Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/09/2018 (Nº 65) “A PEDRA, O MAR E O SOL”: ASPECTOS IDENTITÁRIOS DE UMA COMUNIDADE FRENTE ÀS TRANSFORMAÇÕES LOCAIS
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A PEDRA, O MAR E O SOL”: ASPECTOS IDENTITÁRIOS DE UMA COMUNIDADE FRENTE ÀS TRANSFORMAÇÕES LOCAIS



Dayanne Batista Sampaio1, Maria Teresa Rodrigues de Oliveira2,

Hérica Maria Saraiva Melo3, Denis Barros de Carvalho4



1Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Docente vinculada ao Curso de Psicologia da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Parnaíba, PI, Brasil. Endereço para correspondência: UFPI, Curso de Psicologia, Campus de Parnaíba, Av. São Sebastião, nº 2819, Parnaíba, PI, Brasil, CEP 64.202-020. E-mail: dayannebsampaio@hotmail.com.

2Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Parnaíba, PI, Brasil. E-mail: malya_dp2@hotmail.com.

3Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Psicóloga vinculada ao Colégio Técnico de Teresina (CTT/UFPI), Teresina, PI, Brasil. E-mail: hericamelo@ufpi.edu.br.

4Doutor em Psicologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Docente vinculado ao Departamento de Fundamentos da Educação (UFPI), ao Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPI) e ao Mestrado Profissional em Gestão Pública (UFPI), Teresina, PI, Brasil. E-mail: denispsi@bol.com.br.



RESUMO

Esta pesquisa delineou-se a partir de conceitos da Psicologia Ambiental, propondo uma reflexão sobre turismo, comunidade litorânea e aspectos identitários. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com o objetivo de identificar aspectos identitários de uma comunidade frente às transformações locais relacionadas ao turismo. O público alvo correspondente foram os moradores mais antigos da Comunidade Pedra do Sol, localizada em Parnaíba, Piauí, Brasil. As estratégias para a obtenção dos dados foram: entrevista semiestruturada, narrativas individuais e registros fotográficos. A análise dos dados ocorreu por meio da “análise de conteúdo temática”. Os resultados apontaram que as mudanças na comunidade não somente afetam paisagens, mas inserem novos elementos à história e ao desenvolvimento local (transporte, saúde e educação). Entretanto, tais elementos ainda não se efetivam na magnitude da transformação e do desenvolvimento almejado. Foram destacados pelos moradores os aspectos negativos do vislumbre turístico, como o aumento da violência, drogas e prostituição. Os aspectos identitários relacionados ao modo de vida próprio desses moradores/pescadores e de sua comunidade passam a sofrer rupturas diante de inovações e incertezas sobre a realização de suas atividades e as referências de suas narrativas sociais, econômicas e ambientais. Assim, ocorre um atual processo de afetação da identidade local devido às intervenções diretas sobre o modo de vida, a história e o espaço.

Palavras-chave: Turismo. Comunidade Litorânea. Aspectos Identitários.



ABSTRACT

This research outlined itself from the Environmental Psychology concepts proposing a reflection on tourism, coastal community and identity aspects. This is a qualitative study and it aims to identify identity aspects from residents of the community front of local transformation for the tourism. The corresponding target audience were the residents participated of the Community Pedra do Sal, located in the Piauí, Brasil. To the data obtainment, it was used a half structured interview and photographic records. The data analysis was done by “thematic content analysis”. The results pointed that the changes in the community affect not only the landscape. They also insert new elements to the history and local development like transportation, health and education. However, those elements do not actualize themselves in the magnitude of the wished transformation and development. Negative aspects under the tourist glimpse were pointed by the residents like violence, drugs and prostitution. The identity aspects related to their own lifestyle and their community suffer breaks front of innovations and uncertainties about the realization of their activities and their social, economic and environmental narratives. Thus, it happens a current process of affectedness in the local identity due to the direct intervention onto the lifestyle, the history and the space.

Keywords: Tourism. Coastal Community. Identity Aspects.



