Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo. José Ortega y Gasset
ISSN 1678-0701 · Volume XXIII, Número 92 · Setembro-Novembro/2025
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Reportagem
12/09/2025 (Nº 92) PESQUISADOR MEXICANO ESTEVE NA SERRA À CONVITE DA UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL
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PESQUISADOR MEXICANO ESTEVE NA SERRA À CONVITE DA UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

"Se temos algum lugar que a sensibilidade da sociedade pode fazer a mudança, esse lugar é o Brasil", diz Enrique Leff, um dos mais influentes pesquisadores sobre sustentabilidade

Reconhecido mundialmente como referência no debate sobre desenvolvimento e meio ambiente, está na Serra à convite da UCS, que irá lhe entregar o título Doutor Honoris Causa

20/08/2025

Tamires Piccoli

Enrique Leff (UCS).Bruno Zulian / Comunicação UCS / Divulgação

Um dos mais influentes e renomados pesquisadores da economia, sociologia e sustentabilidade está em Caxias do Sul nesta quarta-feira (20). À convite da Universidade de Caxias do Sul (UCS), o intelectual mexicano Enrique Leff participou de uma série de atividades vinculadas ao curso de Direito. Na parte da noite, a universidade concederá a ele o título Doutor Honoris Causa

Reconhecido mundialmente como referência no debate ambiental, Leff tem passagens por órgãos internacionais, como a Unesco e o Banco Mundial, nos quais trabalhou questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

No Brasil, o pesquisador contribuiu diretamente com a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei nº 9.795/1999), além de inspirar movimentos sociais, defensores de territórios tradicionais e lideranças socioambientais.

Com longa experiência acadêmica, Leff elaborou conceitos que permeiam sua visão do papel social diante do meio ambiente. A Racionalidade Ambiental, uma das concepções mais importantes de sua obra, aborda como o ser humano transformou o mundo em um objeto e traz um contraponto a lógica econômica, que visa o lucro desenfreado. 

Em meio à agenda na UCS, o pesquisador conversou com a reportagem do jornal Pioneiro sobre o cenário atual do Brasil, COP-30, enchentes no Rio Grande do Sul e os desafios para gerar uma mudança de postura na sociedade.

Em poucos meses teremos a COP 30 no Brasil, realizada em momento crítico com o Brasil testemunhando os efeitos das mudanças climáticas e com grandes nações, como os Estados Unidos, deixando de apoiar iniciativas pró-sustentabilidade. Em função disso, podemos esperar algum resultado positivo?

Esperar sempre esperamos. Mas sabemos que os resultados dependem dos chefes de Estado. Geralmente esses tomadores de decisão já estão com suas capacidade de ação e compreensão muito corrompidas pela lógica do poder. Nietzsche (Friedrich, filósofo alemão) chamava isso de "vontade de poder". Essas pessoas acreditam que o mundo econômico e a tecnologia irão vir aqui para salvar o planeta. Entretanto, esses dispositivos estão dispostos a tudo para manter a sustentabilidade do capital, mas não a sustentabilidade da vida. 

Em maio do ano passado, o Rio Grande do Sul viveu um dos eventos climáticos mais extremos da história. Como você avalia essa situação? 

Esses eventos hidrometeorológicos, como o que aconteceu em Porto Alegre e em todo o Estado, têm a ver com uma alteração radical das condições atmosféricas. É uma ruptura dos mecanismos mais ou menos normais de comportamento desses fenômenos da natureza. Esses fenômenos aconteciam na história, como furacões, terremotos, os chamados eventos naturais. Mas hoje, são eventos extremados por essa ruptura dos mecanismos que os equilibravam. Estamos vivendo um consumo destrutivo da natureza, que está rompendo os mecanismos equilibradores. É certo que, especialmente no caso de Porto Alegre, estão associados também à falhas da administração, com erros de alertas ou mecanismos de prevenção.

Até que ponto precisamos agora de orçamentos especiais para nos defender dos impactos desses fenômenos?

Essas mudanças climáticas têm ocorrido na mesma intensidade em outros países?

