Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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30/05/2017 (Nº 60) ASPECTOS EDUCACIONAIS DE PROMOÇÃO AO DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR FRENTE AÇÕES DESENVOLVIDAS PELO CAPA EM SÃO LOURENÇO DO SUL
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ASPECTOS EDUCACIONAIS DE PROMOÇÃO AO DESENVOLVIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR FRENTE AÇÕES DESENVOLVIDASPELO CAPA EM SÃO LOURENÇO DO SUL

 

André Luiz Radunz

Engenheiro Agrônomo, especialista em Educação, Mestre e Doutor em agronomia. Professor adjunto Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS/Campus Chapecó. Endereço Universidade Federal da Fronteira Sul, SC 484, Km 02, Bairro Fronteira Sul, Chapecó-SC. andre.radunz@uffs.edu.br

Cristhianny Bento Barreiro

Dra. em Educação pela PUC-RS. Professora do Instituto Federal de Educação,  Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense e do Programa de Pós-graduação em Educação  do IFSUL. Edereço Praça 20 de setembro 455, Centro, Pelotas-RS, (53)21231011. crisbbarreiro@gmail.com

Amanda Fabres Oliveira Radunz

Assistente social e bacharel em história, mestre em Ciências Sociais. Assistente social na EBSERH. Avenida Duque de Caxias, 250, Pelotas – RS. (53) 3271-1355. amafaol@yahoo.com.br

 

 

RESUMO

A afirmação e o fortalecimento da agricultura familiar vão além da ampliação da sua legitimidade política e formal, necessitando de alterações que venham a reduzir a dependência e vulnerabilidade frente ao sistema capitalista. Neste sentidoo objetivo da presente pesquisa foi avaliar os processos educacionais existentes na mediação entre os agricultores familiares e a organização não governamental (ONG), denominada Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA – Pelotas) para atingir a sustentabilidade dos processos e o fortalecimento da agricultura familiar, e também verificar as metodologias de trabalho utilizadas, e o quanto estas valorizam a participação e o saber do produtor para a promoção da eqüidade das relações e da autonomia das Famílias.  A coleta dos dados foi realizada através de entrevista com agricultores familiares assistidos pelo CAPA no município de São Lourenço do Sul, RS. A partir dos resultados,pode-se perceber que, no contexto do município de São Lourenço do Sul, o trabalho desenvolvido pelo CAPAé participativo e valoriza os saberes e as experiências dos agricultores. Os aspectos educacionais, relativos a a proposta de trabalho participativa e autônoma estão presentes em todas as falas dos entrevistados. Constata-se que a autonomia do agricultor é estimulada e este passa a ser um ator social e não simplesmente um mero receptor de informações, desenvolvendo uma visão holística do sistema, baseando suas práticas em alternativas sustentáveis do ponto de vista econômico e ambiental.

Palavras-Chave:Agricultura familiar; Autonomia; Mediação; Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA); Processos educacionais.

 

 

 

 

 

 

EDUCATIONAL ASPECTS OF PROMOTING THE DEVELOPMENT OF FAMILY FARMING FACE ACTIVITIES CARRIED OUT BY CAPA IN SÃO LOURENÇO DO SUL

 

ABSTRACT

The affirmation and strengthening of family agriculture go beyond the expansion of its political legitimacy and formal, requiring changes that will reduce dependence and vulnerability of the capitalist system. In this sense, , the objective of this research was to evaluate existing educational processes in mediating entres family farmers and non-governmental organization (NGO), in case the Support Center for Small Farmers (CAPA - Pelotas) to achieve sustainability of the processes and strengthening family farming, and also check the working methodologies, if they value the participation and knowledge of the producer to promote equality of relations and empowerment of families. Data collection was conducted through interviews with family farmers assisted by CAPA in São Lourenço do Sul, RS.From the results realized that in the context of São Lourenço do Sul the work of CAPA in family farms and participatory and values ​​the knowledge and experiences of farmers; The educational aspects, for aa participatory and autonomous work proposal are present in all the interviewees' statements; Notes that the autonomy of the farmer and stimulated and this becomes a social actor and not just a mere receiver of information, developing a holistic view of the system based on their practices sustainable alternatives in terms of economic and environmental.

Keywords:Family farming; Autonomy; Mediation;Support Centrefor Small Farmers (CAPA); educationalprocesses.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Na atualidade tem se percebido aumento nas discussões que envolvem a temática da agricultura familiar, como uma categoria não somente para produção de alimentos, mas sim de desenvolvimento rural e manutenção da cultura em contraponto ao modelo tradicional vigente.

Diante destas discussões a agricultura familiar vem ocupando espaços de destaque na sociedade, sendo em diversassituaçõescitada, como uma das saídas provável para a produção de alimentos aliada a preservação ambiental. Ao ser tratada como uma alternativa viável, a agricultura familiar ganha espaço e importância,sendo preconizadora de um sistema de produção agroecológico baseado em cultivos mais diversificados, onde grande número de espécies compartilham uma mesma área e por utilizar práticas culturais de menor impacto ambiental.

De mesma forma a agricultura familiar, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) coletados no censo agropecuário de 2006, é responsável pela maior parte dos alimentos consumidos no País. Sendo 87% da mandioca; 70% do feijão; 59% de suínos e 58% do leite, logo é perceptível a participação desta categoria na produção dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.

É interessante ainda destacar que, embora o contexto histórico da região estudada, zona sul do Rio Grande do Sul, seja marcada pela presença de latifúndios, pela monocultura e pecuária extensiva,houve movimento de colonização que resultaram na diferenciação de algumas áreas rurais da região a exemplificação de São Lourenço do Sul. Este município possui traços marcantes da colonização alemã ocorrida no século XIX, que resultou na formação de minifúndios. Tem-se portanto um contexto histórico particular que resultou na formação sócio-economica-cultural distinta de outros municípios da mesma zona geográfica.

Entretanto, a afirmação e o fortalecimento da agricultura familiar vão além da ampliação da sua legitimidade política e formal, necessitando de alterações que venham a reduzir a dependência e vulnerabilidade frente ao sistema capitalista.

