Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Práticas de Educação Ambiental
10/09/2018 (Nº 52) DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL OU SUSTENTABILIDADE?
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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL OU SUSTENTABILIDADE?

 

Valdir Lamim-Guedes

Biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto

Professor na ONG Educadores sem Fronteiras e no Centro Universitário Senac

E-mail: dirguedes@yahooo.com.br

 

Resumo: Os conceitos de desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade não são homogêneos, variando da relação com três dimensões ou pilares - econômico, ambiental e social – para visões mais complexas, com diversas dimensões, como a inserção do aspecto cultural como variável a considerar. A percepção de que não há uma homogeneidade nos dois conceitos favorece uma percepção mais crítica da realidade. Neste sentido, relatamos uma atividade realizada em um curso de pós-graduação lato sensu em Educação Ambiental, na modalidade à distância. Trata-se de um fórum no qual é proposta a discussão sobre os diferentes entendimentos dos conceitos de desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade. A diversidade de entendimentos apresentada pelos participantes permite a compreensão dos vários discursos em torno destes conceitos, situação que possibilita uma análise crítica da sociedade.

Palavras-chaves: Educação Ambiental; Educação à Distância; Discursos ambientais.

 

Introdução

Desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade?

A problemática que envolve a sustentabilidade assumiu papel central na reflexão em torno das dimensões do desenvolvimento e das alternativas que se configuram para garantir equidade e articular as relações entre o global e o local (JACOBI, 1999, p. 175). Neste sentido, foi proposto o conceito de Desenvolvimento Sustentável, que envolve ideias de pacto intergeracional e perspectiva de longo prazo: “por desenvolvimento sustentável entende-se o desenvolvimento que satisfaz as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazerem as suas próprias necessidades” (CMMD, 1991, p. 9).

A proposição do Desenvolvimento Sustentável nos anos 1980 deve-se a um processo de mudança nas concepções de modelos de desenvolvimento. O cenário criado pela percepção da crise ambiental nas décadas de 1960 e 1970 gerou uma série de respostas, como a publicação do livro Primavera silenciosa (título original Silent Spring) por Rachel Carson, em 1962; a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972; e a publicação do relatório Limites do Crescimento, em 1972.

“Poderíamos dizer que a ideia de desenvolvimento durável foi encampada pelo conceito de desenvolvimento sustentável e está fortemente associada a este conceito no debate que se estende durante os anos 90 e permanecem em pauta até agora” (SCOTTO, CARVALHO e GUIMARÃES, 2009, p. 26). Segundo Scotto, Carvalho e Guimarães (2009, p. 8), "a noção de desenvolvimento sustentável e a própria ideia de sustentabilidade são, mais do que conceitos homogêneos e bem delimitados, campos de disputa sobre diferentes concepções de sociedade”. Isto é, há uma questão de ideologia por detrás dos discursos, que pode se tornar objeto de estudo da Análise do Discurso e de outras áreas do conhecimento.

A situação é que a discussão acerca do desenvolvimento sustentável passou a apontar para uma tríade envolvendo os meios social, ambiental e econômico, o chamado triângulo da sustentabilidade (em inglês, triple bottom line). O triple bottom line foi criado pelo consultor britânico John Elkington em 1997 e refere-se à necessidade de uma gestão empresarial voltada a suas três dimensões, em que inglês começam pela letra “p”: “profit”, “people” e “planet”.

“A verdade, contudo, é que em 1992 essa bizarra parábola dos ‘três pilares’ nem sequer havia sido inventada. Ela só começou a ser difundida a partir de 1997, e no contexto das empresas, não das nações” (VEIGA, 2013, p. 108).

Nada permite inferir da leitura do relatório Brundtland [ou Nosso Futuro Comum, referenciado aqui como CMMD (1991)] que o desenvolvimento sustentável teria apenas três dimensões. Ainda temos que essa noção poderia ter sido manchada pela metáfora mecânica de “pilares” a serem “equilibrados”. Ao contrário: nas raras vezes em que o relatório usa o termo “dimensões”, apresenta longas listas, e que terminam com significativas “etc.” (VEIGA, 2013, p. 109-110).

 

Assim, este conceito do triângulo nasceu no mundo empresarial e manteve-se limitado a uma visão simplista da realidade.