1 INTRODUÇÃO



A interação do sujeito com seus diferentes ambientes é algo estudado por várias áreas de conhecimento, as quais consideram que cada sujeito pode vivenciar e significar o ambiente em que vive de maneira singular. Assim, também a Psicologia Ambiental (PA) surgiu a fim de reconhecer o quão dinâmica é essa inter-relação. Moser (1998) afirma que a PA estuda a pessoa em todo seu contexto, tomando como tema central as inter-relações entre pessoa e ambiente e não somente as relações. Portanto, uma temática bem importante nessa área de estudo é a questão do espaço e seu aprofundamento enquanto lugar. Essa discussão vem sendo desenvolvida, por exemplo, por meio do conceito de identidade de lugar que, de acordo com Palma-Oliveira (2011), é por ele que os aspectos transacionais, cerne da especificidade da PA, passam necessariamente.

A transformação de espaços em lugares é a busca por identificação dos sujeitos com o ambiente. Um lugar é um espaço vivido de experiências, construído a partir da vida de pessoas e de grupos que habitam, trabalham, produzem nesse espaço, construindo e transformando o lugar e o cotidiano da própria vivência (CALLAI, 2004). A compreensão disso, basicamente, resgata os sentimentos de identidade e pertencimento do sujeito, contribuindo para o entendimento da identidade de lugar como evidência do reconhecer-se.

Nessa perspectiva, a importância desse conceito também está relacionada à identidade pessoal do sujeito, pois este encontra no ambiente a satisfação de necessidades biológicas, psicológicas, sociais e culturais, reforçando, assim, a sensação de pertencimento ao ambiente (KUHNEN et al., 2010). Pinheiro (2014) afirma que um dos aspectos importantes do relacionamento entre homem e seu lugar é a maneira como ocorre o processo de apropriação dos espaços, e que evidentemente se relaciona com a forma como ele percebe o ambiente e constrói significados a respeito.

Naturalmente, também o apego ao lugar torna-se parte desse processo que deve ser considerado na construção de identidade do sujeito e de lugar, uma vez que se destaca como um dos fatores fundamentais para o seu desenvolvimento. Ou seja, a identificação com o ambiente causa a formação de signos que o homem constrói durante toda sua história de vida, dando um grande valor simbólico e promovendo, dessa maneira, seu apego ao lugar (LIMA; BOMFIM, 2009).

Em suma, a identidade de lugar constrói-se em uma complexidade de significados, sentimentos, valores e experiências com o espaço, fazendo com que existam, deste modo, dimensões e características do entorno físico que acabam sendo incorporadas pelo sujeito a partir da interação com o ambiente (GONÇALVES, 2007). Portanto, uma ruptura com o ambiente do qual o sujeito sente-se parte, pode afetar comportamentos, valores, percepções e significados construídos durante toda uma vida. Diante do exposto, notou-se a importância de buscar conhecer a realidade de moradores da comunidade Pedra do Sal, no município de Parnaíba, litoral do Piauí, surgindo possibilidades de compreender como se dão as relações que eles estabelecem com o seu ambiente.

A partir da consideração de que o turismo tem sido uma atividade que envolve transformação espacial e que possibilita experiências de indivíduos e/ou grupos em diferentes espaços e lugares (seja por objetivos de saúde, descanso, lazer ou cultura), estende-se o olhar para o atual processo de transformação espacial, econômica e sociocultural que os moradores da Pedra do Sal enfrentam com o turismo na região, com a instalação de empreendimentos de grande porte, como usinas eólicas e resorts. O termo resort refere-se aos hotéis que oferecem diversos atrativos de lazer e hospedagem em uma mesma área cercada. Podem ser tanto atrativos naturais quanto alternativas diversas de descanso e entretenimento para seus clientes (SILVA; VIEIRA FILHO, 2009).

Para tanto, vale entender que “o turismo é uma amálgama de fenômenos e relações” (BARRETO, 2000, p. 23) e não somente um instrumento hedônico e de emprego e renda, mas um dos elementos de integração dos indivíduos à vida social. Desse modo, o espaço e o conjunto de práticas socioculturais devem ser considerados como elementos de um processo sensível e importante no seu desenvolvimento (CORIOLANO, 2002).

Assim, enquanto política, o turismo deve abarcar os princípios de uma perspectiva sustentável, nas dimensões apontadas por Sachs (1986): social, econômica, ecológica, espacial e cultural. Ressalta-se aí, a importância de um trabalho relacional com as pessoas e com os lugares. De outra forma, o turismo como atividade econômica, social e ambiental torna-se “tão prejudicial quanto as indústrias de transformação mais poluidoras, com um agravante: seus efeitos podem ocorrer num espaço de tempo mais curto” (DIAS, 2003, p. 86).

