Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
20/03/2020 (Nº 70) MANEJO E USO DE PLANTAS MEDICINAIS NA COMUNIDADE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO, AMAZONAS, BRASIL
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=3908 
  

MANEJO E USO DE PLANTAS MEDICINAIS NA COMUNIDADE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO, AMAZONAS, BRASIL



Helena Carolina Alves Barreto1*, Dayanne de Souza Carvalho2, Janaína Paolucci Sales de Lima3



1Graduanda em Engenharia Florestal. Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Amazonas. E-mail: helenacarolinaalves@gmail.com

2Mestre em Ciências Ambientais. Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, Universidade Federal do Amazonas. E-mail: dsc1993.dc@gmail.com

3Doutora em Biotecnologia. Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Amazonas. E-mail: paolucci@ufam.edu.br



RESUMO



As plantas na comunidade provêm de conhecimentos de várias origens e culturas tradicionais, para a comunidade têm um papel significante como fonte de alimento e tratamento terapêutico. O presente estudo teve como objetivo realizar um levantamento das espécies vegetais com usos terapêuticos na comunidade Nossa Senhora do Livramento. A pesquisa foi realizada com 40 participantes, sendo utilizadas entrevistas semiestruturadas. Foram identificadas 84 espécies pertencentes a 47 famílias, com o total de 284 indivíduos botânicos. Laminaceae (8 spp.), Asteraceae (7 spp.) e Rutaceae (4 spp.) consistiram nas famílias que obtiveram destaque. Em relação à parte utilizada dos remédios caseiros, foram identificadas 10 partes vegetais de diferentes espécies medicinais citadas pelos entrevistados, com destaque para a folha e quanto ao modo de preparo, destacou-se o chá. Observou-se a necessidade de resgatar o conhecimento tradicional adquirido na comunidade, pela melhoria da qualidade de vida dos mantenedores para o tratamento de doenças mais frequentes.



Palavras-chave: Etnobotânica, Conhecimento tradicional, Amazônia.



ABSTRACT



Plants in the community come from knowledge of various origins and traditional cultures, for the community has a significant role as a source of food and therapeutic treatment. This study aims to carry out a survey of plant species with therapeutic uses in the Nossa Senhora do Livramento community. The survey was conducted with a total of 40 participants with semi-structured interviews. We identified 84 species and 47 families in a total of 284 botanical individuals, especially Asteraceae (7 spp.), Rutaceae (4spp.) And Laminaceae (8 spp.). For part used in home remedies, 10 plant parts of different medicinal species identified by the interviewees were identified leaf, highlighting the mode of preparation for tea. There was a need to rescue the traditional knowledge acquired in the community, through the improvement and quality of life of the maintainers for the treatment of more frequent diseases.



Key words: Ethnobotany, Traditional knowledge, Amazon.





INTRODUÇÃO



O Brasil, com uma área territorial de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e vários biomas (Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Amazônia e Caatinga). Detém da maior diversidade biológica do mundo, incluindo a diversidade genética, de espécies e de ecossistemas. Conta com uma rica flora, despertando interesses de comunidades científicas internacionais para o estudo da conservação e utilização racional destes recursos. No que diz respeito à biodiversidade vegetal, a Floresta Amazônica é detentora da maior reserva de plantas medicinais do mundo (DIAS, 1995; AGRIANUAL, 2002).

O cultivo de plantas em regiões urbanas e periurbanas é uma prática importante em várias regiões do planeta. Com o processo da ocupação humana, a consequente urbanização de áreas de importância ecológica tem acelerado os processos de mudança no modo de vida de diversas comunidades que, de certa forma, estavam isoladas e preservavam antigas tradições que são passadas de geração a geração. O acúmulo de conhecimentos empíricos sobre a ação dos vegetais vem sendo transmitido desde as antigas civilizações até os dias atuais, e a utilização de plantas medicinais tornou-se uma prática generalizada na medicina popular (MELO et al., 2007; GANDOLFO & HANAZAKI, 2011).

A comunidade sustenta um valioso potencial de recursos florestais madeireiros e não madeireiros, que são vantagens importantes no processo de desenvolvimento de programas e projetos de pesquisa de plantas medicinais (SILVA et al., 2001). A realização deste estudo contribui para o resgate e valorização do conhecimento popular sobre o uso das plantas medicinais e oferece um grande número de oportunidades e alternativas socioeconômicas para utilização sustentável de sua diversidade.