Segundo Scotto, Carvalho e Guimarães (2009, p. 35 e 36):

Embora pretenda ter uma ação abrangente e “global”, o desenvolvimento sustentável é um conceito elaborado dentro da esfera de um pensamento orientado pela lógica econômica e com esta referência pensa a sociedade. A via de internalização dos custos ambientais, seja na forma de condicionantes ambientais nas relações internacionais ou ainda na forma de internalização de custos nos produtos finais, segue o modelo de sociedade de mercado. (...)

O conceito de desenvolvimento sustentável tem alimentado muitas propostas que apontam para novos mecanismos de mercado como solução para condicionar a produção à capacidade de suporte dos recursos naturais (...). mas a questão que permanece em aberto é se estes mecanismos serão capazes de reorientar a lógica mercantil da sociedade ocidental de consumo, sendo efetivamente um freio à degradação ambiental, ou se estaríamos apenas vendo surgir um novo tipo de mercado “verde”.

 

Por outro lado, em contraposição ao triângulo da sustentabilidade, a discussão da sustentabilidade envolve outras dimensões, além dos 3 pilares. De acordo com o posicionamento de Ignacy Sachs (2002), há pelo menos 8 dimensões da sustentabilidade [eram 5 em 1993 (SACHS, 1993), mas atualmente ele trabalha com 8 (SACHS, 2002); Veja mais detalhes em Lamim-Guedes (2012) e LAMIM-GUEDES e INOCÊNCIO (2013)].

Do desenvolvimento sustentável à sociedade sustentável:

a discussão que se dava no âmbito da sociedade civil via muitos limites no conceito de desenvolvimento sustentável, destacando a precariedade, a ambiguidade deste conceito que reforçava a ideia de desenvolvimento sem enfrentar suas principais contradições. O fato do desenvolvimento sustentável se apresentar com estas características tornava-o de fácil assimilação por setores da sociedade que tem termos de projeto políticos eram adversários históricos, como por exemplo, ambientalistas e empresários. (...) a principal contradição apontada era de que o desenvolvimento sustentável buscava conciliar economia e ecologia sem romper com os pressupostos do modelo de desenvolvimento que estava na origem da crise social e ambiental. (...)

Um dos deslocamentos importantes que, ao longo dos anos 90, se pode observar neste debate é da noção de desenvolvimento sustentável para a ideia de sociedade sustentável (SCOTTO, CARVALHO e GUIMARÃES, 2009, p. 47 e 48).

 

Fórum on-line sobre os conceitos de Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade

A proposta alvo deste texto foi desenvolvida em uma turma de pós-graduação lato sensu de Educação Ambiental, na modalidade à distância. Um aluno deste curso questionou por quê, no material didático, “o conceito de sustentabilidade se opõe ao de desenvolvimento sustentável”. Neste sentido, foi proposto um fórum on-line com o seguinte enunciado:

Dada a dúvida do aluno XX, proponho que nós reunamos mais informações sobre esta distinção, baseando em artigos e livros (ou seja, sites devem ser evitados). É importante conhecer o que os teóricos da área dizem sobre o assunto. É este tipo de visão que deverá ser usada como base no Trabalho de Conclusão de Curso.

 

A proposta pedagógica por trás desta atividade é socioconstrutivista, influenciada pelas ideias de Lev Vygotsky (1896-1934), Jean Piaget (1896-1980) e Paulo Freire (1921-1997), que destacam a importância da interação e contexto sociais para a aprendizagem (MATTAR, 2013).

A primeira parte do texto “Desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade?” foi a postagem inicial para que os alunos debatessem. O fórum ficou ativo por cerca de uma semana, durante o mês de março de 2015.

Ao todo, este fórum teve 13 participantes e 26 postagens, sendo 8 realizadas pelo professor-tutor, que fez a mediação estimulando o debate. Apesar do número relativamente pequeno de participantes (a turma tem pouco mais de 50 alunos), as postagens foram extensas, com textos citando fontes e as respectivas referências bibliográficas. Esta é uma situação interessante, pois esta é a primeira disciplina do curso para estes alunos de um total de 10 disciplinas ao todo, incluindo um Trabalho de Conclusão de Curso. Além disto, aconteciam mais 4 fóruns desta disciplina ao mesmo tempo.

A seguir, destacamos algumas postagens dos alunos, em excertos sem a autoria revelada, sendo apresentada apenas uma postagem por aluno. As informações entre [colchetes] são comentários para contextualizar ou esclarecer as postagens.