Essa fragilidade pode surgir das dificuldades encontradas para a estruturação de atividades econômicas. As condições desfavoráveis de infraestrutura, a baixa capacidade técnica e financeira de empreendedores locais e a falta de qualificação da mão de obra são alguns exemplos (BURSZTYN et al., 2004). É possível ainda citar a transformação significativa do espaço (MOLINA, 2011), uma vez que é preciso adequar os recursos naturais de uma localidade para que se tornem atrativos e assim possam ser ofertados e consumidos turisticamente (NASCIMENTO et al., 2013). Além disso, ressaltam-se os efeitos em sua cultura e estilo de vida (CARVALHO, 2015).

Como modelo dessas adequações destaca-se a construção de grandes empreendimentos como resorts, um dos atrativos turísticos que mais cresceu nos últimos anos. Esse tipo de investimento tem feito parte da nova configuração de uma série de localidades litorâneas no Brasil, permitindo discussões sobre seus efeitos benéficos e/ou maléficos na transformação desses locais.

Pode-se citar como exemplo a avaliação positiva que Silva e Vieira Filho (2009) perceberam com a implantação do estabelecimento Águas do Treme Lake Resort no município de Inhaúma/MG. Sua instalação oportunizou aproveitar todas as qualidades que o local oferecia, aumentou o número de empregos, a mão de obra dos próprios moradores, além de preservar a fauna e flora por meio da revitalização da vegetação nativa e dos lagos. Também, o incentivo ao desenvolvimento de um turismo sustentável buscou preservar o ambiente, a cultura, os valores e os demais aspectos tradicionais do local, adotando ações de responsabilidade social.

Por outro lado, a chegada do turismo em comunidades litorâneas do Ceará (CE) mais tradicionais aos seus costumes demonstrou impactos positivos (como o aumento na geração de empregos) e negativos (como perdas de valores culturais, modificando alguns costumes dos sujeitos nativos dessas localidades). Além disso, a especulação imobiliária trouxe consigo conflitos pela posse da terra (VASCONCELOS; CORIOLANO, 2008).

Rodrigues (2010) também discute a relação entre a disputa por terras e a chegada de grandes empreendimentos imobiliários em comunidades de pequeno porte, especificamente, no município de Tatajuba, litoral do Ceará. O autor questiona o crescimento da especulação imobiliária e a execução de projetos de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que a população local continua sem a regularização da posse da terra. Explana ainda as transformações socioculturais a que esses moradores são expostos, já que eles “[...] residem há décadas nessas pequenas vilas, em situação geográfica de difícil acesso, e preservam um modo de vida próprio” (p. 532).

Na praia de Jericoacoara, também no estado do Ceará, ocorre uma manifestação das práticas turísticas de maneira intensa, o que acarreta em uma alteração clara na identidade da comunidade e de seus moradores. Apesar do significativo fortalecimento econômico, começa também a apresentar alguns sinais de danos ambientais e sociais. Jericoacoara é inserida na lógica do mercado, ao mesmo tempo em que é produzida por meio de um discurso ambiental e socialmente “sustentável”. Essa contradição revela uma produção do espaço no sentido da urbanização para o turismo, reduzindo-a a condição de mercadoria (MOLINA, 2011).

Diante do exposto, considera-se necessário estender o olhar sobre como as transformações focadas no desenvolvimento do turismo passaram a ocorrer na comunidade Pedra do Sal/PI, especificamente com a instalação de usinas eólicas e empreendimentos imobiliários de grande porte.



2 MÉTODO



Com enfoque qualitativo, esta pesquisa permitiu a inserção em campo para conhecer a realidade da comunidade Pedra do Sal-Piauí-Brasil e seus moradores mais antigos, preferencialmente, os pescadores. Participaram sete moradores: cinco homens, entre os quais três são pescadores aposentados, dois ainda trabalham com a pesca e duas mulheres de pescadores. A inclusão destas mulheres considerou seu desejo de contribuir com a pesquisa e relatar alguns aspectos que não haviam sido apontados pelos seus cônjuges.

