Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Redescobrindo o valor da Biodiversidade
Moises dos Santos Viana Pós-graduado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pelo Centro de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade Estadula do Sudoeste da Bahia (UESB/Itapetinga) Docente do Departamento de Estudos Básicos e Instrumentais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (DEBI/UESB). Praça da Primavera, nº. 40 Bairro Primavera - Itapetinga-BA CEP 45.700 – 000 tutmosh@gmail.com – 077 3261-8600
Anapaula de Paula Cidade Coelho Pós-graduado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pelo Centro de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade Estadula do Sudoeste da Bahia (UESB/Itapetinga) Docente do Departamento de Estudos Básicos e Instrumentais da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (DEBI/UESB). Praça da Primavera, nº. 40 Bairro Primavera - Itapetinga-BA CEP 45.700 – 000 tutmosh@gmail.com – 077 3261-8600
Resumo Com esse artigo pretendemos refletir o que vem a ser a biodiversidade. Cogitar ainda seu sentido na importância inter-relacional da vida, do planeta e do equilíbrio do meio ambiente. Em seguida, refletimos sobre os desafios de conhecer as atitudes prejudiciais ao meio ambiente na atual conjuntura ocidental e como conceber um valor à biodiversidade. E já adiantamos em dizer: o valor da vida não pode ser entendido segundo os preceitos mentais, econômicos e científicos humanos atuais. Biodiversidade é vida e esta se encontra além da humanidade. A vida nos precede e nos supera. Aqui chegamos pela evolução, mas não ficaremos. A vida na terra continuará sem nossa presença, na sua dinâmica até o fim do sistema solar. Palvras-Chave: Biodiversidade, Ética, Introdução A grande dificuldade
particular de escrever um ensaio é sua introdução. Justamente as últimas
palavras escritas são as primeiras lidas. No entanto, elas têm uma missão
importante: captar o leitor. Por isso, a introdução é dificil. A grande diversidade no planeta nos impele a preocupemos com o esse assunto. Além disso, é preciso entender o que é biodiversidade, sua questão e as formas de preservação dos sistemas que mantém, promove e determina a vida no meio ambiente. Uma questão de Biodiversidade Por biodiversidade, podemos entender uma estrutura que surge a partir das formas de interação entre elementos de um sistema e as espécies que nela vivem. As causas evolutivas são uma das respostas mais contundentes para explicá-la. Pois a evolução acontece de forma a determinar a variação genética, e daí, uma outra variação: a variação de número de população de uma espécie que cria a biodiversidade. Número de especies y abundancias relativas de las mismas encuentran su expresión en la diversidad. La noción de diversidad es antigua, porque los naturalistas han reconocido y distinguido siempre comunidades pobres en espécies, como las de las dunas o charcos efimeros , donde suelen existir unas pocas especies dominantes, y comunidades ricas en especies, en las que apenas se puede hablar de dominantes o especies por encima de las otras. El arrecife de coral y el bosque tropical son ejemplos típicos de estas comunidades muy diversas (MARGALEF, 2005, p. 359). Na natureza há uma invariabilidade muito grande de populações, comunidades e ambientes. Poucas espécies com muitos indivíduos e uma imensidão de espécies complexas com número pequeno de indivíduos. Um exemplo disso é a desproporção das populações dos ursos polares em relação às da abelha apis. Cada espécie se adaptou numa evolução complexa e criou especificidade com seu meio e com outras espécies numa inter-relação ecológica que constrói a estrutura vital da biosfera: Más que con la valencia ecológica de las especies, con el resultado de la evolucion, o con las tasas potenciales de aumento, la regularidad en la distribucion de números de individuos en especies asociadas se ha de relacionar con interacciones específicas de los ecosistemas. La diversidad es necesaria para el matenimiento de una estructura compleja (MARGALEF, 2005, p. 366). A biodiversidade proporciona relações específicas, inter-relações orgânicas no ecossistema, estabelecendo uma auto-regularidade ao planeta. Essa complexa relação é interessante, pois ela pode variar, proporcionando maior ou menor índice de diversidade para o equilíbrio. Todavia isso demora anos, milhões de anos. Poucas são as espécies que conseguem ultrapassar essa variação. Fósseis e traços moleculares de linhagens evolutivas mostram que as espécies - somem nascem e morrem - em escalas de tempo de 1 milhão de anos. (Exceções acontecem durante os cinco eventos de extinção em massa que eliminaram dinossauros, trilobitas e muitos outros). A extinção de todos os animais e plantas bem conhecidos também é pouco natural. A causa são ações humanas, incluindo caça, introdução de espécies exóticas (como ratos e ervas daninhas) e especialmente destruição de habitats. (PIMM; JENKINS, 2005, p. 59 - 60) Ao exarminarmos as eras glaciais, por exemplo, podemos refletir sobre um dos fatores condicionais para