Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/09/2018 (Nº 65) CONSEQUÊNCIAS DO USO PRÉVIO DE AGROTÓXICOS EM SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA: ANÁLISE DA PRODUÇÃO ORGÂNICA VS CULTIVO CONVENCIONAL DE ARROZ IRRIGADO
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CONSEQUÊNCIAS DO USO PRÉVIO DE AGROTÓXICOS EM SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA: ANÁLISE DA PRODUÇÃO ORGÂNICA VS CULTIVO CONVENCIONAL DE ARROZ IRRIGADO

Maria Pilar Serbent(1)*, Lorena Benathard Ballod Tavares(2)

1 Professora Mestre do curso de Engenharia Sanitária, Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Regional de Blumenau – FURB

2 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Regional de Blumenau – FURB.

* Autor para correspondência: mariapilar.serbent@udesc.br

Resumo:

O uso extensivo dos agrotóxicos, embora permitam o controle de organismos patogênicos, insetos e ervas daninhas em sistemas agrícolas, podem também ameaçar a qualidade ambiental. Este trabalho de revisão traz uma reflexão acerca das consequências ambientais decorrentes da utilização em grande escala de agrotóxicos para a produção de alimentos e a importância da conscientização social e da educação ambiental acerca dessa problemática. Atualmente, o aumento da produção de alimentos com maior responsabilidade socioambiental constitui um grande desafio. Apesar do avanço dos sistemas de produção agroecológica como alternativa aos cultivos convencionais, a interrupção no uso de agrotóxicos não representaria uma solução imediata frente à ampla utilização destes compostos nas últimas décadas para a produção de alimentos. Rio Grande do Sul e Santa Catarina são os estados com maior expressividade na produção de arroz no Brasil. Assim, no foco na produção de arroz, é relevante discutir as consequências a longo prazo da produção associada ao uso de agrotóxicos e de que forma a implantação de sistemas de produção agroecológica como alternativa para o cultivo de arroz irrigado convencional poderia terminar com a problemática ambiental causada por esses produtos químicos.



Palavras chave: agroquímicos; responsabilidade socio-ambiental; segurança alimentar. 



Abstract:

The extensive use of pesticides, while being efficient for the control of pathogens, insects and weeds in agricultural systems, may also threaten environmental quality. This review paper presents a reflection about the environmental consequences of the large - scale use of pesticides for food production and the importance of social awareness about this problem. Currently, increasing food production with greater socio-environmental responsibility is a major challenge. Despite the advance of agroecological production systems as an alternative to conventional crops, the interruption in the use of agrotoxics would not represent an immediate solution to the widespread use of these compounds for food production in the last decades. Rio Grande do Sul and Santa Catarina are the states with the greatest expressiveness in rice production in Brazil. With a focus on the production of this food, it is relevant to discuss the long-term consequences of the production associated with the use of pesticides and how the implantation of agroecological production systems as an alternative to conventional irrigated rice could end with the environmental problem caused by these chemicals.

Key words: agrochemicals; socio-environmental responsibility; food safety.



Introdução

Em vistas ao desenvolvimento de uma agricultura sustentável há a necessidade de práticas de manejo do solo que incorporem conhecimentos sobre o transporte e o destino de agroquímicos para enfrentar o desafio de conservação, remediação e qualidade ambiental (Wu et al., 2014). A contaminação do solo, da água e do ar varia em forma e intensidade, com efeitos no equilíbrio dos sistemas biológicos, o que pode acarretar problemas à própria agricultura, agravando o surgimento e proliferação de pragas e doenças e, consequentemente, aumento da necessidade de usar mais pesticidas. Por outro lado, a contínua aplicação de agrotóxicos poderia resultar na bioacumulação nos ecossistemas e na contaminação do solo (Burrows; Edwards, 2002; Seeger et al., 2010; Rodriguez-Rodriguez et al., 2013; Sethi; Gupta, 2013), ameaçando processos conduzidos por microrganismos neste compartimento ambiental e, assim, afetar a sua fertilidade.