MATERIAL E MÉTODOS



A REDES do Tupé, localizada à margem esquerda do Rio Negro em área rural do município de Manaus no Estado do Amazonas, distante a 25 km em linha reta, na margem esquerda do Rio Negro. A comunidade Nossa Senhora do Livramento, integrante da RDS, dista aproximadamente 20,71 km em linha reta do Porto de Manaus, com as seguintes coordenadas: latitude de 03°01’39,539”S e longitude 60°10´32,551W, na confluência do Rio Tarumã-Mirim com o Rio Negro.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de ética (Parecer 3.177.522). A escolha das residências da comunidade foi realizada pelo método de amostragem sistemática de pontos de amostragem, através de entrevistas semiestruturadas, em 40 residências, considerando os aspectos levantados por MILLAT-E-MUSTAFA (1998).

A realização do inventário e levantamento etnobotânico no quintal foram desenvolvidos pelo método de turnê guiada, com o objetivo de coletar plantas e obter informações sobre elas (BOOM, 1987; ALEXÍADES, 1996). Para a análise dos dados, utilizou-se o programa Excel® versão 2007 para Windows®, sendo realizada a estatística descritiva a partir da codificação por tabulação simples, distribuição de porcentagens e tabelas. Para cada espécie de planta citada foram utilizadas as técnicas adaptadas de TROTTER & LOGAN (1986) e BENNETT & PRANCE (2000).



RESULTADOS E DISCUSSÃO



A RDS do Tupé é uma unidade de conservação de uso sustentável que tem como objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvidas por estas populações (BRASIL, 2000).

A estrutura familiar dos mantenedores é caracterizada por pequenos núcleos familiares. Segundo dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade - SEMMAS, da cidade de Manaus, houve um acréscimo desta população, sendo que os habitantes atuais da Comunidade Nossa Senhora do Livramento são de 2.500 indivíduos residentes (PGM/SEMMAS, 2016).

A média de idade dos participantes foi de 52 anos, sendo composta por 90% de mulheres de etnias indígenas como: Sateré mawé, Baré e Munduruku. A utilização dos recursos naturais disponíveis na REDES do Tupé pela população está vinculada às necessidades de subsistência do grupo doméstico. De acordo com o plano de gestão, é necessário haver o acesso aos programas e serviços de saúde. O posto de atendimento de saúde existente na comunidade funciona para atender todos os moradores da reserva e do entorno, entretanto, a assistência na área de saúde é precária (PGM/SEMMAS, 2016).

A importância do uso de plantas medicinais é ressaltada devido à deficiência do atendimento médico na comunidade (PGM/SEMMAS, 2016; GOMES & LIMA, 2017). Nessa perspectiva, pode ser entendida a busca das pessoas por práticas alternativas (curandeiras e rezadeiras) perante a insatisfação com os serviços de saúde públicos (ou privados) e, até mesmo, decorrente do descrédito na medicina (MEDEIROS et al., 2018).

Foram citadas 84 espécies pertencentes a 47 famílias, totalizando 284 indivíduos botânicos (Tabela 1). Dentre as sete famílias com maior representatividade em espécies introduzidas nas farmacopeias de vários grupos nativos do norte da América do Sul (BENNETT; PRANCE 2000), três encontram-se entre as mais representativas na comunidade da RDS do Tupé: Laminaceae (8 spp.), Asteraceae (7 spp.) e Rutaceae (4spp.). As famílias representativas nesta pesquisa foram referenciadas em outro levantamento realizado em comunidades da RDS do Tupé (SCUDELLER, 2009).





Tabela 1 Espécies de plantas medicinais na Comunidade Nossa Senhora do Livramento.

Espécies

Nome vulgar

Parte usada

Preparo

Categorias de sistema corporais1

Valor do IR

Bactris gasipaes (Kunth)

Pupunha

Raiz

Chá

DSOH, DPTCS

0,77

Alternanthera tenella Coll.

Cuieira

Folha, Fruta

Banho, Chá

TSR

0,43

Brassica oleracea L

Couve

Folha

Suco

TSD

0,61

Swartzia polyphylla

Sacaca

Folha

Chá

DGENM

0,34

Endopleura uchi (Huber) Cuatrec

Uxi vermelho

Semente

Garrafada

TSGU, ADND

0,59

Annona muricata L.

