Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Relatos de Experiências
20/03/2020 (Nº 70) CIÊNCIA E SAÚDE: PRÁTICAS SOCIAIS E INICIAÇÃO CIENTÍFICA NA HORTA ESCOLAR
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CIÊNCIA E SAÚDE: PRÁTICAS SOCIAIS E INICIAÇÃO CIENTÍFICA NA HORTA ESCOLAR



SCIENCE AND HEALTH: SOCIAL PRACTICES AND SCIENTIFIC INITIATION IN SCHOOL GARDEN



Adriane Dall’acqua de Oliveira1, Ariadne Dall’acqua Ayres2, Danislei Bertoni3, Lia Maris Orth Ritter Antiqueira4



1. Professora do Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (SEED-PR) e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Ponta Grossa. Email: adrianeacqua@uol.com.br



2. Discente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Email: ariadne.ayres@usp.br



3. Docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, câmpus Ponta Grossa. Email: danisleib@utfpr.edu.br



4. Docente da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, câmpus Ponta Grossa. Email: liaantiqueira@utfpr.edu.br





RESUMO

A horta é um espaço de múltiplas possibilidades educativas, pois oportuniza trabalhar e pensar o ambiente de modo sistêmico, aprofundando a conexão com a natureza na forma de valorização dos recursos naturais. Apresenta-se aqui um relato de uma horta escolar como espaço de construção de conhecimento científico e práticas sociais voltadas para alimentação saudável. A coleta de dados ocorreu ao longo de um ano por meio de observação participante e permitiu identificar o potencial das práticas no ensino de Ciências, mas acima de tudo, na construção de valores e da coletividade, onde o ideal maior é de oportunizar aos educandos a melhoria da saúde e a qualidade de vida.

Palavras chave: Coletividade. Educação Ambiental. Interdisciplinaridade.



ABSTRACT

The garden is a space of multiple educational possibilities, where it is possible to work and think about the environment in a systemic way, deepening the connection with nature in the form of valuing natural resources. We present here a report of a school garden as a space for building scientific knowledge and social practices for healthy eating. Data collection took place over a year, through participant observation and detected the potential of science teaching practices, but above all, in the construction of values ​​and collectivity, where the greatest ideal is the opportunity to educate improvement. of health and quality of life.

Keywords: Collectivity. Environmental education. Interdisciplinarity.



Introdução

A Educação Ambiental emergiu por volta de 1970 como um campo promissor para discutir a crise mundial de recursos naturais (consequência do aumento das cidades no período pós Revolução Industrial).

A necessidade de se tratar os impactos ambientais partindo da educação foi reconhecida como recurso primordial para equilibrar a catástrofe que teve início pelo aumento de tecnologias e produção de lixo, que levaram à contaminação de ambientes e extinção de espécies: a resiliência dos sistemas naturais foi colocada à prova de maneira muito arriscada.

No Brasil, o marco histórico para a questão ambiental se deu na Constituição Federal de 1988, quando o meio ambiente equilibrado e saudável passou a ser considerado um direito dos cidadãos e um dever do Estado. Baseado nesta premissa, em 1994 que o governo criou o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA), criando perspectivas para que em 1999 fosse criada a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA).

O conceito de Educação Ambiental abrange as dimensões sociais, políticas, econômicas, culturais, ecológicas e éticas, no entanto, ao tratar de problemas ambientais deve ser estabelecida uma conexão entre essas dimensões (Dias, 1994). A educação ambiental trabalhada nas escolas desperta na criança e nos jovens a consciência de preservação e de cidadania.

É somente através de ações na prática educacional que podemos pensar no futuro, o qual depende do uso racional dos recursos naturais de maneira sustentável. Assim, a Educação Ambiental no ensino fundamental assume foco reflexivo e voltado às questões de convívio e atuação na sociedade.

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná, expressam a importância de que o educando tenha acesso ao conhecimento produzido pela humanidade, mas que também façam relações interdisciplinares de modo a contribuir para “a crítica às contradições sociais, políticas e econômicas presentes nas estruturas da sociedade contemporânea e propicie compreender a produção científica, a reflexão filosófica, a criação artística, nos contextos em que ela se constituem” (Paraná, 2008 p. 14).