O Aluno 1 traz um comentário que endossa a visão de uma completa reformulação do modus operandi atual:

Dois vocábulos similares, porém com sentidos bastante diversos, diria mesmo, em parte, opostos. Desenvolvimento é uma palavra que, no conceito acima [fazendo referência do texto inicial do fórum], está inscrita na ideia da produção e lucro, dos meios de produção, do contínuo progresso. Sendo assim inscrita, ela compactua e mantém o alicerce da estrutura hegemônica do pensamento capitalista, colocando um teor "sustentável" para poder dar conta da pressão global junto a degradação desenfreada que a humanidade sofre em todo o meio-ambiente. Sustentabilidade remete a uma nova maneira de pensar, fomenta uma racionalidade agregadora do sentido primordial do equilíbrio e respeito à natureza, a geração de uma nova mentalidade e percepção que possa abranger os campos do sensível e do inteligível, tendo como princípio a valorização das subjetividades culturais e regionais. Esta forma de pensamento ambiental rompe a ideia de totalidade, globalização, recursos naturais, conceitos inscritos no bojo da ideia do desenvolvimento sustentável.

Então, mais do que diferentes visões a respeito da questão do meio ambiente, mais do que apenas "o que" há nas diferenças entre uma expressão e a outra, necessário observar o "porquê" das diferenças. A discussão é político-econômica, não apenas ambiental. Nesse sentido, a educação ambiental para a sustentabilidade, sendo inclusive nossa formação em processo, precisa ser muito bem embasada e de pessoas seriamente comprometidas com as realidades das disputas conceituais e caminhos epistemológicos que muitas vezes sugerem a manutenção da realidade através da disseminação da ideia do desenvolvimento sustentável como a mesma de sustentabilidade. A manipulação através da ignorância e da desinformação e da não formação será sempre a melhor arma contra o caminho de uma sustentabilidade possível.

 

Isto deve-se ao fato de que a questão ambiental representa uma síntese dos impasses que o modelo atual de civilização acarreta, chamada crise civilizatória. Neste contexto, a superação dos problemas acarretados exigirá mudanças profundas na concepção de mundo, de natureza, de poder e de bem-estar, tendo por base novos valores individuais e sociais. Faz parte desta nova visão de mundo, a percepção de que o homem não é o centro da natureza (BRASIL, 1996, p. 179). Tal situação é apresentada pelo geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves (2013, p. 15) da seguinte forma:

com a questão ambiental estamos diante de questões de claro sentido ético, filosófico e político. (...) O que fazer com o nosso antropocentrismo quando olhamos do espaço nosso planeta e vemos o quão pequeno ele é e quando passamos a saber que, enquanto espécie humana, somos apenas uma entre tantas espécies vivas de que nossas vidas dependem?

Dizer que a problemática ambiental é, sobretudo, uma questão de ordem ética, filosófica e política é se desviar de um caminho fácil que nos tem sido oferecido: o de que devemos nos debruçar sobre soluções práticas, técnicas, para resolver os graves problemas de poluição, desmatamento, de erosão. Esse caminho nos torna prisioneiros de um pensamento herdado que é, ele mesmo, parte do problema a ser analisado. Há uma crença acrítica de que existe, sempre, uma solução técnica para tudo.

 

Melhorias duradouras nas condições de vida, baseadas na visão de sustentabilidade, focadas na busca de formas mais sustentáveis para a produção industrial e agropecuária, ações que incentivem a justiça social, uso racional dos recursos naturais e o combate ao consumo exagerado são os grandes desafios neste momento de crise civilizatória.

Um ponto importante nesta discussão é a disputa pela hegemonia teórica. Para Hoeffel e Reis (2011, p. 126),

a dimensão política da questão ambiental é dada justamente pela disputa entre os diferentes atores na busca de uma hegemonia teórica sobre a problemática do meio ambiente, base para a legitimação das práticas de apropriação dos recursos naturais pelos diferentes interesses em disputa.

 

O aluno 2 traz as contribuições de dois críticos ao conceito de desenvolvimento sustentável, que preferem a expressão “Sociedade Sustentável”:

[Aluno 1], vejo a questão exatamente como você. Belo resumo do assunto. Estava aqui pesquisando e encontrei um artigo da Revista Plural, do Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP que desenvolve a temática e nos coloca mais uma expressão para pensar (e eventualmente usar): "sociedade sustentável" [KANASHIRO, 2009].