Babosa

Inteira

Sumo

DPTCS

0,43

Allium sativum L.

Alho

Folha

Banho, Chá

TSR

0,34

Piper callosum Ruiz & Pav

Elixir paregórico

Folha

Garrafada, Chá

TSD

0,61

Plectranthus barbatus Andr.

Noni

Fruto

Suco

N

0,34

Theobroma cacao L

Cacau

Semente, Folha

Suco, Chá

TSR, DGENM

0,77

Justicia pectoralis Jacq

Mutuquinha

Folha

Chá

ADND

0,34

Justicia calycina (Nees) V.A.W. Graham

Saratudo

Folha

Garrafada, Chá

TSGU, DSOH

0,77

Anacardium occidentale L

Caju

Fruto

Suco

TSR

0,80

Mangifera indica L.

Manga

Casca

Chá

TSR

0,80

Urtica urens L.

Tapereba

Casca

Maceração

DPTCS

0,34

Annona mucosa (Jacq.) Baill.

Biriba

Folha

Maceração

DPTCS

0,52

Linum usitatissimum L.

Graviola

Folha

Garrafada, Chá

TSGU, ADND, DGENM, N

1,55

Tithonia diversifolia (Hemsl.) A.Gray

Sucuúba

Folha, Casca, Leite

Chá, Compressa, Banho

TSN, DFM, N

0,93

Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F. Macbr.

Açai

Raiz

Chá

DSOH

0,89

Mauritia vinifera Mart

Buriti

Fruto

Suco

DSOH

0,34

Hancornia speciosa

Catolé

Fruto, Folha

Suco

TSD

0,34

Cocos nucifera L.

Coco

Fruto

In natura

TSD

0,80

Astrocaryum aculeatum G. Mey

Tucumã

Fruto

In natura

N

0,43

Oenocarpus bacaba

Bacaba

Fruto

Suco

TSR

0,52

Eryngium foetidum L.

Chicória

Raiz, Folha

Xarope, Chá

TSR, TSGU, ADND

1,39

Justicia sp.

Cibalena

Folha

Chá

ADND

0,34

Maytenus guianensis Klotzch

Jambú

Folha

Garrafada, Chá, Sumo

TSS (OLH), DGENM

1,14

Achyrocline satureioides (Lam.) DC

Macela

Folha

Chá

TSN, TSGU, ADND

0,84

Croton cajucara Benth

Crajiru

Folha

Chá

TSGU, DSOH

0,89

Solanum asperolanatum Ruiz & Pav.

Pobre velho

Folha

Chá, Garrafada

TSN, TSGU

0,95

Vernonia ferruginea Less

Urucum

Semente, Raiz

Chá

N

0,34

Ananas comosus (L.) Merril

Abacaxi

Fruto

Suco

TSR

0,34

Hymenaea courbaril L

Jatobá

Casca

In natura

TSGU

0,34

Operculina macrocarpa (Linn) Urb.

Mamão

Fruto

Suco

DSOH

0,89

Phyllanthus niruri L

Mastruz

Folha

Xarope, Maceração

TSR

0,34

Citrus sinensis (L.) Osbeck.

Cipó-tuira

Cipó, Raiz, Folha

Garrafada

TSGU

0,34

Kalanchoe daigremontiana

Aranto

Folha

Chá

N

0,34

Costus spicatus (Jacq.) S.w.

Corama

Folha

Maceração, Compressa, Chá, Xarope, Sumo, In natura

TSR, TSD, DPTCS

1,48

Cucurbita pepo L

Jerimum

Fruto

Suco, Desidratada

DGENM

0,52

Doliocarpus rolandri

Cipó d'água

Cipó

Chá

TSD

0,34

Ocimum basilicum L.

Macaxeira

Sumo

Sumo

DPTCS

0,43

Jatropha curcas L.

Pião branco

Folha, Látex, Semente

In natura, Banho

TSN, DPTCS

1,14

Ruta graveolens L.

Pião-roxo

Folha

In natura, Compressa, Banho

TSN, ADND

0,95

Endopleura uchi (Huber) Cuatrec.