Diante deste cenário tornam-se importantes os aspectos de extensão rural para este público. Assim, busca-se a prática extensionistano meio rural baseada na horizontalidade e preconizada de uma maneira que permita que o próprio agricultor desenvolva uma visão holística do sistema, e seja um sujeito promotor de um projeto alternativo de desenvolvimento rural, baseado em práticas alternativas, econômica e ecologicamente sustentáveis, promovendo a diversificação dos cultivos da propriedade.Onde o trabalho doextensionista, como educador, assumo uma perspectiva de humanizar ao homem, na ação consciente, onde a educação é percebida não como prática de domesticação, mas sim como prática de libertação, na qual educar e educar-se é tarefa daqueles que sabem que pouco sabem, e por isto sabem que sabem algo, e podem, assim, chegar a saber mais, em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber mais (FREIRE, 1987), ou seja, onde o agricultor passa a contribuir a construção do seu projeto de desenvolvimento, a partir do uso e troca de suas experiencias e saberes com o extensionista, este que passa a valorizar, compreender e trabalhar com o agricultor, suas demandas e possibilidades. Assim, como relatado por Freire(1981), onde, alcança-se o “empowerment” quando ostécnicos extensionistas e os agricultoresinteragem em uma relação horizontal (sujeitosujeito), de diálogo e respeito pelos diferentes saberes.

Acredita-se ser de fundamental importância o papel desenvolvido, entre outros, pelas ONGs, como promotoras de propostas planejadas e discutidas juntamente com as famílias com o objetivo maior de construir processos que levem à autonomia e à emancipação das famílias e onde elas possam, por si próprias, estar planejando, executando e monitorando o seu sistema de produção.

Assim, o objetivo da presente pesquisa foi avaliar os processos educacionais existentes na mediação entres os agricultores familiares e a organização não governamental (ONG), no caso o Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA – Pelotas) para atingir a sustentabilidade dos processos e o fortalecimento da agricultura familiar, e também verificar as metodologias de trabalho executadas, se estas valorizam a participação e o saber do produtor para a promoção da eqüidade das relações e da autonomia das Famílias.

Itens desenvolvidos a seguir:

Contextualização; O Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor – CAPA; Metodologia; Resultados, estes subdivididos em tópicos: Entendendo o funcionamento e a dinâmica de trabalho da ONG; A importância do trabalho do CAPA na visão dos agricultores; Entendendo como o agricultor passa a ser assistido pelo CAPA;         Metodologia de trabalho, o funcionamento na prática; O que produzir – como se determina o que o agricultor vai cultivar; A autonomia; Os aspectos educacionais   ; Qual o tipo de informação ou formação que o CAPA quer passar ao agricultor; Por fim as Considerações finais, Referências.

 

 

CONTEXTUALIZAÇÃO

 

Na atualidade verifica-se uma aparentehomogeneização espacial das tecnologias e modelos de produção, comandada pelo capitalismo e mercados internacionais, estes que, na maioria das vezes, não respeitam o meio ambiente e buscam lucros sem contabilizar os custos ambientais e sociais. Entretanto,a capacidade de absorção tecnológica é diferenciada entre os públicos e esta relação dialética resulta numa disparidade acerca das possibilidades de desenvolvimento local, que cria desigualdades entre as diferentes regiões geográficas (FINATTO& SALAMONI, 2008).

Diante deste cenário, há quem diga que vivemos em um momento de transição de paradigmas, em queesterevela-senas múltiplas dimensões de uma crise decorrente do esgotamento do paradigma dominante e se pré-anuncia na emergência de um novo paradigma (BECKER, 2002, p. 31). Paradigma este que busca a implantação de um relacionamento mais harmonioso do homem com o meio natural (FINATTO & SALAMONI, 2008) e hoje conhecido por desenvolvimento sustentável (MONTIBELLER, 2004).

O desenvolvimento sustentável propõem repensar as formas de apropriação do meio natural pelo homem, elaborando e desenvolvendo novas estratégias produtivas na tentativa de minimizar os custos socioambientais ocasionados pelo atual modelo produtivo (FINATTO & SALAMONI, 2008).

Neste novo paradigma a sustentabilidade deve ser compreendida como a capacidade de uma região em constituir seu padrão de desenvolvimento, num padrão de desenvolvimento diferenciado (BECKER, 2002, p. 77).

Assim, a sustentabilidade passa a ser entendida como um meio para se atingir uma situação de desenvolvimento pautado nas potencialidades locais, pensando em um sistema de desenvolvimento local e regional (FINATTO & SALAMONI, 2008),com o significado qualitativo e a finalidade de atingir vida digna a todos, de acordocom as necessidades locais de cada população,pautado no uso dos recursos naturais disponíveis em cada região (SALAMONI, 2000).

 

O CENTRO DE APOIO AO PEQUENO AGRICULTOR - CAPA

 

O Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA), nome na ocasião da realização da pesquisa, o qual na atualidade é chamado de Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia – CAPA, é uma organização não governamental criada em 1978 como um serviço da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), cujo compromisso é contribuir no fortalecimento da agricultura familiar e na construção de sujeitos sociais nas suas dimensões econômico, social, política e cultural, a partir da cooperação agrícola, da agroindustrialização e da comercialização,tendo a agroecologia como protagonista e base tecnológica potencializadora na construção de um projeto de desenvolvimento sustentável, observando que o meio rural pode ser um espaço de vida saudável (SGARBI et al., 2007).

O CAPA possui em sua equipe técnica profissionais de diversas áreas de conhecimento tais como: agroecológia, cooperativismo, agroindústrias, entre outras. Esta condição confere a instituição competência e capacidade de atender aos múltiplos questionamentos e exigências dos agricultores familiares.