Vale registrar que um dos pescadores não é nativo da comunidade, mas foi incluso por ser atuante como presidente da Associação Comunitária e compartilhar de todas as decisões locais com um senso crítico e participativo. Assim, todos os colaboradores se enquadraram na perspectiva da pesquisa por apresentarem uma forte ligação com a história da comunidade. Para melhor descrição, o perfil dos participantes é apresentado no quadro abaixo.



Quadro 1. Perfil dos participantes da pesquisa.

IDENTIFICAÇÃO DO PARTICIPANTE

IDADE/

SEXO

NÍVEL DE ESCOLARIDADE

PROFISSÃO

TEMPO DE MORADIA NA COMUNIDADE

P1

76 anos

Masculino

Ens. Fundamental Incompleto

Pescador aposentado

74 anos

P2

63 anos

Masculino

Ens. Fundamental Incompleto

Pescador aposentado

63 anos

P3

62 anos

Masculino

Ens. Fundamental Incompleto.

Pescador aposentado

62 anos

P4

43 anos

Masculino

Ens. Fundamental Incompleto

Pescador/ Serviços Gerais

43 anos

P5

49 anos

Masculino

Ens. Médio Completo

Pescador e auxiliar operacional

19 anos

P6

65 anos

Feminino

Ens. Superior Completo

Professora

65 anos

P7

55 anos

Feminino

Ens. Fundamental

Incompleto

Professora

55 anos

Fonte: Pesquisa de campo (2016).

A partir do primeiro contato com os moradores, aqueles que aceitaram participar do estudo tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Em seguida, foram realizadas seis visitas, as quais possibilitaram maior contato com a comunidade. Todas as idas a campo foram registradas em diário a fim de abranger os principais aspectos do cotidiano da comunidade e conhecer os pontos de referência locais.

Para a obtenção dos dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada com perguntas que nortearam as questões que se desejava alcançar, conforme os objetivos da pesquisa. Porém, os participantes tiveram a liberdade de explorar o que desejassem expor (TRIVIÑOS, 1987). Participaram dessas entrevistas sete moradores: cinco homens e duas mulheres. Em complemento, foram realizadas entrevistas narrativas individuais com seis moradores (P1, P2, P3, P4, P5, P6) para aprofundar suas histórias de vida na comunidade.

As entrevistas narrativas apresentaram-se como um importante instrumento, pois a proposta desse tipo de entrevista é gerar narrações e expressar experiências, logo, a intervenção do entrevistador deve ser mínima e, ao mesmo tempo, colaborativa, no sentido de facilitar a comunicação e a espontaneidade (MUYLAERT et al., 2014). Nesta pesquisa, houve a solicitação ao participante de que ele falasse da sua história na comunidade Pedra do Sal.

Durante todas as entrevistas, utilizou-se o gravador de áudio com o devido consentimento de cada um dos participantes. A utilização desse recurso permitiu maior fidelidade e riqueza de detalhes na transcrição e análise dos dados. Também foram realizados registros fotográficos da comunidade a partir do olhar dos moradores sobre a sua realidade e o que delineiam como pontos de referência e história local. Esse material serviu de apoio às informações obtidas nas entrevistas narrativas e semiestruturadas, bem como retrata mais fielmente a imagem da comunidade. Justo e Vasconcelos (2009) afirmam que através da fotografia se consegue capturar lugares que produzem algum tipo de sentido para os sujeitos, tornando-se uma forma de mediação da realidade do homem com seu ambiente.

A partir da gravação das entrevistas e de sua transcrição, a análise dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo temática proposta por Minayo (2010), que busca identificar o que está sendo dito sobre determinado tema, visando seus sentidos e significados no contexto em que é explícito e para além do que é dito. A discussão dos dados será apresentada adiante por meio da descrição das falas identificadas em ES (Entrevista Semiestruturada) e EN (Entrevista Narrativa) dialogadas com os recursos teóricos concernentes à temática. Efetuando-se as leituras e a esquematização do material, apresenta-se a seguir um eixo de análise atendendo ao objetivo de identificar aspectos identitários de moradores da comunidade Pedra do Sal/PI frente à transformação local voltada para o turismo.