Os agroquímicos, também conhecidos por agrotóxicos são produtos ou agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas, e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos (Brasil, 1989; 2002). Estes produtos vêm sendo utilizados na agricultura desde a antiguidade, identificando-se cada vez mais, os efeitos negativos sobre o meio ambiente e a saúde humana. Os riscos para a saúde, resultantes do uso dos agrotóxicos, configuram um enfoque crucial para ser analisado, não só em relação à exposição ocupacional dos trabalhadores rurais, mas também de trabalhadores da indústria de pesticidas e exterminadores de pragas domésticas (Damalas e Eleftherohorinos, 2011). Isto é importante, tendo em vista as limitações de se materializar estudos mais detalhados, principalmente em países em desenvolvimento, cujas formas de persistência são sujeitas à lavoura, requerendo uma atuação conjunta de organizações internacionais que invistam, fortaleçam e promovam pesquisas com ênfase neste tema.

A redução das perdas de rendimento causadas por pragas é atualmente um dos principais desafios para a produção agrícola (Popp et al., 2013), de forma que adaptações nos sistemas de plantio tradicionais teriam que garantir a obtenção de alimentos em nível mundial. Tratando-se de segurança alimentar, não se pode argumentar simplesmente que nos modos atuais (convencionais) de produção, a demanda mundial por alimentos é de fato atendida, o que acontece, entre outros fatores, por desigualdades no acesso e na distribuição da produção em nível global. O aumento da população e do consumo representam demandas, sem precedentes, para a agricultura e para os recursos naturais (Foley et al., 2011). Embora exista certa resistência, argumentada muitas vezes pela crença que é mais barato produzir de modo convencional, demonstra-se que simplesmente pelo fato de prescindir de adubos minerais e/ou de agrotóxicos, faz com que, na agricultura orgânica, como prática de cultivo, se reduzam os custos e/ou acrescentem os lucros (Zanon et al., 2015).

Segundo Foley et al. (2011) as práticas de agricultura orgânica simbolizam uma das estratégias para garantir a produção de alimentos, ao mesmo tempo que, os impactos ambientais da agricultura são reduzidos, aumentando a eficiência dos cultivos e a produtividade da terra. São múltiplas as variáveis que representam diferenças em ambos os modos de produção (Quadro 1).

Quadro 1 – Critérios comparativos das formas convencional e orgânica de produção de alimentos



CRITÉRIOS

AGRICULTURA CONVENCIONAL

AGRICULTURA

ORGÂNICA


Uso de adubos

Químicos

Orgânicos

(composto, esterco, adubo verde)

Controle de pragas e doenças

Agrotóxicos

Formas alternativas

(controle biológico)

Escala de produção

Maior

Menor

Tipo predominante de produção

Monocultura

Produção diversificada

Uso de máquinas e implementos agrícolas

Intensivo

Reduzido

Cobertura do solo

Reduzida

Alta

Dependência externa de insumos e de energia

Elevada

Baixa

(autosustentabilidade)

Cuidados com a saúde do trabalhador rural e do consumidor

Limitados

Grandes

Fonte: os autores

Agricultura e responsabilidade socio-ambiental

O complexo problema de décadas de uso, mal-uso e/ou abuso de agrotóxicos e a problemática da sua persistência no ambiente, representam um desafio a ser enfrentado através do tratamento de efluentes da irrigação de culturas e/ou de solos contaminados. Considerando que a redução na utilização de agrotóxicos não seria imediata, seria fundamental ampliar os conhecimentos acerca dos níveis em que a aplicação destes produtos não represente risco ao ambiente ou aos seres humanos. Muito falta à compreensão detalhada dos processos primários que governam o destino e transporte dos diferentes agrotóxicos e/ou o de seus subprodutos metabólicos no ambiente. Ainda não foram descobertas e/ou descritas todas as vias possíveis de degradação dos compostos utilizados na agricultura. Na maioria dos casos se realizam estudos usando compostos individuais ou misturas de poucos produtos, e pouco se sabe sobre as possibilidades de reação dos metabolitos intermediários, que poderiam, por exemplo, formar outros produtos, até de maior periculosidade, de acordo com as condições ambientais dos diversos locais onde eles estão presentes. Dessa maneira, é de extrema relevância reduzir a entrada de produtos químicos tóxicos no meio ambiente e estudar métodos para sua remoção de locais contaminados (Olaniran e Igbinosa, 2011).