As ações do CAPA não se baseiam nos usuais padrões econômicos para o desenvolvimento e sim, nas capacidades e potencialidades de microregiões onde atua, em especial os agricultores familiares, valorizando o conhecimento empírico, a organização social e a riqueza natural (FRÓES et al., 2008). A opção de trabalhar de forma coordenada, solidária e participativa faz parte da dinâmica da organização e de seus parceiros, entre eles a EMATER e a EMBRAPA (FRÓES et al., 2008).

Faz parte do trabalho desenvolvido pelo CAPA apoiar a implementação de políticas públicas de desenvolvimento da agricultura familiar. Sua visão transcende o meio rural, uma vez que busca construir novas relações entre o meio rural e urbano aproximando as realidades, estimulando a formação de uma conjuntura social mais igualitária.

O trabalho do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA) está espalhado por diferentes regiões dos três estados do sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) com sede nos municípios de Pelotas, Santa Cruz do Sul, Erechim, Verê e Marechal Cândido Rondon, beneficiando sete mil famílias de agricultores familiares, pescadores artesanais, assentados da reforma agrária, quilombolas e indígenas, organizados em grupos, associações comunitárias e cooperativas (CAPA, 2013).

Com relação às parcerias públicas, nota-se que desde o ano 2000 o CAPA vem ampliando acordos de cooperação nas esferas governamentais, tanto em âmbito federal como também estadual e municipal.

Contudo, oCAPA se identifica com aspectos identitários da igreja da qual emerge, e, na mediação que se pauta em pressupostos religiosos, atua na qualificação de pequenos agricultores pela via da agroecologia. É nesta visão que se articula a nova paisagem entre agricultores e a entidade mediadora (VANDERLINDE, 2011).

Sob o paradigma de uma nova racionalidade ambiental e considerando a economia local como foco de sustentabilidade, o protagonismo do CAPA pode ser comparado a outras entidades mediadoras que procuram caminhar de forma diferenciada dos receituários que orientam a economia liberal (CAPA, 2013). Sendo assim, a articulação das pessoas que ocorre em torno do CAPA, pode ser caracterizada como um dos movimentos anti-hegemônicos que se percebem em muitas partes do planeta (CAPA, 2013).

Neste sentido, cabe destacar uma observação do sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2002) que tende com as reflexões realizadas por Vanderlinde (2008; 2009) e Batistela (2009)no que se refere a racionalidade ambiental fundamentada na sustentabilidade, esta definida pelo CAPA. Santos (2002) observa que ainda hoje a maioria da população mundial mantêm economias relativamente tradicionais, muitos não são “pobres” e uma alta percentagem dos que são foram empobrecidos pelas políticas da economia neoliberal. Em face disto, a resistência mais eficaz contra a globalização reside na promoção das economias locais e comunitárias, economias de pequena escala, diversificadas, auto-sustentáveis, ligadas a forças exteriores, mas não dependentes delas. Segundo esta concepção, numa economia e numa cultura cada vez mais desterritorializadas, as respostas contra os malefícios, não pode deixar de ser a reterritorialização, a descoberta do sentido do lugar e da comunidade, o que implica a descoberta ou a invenção de atividades produtivas de proximidade (SANTOS, 2002).

 

O CAPA tem por missão contribuir ativamente na promoção do desenvolvimento que proporcione vida digna a todas as pessoas, sendo que as suas ações estão centradas no fortalecimento da CAPAcidade de cooperação e organização da agricultura familiar para a produção agroecológica, utilizando metodologias de trabalho que valorizem a participação e o conhecimento local, associem teoria com a prática e promovam a equidade das relações, autonomia e bem estar das famílias (IDE, 2008, p. 39).

 

Em seu estudo sobre a racionalidade ambiental do CAPA, Everton Batistela (2009) discute o desastre provocado pela ideologia do progresso e desenvolvimento sem limites. Neste sentido, pode-se concluir que a crítica da modernidade é uma questão ideológica imprescindível nas discussões sobre sustentabilidade. A conclusão é que de fato parece que jamais fomos modernos, pois ainda não se conheceu a emancipação propalada pelo projeto da modernidade. No diálogo estabelecido com diversos pensadores, Batistela (2009) conclui que a sustentabilidade é o significante de uma falha fundamental na história da humanidade. E uma das constatações é que a força libertadora da modernidade enfraquece a medida que ela mesma triunfa. Neste sentido não seria um exagero afirmar que teria sido preciso destruir o mundo em teorias para que se pudesse destruí-lo na prática. Urge, portanto um outro paradigma civilizatório (BATISTELA, 2009).

 

 

MATERIAIS E MÉTODOS

 

A pesquisa é um estudo descritivo-exploratório de cunho qualitativo (MINAYO et al., 2010) que busca ampliar a compreensão sobre a temática.

A coleta de dados foi realizada através da realização de entrevistasno município de São Lourenço do Sul, RS,em que foram selecionados aleatoriamente dois agricultoresfamiliares que mantém seu modo de produção pautado nos modelos agroecológicos e foram/são assistidos pelo CAPA.O agricultordois ainda hoje é assistido pelo CAPA e o agricultorum foi assistido pela entidade e na atualidade desenvolve suas atividades sem o efetivo acompanhamento do técnico doCAPA. Ainda, foi entrevistado o técnico da ONG que presta assistência no referido município.

As entrevistas foram degravadas e posteriormente, juntamente com os questionários foram analisadas (MORAES & GALIAZZI, 2011),para que se pudesse obter a compreensão das informações obtidas com vistas a atingir os objetivos propostos.

O técnico do CAPA, entrevistado nesta pesquisa, é Engenheiro Agrônomo e trabalha desde 2004 na ONG.Entretanto, já conhecia o trabalho desenvolvido pela instituição desde sua graduação, tendo iniciado suas atividades no CAPA trabalhando com grupos ecológicos de São Lourenço do Sul, RS, com 40 famílias pertencentes a 6 grupos, além de atuar junto as cooperativas do município (Cresol, FetrafSul, Coopar).

O Agricultor um é produtor agroecológicohá 16 anos, também participara de feiras no município de São Lourenço do Sul, RS.O Agricultor dois é produtor e possui uma agroindústria familiar de produção de sucos e geleias no interior do município há 12 anos.

