Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Práticas de Educação Ambiental
10/09/2018 (Nº 55) EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA OU VÁRIAS? DEBATE ENTRES EDUCADORES AMBIENTAIS MEDIADO PELA INTERNET
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: UMA OU VÁRIAS? DEBATE ENTRES EDUCADORES AMBIENTAIS MEDIADO PELA INTERNET

Valdir Lamim-Guedes

Biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto

Doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo

E-mail: dirguedes@yahooo.com.br

 

 

Resumo:  O que é Educação Ambiental (EA)? Temos uma definição clara a única para descrever esta área da educação que, cada vez mais, tem construído um histórico de mobilização e atuação na sociedade? Neste texto relatamos uma atividade desenvolvida em um curso de pós-graduação lato sensu de formação continuada de educadores ambientais na modalidade a distância. Em um fórum de interação, os alunos desta pós-graduação foram convidados a (a) selecionar uma definição de EA que eles se identificam; e (b) em qual(is) corrente(s) da EA eles encaixam suas as ações. Os participantes, de forma geral, elegeram poucas definições de EA e consideraram todas muito semelhantes, em relação às correntes, eles classificaram suas ações em várias correntes, sobretudo na “crítica social”. Como conclusão, entendemos que a diversidade de discursos – correntes – representa a complexidade da EA em suas diversas formas de interpretar as problemáticas socioambientais e de como reagir a estas. A retroalimentação entre as diversas correntes da EA e com outros movimentos sociais apresenta-se como uma forma de ter um debate mais rico e diversificado em prol da sustentabilidade e igualdade.

Palavras-Chave: Justiça Ambiental; Sustentabilidade; Conceitos; Movimentos Sociais.

 

"O Planeta Terra é a ilha compartilhada por todos nós. Devemos nos unir para protegê-la."

Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon

 

Introdução

Neste texto, será relatada uma prática que buscou trazer a diversidade de conceitos educação ambiental (EA) que são decorrentes de vários movimentos sociais ou resultados de diferentes momentos da “história oficial” da EA, relacionados aos eventos organizados pela ONU e suas agências (UNESCO e PNUMA), portanto que tem uma heterogeneidade verificada na diversidade de discursos, chamados de “correntes” pela autora Lucia Sauvé (2005). O foco aqui será analisar semelhanças entre conceitos de EA e a não completa exclusão entre as correntes (citadas por SAUVÉ, 2005), buscando um caminho do meio para um objetivo maior: demonstrar que a EA é composta por distintas percepções e tal complexidade caracteriza a mesma, não sendo, portanto,  composta por uma única visão de mundo.

Diversidade de conceitos

Educação para a Sustentabilidade, Educação Ambiental, Educação Global, Ecopedagogia, Educação para a Paz, Educação para os Direitos Humanos e Educação Libertadora, entre outros são diversos movimentos educacionais, que em diferentes medidas, buscam metas parecidas, relacionadas à maior justiça socioambiental, melhores condições de vida, maior participação das pessoas nas decisões políticas e igualdade, seja de renda, gênero ou étnica. Analisando a questão ambiental nestes movimentos educacionais, as diferenças residem mais na importância que a luta de classes ou o meio ambiente têm nestes movimentos. De forma geral, não são concepções completamente excludentes entre si, mas apresentam diferenças secundárias devido ao uso de um documento de referência, como a Carta da Terra, ou a adoção das contribuições de um pensador, como Paulo Freire (LAMIM-GUEDES, 2014).

Contudo, a diversidade de conceitos também caracteriza a EA em si. Assim, temos diferentes discursos (ou como apresentaremos a seguir as “correntes”). Geralmente, toma-se como padrão os conceitos oriundos dos grandes eventos da área ambiental, com focos mais amplos ou focados em EA. Estes eventos são o Encontro de Belgrado (Belgrado, 1975), Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental (Tbilisi, 1977) e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio de janeiro, 1992)

O Encontro de Belgrado foi realizada em 1975 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) seguindo uma das recomendações da Conferência de Estocolmo (realizada em 1972), do qual resultou a Carta de Belgrado: uma estrutura global para a educação ambiental (UNESCO, 1975). Neste documento é apresentado como meta da EA:

 

Formar uma população mundial consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas associados, e que tenha conhecimento, aptidão, atitude, motivação e compromisso para trabalhar individual e coletivamente na busca de soluções para os problemas existentes e para prevenir novos (UNESCO, 1975).