3 (TRANS)FORMAÇÕES: INOVAÇÕES ESPACIAIS E INCERTEZAS LOCAIS



A comunidade Pedra do Sal localiza-se no litoral atlântico, mais precisamente na Ilha Grande de Santa Isabel, que tem uma distância de 18 km da cidade de Parnaíba/PI. Encontra-se na Área de Proteção Ambiental (APA) do Delta do Parnaíba e seu acesso é pela rodovia por meio da ponte Simplício Dias sobre o Rio Igaraçu (IBIAPINA et al., 2014). Embora não precisos, os dados acerca desta comunidade apontam para um número de aproximadamente 1.588 moradores (GALENO, 2014). Trata-se de uma comunidade com moradores que têm a pesca artesanal no mar e em lagoas como uma das suas principais fontes de renda, além da venda de frutos locais e alimentos na praia. Hoje, a comunidade enfrenta algumas disputas territoriais com empresas de setores energéticos e turísticos que lá estão se instalando (CIA, 2012).

Enquanto cenário turístico, a Pedra do Sal apresenta um conjunto de características naturais, históricas e culturais privilegiadas que se apresentam aos empreendedores e turistas como grandes possibilidades de investimento. Constitui um cenário composto por paisagens e relatos históricos que vão desde antigas civilizações como os fenícios, que passaram no litoral piauiense, à existência de índios Tremembés, que utilizavam os rochedos e o farol da praia para observação enquanto esperavam as caravelas dos aventureiros (MAVIGNIER, 2005).

Figura 1 – Vista atual do farol da Pedra do Sal.

Fonte: Foto do P4 (2016).



Em meio às memórias de uma natureza pura, os moradores da Pedra do Sal denotam uma conexão ambiental relembrada ao longo de gerações. As pedras, o mar e o sol (LIMA, 2003) formam um encontro perfeito entre elementos da natureza. Essa satisfação por reconhecer-se partícipe do cenário também reluz aos moradores o desejo de estar sempre perto, de renovar os laços e de transmitir a história e a essência aos que sempre irão chegar: “Pra mim o melhor que tem é morar aqui, perto da minha praia, do meu lugar” (ES/P3).



Figura 2. A pedra, o mar e o sol.

Fonte: Foto do autor 2 (2013).



Essa essência do lugar se constitui de um espaço vivido, de experiências, construído a partir da vida de vários sujeitos que habitam, trabalham, constroem e transformam o cotidiano da própria vivência (CALLAI, 2004). A prática direta e diária com o mar e tudo o que ele propicia(ou) à vida dos moradores/pescadores da Pedra do Sal estreita ainda mais esse vínculo, sendo a profissão mais que um simples meio de subsistência, torna-se um elemento primordial na construção da identidade desses sujeitos. A formação e tomada de consciência de sua subjetividade e de sua posição histórica e cultural sofre esse atravessamento (MONTEIRO, 2011). Portanto, a figura do pescador é elemento singular da identidade local.

Os pescadores narram uma relação de amor, respeito, fidelidade, conhecimento e conexão com a natureza, o que se apresenta como aspecto identitário forte e facilitado por habilidades adquiridas na profissão e por necessidades biológicas. Há, desse modo, uma apropriação desenvolvida a partir de um sentimento de identificação com os espaços físicos, sociais, psíquicos e culturais (ARCARO; GONÇALVES, 2012).



Comecei a trabalhar com 8 anos de idade porque meu pai era deficiente visual e um certo tempo foi piorando e o que ele teve de me ensinar foi o trabalho, o trabalho na pesca. [...] desde muito cedo ele começou a me ensinar a pescar e mestrar a embarcação. E nesse continuamento de vida eu aprendi a trabalhar, pescar, e sempre fui respeitado pelos outros amigos como um bom pescador, um dos melhores pescador na região (EN/P3).



Nesse misto de elementos e sentimentos, também se encontram as especificidades do ofício, marcadas pelas dificuldades em seus tempos mais antigos, tanto de ordem de segurança, quanto estrutural: “o benefício da pescada amenizava a penúria da labuta diária” (ANDRADE, 2009, p. 31) e assim seguia a vida no mar: “Muito trabalho naquele tempo, eles tinham que pegar a canoa nas costas mesmo, nos ombros dos homens, com um pau metido no meio e aí eles tiravam lá da areia onde estavam e levavam pro mar” (EN/P6).