essa evolução. Desse modo, há um limite à diversidade, para que haja manutenção das regularidades numéricas de relações entre espécies. Una diversidad excessiva resulta incompatible con el mantenimiento de uma organización, si esta organización es dinámica, es decir, si corresponde a um estado estacionario en um haz de procesos que se influyen mutuamente (MARGALEF, 2005, p. 366). Qual é esse limite da biodiversidade? Não sabemos! No entanto, é fàto que a ação humana está desequilibrando esse processo, afetando efetivamente a auto-regularidade planetar. Somos então interpelados em desenvolver meios, estudos e mecanismos que proporcionem um conhecimento da biodiversidade do mundo e também esforçarmos para entendermos sua dinâmica e ainda compreendermos qual o papel interventor da humanidade nessa dinâmica: “Para que o meio ambiente possa ser salvo é preciso que lapsos desse tipo — a demagogia, a precipitação, o emocionalismo, a fàlta de profissionalismo — sejam corrigidos” (KLOETZEL, 1998, p. 87). Assim sendo, a razão para conservar a biodiversidade é um valor que interessa e força o envolvimento das pessoas. Principalmente para que entendamos que não somos o centro do universo ou da vida. Somos parte dela, devemos compreendê-la e valorizá-la. Valor da Biodiversidade Desse modo, preservar a biodiversidade é uma questão ético-moral, pois a civilização humana causou muitos estragos irreversíveis à natureza, à terra, às plantas e aos animais, sem contar as outras espécies que conhecemos de modo tão limitado. “Argumenta-se que as decisões que tomamos como espécie e como membros de uma comunidade de alcance planetário determinarão, nas próximas décadas, as viabilidade a longo prazo de nossa espécie e do planeta como um todo” (HUTCHISON, 2000, p. 22). Essa crise que atinge a biodiversidade e a ameaça é uma crise ecológica sem precedentes para a vida no planeta. Não sabemos a importância da biodiversidade e o que ela gerará ao equilibrio do planeta, caso ela venha a fàltar ou a diminuir. No entanto, não podemos justificar a biodiversidade como modo econômico ocidental. Porque as questões econômicas não podem determinar as ações inter-relacionais da humanidade com a natureza. Atribui-se à biodiversidade valor econômico. Ou seja, o valor econômico como primordial para preservação da vida. Baratear ações, preservar recursos são os argumentos para fazer a vida continuar em sua amplitude e multiplicidade.
O outro lado desta moeda é que a Natureza fornece serviços fundamentais, porém subestimados. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio, recentemente divulgada, apresenta uma longa lista: alimento, água doce, madeira para combustível, plantas medicinais, variedades selvagens de produtos cultiváveis, prevenções de enchentes e regulações climática, entre outros. (PIMM; JENKINS, 2005 p. 65) Não se pode calcular o valor da biodiversidade em padrões econômicos. Pois boa parte da crise relacionada a questão da natureza se fàz pela mentalidade, pelo método sócio-econômico que a civilização desenvolveu:
A realidade econômica é a responsável pelas perdas da diversidade biológica e a extinção de espécies animais tem como causas principais a excessiva exploração e a perda do habitat pelo desmatamento, a caça, o comércio desenfreado de espécies exóticas: “Sabe-se que, a cada dia que passa, de cem, a duzentas espécies de planta ou animal somem para sempre da superficie da Terra!” (KLOETZEL, 1998, p.28). Desse modo, é preciso compreender o valor intrínseco da biodiversidade, sua complexidade e importância no ecossistema. Ou seja, o calculo econômico está relacionado ao ser humano, não ao ecossistema. A existência dabiodiversidade tem seu valor, assim não podemos cumular valor econômico à biodiversidade, pois a economia em suas atuais perspectivas dominantes, altamente direcionada e limitada, não compreende ou encerra teoricamente o que é a biodiversidade. O valor é uma parte intrínseca da biodiversidade; não depende das propriedades das espécies em questão, dos usos que se farão ou não de espécies em particular ou do seu alegado papel no equilíbrio dos ecossistemas globais. Para a biodiversidade biológica o valor existe. Nenhuma indústria de fundo de quintal é necessária para estimar este tipo de valor (EHRENFELD, 1997, p. 270). O nosso conhecimento acerca da vida é muito limitado. Por mais avançados que estivermos nos estudos e pesquisas, não é possível atribuir qualquer valor à biodiversidade em sua particularidade ou em sua amplitude enquanto ecossistema. Dados infinitamente complexos do que é a vida nos impedem de minimizarmos esse problema. Mas nos desafia à nova mentalidade, pesquisa e ciência, fàzendo-nos buscar práticas ecológicas saudáveis para toda a vida: (...) primeiro, através do reconhecimento de que nós somos uma parte interdependente do mundo natural; segundo, restringindo nosso impacto destrutivo sobre os sistemas biológicos do planeta (HUTCHISON, 2000, p.l76). Fazendo com que compreendemos
a importância das vidas, do valor que elas têm para o equilíbrio do ecossistema
que todos nós pertencemos.