A carta de Belgrado divide os objetivos da EA nas seguintes categorias: tomada de consciência; conhecimentos; atitudes; aptidões, capacidade de avaliação e participação. E ainda ressalta que o público da EA é composto tanto pelo formal, quanto pelo não-formal, ou seja, as pessoas que não estão frequentando uma instituição de ensino formal, isto é melhor definido no documento resultante do evento de Tbilisi (discutido a seguir) como “A educação ambiental deve abranger pessoas de todas as idades e de todos os níveis, no âmbito do ensino formal e não-formal” (UNESCO; PNUMA, 1977). Por fim, apresenta uma série de Diretrizes Básicas dos Programas de Educação Ambiental.

A Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, organizada pela UNESCO em cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e realizada na cidade de Tbilisi em 1975, teve como documento final a Declaração de Tbilisi, segundo a qual:

 

a educação deve desempenhar uma função capital com vistas a despertar a consciência e o melhor entendimento dos problemas que afetam o meio ambiente. Essa educação deverá fomentar a formação de comportamentos positivos em relação ao meio ambiente, bem como a utilização dos recursos existentes pelas nações.

A educação ambiental deve abranger pessoas de todas as idades e de todos os níveis, no âmbito do ensino formal e não-formal. Os meios de comunicação social têm a grande responsabilidade de colocar seus enormes recursos a serviço dessa missão educativa. (...) [A EA] deve constituir um ensino geral permanente, reagindo às mudanças que se produzem num mundo em rápida evolução. Esse tipo de educação deve também possibilitar ao indivíduo compreender os principais problemas do mundo contemporâneo, proporcionando-lhe conhecimentos técnicos e as qualidades necessárias para desempenhar uma função produtiva visando à melhoria da vida e à proteção do meio ambiente, atendo-se aos valores éticos. (...) Essa educação contribui para que se exija a continuidade permanente que vincula os atos do presente às consequências do futuro; além disso, demonstra a interdependência entre as comunidades nacionais e a necessária solidariedade entre todo o gênero humano (UNESCO; PNUMA, 1977, s.p.).

 

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio92), realizada no Rio de Janeiro em 1992, teve alguns documentos que abordam a EA. A Agenda 21, no capítulo 36, intitulado Promoção do Ensino, da Conscientização e do Treinamento, afirma que a base do documento é a Declaração de Tbilisi e não apresenta uma definição para a EA, mas coloca diversos objetivos e meio de implementação. As áreas de programas descritas neste capítulo são (a) Reorientação do ensino no sentido do desenvolvimento sustentável; (b) Aumento da consciência pública; (c) Promoção do treinamento (ONU, 1992).

 O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global foi um dos resultados do Fórum Global das Organizações Não Governamentais (1992), que foi um evento paralelo à Rio 92 e um marco, pois permitiu uma mobilização de movimentos sociais muito grande. Anteriormente, os eventos da ONU eram apenas ambientes diplomáticos, assim, as posições dos movimentos sociais chegavam às negociações a partir de experts da diplomacia de cada país.

 

Consideramos que a educação ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva em nível local, nacional e planetário.

Consideramos que a preparação para as mudanças necessárias depende da compreensão coletiva da natureza sistêmica das crises que ameaçam o futuro do planeta. As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e superprodução e superconsumo para uns e em subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria (FÓRUM GLOBAL DAS ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS, 1992).

 

Interessante notar que o “tratado” não está preocupado em definir claramente a EA, mas faz uma clara ligação entre a educação e o combate à crise civilizatória.