Destaco o seguinte trecho:

"Nessa concepção, segundo Lima (2003), prefere-se utilizar a expressão sociedade sustentável, salientando a autonomia política, a diversidade cultural e os valores éticos de respeito à vida. Na definição de Diegues (1992, p. 28): O conceito de “sociedades sustentáveis” parece ser mais adequado que o de “desenvolvimento sustentável”, na medida em que possibilita a cada uma das sociedades definir seus padrões de produção e consumo, bem como o de bem-estar a partir de sua cultura, de seu desenvolvimento histórico e de seu ambiente natural".

 

O aluno 3 traz uma análise pessoal ao fim de sua postagem, destacando a importância da interdisciplinaridade:

Observo em todas as leituras já realizadas que os conceitos de ambos estão relacionados ao ambiente e a situação atual em que ele se encontra o que demostra que a necessidade da interdisciplinaridade é importante, pois esses conceitos envolvem diversas situações. Se formos buscar várias referências vamos observar que sempre alguns aspectos são vistos de formas divergentes ou considerados de maior importância, destacando os “valores” de cada um, porém todos demonstram a necessidade de mudanças para a preservação dos recursos ambientais, sem afetar as condições econômicas, sociais e políticas.

 

Neste comentário, há a crítica de que os dois conceitos geralmente são reduzidos ao triple bottom line. O comentário do economista Ladislau Dowbor ajuda-nos a compreender a relevância de ir além do triple bottom line:

Um ponto de partida básico que nos ajuda a definir os rumos da gestão, é a visão que está se tornando aceita no planeta de que temos de assegurar um desenvolvimento que seja economicamente viável, socialmente justo, e ambientalmente sustentável. Ou seja, não se trata mais das empresas fazerem dinheiro, o Estado trazer o curativo, e os verdes protegerem as baleias. Toda empresa, qualquer projeto do Estado, e qualquer iniciativa das organizações da sociedade civil têm de buscar simultaneamente a articulação do econômico, do social e do ambiental. Esta visão do triple bottom line, na medida em que se popularizou, ajuda bastante. Mas na realidade, é insuficiente (DOWBOR, 2012, p. 1080).

 

Para o aluno 4, precisamos de um resgaste do conceito Desenvolvimento Sustentável que foi deturpado. Isto faz sentido se retomarmos o comentário de Veiga (2013, p. 108) de que, em 1992, na época da Rio92, essa “bizarra parábola dos ‘três pilares’ nem sequer havia sido inventada. Ela só começou a ser difundida a partir de 1997, e no contexto das empresas, não das nações”. Assim, conhecer o histórico deste termo, bem como a história do movimento ambientalista, incluindo a educação ambiental, é essencial para um entendimento dos usos e deturpações nos discursos ambientais:

Acho que o conceito de Desenvolvimento Sustentável foi deturbado e sua essência deve ser resgatada para que não se mantenha uma visão simplista da realidade no que tange ao assunto, tais como a dos autores abaixo:

Nas tentativas de encontrar uma definição de sustentabilidade condizente com a ideia que temos da mesma, nos deparamos com a afirmação de que a aplicabilidade da sustentabilidade “pressupõe a mudança do sistema econômico em seus fundamentos capitalistas” (DOBSON, 1999, p. 12) Relacionando a sustentabilidade com a noção de sociedade sustentável, para este autor, “a sociedade sustentável é uma sociedade utópica no sentido estrito do termo” (DOBSON, 1999 p. 13). A utopia da sociedade sustentável é uma perspectiva política presente na produção acadêmica da educação ambiental e uma de suas definições possíveis é aquela “ que vive e se desenvolve integrada à natureza, considerando-a um bem comum. Respeita a diversidade biológica e sociocultural da vida. Está centrada no pleno exercício responsável e consequente da cidadania, com a distribuição equitativa da riqueza que gera. Não utiliza mais do que pode ser renovado e favorece condições dignas de vida para as gerações atuais e futuras” (RODRIGUES,1997, p. 159).

Enfim, creio que seja necessário mais embates a fim de que se possa identificar qual termo é mais adequado e o mais importante no momento é absorvermos realmente a essência dos conceitos de vários autores que defendem tanto o Desenvolvimento Sustentável, quanto a Sustentabilidade.

 

Segundo Hoeffel e Reis (2011, p. 125), “a julgar pelas controvérsias que a definição de sustentabilidade coloca é de se esperar que diferentes posições tenham surgido nos últimos anos. O conceito de sustentabilidade vem sendo amplamente utilizado dentro de diferentes abordagens teóricas, muitas vezes contraditórias”.