Partindo destas premissas, o desenvolvimento de uma horta no ambiente escolar pode funcionar como um laboratório vivo, onde sejam desenvolvidas diversas atividades de ensino, com enfoque ambiental, alimentar, tecnologias sociais e especialmente a iniciação científica dos alunos. Neste espaço, é possível conciliar atividades teóricas e práticas em atividades integradoras e desenvolver a coletividade por meio do trabalho em equipe, favorecendo a interação social entre os envolvidos. Além disso, conforme expressam Coelho e Bógus (2016), o resgate do vínculo do alimento com a natureza é central para o desenvolvimento de ações educativas na área de alimentação e nutrição.



Horta Escolar: Possibilidades em Educação Ambiental e Saúde

No início dos anos 2000, a visão das práticas de Educação Ambiental era bastante pessimista. Para Andrade (2000), implementar a educação ambiental nas escolas mostrava-se uma tarefa exaustiva e que deveria considerar desde o tamanho da escola (área disponível para construção da horta), o número de alunos e professores e a predisposição destes para passar por um processo de treinamento, além dos desafios com a direção, visto que estes projetos alteram a rotina da escola e demandam de planejamento prévio detalhado.

Serrano (2003) levanta o fato de que muitos projetos de educação ambiental desenvolvidos nas escolas de ensino fundamental no início dos anos 2000 eram mais discursivos e teóricos do que práticos. Os conteúdos eram ensinados de forma tradicional, marcados por aulas expositivas com atividades de leitura, memorização e testes.

No entanto, acredita-se que esta realidade vem sendo aos poucos modificada. Prova disso é o crescente número de resultados de projetos que vem sendo divulgados por meio de redes sociais e sites, relatando iniciativas promissoras implementadas das formas mais simples (pequenos grupos de alunos em pequenas escolas) até grandes projetos de alcance nacional. Este compartilhamento de informações leva à socialização do conhecimento, promovendo junto com as técnicas de ensino adequadas, um movimento cada vez maior de divulgação e adesão às práticas que aumentem a qualidade de vida de todos e a consciência ecológica.

Krasilchik (2008) afirma que dentre as modalidades didáticas existentes, as aulas práticas e projetos são as mais adequadas como forma de vivenciar o método científico. Para Tavares et al (2014), as aulas práticas despertam e mantém o interesse dos alunos; envolvem os estudantes em investigações científicas; desenvolvem a capacidade de resolver problemas; compreender conceitos básicos; e desenvolver habilidades.

O espaço da horta escolar é caracterizado por Capra (2005, p.23) como um local capaz de religar as crianças aos fundamentos básicos da comida e ao mesmo tempo integra e enriquece todas as atividades escolares. As atividades na horta despertam para não depredar, mas para conservar o ambiente e a trilhar os caminhos para alcançar o desenvolvimento sustentável.

Para Arruda e Souza (2009), a horta na escola permite trabalhar várias vertentes, inclusive a educação alimentar fazendo com que as crianças saibam da importância e da necessidade de uma alimentação adequada. Por meio destas práticas é possível levar aos alunos conhecimentos sobre um tipo de agricultura orgânica, mais natural, e o perigo da utilização de agrotóxicos, o mal que estas substâncias causam à saúde humana, aos animais e aos ecossistemas.

Este conhecimento vai ao encontro da crescente preocupação mundial com as questões de alimentação, vinculando os objetivos da Educação Ambiental com a Educação em Saúde. Segundo Silva et. al. (2013), orientações internacionais, difundidas a partir da Carta de Ottawa (Who, 1986), influenciaram proposições governamentais no Brasil referentes à educação alimentar e nutricional, nas quais constam as hortas escolares (Brasil, 2006).

Tendo a escola um importante papel na homogeneização progressiva de comportamentos dos estudantes relacionados à sua própria saúde e na contribuição do reforço dos padrões de saúde, há que se considerar a complexidade na transposição da agricultura para a escola urbana e as possibilidades de aprendizados para a saúde alimentar (Carvalho, 2012).

Para Brandão (2012, p 6), “a horta escolar é um espaço de aprendizagem, com métodos de interdisciplinaridade, contextualização, diálogo, motivação e problematização”. Gadotti (2003) vai além e aponta que uma horta pode funcionar como um microcosmos de todo o mundo, onde se encontram representadas formas de vida, recursos e processos. A partir de uma horta, é possível reconceitualizar todo o currículo escolar.



Caminho Metodológico

Esta experiência de ensino foi realizada com alunos do 6º e 7º anos do ensino fundamental junto à disciplina de Ciências, em uma escola pública de periferia, em período de contraturno às aulas. Os alunos são de comunidades com elevada vulnerabilidade social e condição de risco.

