são relativamente baixos;

ü    Produto de fácil aceitação e comercialização no mercado interno e externo;

ü    Trata-se de uma espécie generosamente produtiva e fácil reprodução (perfilhação).

 

Entretanto, fica evidente a necessidade de infra-estrutura, planejamento e suporte financeiro, especialmente de uma grande empresa, para determinar essa sustentabilidade do açaí.

Esses requisitos podem faltar para os pequenos produtores, principalmente a disponibilidade de capital para suprir o período de baixa produtividade (entressafra) e eventuais crises no mercado.

A empresa Muaná Alimentos não durou muito – apesar dos resultados positivos de seu projeto piloto – por causa de dívidas com a fazenda estadual e federal herdadas de sua antecessora, a empresa Ita.

 

 

 

6.    REFERÊNCIAS:

 

CASTRO, Aline de. O extrativismo do açaí na Amazônia Central. In: A floresta em jogo. São Paulo-SP; UNESP, Imprensa Oficial do Estado. 2000, p. 129-138.

 

CEDI/CRAB. Educação ambiental: uma abordagem pedagógica dos temas da atualidade.2 ed. Rio de Janeiro-RJ. 1994, 88p.

 

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GOVERNO DO ESTADO. Lei ambiental nº 5.887, de 09 de maio de 1995. Artigos 71,87,93 e 110.

 

LESCURE, Jean Paul. Algumas questões a respeito do extrativismo. In: A floresta em jogo. São Paulo-SP: UNESP, Imprensa Oficial do Estado. 2000, p. 197-203.

 

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O LIBERAL. Salvação da lavoura está no açaí. Belém-PA. 24 de janeiro de 1999. Caderno Atualidades.

 

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PARÁ (Estado). Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente. Guia ambiental do Estado: o que você precisa saber sobre a gestão ambiental. Belém-PA: SECTAM. 2000. P. 33.

 

_____________. Programa estadual deeducação ambiental: diretrizes e politicas. Belém-PA: 2000. P. 14.

 

_____________. Projeto de gestão ambiental integrada do Estado do Pará/PGAI. Belém-PA: SECTAM. 2000. P. 15.

 

ROGER, Hervér. Açaí: preparo, composição e melhoramento da conservação. Belém-PA: EDUFPA. 2000. P. 313.

 

SIMPÓSIO INTERNACIONAL (1997). Estratégias de desenvolvimento sustentável: uma contribuição para a elaboração de planos de desenvolvimento e agenda 21. Anais. Belém-PA: NAEA/UFPA, FAOR, UNIPOP. 1998. P. 83.

 

TUFFANI, M. Dano invisível, o risco da coleta ilegal do palmito. Galileu, ambiente. Rio de Janeiro-RJ: nº 118. P. 30-35. 2001.

 

Ilustrações: Silvana Santos