Dryzek (2006 apud HOEFFEL e REIS, 2011, p. 127) organiza em 4 grandes abordagens os discursos ambientais: sobrevivência dos seres humanos e não humanos, dos ecossistemas e mesmo do Planeta Terra; abordagens que procuram resolver problemas ambientais (com três perspectivas: Racionalismo Administrativo, Pragmatismo Democrático e Racionalismo Econômico); abordagens que consideram a perspectiva da Sustentabilidade (nesta análise estão inseridas a perspectiva do Desenvolvimento Sustentável que considera a possibilidade de associar crescimento econômico e proteção ambiental); e abordagens do Radicalismo Verde (perspectivas da mudança pessoal centradas na Consciência Verde que compreendem a Ecologia Profunda).

Para Dryzek existem modelos híbridos nestas tipologias, mas enfatiza que existem diversos discursos ambientais que em alguns casos se completam, mas que em geral competem entre si e por uma hegemonia na solução de questões ambientais e que a cada discurso é possível vincular distintas perspectivas para o termo sustentabilidade” (2006 apud HOEFFEL e REIS, 2011, p. 127).

O último comentário que apresentamos traz uma visão importante, que vai além das disputas sobre os significados dos conceitos, focando na inevitável situação sine qua non de mudança no modelo atual civilizatório:

Sem chegar a uma conclusão fechada, pois sei que ainda tenho muito que aprender, cito a frase de Antoine Laurent de Lavoisier (Paris, 26 de agosto de 1743), que diz:" na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", então, independente de se fazer conta, usando apenas esse raciocínio, se gastarmos mais do que o planeta tem como reserva, em certo momento as mesmas se esgotarão, seja energética, minerais, vegetais, animais, gases, enfim tudo. Uma coisa é garantida, sem água, calor, oxigênio e comida a vida humana na Terra terá fim. Equilibrar a balança entre o que temos e o que podemos gastar é o grande dilema. Temos que diminuir as desigualdades sociais ao meu ver, não apenas elevando as condições dos menos favorecidos, mas diminuindo o consumo e o desperdício desenfreado pelos mais abastados. (Será que isso é possível?)

 

A diversidade de opiniões, apenas aqui retratada em parte, é interessante do ponto de vista pedagógico porque fica claro que não temos conceitos homogêneos, estando o entendimento de cada um influenciado por diferentes perspectivas. Assim, um debate on-line ou presencial retrata como temos que analisar diversas perspectivas para ter uma compreensão mais ampla da problemática que estamos diante. Como se trata de alunos de pós-graduação lato sensu, a busca, análise e uso de referências bibliográficas é uma importante ação, que permite uma maior intimidade com a redação científica, assim como com a literatura da área.

 

Considerações finais

A atividade relatada aqui, apesar de ter sido realizada em um curso oferecido à distância, pode ser desenvolvida em disciplinas ou cursos presenciais, preferencialmente, para públicos adultos de cursos de graduação ou pós-graduação. Neste sentido, a proposta é construir uma visão que demonstre a heterogeneidade nos discursos sobre os conceitos de Desenvolvimento Sustentável e Sustentabilidade, assim como podemos fazer para as concepções da própria educação ambiental, como destacado pelo Sauvé:

Quando se aborda o campo da educação ambiental, podemos nos dar conta de que apesar de sua preocupação comum com o meio ambiente e do reconhecimento do papel central da educação para a melhoria da relação com este último, os diferentes autores (pesquisadores, professores, pedagogos, animadores, associações, organismos, etc.) adotam diferentes discursos sobre a Educação Ambiental (EA) e propõem diversas maneiras de conceber e de praticar a ação educativa neste campo. Cada um predica sua própria visão e viu-se, inclusive, formarem-se “igrejinhas” pedagógicas que propõem a maneira “correta” de educar, “o melhor” programa, o método “adequado” (SAUVÉ, 2005, p. 17).

 

Neste texto foi apresentada uma atividade de debate sobre os conceitos de Desenvolvimento Sustentável e Sustentabilidade. Dada a dinâmica deste debate, assim como o agravamento da crise ambiental ou para alguns autores, como Porto Gonçalves (2013): civilizatória, este debate pode ser permanente e contribuir para a formação dos alunos, incluindo professores em formação inicial ou continuada.

 

Referências

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Ilustrações: Silvana Santos