Cumarú

Semente

Xarope

TSN

0,34

Inga edulis Mart

Inga

Folha

Chá

DSOTC, TSC

0,86

Mentha pulegium L

Júca

Baja

Garrafada

TSR, DSOH

0,77

Acanthospermum hispidum DC.

Alfavaca

Folha

Banho, Sumo

TSR, TSN, TSGU

1,20

Artemisia absinthium L.

Boldo

Folha

Chá

TSD, DSOH

1,05

Aspidosperma excelsum Benth.

Boldo chinês

Folha

Chá

DFM

0,43

Luehea divaricata Mart.

Hortelã

Folha

Chá

TSR, DFM

0,70

Coleus amboinicus Lour

Malvarisco

Folha

Chá, Xarope

TSR

1,25

Panax ginseng C.A. Mey

Manjericão

Folha

Banho

TSR

0,52

Portulaca pilosa L.

Oriza

Folha

Xarope, Sumo, Banho

TSR, TSN

0,95

Zingiber officinale Roscoe

Vick

Inteira

Chá

TSR

0,34

Bonamia ferruginea (Choisy) House

Abacate

Folha, Caroço

Chá, Garrafada, Ralado

TSD, DSOH

1,32

Chamaemelum nobile (L.) All.

Cebolinha

Inteira

Chá

TSR

0,52

Glycyrrhiza glabra L.

Erva-de-passarinho

Folha

Desidratada

N, DPTCS

0,59

Malpighia glabra L

Acerola

Fruto

Suco

TSR

0,34

Morus nigra L.

Amora

Folha

Chá

DGENM, TSG

0,59

Artocarpus integrifolia L.f

Jaca

Fruto

In natura

TSR

0,34

Musa paradisiaca L.

Banana

Fruto

Suco, Desidratada

TSR, DGENM

1,14

Syzygium malaccense (L.) Merr. & L.M. Perry

Jambeiro

Fruto

Suco, In natura

TSD, DGENM

0,59

Capsicum frutescens

Pimenta malagueta

Inteira

Emplasto, Maceração

DPTCS

0,43

Eugenia uniflora L.

Pintagueira

Fruto

Suco

TSR

0,34

Anacardium occidentale L

Azeitona

Folha, Casca

Chá

DGENM

0,43

Oxalis regnellii atropurpurea

Trevo roxo

Folha

Compressa, Sumo

TSS (OU)

0,52

Pinus sylvestris L.

Mucuracaá

Folha, Raiz

Chá

TSGU, TSD

0,68

Calycophyllum spruceanum (Benth.) K. Schum

Capeba

Folha

Maceração, In natura, Sumo

DPTCS

0,52

Pogostemon patchouly Pellet.

Óleo elétrico

Folha

Compressa

TSS (OU)

0,34

Bowdichia nitida Spruce ex Benth.

Capim santo

Folha

Chá

TSD, DPTCS, DFM

1,48

Portulaca pilosa L

Amor crescido

Folha

Desidratada, Emplasto, Chá

DPTCS

0,43

Talinum paniculatum (Jack). Gaertn

Maria-mole

Folha

Chá

TSGU

0,34

Tabebuia impetiginosa (Mart. ex DC.) Standl.

Saracura Mirá

Casca

Garrafada

DSOH

0,34

Amburana cearensis (Allemao) A. C. Sm

Arruda

Folha

Chá, Garrafada

TSR, TSD

0,95

Momordica charantia L

Laranjeira

Fruto, Folha

Suco, Chá

TSR

0,52

Citrus aurantifolia

Limão

Folha, Fruto

Chá, Banho, Suco

TSR, TSN

1,05

Citrus reticulata B.

Tangerina

Casca

Banho

TSR

0,34

Lycopersicon esculentum Mill

Tomate

Fruto

Emplasto

N

0,34

Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum

Cupuaçu

Fruto, Sementes, Folhas

Suco

TSR, TSD

1,32

Euterpe oleracea Mart.

Cidreira

Folha

Chá

TSD, DFM

1,23

Lippia grandis Schan.

Salva de marajó

Folha

Chá

TSGU, TSD, DFM

1,2

Juglans regia L.