A proposta foi elaborada baseando-se em Lüdke e André (2013), que defendem o papel do pesquisador como “veículo inteligente e ativo entre o conhecimento construído na área e as novas evidências que serão estabelecidas a partir da pesquisa”.

Para tanto, foi utilizada abordagem qualitativa, que segundo os autores “tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento” (Lüdke; André, 2013). Para os autores, esta abordagem requer o “contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada”, ou seja: um trabalho de campo intensivo.

A coleta e análise dos dados utilizou a observação participante ao longo de um ano de atividades. Para May (2001, p.177) este é um processo pelo qual o investigador estabelece um relacionamento com uma associação humana com o propósito de desenvolver um entendimento científico daquele grupo. Os registros se deram na forma descritiva e por meio de imagens.

Foram realizados os seguintes procedimentos:

  1. Aulas expositivas abordando informações sobre horta, plantio de sementes, condições climáticas favoráveis para o plantio.

  2. Pesquisa na internet para verificar espécies mais adaptadas ao clima da região e condições necessárias para preparo dos canteiros.

  3. Escolha do local no terreno da escola, levando em consideração a disponibilidade de água, exposição ao sol, condições do terreno e proteção de ventos fortes.

  4. Limpeza do terreno e preparação para compostagem (buraco na terra) como forma de aproveitamento de resíduos da merenda escolar.

  5. Construção de quatro canteiros e preparação para o plantio. Adição de minhocas adquiridas em comércio especializado, com a finalidade de expansão de galerias e produção de húmus.

  6. Irrigação dos canteiros com mangueira e regadores em dias e turnos alternados.

  7. Plantio/manutenção da horta/colheita.

  8. Práticas de sensibilização em Educação Ambiental, Saúde e Economia Solidária.



Relato da Experiência

As atividades propostas em cada etapa para os alunos, foram planejadas para utilizar a interdisciplinaridade, tendo a Educação Ambiental como eixo norteador. Buscou-se propiciar um espaço de construção de saberes, com foco na saúde e na qualidade de vida dos alunos.

O envolvimento dos participantes foi direto em todo o processo, desde a estruturação do espaço, a escolha das espécies, a pesquisa sobre como realizar os procedimentos e as sugestões que foram surgindo ao longo do projeto (Figura 1), incluindo a resolução de problemas e tomada de decisões no dia a dia.



Figura 1: Alunos participando da estruturação de canteiros e dando sugestões sobre os procedimentos.





As hortaliças foram escolhidas para o plantio de acordo com o tipo de crescimento, (priorizando ciclos curtos) e exigência de recursos (necessitando momentos de luz alternado com sombra) para desenvolver plantas sadias rapidamente. Também foram priorizadas variedades comuns ao consumo (que os alunos pudessem levar para casa após a produção) e espécies com potencial medicinal, típicas da região.

Os canteiros foram estruturados pelos próprios alunos, com reaproveitamento de pneus. Estes também foram colocados em outros espaços da escola onde foi realizado plantio paisagístico e manutenção de arbustos já existentes (Figura 2).



Figura 2: Alunos preparando pneus para servirem como vasos





A adubação foi realizada com restos de cascas da merenda escolar que foram depositadas previamente em uma composteira. Nela foram introduzidas minhocas, assim como nos canteiros para auxiliar o processo de aeração do solo.

Após o preparo dos canteiros, foi realizado o primeiro plantio, onde os alunos foram divididos em dois grupos. Um grupo escolheu plantar sementes de pimenta (variedade malagueta), adquirida comercialmente. Para tanto, seguiram as instruções do fabricante. O outro grupo, plantou no mesmo canteiro pimentas in natura, das quais extraíram as sementes com uso de luvas (Figura 3).





Figura 3: Plantio sendo realizado pelos alunos





Os dois grupos elaboraram hipóteses sobre o tempo de germinação das diferentes sementes, também realizaram anotações e suposições sobre a qualidade e quantidades da germinação. A hipótese levantada por todos foi que as sementes industrializadas teriam melhor desenvolvimento e de forma mais rápida.

A segunda atividade desenvolvida foi o plantio de sementes variadas de uma mesma hortaliça, para que pudessem observar se haveria diferença entre o desenvolvimento. Foram utilizadas duas variedades de agrião (Nasturtium officinale), por meio do plantio em água e plantio em terra.