 

 

RESULTADOS

 

Cabe destacar que os resultados encontradosserão apresentados de forma única e conjugados, levando a uma integração entre os entrevistados para atingir o esclarecimento dos objetivos propostos pela pesquisa.

 

Entendendo o Funcionamento, o Papel e a Dinâmica de Trabalho da ONG

 

No que tange o funcionamento e o papel do CAPA é possível constatar que este éamplo, mas sempredirecionado ao contexto da agroecologia, em seu aspecto de produção e de princípios. Podendo ainda, ser considerada a agroecologiaum dos pilares que norteia os trabalhos da organizaçãoonde, assim como na agroecologia, acredita que o CAPA trabalha para promover processos de desenvolvimento, focando as questões técnicas de substituição de insumo, diversificação da matriz produtiva, mas também gerando o desenvolvimento local e melhorando a qualidade de vida dos agricultores e da sociedade.

A assessoria técnica, praticada pelo técnicodoCAPA, demonstra que esteatua como um articulador, um promotor do desenvolvimento da região, fato que é evidenciado através da experiência de trabalho da ONG,desde 1978, em São Lourenço do Sul. Está estratégia de assessoria é pautadana busca da organização social dos agricultores, trabalho em grupo e associação de agricultores, cooperativas e redes de comercialização.Entre as propostas que desempenham fundamental importância no contexto de São Lourenço do Sul está a Rede Vida a Granel, a qual acessa mercados institucionais como o da merenda escolar e o programa Fome Zero, com isto fomentando o desenvolvimento da região, tendo por base a agroecologia para o desenvolvimento sustentável.

Analisando o sucesso das práticas promovidas peloCAPA, o técnico da ONG destaca a busca pela prática protagonista dos agricultores, pois:

 

OCAPA sozinho teria feito muito pouco, se não fosse realmente os agricultores terem acreditado no trabalho e na metodologia de trabalho,e também se o CAPA não tivesse trabalhado com estes agricultores para que eles fizessem parte do processo, participassem e assumissem o papel que a gente entende que eles temque assumir. Este que é estar àfrente das discussões cooperativas indo para as discussões disputando recursos públicos.

 

Assim,pela metodologia de trabalho fica evidente que o próprio agricultor é estimulado a buscar os recursos públicos e as alternativas de comercialização, neste contexto o papel do CAPA parece ser de um mediador, um fomentador, que estimula o protagonismo dos agricultores para que eles se constituam enquanto atores ativos no processo de desenvolvimento, e que após uma fase de acompanhamento eles possam seguir o trabalho sem o efetivo acompanhamento da entidade, pois assim o CAPA consegue tempo para iniciar este processo com outras organizações.Contexto este que também pode ser evidenciado no trabalho de Vanderlinde (2011).

 

A Importância do Trabalho do Capa na Visão dos Agricultores

 

Na visão do agricultor um,o trabalho do CAPAé/foi importante, pois propôs alternativa à produção com veneno, o que permitiu que ele permanecesse na agricultura e estimulou o filho a permanecer no meio rural produzindo alimentos.

 

O CAPA, a gente conheceu porque tinha problema de intoxicação por produto químico, por venenos que aplicávamos na batata, eu me sentia mal, tinha vômitos esentia muito mal estar, não podia dormir direito (...).Eu acho que é e foi importante o trabalho do CAPA, pois a gente teve alternativa a produção com veneno, e isso foi muito importante, se não fosse isso a gente ia parar de produzir,pois quando preparava as calda, tavaquase vomitando lá dentro de tão ruim e só por causa do cheiro e por isso que a gente mudoua forma de produzir (...) se não fosse o CAPA a gente tinha outros planos ia parar com a agricultura, meu filho disse para abrir uma fabrica de tijolos, ou oficina (...) o único jeito seria sair da agricultura, A família e principalmente os filhos não queriam seguir na agricultura,pois estavam vendo eu com 45 anos e já tinha todos esses problemas.

 

Diante deste relato, percebe-se que o CAPA melhorou a qualidade de vida do núcleo familiar, além de auxiliar na manutenção do homem no meio rural, pois as alternativas produtivas fizeram com que um dos filhos se interessasse pela agricultura e quisesse seguir no meio rural, muito disto, pois com o estímulo a diversificação o agricultor pode ter entrada semanal de dinheiro na propriedade.

Para o agricultordois, da mesma maneira o CAPA tem significativa importância para ele e para a região, pois foi a ONG que iniciou os movimentos para a produção de produtos orgânicos e isto considera ser muito bom. Entretanto, o agricultor acredita que o acompanhamento na propriedade deve ser mais intenso e por maior número de anos, pois segundo o agricultor o CAPA dá um grande auxílio no início e depois vai saindo. Entretanto, para o agricultor,tem certas situações que as famílias precisam de mais tempo de acompanhamento, acredita que os agricultores que dão certo são como ele, atentos à busca de informações fora da propriedade, pois relata que vai muito a seminários, dias de campo e feiras, mas muita gente não faz isto e desiste da agroecologia.

O agricultor dois destaca ainda que, para a metodologia de trabalho do CAPA, o agricultor que esta sendo assistido, deve se conscientizar que, em alguns anos, ele temque seguir sozinho, sem o efetivo acompanhamento, só que muitas pessoas não tem essa visão. Relata ainda, que apesar de o CAPA não chegar a deixar de dar acompanhamento as famílias, pois existem as reuniões dos grupos e associações, onde podemos conversar com o técnico, acredita que em algumas situações acompanhar na propriedade por dois ou três anos não é suficiente.

 

Entendendo como o Agricultor Passa a Ser Assistido pelo CAPA

 

A partir da entrevista do Técnico do CAPA, percebe-se que quando o trabalho do CAPA iniciou na região a cerca de 34anos atrás não era conhecido e por ser ligado a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB) teve o apoio da igreja e dos pastores, estes que tiveram um papel importante no contato inicial com os agricultores, sendo os grandes articuladores formando, assim, os primeiros grupos e associações da época. Mesmo com todo o empenho, no início corria-se muito atrás do público (agricultores familiares), relata o técnico.