Gingibre

Folha, Raiz, Batata

Chá, Xarope

TSR

0,89

Alpinia zerumbet (Pers.) B.L. Burtt. & R.M. Sm

Vindicá

Folha

Chá, Banho

TSD

0,61

1Afecções ou dores não definidas - ADND; Debilidade física e mental - DFM; Doenças da pele e tecido celular subcutâneo - DPTCS; Doenças das glândulas endócrinas da nutrição e do metabolismo – DGENM; Doenças do sangue e dos órgãos hematopoiéticos – DSOH; Doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo - DSOTC; Doenças infecciosas e parasitárias - DIP), Inapetência sexual - IS; Mordida de bicho doente (possivelmente raiva) - MBD; Neoplasias - N; Transtorno do sistema genito-urinário - TSGU; Transtorno do sistema respiratório - TSR; Transtorno do sistema sensorial olho - TSS (OLH); Transtorno do sistema sensorial ouvido - TSS (OU); Transtornos do sistema circulatório - TSC; Transtornos do sistema digestivo - TSD; Transtornos do sistema nervoso – TSN.



Há evidências de que a seleção de plantas para uso medicinal não é feita ao acaso e que famílias botânicas com compostos bioativos tendem a ser mais bem representadas nas farmacopeias populares. A predominância das espécies da família Asteraceae em trabalhos de levantamento etnobotânico é justificada por TULER (2011), em que estas apresentam crescimento espontâneo em áreas ocupadas pelo homem, tais como jardins e plantações, sendo algumas espécies consideradas invasoras.

Para a parte utilizada dos remédios caseiros, foram identificadas 10 partes vegetais. Observou-se maior utilização das folhas (48%) e a provável explicação para isso se dá pelo fato de estas serem de fácil coleta e estarem disponíveis no decorrer do ano, dado evidenciado também nos estudos de GOMES & LIMA (2017). Em alguns casos, foram mencionadas a utilização da planta inteira (4%), como por exemplo, a babosa (Annona muricata L.), o vick (Zingiber officinale Roscoe), a cebolinha (Chamaemelum nobile (L.) All.) e a pimenta malagueta (Capsicum frutescens).

Quanto à forma de preparação dos remédios, o chá destacou-se com 35%, sendo empregado no preparo de diversas espécies. A forma de preparo é importante para a conservação adequada dos princípios ativos das plantas medicinais e, consequentemente, na eficiência. Alguns informantes mencionaram que associavam “à dosagem certa para certas plantas as contraindicações, tomadas em excesso podendo ser tóxicas” (Informante feminino, 41 anos, etnia Baré).

Considerando a relação entre parte da planta e preparo, alguns informantes mencionaram diferentes preparos para uma mesma parte da planta, como exemplo, folha do malvarisco (Coleus amboinicus Lour), podendo ser usada como chá ou xarope para “tratar gripe, tosse, garganta, catarro e bronquite” (Informante feminino, 61 anos, etnia Baré).

Por outro lado, determinados informantes relataram diferentes partes de uma mesma planta para mesmos usos, como o abacate (Bonamia ferruginea (Choisy) House), que tem as folhas e o caroço utilizados para preparação da garrafada, utilizada para “curar anemia, ter um bom colesterol, limpar o sangue e infecção urinária’’ (Informante feminino, 61 anos, etnia Mundurucu).



Em relação à quantidade de usos, o boldo (Artemisia absinthium L.) teve citações em que utilizam-se as folhas para tratar diferentes males, como pode ser observado na seguinte fala: “é bom para fígado, gastrite, calmante, azia e ajuda na infecção estomacal” (Informante feminino, 35 anos). Quanto maior o número de usos, independente da categoria, mencionada para a espécie, maior será a importância dela para a comunidade. Dentro desta análise, o número de usos mencionados para uma espécie estabelece a importância dela para a comunidade estudada (VENDRÚSCULO & MENTZ, 2006).

As espécies que apresentaram maior versatilidade de usos, verificada por meio do cálculo de Importância Relativa (IR), são nativas, sendo elas, graviola (Linum usitatissimum L., IR = 1,55), corama (Costus spicatus (Jacq.) S.w, IR = 1,48) e capim santo (Bowdichia nitida Spruce ex Benth, IR = 1,48). Conforme o consenso dos informantes (FCI), as espécies medicinais foram indicadas para o tratamento de 84 finalidades terapêuticas. As doenças foram agrupadas em 17 categorias de sistemas corporais (modificadas a partir da classificação da OMS) (Tabela 2), destas, oito alcançaram valores de FCI iguais ou superiores a 0,5.