O que aconteceu em Porto Alegre e no Estado, acontece também na Bahía Blanca, no Sul da Argentina. Aconteceu no ano passado, em Acapulco, no México. Acontece na Flórida, na Carolina do Norte, com os furacões dos EUA. Aconteceu em Valência, na Espanha. Está acontecendo agora na China e no Japão, porque é uma condição do aquecimento global. São desdobramentos de uma intensidade, de uma magnitude, que não se consegue controlar e que terão efeitos devastadores para a humanidade. Estes não são mais fenômenos naturais, relacionados ao comportamento da natureza. São impulsionados pela humanidade, pelos mecanismos que instauramos na sociedade a partir da nossa racionalidade econômica. O capital é um processo de expansão, de consumo destrutivo. Mas o planeta não tem mais para onde expandir. Se hoje, a humanidade não tem capacidade de responder, será a natureza que vai estabelecer as suas condições de destruição agora, e em um futuro, que não sabemos de quantos milhões de anos, de reconstituição da vida.

Pesquisador se encontrou com reitoria da UCS e professores do curso de Direito.Bruno Zulian / Comunicação UCS / Divulgação

Há uma crença dentro do âmbito do estudo ambiental que a sociedade não "desperta" para as mudanças climáticas, pois se trata de um problema muito grande. Nós já vivemos em uma sociedade complexa, permeada por problemas, então, as pessoas não querem assumir mais essa responsabilidade. É isso mesmo? 

Concordo absolutamente. Os seres humanos geraram um mundo tão complexo, que agora não conseguem responder dentro dessa capacidade limitada. Nem o cidadão comum, nem os cientistas conseguem ter uma compreensão da complexidade ambiental. Temos hoje um mundo de intervenção errada da raça humana sobre as dinâmicas da vida. Precisamos buscar entender como e de onde surgiram os modos que nos colocam em esquecimento sobre a compreensão da vida no planeta. Como surgiu essa racionalidade que nos impede de viver em harmonia com o comportamento da natureza. Isso para tentar impedir uma situação em que se está instaurando um processo com tendência ao ecocídio (destruição massiva do meio ambiente) do planeta e ao etnocídio das culturas tradicionais.

O que nos falta para entender que precisamos ter um outro olhar para viver em harmonia com o meio ambiente?

O que falta é verdadeiramente compreender o grande erro histórico, que constitui uma racionalidade que está destruindo o planeta. Quando essas questões, como o que aconteceu no Rio Grande do Sul, vão para o raciocínio dos governadores, das pessoas que foram eleitas, temos fenômenos que podem ser mesmo de corrupção. Mas corrupção em diferentes sentidos. Não quer dizer somente uma corrupção de "compras de vontades". Pode ser uma coisa de falhas de cálculo, de prioridades. Até que ponto precisamos agora de orçamentos especiais para nos defender dos impactos desses fenômenos? É aí que a ciência falha. A ciência não pode responder a isso. Os governos têm orçamentos limitados e têm outros interesses também. Então é uma mudança, precisamos de uma mudança radical de racionalidade.

Você acredita que a educação ambiental possa ser um caminho para transformar o entendimento social sobre mudanças climáticas?

A educação é certamente um caminho que ajuda a sociedade compreender esta condição do mundo moderno. Mas não pode ser qualquer educação. Aí temos também o desafio de como conduzir a educação para chegar à compreensão mais radical desta condição. Temos muitas respostas do campo da educação. Muitas delas estão engajadas no desenvolvimento sustentável, que é uma visão da economia da natureza e não de uma nova racionalidade para compreender as condições da vida.

Em uma entrevista sua, de 2009, para um portal paranaense, o senhor afirmava que o Brasil poderia ser a esperança para um futuro mais sustentável. Ainda acredita nisso? 

Em princípio, sim. Sempre falei que, se temos alguma região onde a condição do território, dos ecossistemas, a produtividade da natureza e a sensibilidade da sociedade podem se construir para fazer uma mudança dessa racionalidade, esse lugar é o Brasil. Não é por acaso que aqui é onde essas ideias que eu proponho têm a maior ressonância. Por essa sensibilidade. Ao mesmo tempo, sabemos que essa sensibilidade não é da sociedade brasileira toda. Mesmo assim, eu continuo acreditando que o Brasil seja o território onde se pode experimentar, que pode ser exemplar. Vocês têm uma experiência histórica que mostra isso. O que fez Chico Mendes! As reservas extrativistas mostraram ao mundo como uma sociedade pode se estabelecer, como a produtividade da natureza pode ser aproveitada.

Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/geral/noticia/2025/08/se-temos-algum-lugar-que-a-sensibilidade-da-sociedade-pode-fazer-a-mudanca-esse-lugar-e-o-brasil-diz-enrique-leff-um-dos-mais-influentes-pesquisadores-sobre-sustentabilidade-cmekaq5mm018j011ix5pgmnjb.html



Ilustrações: Silvana Santos