Atualmente a realidade é diferente, agora com o CAPA consolidado na região, o agricultor deve buscar o auxílio do CAPA. Entretanto, para que o CAPA passe a assistir existem diferentes situações, pois a ONG trabalha com assentados de reforma agrária, quilombolas, agricultores familiares e, dependendo do público, tem-se as particularidades. Mas no caso de agricultores familiares, foco deste trabalho, o agricultor deve ter interesse em trabalhar no modelo de transição agroecologica e estar de acordo com a metodologia de trabalho proposta pelo CAPA e ainda, a ONG deve também ter interesse em dar assistência para o produtor ou grupo de produtores.

Assim, segundo o técnico, existem duas possibilidades, a primeira é um grupo de agricultores procuraro auxilio deCAPA, onde o técnico, noprimeiro contato, explica quem é e como trabalhao CAPA e as formas de comercialização, para onde pode comercializar, as legislações existentes e diante disto o grupo avalia e decide se quer realmente dar continuidade no trabalho.

Um fato importante que deve ser destacado é o que limita ou amplia o campo de trabalho do CAPA que, segundo o técnico, é a disponibilidade de recursos públicos, que são oriundos de projetos, logo o número de agricultores, grupos assistidos depende do momento e do tamanho da equipe do CAPA para trabalhar.

A segunda situação são as inserções de novas famílias aos grupos já existentes, para istoo grupo decide se as famílias que estão interessadas em participar do grupo podem ou não entrar, caso optarem por permitir a entrada da nova família ao grupo este convidaos agricultores para participar das reuniões e, neste momento, o CAPA explica como que se dá o seu trabalho, as formas de comercialização, para onde pode comercializar, as legislações existentes e diante disto os agricultores decidem se querem realmente fazer parte do grupo.

O que verifica-se, é que nas duas possibilidades relatadas o agricultor deve ter vontade de fazer a transição agroecologica e deve ter vontade de se adaptar aos modelos de trabalho do CAPA, para então passar a ser assistido.

No caso do agricultor um, este relata que foi em busca do CAPA motivadopor problemas de saúde (vômitos, dores) por consequência da aplicação de agrotóxicos no cultivo convencional de batata. Diante deste cenário, seus filhos não queriam permanecer na agricultura, pois viam o pai com quarenta e poucos anos e naquele estado (15 ou 16 anos atrás).O Pai então aceitou a ideia de seu filho em procurar, na época,o grupo ecológico que havia se formado no interior do município. Logo, o filho foi atrás deste grupo que naquele momento era de 4 pessoas. Neste dia o filho conversou com o agrônomo e na outra semana ele (agrônomo) foi visitar a sua propriedade.

Ainda, segundo o agricultor um,no primeiro momento em que o técnico visitou a sua propriedade, o mesmo o convidou a fazer parte do grupo agroecológico da Boa vista. Agora, já pertencendo ao grupo, começou aos poucos encaixando a agroecologia na propriedade, neste processo oCAPA proporcionou ao agricultor conhecer outras propriedades, fazer cursos em outras propriedades, participar de conversar e relatos entre os próprios agricultores com o objetivo de aprender como a agroecologia funcionava.O agricultor expõem que,segundo o técnico doCAPA, a formação dos grupos é importante, é uma maneira mais fácil de transmitir as informações, novidades,entre outras. As reuniões são nas próprias propriedades dos agricultores, cada vez em uma, onde o agricultor apresenta as atividades que estão dando certo e troca experiências. "A gente fez curso e visitou outras propriedades, a gente tinha que participar de cursos(...) tudo pelo CAPA, para ensinar nóis e mostrar tudo direitinho."

O agricultor conta que conheceu o trabalho do CAPA através de um amigo, que produzia mel, ele sabia do interesse do agricultor em produzir orgânicos. A partir daí o amigo disse que tinha uma ONG em São Lourenço do Sul.Diferente do agricultorum, o agricultor dois não plantava nada, pois havia pouco tempoquemudara-se para São Lourenço do Sul,e a propriedade estava parada, mas estava em busca de alternativa produtiva que gerasse alimentos sem agrotóxicos."Como eu tinha um filho pequeno, eu tinha muito essa noção de não querer dar veneno para o meu filho e ai comecei com uma horta orgânica, só que eu não tinha a menor noção, nunca tinha plantado na minha vida, eu apenas tinha visto o meu Pai plantando." Relata ainda que logo no primeiro contato o técnico a convidou para participar de uma reunião no grupo e nesta ele expos o modelo de trabalho da ONG.

A partir, das falas percebe-se que o CAPA preocupou-se com o aprendizado dos agricultores, no sentido de permitir uma formação para o agricultor na qual ele pudesse deslanchar no processo produtivo e que compreendesse por si só a dinâmica da agroecológia e não ficasse na dependência de um técnico.

 

Metodologia de Trabalho, o Funcionamento na Prática

 

No que tange este tópico, podemos entender primeiramente como acontece as intervenções do CAPA através da entrevista do técnico da ONG. Segundo este, as primeiras visitas são destinadas para compreender o funcionamento da propriedade, as possibilidades, as limitações e as preferências dos integrantes da família. Num segundo momento, é feito um levantamento de como a propriedade é organizada, levantando informações dos membros da família,sobre a mão de obra disponível no núcleo familiar. Realiza também umlevantamento das condições agrícolas da propriedade, o tamanho, o que o agricultor cultiva, como ele organiza a propriedade, se esta atende questões legais de preservação das matas nativas e, mais do que isto, se o agricultor se preocupa em preservar os recursos naturais.