A Carta da Terra é um documento que teve sua gênese na Rio92, mas não foi aprovada naquele momento, tendo uma versão final apenas em 2000 (BRASIL, sem data). Em seu princípio 14 é apresentado um papel mais direto da Educação: “Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável”, que envolve ações de possibilidade de acesso a oportunidades educativas para crianças, jovens e adultos para que estes contribuam ativamente para o desenvolvimento sustentável; Promover a contribuição das Ciências, Artes e Humanidades para a educação para sustentabilidade; Intensificar o papel dos meio de comunicação (educomunicação ambiental); e reconhecer a importância da educação moral e espiritual para a sustentabilidade.

Destaca-se que a Carta da Terra não cita o termo educação ambiental, mas educação para sustentabilidade (EpS), se filiando ao processo iniciado pela Unesco no pós-Rio 92 de compreender a EpS – para alguns autores: educação para o desenvolvimento sustentável - como um desdobramento da EA (LAMIM-GUEDES, 2014), posição muito criticada, sobretudo na comunidade acadêmica latino-americana que considera tal posicionamento como dando uma importância demasiada às soluções capitalista e uma visão desenvolvimentista, além de ignorar todo o histórico da EA (LOUREIRO, 2012).

Em âmbito nacional, a aprovação da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), através da Lei Nº. 9.795/1999 (BRASIL, 1999) traz uma visão nacional e que faz uma convergência de vários documentos e define, em seu artigo 1º., que

 

entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

 

Acima, apresentamos a construção de uma visão geral de EA baseada em grandes eventos do sistema ONU e na legislação nacional focada em EA. Podemos considerar esta visão geral, em grande medida, um “discurso oficial”, até mesmo porque acaba sendo adotado nas políticas nacionais – incluindo aqui a PNEA. No entanto, a história da EA, suas definições e práticas são muito mais diversas. Neste contexto, a pesquisadora canadense Lucie Sauvé (2005), no texto Uma Cartografia das Correntes de Educação Ambiental, com enfoque mais num contexto cultural norte-americano e europeu, realizou o esforço de reunir em categorias os diversos discursos envolvendo a EA.

 

Quando se aborda o campo da educação ambiental, podemos nos dar conta de que apesar de sua preocupação comum com o meio ambiente e do reconhecimento do papel central da educação para a melhoria da relação com este último, os diferentes autores (pesquisadores, professores, pedagogos, animadores, associações, organismos, etc.) adotam diferentes discursos sobre a EA e propõem diversas maneiras de conceber e de praticar a ação educativa neste campo. Cada um predica sua própria visão e viu-se, inclusive, formarem-se “igrejinhas” pedagógicas que propõem a maneira “correta” de educar, “o melhor” programa, o método “adequado” (SAUVÉ, 2005, p 17).

 

Sauvé (2005) organizou os diversos discursos sobre EA em 15 correntes, que não são completamente excludentes entre si, tendo vários pontos de sobreposição. É interessante notar que a autora faz uma leitura sem colocar rótulos de “certa” ou “errada” ou, simplesmente, “crítica” ou “conservadora”, mas, nem por isso, deixa de apresenta algumas críticas. Por exemplo, a corrente científica, que reúne ações de ensino de ciências e EA, pode ser muito problemática se trazer uma visão de ciência moderna: racional, inquestionável e sem influência do contexto social na produção de conhecimento (a autora não chega a citar movimentos como os Estudos Sociais da Ciências que questionam tal visão). Não iremos descrever as 15 correntes aqui, mas a intenção de apresenta-las é de indicar uma visão organizada que indicar as diversas percepções sobre EA que tem ações e percepções características com as quais os educadores ambientais podem se identificar ou não.

Metodologia

A atividade foi desenvolvida durante a primeira disciplina, de um total de 12 disciplinas, chamada Fundamentos de Educação Ambiental para a Sustentabilidade, de um curso de pós-graduação lato sensu de formação continuada de educadores ambientais na modalidade a distância. Nesta disciplina são apresentados diversos conceitos pertinentes a discussão da EA, como sustentabilidade, complexidade, interdisciplinaridade, além de alguns conceitos de EA.

