Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
13/03/2023 (Nº 82) ENTREVISTA COM MIRIAM PROCHNOW PARA A 82ª EDIÇÃO DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
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ENTREVISTA COM MIRIAM PROCHNOW PARA A 82ª EDIÇÃO DA REVISTA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

Por Bere Adams

Miriam Prochnow

(Esta e demais imagens fazem parte do arquivo pessoal da entrevistada)

Apresentação: Temos a grande honra de ter como entrevistada desta edição, Miriam Prochnow, que é catarinense, nascida em Agrolândia, no Alto Vale do Itajaí. Ela, junto com seu marido e amigos, fundou em 1987, a Apremavi (Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida) - atualmente uma das principais organizações ambientalistas de Santa Catarina e do Brasil, referência na proteção e restauração da Mata Atlântica. Liderou a criação da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses, em 1988, sendo a primeira coordenadora geral. Foi, também, Conselheira do CONAMA. A frente da Apremavi, buscando parcerias e colaboração, a organização foi uma das fundadoras, em 1992, da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA). Em 2003, Miriam foi eleita como coordenadora geral da RMA, até 2007. Em 2008, iniciou sua dedicação – por 10 anos - como secretária executiva do Diálogo Florestal. Desde 2010, Miriam integrou o Conselho de Coordenação do Diálogo Florestal Internacional e de 2014 a 2018, fez parte do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Além disso tudo, Miriam é líder Avina - instituição que apoia e estimula lideranças em diferentes áreas (educação, meio ambiente, cultura etc.) em todo o mundo. Ajudou a criar e faz parte do conselho do Centro de Apoio Sócio-Ambiental - que hoje é o Fundo CASA - organização que apoia o desenvolvimento de pequenas e médias ONGs. É também fotógrafa, produtora e locutora de vídeos, além de coordenadora e autora de livros e publicações voltados ao meio ambiente e à educação. Sempre procurou acompanhar e ter uma atuação na instância partidária. Sua trajetória mais detalhada pode ser conferida no seu site: https://miriamprochnow.com.br

Bere – Miriam, para começo de conversa, quero te agradecer por você ter aceitado ser a entrevistada desta edição, muito obrigada! Navegando pelo seu site, conheci de forma mais aprofundada a sua incrível trajetória. O que me deixou impressionada foi o apontamento de que você, quando criança, fez greve de fome em “protesto” ao fato de seu pai ser caçador. Ali você já evidenciava o seu olhar mais aguçado para os reais valores que tanto a EA busca desenvolver nas pessoas? 

Miriam – Eu sempre tive uma conexão forte com os animais. Desde cedo eles me inspiram sentimentos de proteção e cuidado. Não sei explicar exatamente de onde veio esse sentimento, mas é possível que tenha sido pelo fato de morar numa cidade do interior, com muito acesso à natureza e também por ter tido contato, no período da alfabetização, com livros que retratavam histórias de animais. Ainda guardo um desses livros, com a clássica história do Bambi. Aliás, o nome do jardim de infância que eu frequentei era Esquilo. Acho que temos aí elementos considerados importantes na Educação Ambiental. Já na época da escola, me indignava com injustiças. Diziam que eu era a defensora dos fracos e oprimidos.

Bere – A sua trajetória aponta, portanto, que você aprendeu a amar a natureza ainda na infância. Qual era o seu sentimento quando você estava em contato com a natureza, nas saídas à pesca com seu pai e no cultivo de jardins de sua mãe. Fale-nos um pouco das suas sensações que você pode se lembrar deste período.

Miriam – Eu adorava brincar e nadar no rio e andar de canoa. Muitas vezes passava o final de semana fazendo isso. Era uma sensação de acolhimento e ao mesmo tempo de liberdade. Já com as flores, era um sentimento de admiração pelas cores e cheiros e especialmente de carinho, quando minha mãe jogava uma flor pela janela, no quarto onde eu estava estudando. Isso criou um vínculo forte e com certeza foi importante na definição de minha personalidade. 

Bere – Como esta sua bagagem da infância interferiu quando você se tornou professora, e depois Pedagoga?  

Miriam – Essa bagagem da infância se juntou com outras experiências que vivi na adolescência, como participar da Comissão Municipal da Saúde, na qual realizamos visitas de campo, para acompanhar a situação das pessoas, como, estar em dia com as vacinas, ocorrência de doenças, acesso ao sistema de saúde, etc. Nessas visitas nós tínhamos contato com outras realidades, especialmente as vinculadas com o meio ambiente. Naquela época já se via a importância de ter boas condições ambientais, para se ter uma boa condição de saúde. Toda essa bagagem eu levei para minha atuação enquanto professora e mesmo não tendo, na época, noção das estratégias utilizadas na Educação Ambiental, acabei trabalhando com essas estratégias, como por exemplo a importância das vivências concretas.