Avaliando assim as áreas agricultáveis e o interesse do agricultor em desenvolver a agricultura orgânica, bem comoonde ficará a agricultura convencional, tal fato é de relevância, pois, em um primeiro momento,o CAPA trabalha com a ideia da produção paralela, podendo ter os dois cultivos (convencional e orgânico) desde que se respeite certas distâncias entre as áreas. Outro ponto importante observado pelo técnico é as possibilidades de irrigação e a qualidade e manejo dos solos.

Através destas primeiras falas, percebe-se a preocupação do técnico da ONG, este que é um extensionista, em manter a vontade do produtor, dando atenção para as questões sociais, ambientais e culturais. No caso do CAPA, o papel do extensionista parece ser a de um mediador e não um transmissor de conhecimento, onde em muitas vezes o extensionista é o receptor do saber dos agricultores.Ainda, diante das falas, fica claro não só o estimulo a diversificação da matriz produtiva a fim de melhorar não só a renda da família, mas tambémo objetivo ter maior segurança alimentar no núcleo familiar. E sim, assumindo o trabalho de extensionista como educador em uma perspectiva de humanizar ao homem (FREIRE, 1987), ou seja, onde o agricultor passa a contribuir a construção do seu projeto de desenvolvimento, a partir do uso e troca de suas experiencias e saberes com o extensionista, este que passa a valorizar, compreender e trabalhar com o agricultor, suas demandas e possibilidades. E diante disto há a possibilidade dealcançar “empowerment”, pois há uma relação horizontal (sujeito sujeito), mediado pelo diálogo e respeito pelos diferentes saberes, por parte do técnico extensionista e pelo agricultor (FREIRE, 1981).

Uma das primeiras orientações e questões trabalhadas com as famílias é a recuperação das áreas de solo, afim de estabelecer um equilíbrio. Isso é feito implantando áreas de adubação verde para melhorar as características físicas e químicas do solo, além de trabalhar questão das alternativas que a família tem, por exemplo, se tem animais, são propostas alternativas que visem a utilização dos dejetos, aproveitando os recursos existentes na propriedade para a sua produção. Assim atribuindo um olhar holístico sobre a propriedade, levando em contaàs possibilidades e limitações. O que atende a proposta de Freire, quanto sugere que o papel do extensionista deve ter um olhar sistêmico (FREIRE, 1973).

Nos primeiros meses as famílias não comercializam sua produção, elas passam por um período de avaliação pelos demais integrantes do grupo e/ou pelo CAPA para ver se vão se adaptar a forma de trabalho.

Diante desta metodologia os agricultores entrevistados relataram que a primeira coisa que o técnico fez foi conhecer a propriedade e as aptidões desta, preocupando-se com as possibilidades e limitações da área produtiva, da mão de obra, da vontade da família diante das possibilidades de comercialização.Corroborando com a proposta de,Freire (1973), que reagiu contra o enfoque reducionista no qual apenas a propriedade é o componente da analise, questionando o conceito de extensão, e indicou novos papéis, onde o extensionistapudesse comprometer-se com a realidade em que intervém, onde a propriedade é apenas um dos componentes e ele próprio, o extensionista, é parte do processo.

 

O Que Produzir – Como se Determina o que o Agricultor Vai Cultivar

 

Segundo o técnico, primeiramente são observadas as aptidões das famílias, pois considera que muitas delas já tem uma tendência a produzir animais, hortaliças entre outros produtos. Diante desta afinidade, otécnico leva em conta o que a cooperativa consegue comercializar,tendo por base que a produção e a comercialização são organizadas pela cooperativa e com a assessoria do CAPA.Relata que existem inúmeros produtos para serem cultivado, pois hoje a cooperativa trabalha com 60 diferentes produtos, tendo como“carro chefe” (principais) uma lista com 15 a 20 produtos, itens que pertencem à lista de comercialização para a merenda escolar e para o programa Fome Zero, os quais demandam grandes volumes de produção.

Os agricultores por uma função de planejamento da cooperativa e tendo em vista os produtos que são possíveis de comercializar, balizado por demanda de produção, são estimulados a produzir os 15 – 20 principais produtos em volume de comercialização, mas sempre produzindo, fora estes, os de seu interesse, sendo os agricultores estimulados a diversificar a sua propriedade quanto às culturas produzidas.

 

Os agricultores acabam trabalhando, principalmente, com entorno de 20 produtos, até porque para os outros 40 produtos ainda não há um mercado formado.Claro, se há a demanda de produção, por parte do agricultor,para um determinado produto, a cooperativa pode inserir esse produto ou também buscar mercado para que esse produto possa ser comercializado, mas então, quando o agricultor disser eu quero produzir cogumelos, nós alertamos para ele, olha cogumelo não é nossa área, assim, infelizmente tem produtos que a gente diz não, não tem comoproduzir, mas tem tantos outros produtos que pode sim, por exemplo, milho verde, ervilha, vagem.

 

Ainda, segundo o técnico, outra situação que o CAPA interfere quanto ao que produzir, orientando que não é uma boa opção é quando o agricultor mora a uma distância muito grande do centro de entrega (por exemplo60Km) e quer produzir um produto muito perecível, como o morango para vender para merenda escolar, o técnico alerta que não vai dar certo, pois além de ser frágil e depreciar rápido exige 2 ou 3 colheitas por semana.Assim, um trabalho do CAPA também é a organização do que produzir na propriedade, levando em conta a aptidão das famílias e da propriedade, mas também como vai ser a comercialização, como o exemplo do morango.

Na visão do agricultor um,o técnico do CAPA se preocupou em saber o que ele fazia e gostava de fazer, pois quando questionado pelo técnico diz:

 

(...) eu disse que gostava de plantar batata, é o que eu mais tinha na propriedade, e também o feijão, estes eu tinha prática e cultivava de forma convencional e se pudesse queria transferir para o ecológico. E assim, começoueles não teimaram que tinha que ser outra coisa, apenas me alegaram que para vender na feira era bom eu diversificar mais, não fica só nesses produtos e eu concordei com isso e não achei ruim essa orientação.