O material didático das disciplinas deste curso é composto por um material didático textual produzido por um consultor – o professor conteudista -, que produz também alguns vídeos e aulas narradas (slides com a narração do professor conteudista), e outros vídeos disponíveis na internet, assim como artigos e sites para consulta pelos alunos. A turma, no caso, com cerca de 60 alunos, é acompanhada por um professor-tutor, que também indicou outros textos e atividades complementares como os fóruns, incluindo a atividade descrita aqui. Os alunos têm acesso também a uma biblioteca virtual, na qual puderam buscar materiais complementares, onde também estava disponível o livro Educação Ambiental (SATO; CARVALHO, 2005) que tem o capítulo Uma cartografia das Correntes em educação ambiental de Lucia Sauvé (2005), usado como base para o debate proposto, relatado aqui.

O material didático da disciplina em 10 aulas. A aula 1 é dividida em: (1) Histórico Nacional e Internacional de Educação Ambiental; (2) Conceito de Educação Ambiental; (3) Correntes em Educação Ambiental. Segundo o material:

 

Assim como qualquer conceito, existem várias definições de educação ambiental. Escolhemos aqui apresentar três conceitos convergentes de educação ambiental e oriundos de diferentes fontes visando a somatória de uma visão internacionalizada dada pela Carta de Belgrado, produzida no Congresso de Belgrado, promovido pela Unesco em 1975, a Declaração de Tbilisi, que tem origem na Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, realizada dois anos depois de Belgrado, e uma visão nacionalizada através da Agenda 21 (ASSIS, 2014, p. 6).

 

A discussão via fórum foi proposta tanto para conhecer as ações que os alunos que estavam ingressando no curso, como para propor uma discussão sobre o conceito de EA. O enunciado do fórum era:

 

Prezados alunos,

Para começar um debate inicial sobre as ideias e conceitos apresentados nestas primeiras aulas, gostaria de propor uma discussão voluntária (não será avaliada), porém, é um espaço para debate e aprendizagem coletiva. A seguir, estão duas questões para que vocês apresentem suas respostas e comentem as dos colegas:

1. Existem vários conceitos para educação ambiental. Qual representa melhor a sua visão? Você pode usar um dos citados no texto da aula 1 ou de outra referência bibliográfica.

2. Lucie Sauvé (2005) cita 15 correntes da Educação Ambiental, em qual suas práticas/experiências se encaixam melhor?

Para participar deste fórum, responda a postagem principal do fórum. A interação é desejável como fator de aprendizagem coletiva.

 

O fórum era do tipo discussão simples, no qual um único tópico é aberto pelo professor e os alunos podem responder ao enunciado do fórum ou outras postagens, mas todas o debate fica em uma mesma página. Isto permite que, pelo menos, a primeira postagem traga uma visão própria do aluno, enquanto as outras postagens do mesmo terão a influência do que os colegas ou o mediador apresentaram. Os autores das citações serão identificados pelas iniciais, de forma que o anonimato ainda será mantido.

A proposta pedagógica por trás desta atividade é socioconstrutivista, influenciada pelas ideias de Lev Vygotsky (1896-1934), Jean Piaget (1896-1980) e Paulo Freire (1921-1997), que destacam a importância da interação e contexto sociais para a aprendizagem (MATTAR, 2013). Um outro estudo semelhante foi desenvolvido por Lamim-Guedes (2015), realizado com alunos do mesmo curso e na mesma disciplina, mas de uma turma anterior e focado na distinção desenvolvimento sustentável X sustentabilidade. A seguir, serão apresentados alguns números e citações dos que os alunos postaram no fórum.

Resultados e Discussão

O fórum esteve ativo entre o dia 17 de agosto e 23 de setembro de 2015, tendo participado 16 pessoas (16 alunos e um mediador) e foram realizadas 48 postagens, sendo 22 postagens do mediador. Tomando o número de postagens sem contar as do mediador (26 mensagens) e dividindo pelo número de alunos no fórum, temos uma média de 1,62 mensagem/aluno. Isto representa que houve uma interação limitada entre os alunos em termos de postagens, no entanto, existem comentários relacionando a perspectiva pessoal do aluno com a de outros colegas. De forma geral, ao ler as postagens dos colegas, o aluno, possivelmente, perceberá que há uma diversidade de opiniões sobre o conceito de EA e as correntes que cada um percebe ligações com suas práticas.