Essa lenta formação do planeta e sua interconexão de espécies e meio que eles vivem formam um todo equilibrado que está em decadência pela eliminação descriminada de espécies animais, vegetais e outros tipos de vida pela poluição das águas, do ar e da terra. Por isso, devemos saber dos efeitos humanos nessa sucessão ecológica que determinou a biodiversidade, para compreender o papel humano no ecossistema Saber Ambiental Ao estudar sobre biodiversidade e sua conservação encontramos e tiramos três lições mais importantes: o desafio cientffico de saber e desenvolver métodos, conhecimento e estudos sobre o tema; o posicionamento moral de respeitar o valor da biodiversidade; e por conseqüência, a ação de mudar a situação em relação ser humano e a vida. O que marca a ciência moderna é seu método empírico cartesiano. Essa racionalidade se tornou prática técnico-cientffica que apoiou as sucessivas revoluções industriais. Ela pautou as ações ocidentais por muitos séculos e hoje apóia e sustenta a atual conjuntura econômica, gerando ideologia e determinando os rumos da civilização. Por conseqüência, desenvolve ações danosas ao meio ambiente, aos microorganismos, às plantas e aos animais da Terra. No entanto, a mesma ciência evolui e hoje é desafiada a desenvolver conhecimento e saber ambiental. Ir além do método cartesiano e desenvolver métodos ecológicos, práticos e seguros para ajudar no entendimento da biodiversidade e sua inter-relação com o todo da vida. Os processos de destruição ecológica mais devastadores, bem como a degradação socioambiental (perda de fertilidade dos solos, marginalização social, desnutrição, pobreza e miséria extrema) têm sido resultado das práticas inadequadas do uso do solo, que dependem de padrões tecnológicos e de um modelo depredador de crescimento e que permitem maximinizar lucros econômicos no curto prazo, revertendo seus custos sobre os sistemas naturais e sociais (LEFF, 2002, p. 111). Conhecer para preservar e preservar para conhecer. Não é à-toa que o verbo cuidar vem do latim cogitare que significa também pensar, raciocinar. Desse modo, buscar um valor da biodiversidade implica num posicionamento moral de respeito. É imperativo ter reverência, veneração à biodiversidade, sem atribuir um valor econômico ou algo atribuído pelo humano para justificar a vida. A vida é um acontecimento que desenvolve um senso de admiração, respeito e também temor. A ação de buscar preservar a biodiversidade deve ir além do desejo de manter a vida humana. Cabe a humanidade entender seu papel nesse tempo curto que estamos sobre a Terra. Abreviar nossa estadia é no mínimo equívoco de nosso saber. O saber ambiental emerge, assim, como uma consciência crítica e avança com um propósito estratégico, transformando os conceitos e métodos de uma constelação de disciplinas e construindo novosinstrumentos para implementar programas de gestão ambiental (LEFF, 2002, p.111). O conhecimento e o estudo da biodiversidade sustentarão uma ética do cuidado, desenvolverão uma moral de respeito ao valor da biodiversidade. A qualidade de vida está necessariamente conectada com a qualidade do ambiente, e a satisfação das necessidades básicas, com aincorporação de um conjunto de normas ambientais para alcançar um desenvolvimento equilibrado e sustentado (a conservação do potencial produtivo dos ecossistemas, a preservação da base de recursos naturais, sustentabilidade ecológica do habitat), mas também de formas inéditas de identidadede cooperação, de solidariedade, departicipação e de realização, bem como de satisfação de necessidades e aspirações por meio de novos processos de trabalho (LEFF, 2002, p. 49). Surge então uma nova mentalidade biocentrica, onde a vida seja o valor mais importante. A espécie humana passará, e a o planeta continuará em sua história até o fim desse sistema solar. Considerações finais Portanto é imperativo novas atitudes. Para que serve a biodiversidade? Qual o grau de biodiversidade necessário para a manutenção da vida como um todo? Que importância temos na manutenção da vida na terra? Perguntas amplas e contundentes que nos leva a pensar em atitudes diferentes. Novas atitudes mundiais de organismos supra-nacionais, de instituições públicas e governamentais, de ONGs e também de cidadãos. Como preservar o meio-ambiente, os seres diversos que a compõe e o ser humano, a biodiversidade humana? Atitudes, práticas e conscientização são passos iniciais que nascem nas pesquisas e nos estudos da Biodiversidade e Conservação. Referências KLOETZEL, Kurt. O que é MeioAmbiente. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1998. EHRENFELD, David. Por que atribuir um valor à Biodiversidade? In: WILSON, E. O. (org). Biodiversidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1997. HUTCHISON, David. Educação Ecológica: Idéias sobre consciência ambiental. Porto Alegre: Artmed, 2000. HOLDRIDGE, Leslie R. Ecologia basada en zonas de vida. San José, C. R. Instituto Interamericano de Cooperación para la Agricultura, 1996. 216p. LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Cortez, 2002. MARGALEF, Ramón. Ecologia. Barcelona: Ediciones Omega, 2005. PIMM, Stuart L.; JENKINS, Clinton. Conservação da Biodiversidade. In: Scientific Americam Brasil. São Paulo nº. 41. pp. 60-65. Outubro de 2005. |