Por outro lado, uma redução gradual no uso dos agroquímicos é viável frente aos modos de produção atuais, em vista aos conhecimentos, tecnologias e alternativas disponíveis, além da existência de políticas internacionais que incitam a este tipo de ação. Para isto, deve existir um consenso entre diferentes setores da cadeia produtiva, acerca da necessidade de redução gradual do uso de agrotóxicos a níveis que sejam efetivamente requeridos de modo a garantir a segurança alimentar. Isto pode ser feito por meio do manejo integrado de pragas (MIP) que objetiva reduzir a dependência de pesticidas, adotando alternativas para o controle, incentivando o uso de agrotóxicos de baixo risco, mantendo os inimigos naturais mantendo o equilíbrio dos agroecossistemas e do ambiente circundante (Bhandari, 2014). Em apenas dois anos após a implementação do MIP foram obtidas reduções de até 80% nas quantidades utilizadas de agrotóxicos para diversas culturas (Ranga Rao et al. 2015). Desta forma, poder-se-ia garantir o desenvolvimento de formas de manejo de pragas em locais altamente vulneráveis por serem endêmicos de doenças, como a malária por exemplo, nos quais o banimento de inseticidas é uma decisão que poderia ser considerada controversa no caso de não existir um planejamento alternativo para o controle de mosquitos. Nessa lógica, a luta contra a malária está cada vez mais ameaçada por falhas no controle de vetores devido ao aumento da resistência aos inseticidas provocada pelo seu uso agrícola indiscriminado (Reid e Mckenzie, 2016).

A utilização de agrotóxicos também promove o desenvolvimento de cepas fúngicas resistentes aos produtos químicos, aumentando a necessidade de maiores concentrações dos mesmos, e ainda assim, não evita o aparecimento de pragas em cultivos de cereais, quando comparada com a agricultura orgânica (Bernhoft et al., 2012).

Tais questões devem ser fortemente avaliadas, pois o Brasil mostra uma enorme produção de alimentos. A atividade agrícola tem grande importância na economia, sendo fundamental para o desenvolvimento do país, que apresenta uma das maiores áreas agricultáveis do planeta. Um desafio para o futuro será aumentar a produção de alimentos, com maior responsabilidade ambiental e sem que haja a necessidade de expansão da fronteira agrícola.

De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA (2006) a agricultura orgânica é um sistema de manejo sustentável, com enfoque sistêmico na preservação ambiental, na agrobiodiversidade, nos ciclos biogeoquímicos e na qualidade de vida humana, satisfazendo as necessidades de cada unidade de produção de forma qualitativa. A agricultura orgânica evita ou proíbe o uso de fertilizantes sintéticos, agrotóxicos, e reguladores de crescimento, baseando-se em diversas práticas culturais e de manejo do solo de forma a conservar o solo, fornecer nutrientes para as plantas e minimizar a incidência e severidade de pragas e doenças. Desta forma, produtos orgânicos de origem vegetal ou animal, apresentam-se livre de resíduos de agrotóxicos, pois estes são substituídos de modo a estabelecer o equilíbrio ecológico do sistema agrícola (Brasil, 2007).

As condições ambientais, e a existência de áreas cultivadas convencionalmente localizadas nas proximidades, também podem influenciar a presença de pesticidas em produtos alimentícios orgânicos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, desenvolveu em 2001 o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxico em Alimentos – PARA, o qual auxilia no monitoramento dos níveis de resíduos de agrotóxicos presentes nos alimentos in natura (Brasil, 2014). Santos et al. (2015) em um estudo sobre resíduos de agrotóxicos em produção orgânica de tomates no Espírito Santo (Brasil) encontraram uma amostra que exibiu a presença de piretróide. Tanto o solo, como a chuva e água subterrânea poderiam transportar todas essas substâncias para culturas que crescem em fazendas orgânicas.