Este fórum, de forma geral, auxiliou no processo da turma se conhecer, pois as ações descritas aqui foram realizadas dentro da primeira disciplina do curso. Além disto, este fórum é complementar a outro, no qual os alunos postaram pequenas apresentações com informações básica, como onde mora, formação, práticas de EA que desenvolve e expectativa com o curso.

Os participantes variaram bastante em relação a qual conceito representa melhor a sua visão. A seguir, são apresentados o conceito, seguido pelo número de citações, quando a aluno fez uma combinação explicita de dois ou mais conceitos, esta foi listada a parte: Agenda 21 (6); Tbilisi (2); Belgrado (1); PNEA (1); Belgrado, Tbilisi e Agenda 21 (1); Belgrado e Agenda 21 (1) e não mencionaram (2). No enunciado do fórum havia a indicação de que o aluno poderia trazer conceitos de outras fontes, apenas um aluno citou o artigo de Carneiro (2006).

Em termos das correntes da EA citadas, temos um cenário heterogêneo. As mais citadas foram Crítica Social (7 vezes), Práxica e Naturalista (3 vezes cada).

Participantes

Corrente(s) citada(s)

Aluno 2

Crítica social

Aluno 3

Práxica e crítica social

Aluno 4

Sustentabilidade e naturalista

Aluno 5

Pragmática (revista após mediação para crítica social)

Aluno 6

Humanista, naturalista, sistêmica e crítica social

Aluno 7

Humanista e práxica

Aluno 8

Crítica, cientifica, sustentabilidade

Aluno 10

Ecoeducação e crítica social

Aluno 11

Crítica social e pragmática

Aluno 12

Conservacionista

Aluno 13

"Todas e nenhuma"

Aluno 14

Resolutiva

Aluno 15

Práxica e crítica social

 

A seguir apresentamos os trechos das postagens realizadas pelos alunos e uma nuvem de tags com as palavras que mais apareceram no fórum como um todo. Dividiremos os comentários em “sobre o conceito de EA” e “sobre as correntes da EA”.

Figura: nuvem de tags com as palavras que mais apareceram no fórum.

Comentários sobre o conceito de EA

A maioria dos participantes comentou a sua opção por um ou mais conceitos de EA. O Aluno 11 comentou que “em minha percepção, os três conceitos de educação ambiental apresentados para discussão são adequados ao estudo da realidade atual”, no entanto disse optar pelos conceitos de Belgrado e Agenda 21.

O Aluno 12 afirmou que “todos esses documentos convergem para uma mesma questão, o bem comum”. Tal afirmação não está incorreta, mas muito vaga. Qual seria este bem comum? Apenas o acesso aos recursos naturais ou envolveria também a igualdade em termos de justiça socioambiental? Este tipo de problematização deve ser estimulado para que a debate não acabe em simplificações.

O Aluno 14 comentou sua preferência pela perspectiva dada na Declaração de Tbilisi.

 

Gosto muito da definição da Declaração de Tbilisi, apesar de ser um tema de difícil conceituação e uma definição mais antiga, o texto torna a EA mais dinâmica, quando diz: “(...) deve constituir um ensino geral permanente, reagindo às mudanças que se produzem num mundo em rápida evolução. (...)” sempre é necessário expor, refletir e agir sobre EA, principalmente quando mudanças acontecem. A informação e formação de todos deve ser constante, aí está a base da conscientização (Aluno 14).

 

O Aluno 9 afirmou que prefere a percepção dada pela Agenda 21, mas ele reconhece a complexidade em torno deste debate, sendo a sua participação muito relevante para a construção coletiva neste fórum em torno da heterogeneidade do conceito de EA.