Atualmente, as dificuldades encontradas na prática da pesca têm sido vistas como um dos motivos da redução do número de pescadores artesanais. Conforme os moradores de comunidades tradicionais, os filhos e/ou netos de pescadores não querem continuar a atividade dos pais e/ou avós por considerarem uma profissão árdua e difícil (PUTRICK; MARIANI; SILVEIRA, 2014). Isso não vem sendo diferente na comunidade Pedra do Sal em que, apesar da maioria de seus moradores ainda exercerem a profissão de pescadores, há uma diminuição significativa do interesse de jovens e de seus pais os incentivarem. Segundo Araújo, Sassi e Lima (2014), as diversas dificuldades que os pescadores passam no trabalho contribuem para que esses profissionais não queiram estimular seus filhos. Por outro lado, a chegada de novas culturas e costumes também influencia uma mudança de perspectivas, causando efeitos no estilo de vida das comunidades (CARVALHO, 2015).

O desenvolvimento do turismo e o aumento de visibilidade nas comunidades litorâneas e tradicionais podem ser explicados principalmente pelas belezas naturais e atributos que esses lugares possuem e que contribuem para o interesse por certos investimentos. Sabe-se, pois, que a instalação de empreendimentos de grande porte ocorre em locais que disponibilizam atrativos naturais e aspectos ímpares que motivem a procura por esses lugares (SILVA; MELO, 2012).

Entre os empreendimentos que estão se instalando na comunidade Pedra do Sal, encontra-se o Parque Eólico pertencente à empresa Tractebel Energia, que possui experiência em vários países e, no Brasil, atua nos estados do Ceará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O funcionamento da usina se destinou a produzir 18 MW de potência e consiste na instalação de aerogeradores de 800 quilowatts, sobre torres com 75 metros de altura compostas por concreto e aço. As pás possuem 22,8 metros de comprimento e um diâmetro de 48 metros. A comercialização dessa energia fica a cargo da Eletrobrás – Distribuição Piauí (SILVA, 2013).

Para fins de esclarecimento, as usinas eólicas são projetos industriais baseados na renovação dos recursos naturais para a produção de energia elétrica, identificada como não poluente, sem graves consequências sobre o ambiente e são independentes de combustíveis fósseis (GUZZI et al., 2015). A Pedra do Sal chamou atenção desse tipo de empreendimento pelo seu forte potencial para esse tipo de produção de energia.

Durante a implantação da usina, estabeleceram-se alguns conflitos entre investidor e comunidade. Por um lado, porque era preciso que a comunidade conhecesse o projeto. Por outro, os investidores deveriam atender às reivindicações dos moradores/pescadores. De fato, nem tudo pareceu ser considerado e ainda persistem muitas dúvidas desde a inauguração em 2009, a começar pela falta de benefícios significativos aos moradores com relação à distribuição de energia e à redução de custos: “A gente tem usinas gerando energia em nossa comunidade e podemos dizer que temos uma distribuição de energia das piores da cidade, nunca chegamos no grau normal de 220 volts, a gente tá sempre abaixo disso” (ES/P5); “Aqui era pra pelo menos pra comunidade pagar luz baratinho, né!?” (ES/P2).

Outra consideração a respeito da implantação da usina na Pedra do Sal se refere à mudança de paisagem. Os aerogeradores passam a se configurar como parte da paisagem local, podendo ser vistos desde a via que dá acesso à comunidade. Para muitos, essas torres “são tidas como atração turística” (CUNHA; MÉLO; PERINOTTO, 2014, p.105). Para outros, essa mudança retira aquilo que lhe é mais singular: a naturalidade.



Figura 3 – Via de acesso à comunidade Pedra do Sal.

Fonte: Foto do autor 2 (2016).



Além disso, outro aspecto identificado pelos participantes desta pesquisa acerca da usina eólica se refere ao próprio processo de instalação. Algumas consequências ambientais já puderam ser observadas pelos moradores:



Em alguns pontos a geração de energia trouxe alguns benefícios pelo seguinte, porque ao longo da estrada deles, eles usam pra fazer manutenção nos aerogeradores, ficou buracos enormes que vão servir pra reter a água por bastante tempo. [...] Mas por outro lado, a gente tendo a região do laguim, principalmente nessa região que tem esses quatro aerogeradores pra baixo, tinha uma mata enorme de murici pitanga que hoje tá acabando. Aí eu me pergunto: foi o pessoal da energia eólica que derrubaram essa mata, e acabaram com tudo? Eles estão acabando o murici pra fazer queimada e produzir carvão. Então, hoje eles têm isso pra queimar e produzir o carvão, e depois? Não vai ter. [...] Essa Lagoa do Valete que hoje tá aterrada, antes era uma maravilha, você via o fundo da lagoa, a areia branquinha, branquinha. Passava praticamente o ano inteiro cheia (ES/P5).