Considerando os valores do FCI, houve maior concordância entre os moradores nas indicações de plantas para o tratamento de transtorno do sistema sensorial ouvido (TSS (OU)) e transtorno do sistema sensorial olho TSS (OLH). No entanto, quando se analisa o número de espécies citadas verifica-se apenas a indicação de uma única espécie em cada categoria. Em consonância com o apresentado por MAIOLI-AZEVEDO & FONSECA-KRUEL (2007) deve-se trabalhar os dados gerados pelas análises de FCI de forma cautelosa, pois este índice tende a supervalorizar categorias onde tenham sido citadas poucas espécies, visto que o baixo número de citações e espécies permite atingir o valor máximo de consenso.

Em relação ao número de espécies citadas por categoria, verificou-se a citação de oito espécies para tratar dezessete doenças do sistema digestivo (FCI = 0,56) e treze espécies para tratar vinte e sete doenças do sistema respiratório (FCI = 0,53). O uso de plantas medicinais na comunidade Nossa Senhora do Livramento está predominantemente relacionado às doenças referentes aos sistemas gastrointestinal e respiratório, estando de acordo com outros estudos realizados junto a diferentes comunidades no Brasil (SOUZA, 2012; RIBEIRO et al, 2014; GOMES & LIMA, 2017).



Tabela 2 - Fator de consenso de informantes (FCI) da Comunidade Nossa Senhora do Livramento para uso das espécies de plantas medicinais.

Categorias

Nº de (Uso)

Nº de Espécies de plantas

FCI

Afecções ou dores não definidas

7

4

0,50

Debilidade físca e mental

6

2

0,80

Doença de pele e tecido celular subcutâneo

12

8

0,36

Doenças das glândulas endócrinas, da nutrição e do metabolismo.

9

5

0,50

Doença do sangue e dos orgãos hematopoéticos

11

9

0,20

Doenças do sistema osteomular e do tecido conjutivo

9

7

0,25

Doenças infecciosas e parasitárias

0

0

0

Inapetência sexual

0

0

0

Mordida de bicho doente (Possivelmente raiva)

0

0

0

Neoplasias

8

6

0,28

Transtorno do sistema circulatório

1

1

0

Transtorno do sistema digestivo

17

8

0,56

Transtorno do sistema genito- urinário

14

9

0,38

Transtorno do sistema nervoso

9

5

0,50

Transtorno do sistema respiratório

27

13

0,53

Transtorno do sistema sensorial (Olho)

2

1

1

Transtorno do sistema sensorial (Ouvido)

2

1

1





Diante da situação socioeconômica-ambiental da comunidade em questão, esses valores indicam que essas categorias são culturalmente importantes, confirmando a importância dos conhecimentos tradicionais e práticas de tratamento.

A ausência de tratamento de água e a falta de saneamento básico na comunidade podem explicar os resultados relacionados ao sistema gastrointestinal, enquanto que o aparecimento de doenças relativas ao aparelho respiratório pode estar relacionado à mudança brusca de tempo e às queimadas, bastante comum na região amazônica.



CONCLUSÃO



As características individuais são mais diferenciadoras de conhecimento do que a distância geográfica. Desse modo, o levantamento de variáveis socioeconômicas foi fundamental para análise do conhecimento na comunidade Nossa Senhora do Livramento. Destaca-se que o saber sobre o uso de plantas medicinais possui origem em etnias indígenas, sendo geralmente transmitido entre gerações. Sendo assim, presume-se a importância cultural da sabedoria popular no processo de conservação da biodiversidade local.

O estudo etnobotânico apresentou um notável conhecimento de uso das propriedades terapêuticas das espécies. Os dados clássicos de levantamento e os índices quantitativos possibilitaram estimar dados mais precisos sobre o uso e importância das plantas medicinais para a comunidade. O entendimento da cultura local e a utilização de determinadas plantas com potencial terapêutico dentro da comunidade sugerem que estas possuem eficácia farmacológica, servindo como ferramenta na descoberta de novos fármacos.



AGRADECIMENTO



Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).



REFERÊNCIAS

AGRIANUAL. Pelo aproveitamento racional das plantas medicinais da Amazônia. FNP Consultoria e Comércio, 2002. p. 28-29.