Bere – Percebendo a degradação ambiental que se apresentava no período, quando recém-casados, você e seu marido Wigold Schäffer sentiram a necessidade de fazer algo para mudar aquela realidade, e foi então que fundaram a Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida (APREMAVI). Conte-nos como foi este processo e como foram os primeiros trabalhos com a Educação Ambiental desenvolvidos pela associação.

Miriam – Quando nos casamos, em 1984, fomos morar em Ibirama (SC), onde Wigold era fiscal de crédito agrícola do Banco do Brasil. Nesta época, eu dividia meu tempo entre o trabalho já como professora e a faculdade de pedagogia, que eu cursava à noite na cidade vizinha. Nas minhas folgas, eu acompanhava o Wigold nas visitas aos clientes do banco. Nessas viagens, via a degradação ao longo do caminho, no qual esbarrava com caminhões e caminhões de madeira nativa sendo carregada, a erosão do solo e o comprometimento dos rios e riachos da região causados pelo desmatamento acelerado em uma das mais bonitas e ricas regiões da Mata Atlântica. 

Também víamos diariamente os caminhões carregados com toras de espécies nativas passando na frente de nossa casa. Isso nos causou uma grande indignação. A vontade de mudar essa situação, nos levou a fundar, junto com alguns amigos, em 1987, a Apremavi. Eu passei a me dedicar exclusivamente ao trabalho na Apremavi. Nos primeiros anos de forma voluntária, até conseguirmos recursos para nosso primeiro projeto. Surgimos com o lema “boca no trombone e mão na massa”, ou seja, uma organização ativista, que denunciava as agressões ambientais, mas também propunha soluções e trabalhava para implantá-las. Uma das soluções apresentadas foi a produção de mudas nativas da Mata Atlântica, para atividades de restauração. O viveiro Jardim das Florestas começou no fundo do quintal da nossa casa, com 18 mudinhas. Hoje ele tem capacidade para produzir 1 milhão de mudas por ano, de 200 espécies nativas diferentes.  

Nas nossas atividades de EA sempre utilizamos mudas de árvores nativas para cativar as pessoas. Outra coisa que percebemos logo foi a necessidade de capacitar os professores, porque só assim seria possível ampliar a escala do trabalho. Realizamos inúmeras capacitações nesse sentido.

Bere – E sobre o acompanhamento das Políticas Públicas voltadas para as questões ambientais, o que você destaca desta trajetória (dificuldades, avanços, conquistas)?

Miriam – Com certeza o maior destaque foi a aprovação da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428 de dezembro de 2006), após 14 anos de tramitação no Congresso Nacional, etapas que acompanhei de perto. Foram centenas de ações em prol da aprovação da lei, envolvendo campanhas, manifestações, reuniões com deputados, senadores e ministros, debates públicos, elaboração de notas técnicas, mobilização das ONGs, etc. Foi emocionante poder fazer a fala em nome das Rede de ONGs da Mata Atlântica, no dia da sanção da Lei, no Palácio do Planalto. O processo de aprovação da lei foi duríssimo e cada etapa vencida era celebrada. Foi um exemplo de como a união e o diálogo pode superar desafios.

Outra conquista, que também é coletiva, foi a instalação de um núcleo para cuidar dos assuntos da Mata Atlântica, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente. Esse núcleo funcionou de 1999 até 2010 e foi responsável pela implementação de muitas ações em prol do Bioma, com destaque para o combate ao desmatamento e a criação e implantação de Unidades de Conservação.

Bere – Falando especificamente sobre Educação Ambiental, qual é, para você, a sua importância, e como você percebe a aplicação da EA de forma geral?

Miriam – A Educação Ambiental é imprescindível. Precisamos muito dela, acho que cada vez mais, especialmente porque os desafios da humanidade estão cada vez mais complexos. Como vamos enfrentar a crise climática, sem Educação Ambiental? Tudo está conectado. Atitudes responsáveis para com o Planeta e para com as outras espécies só serão possíveis com pessoas conscientes e pessoas conscientes só existirão se forem educadas para tal. E isso vale para todas as idades. Por isso a Educação Ambiental precisa ser feita de forma a estar muito vinculada com a realidade das pessoas. Ser algo muito concreto. Desenvolver muitas vivências. Ela precisa educar para revolucionar. E logo, porque não temos mais muito tempo enquanto espécie humana. 