Os alunos problematizaram sobre o plantio, levantaram hipóteses e acompanharam o desenvolvimento das duas variedades. Neste experimento, quase todas as sementes e mudas se desenvolveram. No início as de agrião do seco eram mais rígidas e secas, porém com o passar dos dias as folhas e talos foram ficando mais suculentos como as do agrião da água, e se adaptaram muito bem ao ambiente úmido, derrubando as hipóteses de que não conseguiriam sobreviver ao excesso de água (Figura 4).

No terceiro plantio, foram utilizadas mudas de alface (Lactuca sativa). Ao crescerem e gerarem sementes, estas foram utilizadas para um novo plantio, de forma que os alunos puderam entender de onde vem as sementes.

Em um quarto momento, foram utilizados outros tipos de frutos para ilustrar conceitos relacionados ao ciclo da vida, reprodução, fisiologia e morfologia vegetal. Os alunos saborearam os frutos (maracujá e melancia) e depois selecionaram as sementes para o plantio (Figura 5).



Figura 4: Equipe reunida discutindo hipóteses





Figura 5: Separação de sementes para o plantio após consumo dos frutos.



Com a finalidade de expandir as discussões sobre alimentação saudável, o quinto plantio foi realizado com mudas de rúcula (Eruca sativa) e escarola (Cichorium endivia), que são ricas em ferro e de fácil cultivo na região, pois respondem bem às mudanças climáticas. Os alunos participaram animados das atividades do plantio até a colheita (Figura 6)



Figura 6: Colheita de escarola pelos alunos



Porém, ao provar o sabor, relataram ser ácido ou azedo, sem agradar ao paladar. Embora tenham entendido que se tratava de consumo saudável, indagaram sobre possibilidades de tornar a ingestão destas hortaliças mais agradável. Assim, após pesquisa de receitas, surgiu a ideia de preparar pizzas (Figura 7).



Figura 7: Preparo da rúcula para a pizza.

Os alunos participaram ativamente de todo o preparo, incluindo noções de saúde e higiene ao montar as pizzas (Figura 8), que depois de assadas no refeitório da escola foram saboreadas por todos, modificando concepções sobre o consumo das hortaliças antes consideradas de sabor ruim.

Além destas atividades com objetivos diferenciados, a manutenção da horta envolveu atividades periódicas com pequenos grupos para a limpeza dos canteiros, irrigação das mudas, colheita, higienização dos alimentos, divisão das hortaliças e outras necessidades pontuais que foram se apresentando ao longo do projeto.



Figura 8: Montagem de pizza de escarola



Discussão

Autores como Azevedo (2004) defendem o ensino onde os alunos tenham oportunidade de agir, acompanhado de ações e demonstrações que o levem a um trabalho prático. Seguindo esta premissa, neste trabalho os alunos foram instigados a pesquisar conceitos, formular suas hipóteses e testá-las, utilizando a horta como espaço de construção de conhecimento. Pessoa (2001) corrobora que, durante uma atividade prática, o docente pode estimular o aluno a gostar e a entender os conteúdos, fazendo isso através de práticas que partem da realidade do cotidiano destes.

Para que uma atividade seja considerada uma investigação, a ação do aluno não deve ser limitar à observação ou manipulação. Deve haver discussão, reflexão, relatos e explicações (Azevedo, 2004).

As atividades realizadas ao longo do projeto, permitiram a vivência e o contato direto com o meio ambiente, a produção dos canteiros e diferentes cultivares, proporcionando a descoberta das técnicas de plantio, manejo do solo, permitindo aos estudantes experimentarem diferentes técnicas de plantio e manejo compreendendo a ciência como um processo de produção do conhecimento.

Neste sentido, a iniciação científica na horta escolar estimulou o gosto pela pesquisa nos alunos e instigou a formulação de hipóteses, problematização e busca de respostas, passando de uma visão sincrética do conhecimento para uma visão sintética, e retornando a sua prática social com o conhecimento científico contextualizado.

Segundo Schiel e Orlandi (2009) é preciso lembrar que a atividade não se encerra com a realização das investigações: o aluno precisa refletir e ser capaz de relatar o que fez, assim pode tomar consciência de suas ações e propor as causas para os fenômenos observados.