 

“Observamos nesta [Agenda 21], e em outras definições a complexidade contextual em que se encontra a Educação Ambiental, a mesma não possui um conceito fechado hegemonicamente adotado, mas apresenta características importantes para qualquer definição que se possa encontrar. Entre elas: Formar População consciente e preocupada com os problemas ambientais; Formar população conhecedora com competências, habilidades, atitudes, motivações e compromissada; Formar população participativa e Objetivar resolver problemas atuais e prevenção de novos” (Aluno 9).

 

O Aluno 8 tem uma visão, inicialmente, semelhante a apresentada pelo Aluno 9, mas depois há uma divergência entre os dois posicionamentos. O Aluno 8 inicia sua argumentação sobre a construção do conceito de EA como complexa, mas a seguir afirma que há uma convergência em torno da conscientização e resolução de problemas. Ao contrário da percepção deste aluno, consideramos que estes discursos têm se distanciado cada vez mais, por exemplo, entre críticos e defensores da Década da Educação das Nações Unidas para um Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) (UNESCO, 2005).

 

A definição para Educação Ambiental ainda está em formação, devido à complexidade contextual em que se encontra, e da sua inserção numa temática de cenários das mais variadas concepções do conhecimento, que a cada dia se convergem para um ponto consensual, de modo que o resultado se aproxime de um fim que é a conscientização das pessoas e entidades, com ferramentas consensuais, para o aumento da participação da sociedade em resolver problemas pertinentes ao meio ambiente e a sua sustentabilidade (Aluno 8).

 

O aluno 10 trouxe uma reflexão interessante e um conceito diferente dos apresentados no material didático.

 

Após a leitura dos textos fica bem evidente que definir um conceito para a educação ambiental não é algo tão simples como se poderia supor; As questões metodológicas e as diferentes abordagens do tema traduzem toda essa dificuldade de definição, apontando também para a condição inter e transdisciplinar que lhe são peculiares, envolvendo assim diversos saberes que são produzidos histórica e culturalmente. Me parece que essa proposição quebra um ciclo de domínio das ciências físicas na forma do que é colocado por Carneiro (2006). O conceito da autora me agrada bastante porque propõe uma orientação crítica e uma dimensão ética na educação ambiental, ou seja, deve ser tratada como uma forma de mudar não apenas conceitos, mas ser inserida na esfera política/social/econômica (Aluno 10).

 

Com estes trechos pode-se concluir que o debate contribui para a construção de coletiva de conhecimento, permitindo também que os alunos reflitam sobre as diferentes opiniões. Com isto, espera-se que a pluralidade de ideias fique como marca registrada da EA e de sua complexidade.

 

 

Comentários sobre as correntes da EA

Os alunos comentaram menos sobre as correntes, talvez pelo fato da maioria ainda não ter muita prática na área e estava se deparando com esta discussão pela primeira vez. O Aluno 6, que afirmou ter relação com as correntes humanista, naturalista, sistêmica e de crítica social, comentou que

 

Considero também que as outras correntes encontram-se presentes, em maior ou menor medida, uma vez que as atividades são construídas também de acordo com o grupo com o qual se trabalha e, uma vez que muitas ações que desenvolvo são de caráter pontual, as demais correntes podem ser aplicadas de acordo com o repertório trazido em cada situação ou pelo projeto específico que se desenvolve em determinado período (Aluno 6).

 

O aluno 21 fez uma interessante análise da corrente que se identifica mais e da relação desta com outras.

 

Quando li sobre as correntes logo me identifiquei com a corrente conservacionista. Devido estar mais preocupado em meu trabalho com o ato de preservar os locais de visitação (áreas ambientais e/ou terrenos particulares com atrativo natural) e sensibilizar os visitantes com EA. Apesar de impedir e sensibilizar ser uma tarefa simples quando comparado com as demais correntes. No texto sobre correntes podemos perceber que este tipo de corrente serve como suporte as demais correntes (Aluno 12).