Outro aspecto ambiental que chama atenção é a preservação da avifauna. Existem alguns contrapontos relacionados à implantação de usinas eólicas e seus impactos ambientais a partir do barulho dos aerogeradores que podem inibir a reprodução de espécies. Assim, os impactos sonoros e também os visuais, destacam-se nessas ponderações (CAMPOS; ARAÚJO, 2000).

Guzzi et al. (2015) em sua pesquisa na usina eólica da Pedra do Sal não observaram colisões de aves com os aerogeradores, mas identificaram muitas espécies migratórias voando paralelamente à linha de implantação da usina, e outras residentes foram observadas utilizando as lagoas intermitentes dentro e próximas ao empreendimento. Para os autores, devem ser realizadas pesquisas mais longas. Os participantes pedem atenção também às tartarugas marinhas, uma espécie peculiar da Pedra do Sal:



Foi na época que a Universidade Federal tavam na luta pelas tartarugas, examinando tudo pra ver se existia tartaruga, se saía na praia. E o que eles (usina eólica) falaram ‘que não, que não saía’. [...] Um dia eu vinha chegando do mar, o rapaz que nadava na companhia do pessoal da Universidade Federal chegou pra mim e perguntou: ‘Seu P3, é verdade que não existe tartaruga nas praias?’ ‘Sai, todos os anos sai e é muito’ [...] com pouco elas começaram a vir, ela mandou e outros vieram, umas três ou quatro viagens que tavam vindo aqui, elas pegaram, pegaram a tartaruga de couro logo de cara. Mas as usinas já estavam começando (ES/P3).



Essa dimensão ambiental é uma preocupação para os moradores de toda a comunidade, no entanto, seus impactos passam a ser reconhecidos mais pelos pescadores, realmente, que avaliam de perto os ciclos da natureza.



Quem for depender da pesca, agora a pessoa não se mantêm mais, se mantêm assim, mas não era como aqueles tempo que catava muito peixe e dava pra se manter, agora a pessoa sai de madrugada, 2 horas, 3 horas da madrugada, passa muito frio e o peixe que chega, o pouco que chega mal dá pra vender e mal dá pra trazer pra comer, pra vender. Não dá mais pra se manter mais na pesca (ES/P4).



Uma das soluções identificadas pelos moradores/pescadores é que os investidores contribuam com a empregabilidade, embora existam alguns elementos que dificultam a inserção em cargos: falta de capacitação para cargos que pedem sujeitos especializados e o receio de perderem benefícios, no caso dos pescadores. Essa fragilidade também pode surgir das condições desfavoráveis de infraestrutura e da baixa capacidade técnica e financeira de empreendedores locais (BURSZTYN et al., 2004): “nós não estamos preparados pra ter algum tipo de emprego lá dentro que não seja a questão terceirizada, ou seja, os subempregos, aquele emprego “pequeno”, que não valoriza a mão de obra local” (ES/P5).



Aqui muitas pessoas já se empregaram nessas firmas, mas algumas, o que ganhou, lucrou e outras não. E às vezes as pessoas dizem assim: ‘Porque não empregam só pessoas da comunidade?’, porque muitas pessoas daqui são documentados como pescadores, eles não querem assinar a carteira pra fazer outra atividade, porque tinha a questão do seguro desemprego (ES/P7).



Observa-se a partir disso, que a dimensão econômica é um elemento extremamente importante para esses moradores. É aí que o reconhecimento do setor público deve ocorrer no sentido de fomentar condições que favoreçam a comunidade local, por exemplo, por meio de incentivos fiscais a empreendedores locais, à infraestrutura e promovendo cursos de capacitação (CRUZ, 2001). Isso possibilitaria o desenvolvimento de um Turismo de Base Comunitária (TBC) como uma alternativa de potencializar os aspectos que a comunidade oferece, com um fortalecimento e preservação da cultura, do ambiente e um estímulo à economia local com a geração de emprego e renda (CUNHA; MÉLO; PERINOTTO, 2014).