Rizicultura convencional versus orgânica

Os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina são destaques na produção nacional de arroz, e o impacto dos agrotóxicos em áreas de rizicultura é multifacetado. Embora a aplicação destes produtos seja banida, os efeitos no ambiente decorrentes do uso a curto e longo prazo, merece atenção. No caso do arroz, mesmo apesar do fato de se exigir, ao menos no país, que seja produzido unicamente de forma orgânica, outros cultivos continuarão, provavelmente, sendo produzidos com agrotóxicos ou podem existir, por exemplo, resíduos de agrotóxicos no solo (Figura 1).

Há registros de estudos sobre resíduos de agrotóxicos não usados nas lavouras de arroz, no próprio grão ou no solo de arrozais, bem como de agrotóxicos que de fato são usados nesta lavoura (Dors et al., 2011). A explicação para este caso poderia ser devido à presença destes resíduos na água (afluente) que é usada para a irrigação do arroz proveniente de rios que podem trazer resíduos de agrotóxicos usados em outras lavouras (Gamón et al., 2003) ou possuir resíduos de agrotóxicos aplicados no solo em tempos passados, para o cultivo de arroz (Ismail; Siti; Talib, 2012). Assim, a água usada para irrigação, recurso natural fundamental na produção do arroz, pode constituir um meio que esteja contribuindo para o transporte de agrotóxicos no ambiente, importando estes produtos aos terrenos usados na rizicultura, já que durante as várias fases do cultivo não se aplica estes produtos.

Figura 1 – Efeitos do uso de agrotóxicos (utilização prévia ou próxima) em locais com produção agroecológica de arroz

Fonte: os autores

O arroz por ser cultivado, principalmente, na forma inundada, possui certas particularidades em termos de doenças, diferentes às de cultivos em terrenos secos ou com outros tipos de irrigação, razão pela qual os produtos utilizados nem sempre são equivalentes. O uso de agrotóxicos, provoca alterações nas comunidades nativas, já que, frequentemente, conduzem ao desenvolvimento de uma espécie unicamente, e como consequências, à ocorrência de pragas, vetores de doenças humanas, ou na redução da fertilidade dos solos.

Um dos efeitos negativos do uso de agrotóxicos na cultura do arroz é sobre as populações de inimigos naturais, fazendo com que se perca assim o equilíbrio que regula a comunidade do solo. Rodriguez et al. (2013) demonstraram o efeito adverso que os inseticidas têm sobre as populações de aranhas, e a grande preocupação que isto simboliza, uma vez que, esses predadores são um componente importante no controle biológico de populações de pragas de insetos no arroz. Muitos cultivos nos quais precisa-se de uma inundação do terreno enfrentam o desafio de doenças de veiculação hídrica, já que se criam condições favoráveis à propagação de vetores que precisam de ambientes aquáticos em seu ciclo de vida, e uma vez iniciado o uso de agrotóxicos, estabelece-se uma dependência destes produtos para controlar estas populações indesejadas.

Em relação à contaminação do solo, neste compartimento ambiental, o destino de um pesticida é governado pelos processos de retenção, transformação e transporte, assim como pela interação desses processos (Gamón et al., 2003). Por essa razão, devem ser identificadas possíveis fontes externas de contaminação como a pulverização de agrotóxicos em lavouras convencionais de propriedades adjacentes, que podem atingir a área pela deposição destas substâncias no solo, ou alcançar cursos de água que atravessam, posteriormente, os terrenos cultivados, com arroz, por exemplo. Dentre os processos ecossistêmicos afetados pelo uso de agrotóxicos, destaca-se a transformação de nutrientes, incluindo a mineralização do nitrogênio (Burrows e Edwards, 2002) e a diminuição da fertilidade do solo (Sethi e Gupta, 2013). Consequências como alterações e redução da capacidade produtiva de solos por agrotóxicos podem durar anos, e precisar de intervenções para reverter esta situação. A detecção de agrotóxicos em arrozais que não são os recomendados para a rizicultura, estaria demonstrando que esta deriva de regiões próximas, ou persistência no ambiente usado na atualidade para agricultura orgânica, mas que antigamente eram cultivadas convencionalmente.