ALEXÍADES, M.N. Selected guidelines for etnobotanical research: a filed manual. New York: The New York Botanical Garden, 1996. 306p.

BENNETT, B.C.; PRANCE, G.T. Introduced plants in the indigenous pharmacopoeia of Northern South America. Economic Botany, v.54, n.1, p.90-102, 2000.

BOOM, B.M. Ethnobotany of the Chácabo Indians, Beni, Bolivia. Advances in Economic Botany, v. 4, n. 1, p.1-68, 1987.

BRASIL. Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. 2000. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm? codlegi=322>. Acesso em: 08 ago. 2019.

DIAS, T.A. Medicinal plants in Brazil. Newsletter-G Gene Banks for Medicinal & Aromatic Plants, n.7/8, p. 4, 1995.

GANDOLFO, E.S.; HANAZAKI, N. Etnobotânica e urbanização: conhecimento e utilização de plantas de restinga pela comunidade nativa do distrito do Campeche (Florianópolis, SC). Acta Botanica Brasilica, v.25, n.1, p. 168-177, 2011.

GOMES, N.S.; LIMA, J.P.S. Uso e comercialização de plantas medicinais em Humaitá, Amazonas. Revista Brasileira de Agroecologia (Online), v.12, n.1, p.19-31, 2017.

MAIOLI-AZEVEDO, V.; FONSECA-KRUEL, V.S. Plantas medicinais e ritualísticas vendidas em feiras livres no Município do Rio de Janeiro, RJ, Brasil: estudo de caso nas zonas Norte e Sul. Acta Botanica Brasilica, v.21, n.2, p.263-275, 2007.

MEDEIROS, M.S. et al. A saúde no contexto de uma reserva de desenvolvimento sustentável: o caso de Mamirauá, na Amazônia Brasileira. Saúde e Sociedade (online), v.27, n.1, p.128-148, 2018.

MELO, J.G. et al. Qualidade de produtos à base de plantas medicinais comercializados no Brasil: castanha-da-índia (Aesculus hippocastanum L.), capim-limão (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf ) e centela (Centella asiática (L.) Urban). Acta Botanica Brasilica, v.21, n.1, p. 27-36, 2007.

MILLAT-E-MUSTAFA, M.D. An approach towards analysis of homegardens. In: RASTOGI, A.; GODBLE, A.; SHENGJI, P. (Eds.). Applied ethnobotany in natural resource management traditional home gardens. Nepal: International Centre for Integrated Mountain Development Kathmandu, 1998. p. 39-48.

PGM/SEMMAS. Plano de Gestão da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas. v.1. Manaus/AM: SEMMAS, 2016.

RIBEIRO, D.A. et al. Potencial terapêutico e uso de plantas medicinais em uma área de Caatinga no estado do Ceará, nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, v.16, n.4, p.912-930, 2014.

SCUDELLER, V.V. Diversidade Sociocultural. Etnoconhecimento de plantas de uso medicinal nas comunidades São João do Tupé e Central (Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé). In: SANTOS-SILVA, E.N.; SCUDELLER, V.V. (Orgs). Biotupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central. Manaus: INPA, 2009. p.185-199.

SILVA, S.R. et al. Plantas medicinais do Brasil: aspectos gerais sobre legislação e comércio. Brasília, DF: Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha e IBAMA, 2001.

SOUZA, R.K.D. Etnofarmacologia de Plantas Medicinais do Carrasco no Nordeste do Brasil. 2012. 84f. Dissertação (Mestrado em Bioprospecção Molecular - Biodiversidade) - Universidade Regional do Cariri, Crato - CE, 2012.

TROTTER, R.; LOGAN, M. Informant consensus: a new approach for identifying potentially effective medicinal plants. In: ETKIN, N. L. (Ed.). Plants in indigenous medicine and diet: biobehavioral approaches. New York: Redgrave Bedford Hills, 1986. p.91-112.

TULER, A.C. Levantamento etnobotânico na comunidade rural de São José da Figueira, Durandé, MG, Brasil. 2011. 57f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Biológicas) - Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Espírito Santo, Alegre, 2011.

WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Traditional Medicine Strategy 2002–2005. Geneva: WHO, 2002.

Ilustrações: Silvana Santos