Bere – Além da sua inspiração natural, quais são as pessoas que te inspiram e por quê?

Miriam – Sempre fui inspirada por meus pais, acho que principalmente pelo modo alegre como viviam, apesar de todos os problemas. Uma das coisas que mais gosto de fazer, além de estar na natureza, é dançar e isso eu aprendi com eles. No mais, eu admiro todas as pessoas que são ativistas e que colocam suas vidas numa missão. São tantas pessoas que é muito difícil citar nome e fico muito feliz em poder ter todos esses exemplos. Não sei se conseguiria viver de outra forma. Aqui em casa temos uma família de ativistas. 

Bere – Qual foi o impacto da pandemia, de uma forma geral, em relação às questões ambientais?

Miriam – A pandemia aconteceu no mesmo período em que tivemos no Brasil o governo federal mais retrógrado também para as questões ambientais. Os maiores retrocessos ambientais aconteceram após 2018. Foi mais difícil fazer ativismo, por conta do confinamento e justamente no momento em que mais se precisava dele. O trabalho das ONGs foi rechaçado. Por outro lado, creio que o fato das pessoas terem que ficar em isolamento fez com que valorizassem mais os momentos ao ar livre. Isso se nota com o aumento de pessoas que procuram estar em contato com a natureza. Pode ser que isso tenha proporcionado um aumento de conexão.

Bere – Fale-nos sobre a propriedade que vocês obtiveram e como foi transformar este espaço em uma reserva particular. Este esclarecimento pode despertar o desejo de mais pessoas com possibilidades fazerem o mesmo.

Miriam – Na verdade foi algo muito automático. Quando surgiu a possibilidade de se criar RPPNs, imediatamente pensamos numa forma de aderir. Como Wigold e eu tínhamos apenas uma pequena propriedade de 12 hectares, resolvemos transformar 3 hectares em reserva, a parte que tem uma cachoeira e uma mata nativa remanescente. O restante nós restauramos e trabalhamos com agricultura orgânica. Acabamos criando um modelo de propriedade legal, um dos conceitos difundidos pela Apremavi, quando a propriedade rural está ok com a legislação e também é um lugar com qualidade de vida. Também serviu para demonstrar que pequenas propriedades podem contribuir para a conservação da natureza. Anos mais tarde a Apremavi acabou adquirindo uma área por conta de um projeto e logo também criou uma RPPN. Essa é bem maior, tem 316 hectares, com uma base que pode ser utilizada para atividades de Educação Ambiental e de pesquisa. A Apremavi está elaborando estudos para criar outras RPPNs. Se tudo der certo, elas devem ser anunciadas em 2023. Uma forma de estimular mais pessoas a criarem suas reservas é contando essas histórias e também fazendo parte dos coletivos de RPPNs, como a RPPN Catarinense.

Bere – Miriam, você, sem dúvida, é uma pessoa inspiradora e exemplar! A sua vasta experiência poderia ser esmiuçada em mais uma infinidade de perguntas, porém, sei que você é uma pessoa de muitos compromissos, então, para não tomar mais o seu tempo, finalizo a nossa entrevista pedindo que você nos deixe uma mensagem de ânimo e incentivo a todas as pessoas que se dedicam a Educação Ambiental e a outras atividades relacionadas com o cuidado do meio ambiente.  

Miriam – Apesar de estarmos diante de um cenário nada animador do ponto de vista do futuro ambiental, temos que ter esperanças e manter nosso ânimo em alta. Ter momentos de trabalho concreto na natureza, como plantar árvores e estar no meio do mato, nos traz as energias necessárias para nos mantermos firmes. Eu sempre digo que temos todas as soluções que precisamos, só precisamos dar escala e eu acredito que, da mesma forma que temos o ponto de não retorno para a destruição, podemos ter para a sustentabilidade. Assim, vamos fazer crescer essa onda de soluções, para que não seja mais possível pará-la.

Bere – Míriam, em nome de toda equipe da revista, deixo meu agradecimento e te parabenizo pelo trabalho que vem desenvolvendo, pelas conquistas, pelas lutas, e principalmente, por ser esta pessoa tão inspiradora, muito obrigada e parabéns!



Para saber mais e/ou contatar a Miriam:

Miriam Prochnow

miriamscverde@gmail.com

@miriam_prochnow

https://miriamprochnow.com.br



Ilustrações: Silvana Santos