Mesmo com o aumento da demanda pelos produtos produzidos de forma orgânica, conforme dissemina-se a preocupação com o consumo de alimentos contaminados com resíduos de agrotóxicos, a nível mundial, aproximadamente 1% das terras agrícolas são destinadas para agricultura orgânica (Seufert e Ramankutty, 2017).

A produção nacional de arroz orgânico vem ganhando expressividade, na região litorânea dos estados de São Paulo e Paraná, e também em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Neste último estado, líder do setor, podem ser citadas experiências da produção orgânica certificada de arroz irrigado pré-germinado, com mais de 500 famílias atuando na região metropolitana de Porto Alegre para abastecer o mercado interno e/ou exportação (Zanon et al 2015).

Dentre os principais desafios a serem enfrentados pelos produtores orgânicos, elenca-se a produção de sementes orgânicas. A fase de cultivo, após a semeadura, pode ser orgânica, mas há dificuldades em conseguir sementes orgânicas, ou seja, para a obtenção destas, continuam sendo usados agrotóxicos. Isto, de alguma maneira dificulta o cumprimento integral das exigências feitas na Lei 10.831, de 23 de dezembro de 2003, em relação a que, para um produto ser considerado orgânico, este não deve prescindir de agrotóxicos e fertilizantes químicos em toda a sua cadeia produtiva, não bastando ter essa preocupação apenas na produção da matéria-prima, mas durante todo o processo agroindustrial (Brasil, 2003; 2007). Isto vale da mesma forma para o armazenamento dos grãos, para que todo o processo se mantenha sem o uso destes produtos, já que após a colheita, geralmente, aplicam-se certos produtos tóxicos para evitar o ataque de insetos e patógenos.

O uso inadequado de agrotóxicos também tem sido associado a prejuízos à prática de rotação de culturas em virtude de resíduos de herbicidas que persistem no solo (Damalas e Eleftherohorinos, 2011, Huang et al., 2016). Ao pensar na situação em que nas mesmas terras utilizadas para o cultivo de arroz também se cultivem forrageiras e soja para manter a cobertura do solo, isto é, quando há rotação de culturas, o não uso de agrotóxicos para o cultivo de arroz não garantiria a ausência de resíduos destes produtos nos compartimentos ambientais, como solo ou água subterrânea, decorrentes das lavouras com outras plantas e seus efeitos em termos de degradação do ambiente afetado.

Nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o cultivo de arroz tem ocupado um lugar de destaque nas últimas décadas, apresentando um ritmo de expansão significativo. Tendo em conta que o arroz é um dos cultivos mais representativos do Brasil, a adoção da modalidade orgânica para sua lavoura poderia servir como exemplo para a implementação deste modo de produção em outras culturas. De qualquer maneira, até isso acontecer, se de fato vir a ocorrer no futuro, a presença e a persistência de agrotóxicos e/ou seus derivados deve ser atendida, considerando que ainda não estão totalmente esclarecidos os efeitos a curto e longo prazo dos agrotóxicos no ambiente.

Outra abordagem para refletir este cenário é que, além da utilização de agrotóxicos na lavoura, estes produtos são aplicados continuamente para o controle de ervas consideradas daninhas, insetos, etc., tanto em locais privados como clubes e residências, quanto ambientes de domínio público, como margens de rodovias e/ou ferrovias, gramados, entre outros.

Ademais, certos compostos organoclorados como os clorofenóis, por exemplo, podem ser introduzidos no ambiente como efluentes de numerosos processos industriais, inclusive pela queima de resíduos, sistemas de desinfecção da água e biodegradação de agrotóxicos (Olaniran e Igbinosa, 2011) razão pela qual, embora na agricultura não estejam sendo utilizados, problemas ambientais causados pela presença destas substancias, e/ou seus derivados, não estarão sendo necessariamente evitadas. Devido aos seus efeitos tóxicos, a preocupação com estas substâncias reside na tendência dos clorofenóis a se acumular e provocar, em alguns casos, a contaminação de águas e/ou solos (Olaniran e Igbinosa, 2011). A interpretação das decorrências da bioacumulação de agrotóxicos e/ou seus derivados em solos poderia ser uma tarefa dificultosa, por serem estes ambientes muito heterogêneos, aonde reside a maior diversidade microbiana.