 

Assim percebe-se que os técnicos demonstraram que era importante ele diversificar e trouxeram maneiras de trabalhar o que ele já produzia e outras culturas dentro da agroecologia. O Agricultor relata ainda que o filho dele, que quer ficar na agricultura, optou por produzir um pouco de fumo orgânico, porque tem venda garantida e também porque a firma fornece todo o adubo orgânico, o que ele considera como um gargalo para a expansão da sua produção, e, diante desta decisão,oCAPA não interferiu.Quando questionou o técnico, o agricultor percebeu que ele não gostou muito, embora tenha o deixado escolher o rumo. Ele disse que com o CAPA é muito bom de trabalhar, pois deixa ele livre para escolher o que fazer.

O agricultordois não produzia nenhum tipo de cultura e diz que não tinha nenhum conhecimento sobre o que produzir nem de como produzir, apenas tinha uma hortinha em casa e que mesmo assim o técnico foi conhecer a propriedade e perguntou o que ele queria produzir, deixando aberto para ele tomar as decisões, apenas o orientando nas possibilidades. Entretanto, relata que agora com a venda para a merenda escolar, o técnico direciona alguns produtos que tem maior demanda e diz que seria bom produzir esses, pois tem onde comercializar maiores volumes.

 

A Autonomia

 

No que se refere a autonomia adquirida pelo agricultor frente ao processo de assistência técnica do CAPA, o técnico da ONG diz perceber que o agricultor ganha autonomia, e que esta é uma preocupação da ONG.

O técnico diz que na realidade o contato com os agricultores é permanente, pois a cada 2 meses eles fazemem reuniões, pois em um mesmo grupo tem famílias que estão a 20 anos e outras a 3 anos, entretanto as visitas são apenas nas famílias que iniciaram a menos tempo.

O técnico acredita que os agricultores pioneiros não precisam mais de acompanhamento, pois além de toda a vivência prática, os agricultores incorporaram os princípios da agroecologia, e apenas mantém estes princípios, visando a manutenção do equilíbrio da sua propriedade.

Ainda, segundo o técnico, isto só é possível, pois os agricultores compraram a ideia e sabem lidar com o manejo agroecológico e a interaração da propriedade, a tal ponto quehoje, servem de base e referência para os agricultores que estão iniciando nos grupos.Tal fato demonstra que os agricultores conquistaram a autonomia frente ao processo produtivo, tornando-se atores do seu desenvolvimento e não meros sujeitos receptores.

Necessitando apenas que o CAPAos leve algumas novidades, já nem mais de caráter tão técnico, mas sim de atualidades sobre as novas leis e decretos, questões ambientais o como isto pode impactar os agricultores, também sobre as políticas públicas que estão surgindo.

Isto porque, nas questões técnicas de produção os agricultores são autônomos, até mesmo dentro do grupo já estão se organizando e sabendo as questões de escalonamento de produção, a quantidade que cada agricultor deve produzir e o que cada agricultor produz de diversidade, são completamente independentes, segundo o técnico da ONG.

Ao ser questionado sobre o motivoque permite o desenvolvimento da autonomia, o técnico relata que este é o objetivo do CAPA, pois a proposta é que mesmo sem a presença do CAPA, os trabalhos sigam sem serem influenciados. Os agricultores e cooperativas seguem trabalhando e acham que isto é possível, pois têm exemplos de cooperativas como a Coopar e seus associados, esta não depende do CAPA para se manter, pois tem mais de 20 anos de atuação, também têm o exemplo da SulEcologica. A premissa do CAPAé a de que os agricultores possam ser os protagonistas, por isto as lideranças dos grupos e cooperativas são sempre os próprios agricultores, assim eles aprendem a lutar e buscar os recursos e alternativas de comercialização.

Para o técnico,oCAPA estimula que os próprios agricultores busquem se profissionalizar de acordo com suas necessidades como por exemplo na Coopar tem alguns dos funcionários, que hoje “largaram a enxada” para administrar a cooperativ e eles são os protagonistas que seguem tocando a cooperativa, mas o importante é que se tenha uma organização e que tenha lideranças dentro destas organizações.OCAPA busca estimular isto para que o grupo mantenha-se organizado. Ainda, acredita que muito desta autonomia esta ligado a forma de trabalho do CAPA que prioriza sempre, como já mencionado, que os agricultores sejam os protagonistas, assumam o papel de liderar.

Isto também é possível, pelo estimulo do CAPA a formação permanente, tanto técnica quanto política. Esse estímulo se dá no sentido do protagonismo e da participação deles, fazendo com que os agricultores pensem e reflitam sobre os assuntos e não sejam apenas receptores. Sendo assim, através do dialogo, eles tem a oportunidade de crescer e interagir com as prefeituras, com a comunidade (...).Eles tem que saber que eles podem gerar opinião e criar possibilidade de desenvolvimento do seu local, tornar-se parte do processo, inclusive pensando que as famílias sejam atores pensantes no processo.

Ao ser questionado sobre qual é a metodologia de trabalho do CAPA e como ela permite isso,o técnico diz que a metodologia,não esta descrita, há anos que se vem falando sobre isto, mas de maneira geral:

- É a ideia da assessoria permanente e continuada;

- A questão da organização destes agricultores em grupos. Nunca isolados;

- A questão de trazer não só aporte técnico, mas também assuntos da atualidade e como isto pode afetá-los;

- Da ideia deles, agricultores, assumirem um papel de estarem a frente de sua organizações, serem ativos nas decisões (...) e serem referência na comunidade local;

- Por isto acredita que está dando certo e tenha resultados satisfatórios.

 

Portanto, com relação à autonomia, na visão do agricultorum, ele se considera hoje autônomo, pois consegue deslanchar sozinho nos cultivos e na atividades.Ele disse que no início o técnico falou que a proposta era que em 10 anos houvesse um processo de transição e que depois deste período o CAPA iria deixando o agricultor trabalhar sozinho. O agricultor diz:

 

Hoje, a gente tem todo o domino das pragas e produtos a aplicar, estes que a gente não conhecia (...)tudo que aprendi e fique sabendo foi por meio do CAPA, eles ensinaram a fazer as caldas e aplicar (...) hoje a gente tá dominando tudo.