Além disso, a horta escolar é promotora da cooperação a partir do trabalho em grupo, permitindo o relacionamento entre pessoas com diferentes aptidões e gostos, possibilitando novos conhecimentos e valores que passam a contribuir para a tomada de decisões coerentes.

No caso das atividades em equipe é necessário ouvir, analisar, discutir e decidir. Para Barbosa (2009), os indivíduos não nascem com tais capacidades, é o trabalho na escola que as cria e lapida.

Embasadas nestes pressupostos, as discussões sobre a ação humana consciente para com o meio ambiente, a saúde e a qualidade de vida se fizeram presente durante todo o processo. Sempre houve o incentivo para que os alunos usarem esses conhecimentos e práticas nas suas casas e no meio onde vivem. Essa necessidade se justifica porque muitas vezes os jovens não vivenciam experiências que permitam a interação direta com o meio natural, de forma que não compreendem a magnitude destas relações para sobrevivência humana.

Para Rodrigues e Rocada (2008) as atividades da horta contribuem para educação nutricional, dando sentido a várias questões ambientais, como por exemplo, a importância da ingestão de água para sobrevivência dos organismos, o consumo indireto de agrotóxicos etc.

Sabe-se que a formação no âmbito escolar deve envolver a realidade do próprio aluno na construção do aprendizado, valorizando uma compreensão mais ampla sobre os assuntos abordados na educação formal. Neste sentido, a divisão da produção entre os alunos, permitiu desenvolver a autoestima dos envolvidos, pois levaram para casa uma contribuição para a alimentação familiar produzida por eles mesmos. Da mesma forma, as técnicas aprendidas podem ser replicadas no ambiente familiar, produzindo uma cultura de subsistência (Figura 9).

Um estudo de Coelho e Bógus (2016), buscando conhecer as concepções dos educadores que trabalham com hortas escolares, permitiu diagnosticar que o envolvimento e a participação das crianças constroem uma relação significativa com o alimento produzido por elas, o que se torna motivador para o consumo.

Neste sentido, a horta possui um potencial único, de promover a troca de experiências e o contato com situações concretas (vivências). Na visão de Coelho e Bógus (2016) este potencial leva ao aprendizado horizontal, além do estreitamento de vínculos com a natureza, com as pessoas e com a alimentação (Figura 10).

Analisando as contribuições da horta escolar para a educação em saúde, Silva (2011) infere que ao passar grande parte de sua vida na escola, a criança sofre influências desta na constituição de seus hábitos alimentares. Neste caso, aponta que as vivências significativas serão mais importantes na relação com o alimento, do que discursos e conceitos sobre seus nutrientes.

Ribeiro (2009) faz uma análise do trabalho como princípio educativo, resgatando que nas sociedades primitivas, este tinha como característica principal ser solidário e coletivo, de forma que a produção era apropriada por todos. Com a realização das atividades na horta, onde os alunos participaram de todas as etapas desde a implantação dos canteiros até a colheita, resgata-se este sentido, de forma que o trabalho contribui com a construção da humanização dos envolvidos, sendo emancipador.



Figura 9: Participação ativa com divisão dos produtos obtidos

Figura 10: Aprendizagem por observação das mudas e sensibilização para importância da natureza.



Para que a humanização e a emancipação aconteçam, é necessário formar indivíduos conscientes, críticos e éticos. Neste aspecto, Pelicioni (1998) aponta o difícil papel da Educação Ambiental no resgate do respeito à vida, à natureza e na busca de soluções para tornar a sociedade humana mais justa e feliz.





Considerações Finais

A realização desta atividade contribuiu para desmitificar o ensino de Ciências como algo tradicional e essencialmente teórico, além de despertar o espírito coletivo e a importância do trabalho como uma construção participativa. As práticas demonstram a possibilidade de que a realidade seja trabalhada, aprendida e apreendida por todos os participantes.

É necessário que estas ações se intensifiquem nas escolas de ensino básico, pois permitem a aproximação da teoria vista nos livros didáticos com o cotidiano do estudante de forma a contextualizar conceitos e conteúdos. Possibilitam também o desenvolvimento de capacidades para resolução de problemas, trabalho coletivo e qualidade de vida.

A possibilidade de produzir o próprio alimento e compartilhar com colegas e familiares, propiciou a melhoria de hábitos nutricionais. Bem como a socialização das aprendizagens construídas com o círculo familiar, de forma que o conhecimento transpõe a sala de aula e se conecta com a vida.



Referências



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Ilustrações: Silvana Santos