Por outro lado, embora em algum momento a interrupção da produção e uso destes produtos se torne um ditame universal, a persistência de muitos deles, na sua formulação original, ou de subprodutos metabólicos da sua degradação nos compartimentos ambientais deve ser acompanhada, pelos possíveis efeitos residuais. Inclusive teriam que ser concretizados programas de monitoramentos para investigar os mecanismos de transporte destes contaminantes, os efeitos nas comunidades biológicas, e a própria capacidade de autodepuração dos sistemas ambientais ou se há também a necessidade de efetuar processos de descontaminação. Neste sentido, a modelagem matemática é cada vez mais utilizada para estimar o destino ambiental de diversos contaminantes. Simon e Agulto (2013) desenvolveram uma modelagem do destino e transporte de pesticidas em uma área de arroz irrigado incluindo, como dados de entrada, diferentes processos de transformação dos pesticidas aplicados nos arrozais, e acompanhando o balanço de massa dos produtos químicos na coluna de água e nos sedimentos.

A problemática da bioacumulação merece destaque devido, a capacidade de muitos agrotóxicos de se adsorver no tecido adiposo, representando um risco tanto para animais invertebrados quanto vertebrados em sistemas de lavouras de arroz. Segundo Pedroza et al. (2007), a mutagenicidade e bioacumulação associada aos organoclorados, cujo uso está proibido no Brasil há várias décadas, deve-se à sua hidrofobicidade e a capacidade de penetrar membranas celulares. A bioacumulação passa de espécie para espécie dentro dos diferentes níveis tróficos nas cadeias alimentares, podendo gerar efeitos deletérios que serão transmitidos de geração em geração. O fato de haver cessado o uso de agrotóxicos nos cultivos não garante que estes compostos parem de estar presente na cadeia trófica, devido ao longo histórico de aplicação desses produtos. A presença de produtos banidos em águas e sedimentos, também é preocupante. Os sedimentos podem servir como um sumidouro de resíduos de pesticidas, aumentando os riscos de biodisponibilidade e acumulação na cadeia alimentar, através da ressuspensão. Nomen et al. (2012) reportaram a presença de compostos organoclorados banidos na década de 80, ainda presente em sedimentos profundos na Baia de Jiquilisco em El Salvador.

Outro aspecto relevante a ser levantado, é que, uma vez que se começa a desenvolver um sistema de produção agroecológica em um local, após um histórico de agricultura tradicional, deve-se esperar um tempo no qual se considera que ocorra a descontaminação do solo dos resíduos provenientes de cultivos anteriores. O tempo decorrido entre o início do manejo de culturas ou criações, e sua certificação como produtos orgânicos é chamado de período de conversão (Brasil, 2002). Frente a isto, Baker et al. (2002) realizaram um estudo no qual analisaram resíduos de agrotóxicos em alimentos cultivados por meio de distintos sistemas (convencional, produção integrada e orgânico). Os autores verificaram a presença de resíduos nos alimentos cultivados pelos três sistemas, sugerindo que o solo do sistema orgânico de produção ainda apresentava contaminação ambiental, pela presença de produtos persistentes, ou que houve passagem de produtos químicos provenientes de propriedades convencionais próximas.

Conclusão

Uma vez adotado um sistema de produção agroecológica, deve-se esperar um tempo considerável para que ocorra a descontaminação do solo dos resíduos provenientes de cultivos anteriores, muitas vezes realizados de forma convencional. Embora a aplicação de agrotóxicos seja banida em função dos efeitos crônicos e/ou agudos a curto e longo prazo, o cessar das consequências relaciona-se a processos complexos e longos. Se bem a produção de arroz pela agricultura orgânica pode ser vista como uma solução aos problemas à qualidade ambiental causados pelos agrotóxicos, o impacto desses produtos em áreas de rizicultura é multifacetado. Ações locais e globais farão com que a sustentabilidade comece no campo e chegue às mesas dos consumidores. A efetividade das políticas públicas, em todas as esferas, federal, estadual, municipal, e o compromisso em relação à educação ambiental levarão a ações socioambientais responsáveis na produção de alimentos.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico DT-1.

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Ilustrações: Silvana Santos