 

A questão da aprendizagem e mudança de percepção aparece em algumas participações, como esta do Aluno 2: “acredito que tudo que vivenciei até hoje foi mais voltado a corrente crítica ou alternativa, e daqui pra frente pretendo seguir a corrente pragmática, só assim um dos maiores problemas que temos, os resíduos sólidos, pode ser resolvido ou amenizado”.

O Aluno 13 fez uma crítica à ciência moderna: “Quanto as metodologias, não seguiria nenhuma e seguiria todas ao mesmo tempo. Eu explico. Na minha opinião, enquanto seguirmos o método moderno, divido em empirismo ou racionalismo não chegaremos a lugar nenhum”. Após esclarecimento, este aluno disse que as “metodologias” são as correntes. O mediador argumentou que há correntes muito semelhantes, por outro lado, há aquelas que são antagônicas. Desta forma, é muito difícil crer que um educador poderá ter identificação por todas as correntes. Além disto, colocar o método cartesiano como origem de todos os problemas socioambientais parece-nos um pouco exagerado, evidentemente, ele tem influência sobre tal problemática, mas não é “A causa” desta.

Um ponto que o texto da Sauvé (2005) traz, e nos reforçamos, é que nenhuma corrente é a “correta”, mas que elas são decorrentes de distintas visões de mundo. Além disto, dependendo do público-alvo e da situação de aprendizagem pode-se optar por distintas correntes. Por exemplo, em uma formação continuada para professores de ciências, a corrente científica, com a devida reflexão sobre a ciência moderna, como discutido na introdução, pode ser a mais adequada.

Considerações finais

Qual é o papel da educação na garantia de melhores condições socioambientais de vida? Como inserir a temática socioambiental nas ações educativas? Estas duas perguntas compõem o pano de fundo das reflexões deste texto. As respostas variam conforme a percepção em relação à própria EA, que foi o tema abordado.

O Preâmbulo da Carta da Terra apresenta uma síntese dos desafios postos, não apenas aos educadores, mas a toda humanidade:

 

Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações (CARTA DA TERRA BRASIL, 2014).

 

De formal geral, entendemos que cada educador tem uma maior intimidade com determinada corrente, desta forma, o trabalho articulado entre diferentes educadores, com suas abordagens próprias, favorece que as pessoas, sobretudo as crianças e jovens em idade escolar, tenham contato com uma variedade de visões de mundo.

A atuação do educador de forma geral ou do cidadão envolve preocupações que, conceitualmente, fogem à EA, assim, é necessária uma variedade de movimentos para que sejam tratados em ações educativas temas como o Estado Laico (livre da influência de líderes religiosos), democracia, liberdade sexual (orientação sexual, entre outras questões), questões de gênero, aborto, multiculturalismo, entre outros. Em relação à responsabilidade dos educadores nesta temática, destacamos que “o mundo em que vivemos não é um presente de nossos pais, mas pegamos emprestados de nossos filhos. O que pensarão eles, se não fizermos tudo para melhorá-lo?” (EDUCAR PARA VIVIR, 2013). Assim, as ações individuais e coletivas, quando multiplicada por uma comunidade global, o impacto de nossas vozes e ações individuais se tornam exponenciais (PNUMA, 2014).

Bibliografia

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BRASIL. Lei No 9.795, de 27 de abril de 1999 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental. 1999. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9795.htm>. Acesso em 20.mar.2016.

CARNEIRO, Sônia Maria Marchiorato. Fundamentos epistemo-metodológicos da educação ambiental. Educar, Curitiba, n. 27, p. 17-35, 2006.

CARTA DA TERRA BRASIL. O texto da Carta da Terra. 2014. Disponível em <http://www.cartadaterrabrasil.com.br/prt/text.html>. Acesso em 20.mar.2016.

EDUCAR PARA VIVIR. Educar para Vivir. 2013. Disponivel em <http://www.globaleducationmagazine.com/educarparavivir/>. Acesso em 21.mar.2016.

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LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Sustentabilidade e educação: um olhar da ecologia política. São Paulo: Cortez, 2012.

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Ilustrações: Silvana Santos