 

O agricultor umtambém relata que os técnicos do CAPA estimularam seu filho a estudar e ajudaram a fazer um curso de agroecologia, pois diziam que era importante.

O agricultor doisse acha autônomo no cultivo e na industrialização de sucos e geleias, pois acredita que os técnicos se preocuparam em transmitir a forma de produzir, pois proporcionavam cursos, reuniões, troca de experiências e diz que percebe que na época existiam muito mais técnicos e sente falta disso. Diz que os cursos que os técnicos ofereciam foram muito importantes para saber fazer os produtos e que hoje ele já se atenta para ele mesmo ir pesquisar e aprender a fazer um produto novo e diferente, pois já tem uma base para isto, basta adaptar para a sua realidade. Acredita que o CAPA estimulou ele a saber buscar e estar sempre correndo atrás de novidades.

Hoje o agricultor sente falta da assistência técnica, pois tem necessidade de saber mais sobre a certificação da produção e precisa de assistência para isto, mas observa não ter técnicos suficientes para ajudá-lo.

 

Os Aspectos Educacionais

 

Os aspectos educacionais ficam evidentes em grande parte das passagens do texto, em vários momentos,é possível identificar que os agricultores familiares participam de um processo participativo de assistência técnica e que esta valoriza os seus saberes, suas experiências e suas vontades. Ainda, hápassagens que evidenciam o contexto da proposta de trabalho, esta que visa a autonomia do agricultor a médio prazo, tornando eles parte do processo e responsáveis pelas conquistas, ao ponto que, os próprios agricultores, passam a ser os protagonistas do processo, não ficando dependente da instituição e daassessoria da ONG para produzir, se organizar e comercializar sua produção.

Um ponto de grande importância neste processo é a construção de coletivos de agricultores, seja através de grupos, associações ou cooperativas, afim de fortalecer suas decisões e ter maior voz na busca por oportunidades, bem como estimular a troca de saberes e experiências com os próprios agricultores. Assim, ao final deste processo o agricultor passa a ser um ator social e não simplesmente receptor de informações e dependente destas para sua manutenção.

 

Qual o Tipo de Informação ou Formação que o Capa Quer Passar ao Agricultor

 

Segundo o técnico do CAPA, no que tange a filosofia que rege o trabalho do CAPA, bem como as técnicas, sempre se dá preferência a agroecologia no processo produtivo e procura-se mostrar que esta não é somente a substituição de insumos, mas sim uma proposta de desenvolvimento da região. Isto por que o CAPA trabalha com uma abordagem da formação e informação no sentido social, ambiental, econômico, cultural.

Entretanto, é buscada a manutenção do dialogo a fim de que seja mantida e preservar as características de cada público que o CAPA atende, respeitando sempre os seus modos de pensar, de trabalhar, até mesmo o modo de vida e como eles percebem o uso da terra e as práticas agrícolas, sendo um exemplo de trabalho com as comunidades quilombolas.

Além das práticas agrícolas o CAPA também se preocupa, em como desenvolver trabalhos de resgate cultural, histórico.

 

(...) trabalhamos sim a questão, principalmente com as comunidades quilombolas, no que tange o regate cultural histórico. Já com as comunidades de agricultores familiares isso não é tão forte, mas existe sim a questão do resgate cultural, por exemplo, essas famílias que estão trabalhando, ou que vieram para cá à 150 anos atrás, elas trouxeram suas tradições, principalmente tradições de cultivo de produtos como a batata inglesa, as fruta, os quintais orgânicos, o cultivo de hortaliças e isso tem feito parte da cultura e é claro a gente respeita isso.

 

O CAPA, segundo o técnico,pensa sempre em planejamento, pensando onde se quer chegar e as possibilidades de caminhos para chegar. Logo, é importante passar as informações para os agricultores sobre o que pode afetá-los, quanto as leis e programas do governo, bem como o enfoque e o olhar da saúde na agricultura, para a alimentação da família e isto é possível, pois a equipe é multidisciplinar e assim consegue ter uma visão holística sobre o processo.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Percebe-se que no contexto do município de São Lourenço do Sul o trabalho desenvolvido pelo técnicodo CAPA nas propriedades agrícolas familiares é participativo e valoriza os saberes e as experiências dos agricultores; Os aspectos educacionais estão presentes em vários momentosdas falas, que transparecem, por parte do técnico da ONG, a proposta de trabalho participativa e autônoma e por parte dos agricultores, verificasse que o processo se efetiva na prática.

Constata-se que a autonomia do agricultor é estimulada e é tida como um dos princípios da ONG, logo o agricultor não fica dependente da instituição. Assim, considera-se que a ONG atua consolidada no município de São Lourenço do Sul, trabalhando no processo de construção do agricultor como um ator social e não simplesmente como um mero receptor de informações.

Verifica-se também, através das entrevistas, que a ONG preocupa-se com a afirmação e o fortalecimento da agricultura familiar reduzindo a dependência e vulnerabilidade dos agricultores frente ao sistema capitalista.Neste processo constata-seo estímulo para que o próprio agricultor desenvolva uma visão holística do sistema, e que seja um ator social do desenvolvimento rural, baseando suas práticas em alternativas sustentáveis do ponto de vista econômico e ambiental.

Assim, atendendo o objetivo proposto pela presente pesquisa foi constatado a presença de processos educacionais na mediação entre os agricultores familiares e o CAPA para atingir a sustentabilidade dos processos e o fortalecimento da agricultura familiar. Foram relatadas considerações sobre as metodologias de trabalho desenvolvidas pelo CAPA, onde se percebeque estas valorizam a participação e o saber do produtor para a promoção da eqüidade das relações e da autonomia das Famílias. Entretanto, fica como sugestão para trabalhos futuros, um aprofundamento na descrição da metodologia de trabalho da ONG, uma vez que esta não encontra-se descrita em nenhum material.

 

 

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Ilustrações: Silvana Santos