[...] porque se a gente já tivesse a orla que sempre nos prometeram, bares que estivessem funcionando com os nossos moradores ou com outras pessoas de fora, mas que fosse voltada na realidade pra comunidade, pro povo de Parnaíba. Na realidade eu acho que para o turismo crescer ele não precisa trazer estrangeiros, ele precisa crescer na sua base, fazendo com que seu povo conheça um pouco da sua história para que depois ele possa oferecer pras pessoas de fora, nós não temos isso na nossa cidade ainda, então a nossa comunidade vai ser impactada desta forma (ES/P5).



Nesse aspecto, o que vem ocorrendo até o momento na comunidade é a pouca utilização da mão de obra local e a instabilidade dos empregos oferecidos pela usina: “Você vê que é emprego temporário para algumas pessoas e aí acabou o serviço, acabou o emprego. As torres ficam montadas, a usina fica funcionando e não serve nada pra nós, só nada pra comunidade” (ES/P3). Em vista disso, observou-se que os participantes que mais são a favor das instalações desses empreendimentos são aqueles que, de alguma forma, conseguiram benefícios de empregabilidade para familiares ou até mesmo para eles próprios.

Mas essa relação entre empreendedores e comunidade vai além da dimensão econômica, ingressa em uma dimensão subjetiva, envolvendo todo o conhecimento conquistado em uma relação do homem com seu ambiente de origem. A partir disso, destaca-se a questão dos resorts que querem se instalar na comunidade e, novamente, retorna-se à dimensão ambiental como uma das maiores incertezas dos participantes, uma vez que os mesmos parecem “alheios” às possibilidades de impacto desse tipo de empreendimento.



Diz que vai fazer um resort pra aculá, o pessoal diz que os esgoto do resort vai escorrer todo no mar, se for assim vai poluir todo o peixe, né! Vai poluir a praia, vai poluir lá todo. Mas eu acho que não né? Acho que não vão fazer isso não, deve fazer um buraco bem grande pra tudo escorrer pra lá né? Se for assim pra poluir o mar, não tá certo não (ES/P2).



A construção do resort fará uso de uma enorme área ainda nativa da região, onde dunas e lagos serão removidos de local (Figura 4). Contudo, essas transformações não são ainda concretas e, talvez por isso, não se apresentam como uma preocupação real e atual desses sujeitos.



Figura 4. Local onde está previsto o resort.

Fonte: Foto do P5 (2016).



A reação ao fenômeno turístico avaliando seus aspectos positivos e negativos é natural e necessária para que os moradores se situem como protagonistas dessas mudanças. Observou-se que há um forte desejo de participação dos moradores junto às decisões da comunidade, mas a organização social se encontra afetada atualmente.

[...] aqui tem várias associações, mas elas não se une, aí um puxa pro lado e a outra puxa pro outro, aí no final de tudo elas não rende nada, nenhuma nem outra faz nada. [...] Aí pronto, o que que acontece? Cadê a união da comunidade? Aí num tem (ES/P6).



Assunção, Bursztyn e Abreu (2010) ao abordarem a proposta de André, Delisle e Revéret (2003) sobre participação social na avaliação de impacto ambiental explicitam que a comunidade deve estar presente desde a fase de planejamento do projeto até o seu pleno funcionamento. Para tanto, segundo os autores, é preciso que em uma primeira etapa, sejam identificados os atores sociais e potenciais, mantendo contato com as pessoas a serem impactadas pelo empreendimento, o respeito à comunidade e às informações dadas por ela, evitando, também, a circulação de informações erradas. Em seguida, devem ser considerados os acordos feitos com o público afetado, outras opções ao projeto e a prioridade em inserir os atores sociais no processo de avaliação e identificação de medidas que atenuem os impactos. Mais especificamente na fase de fiscalização/vigilância, o público deve ser informado e envolvido ativamente na aplicação satisfatória das medidas adotadas.

Nesse sentido, os moradores e pescadores também não se sentem contemplados, nem pelo Poder Público, nem pelos donos dos empreendimentos e ressaltam a desvalorização de seus conhecimentos como nativos da região:



As pessoas que fazem esses estudos, eles conhecem tecnicamente, eles não conhecem naturalmente, eles não conhecem o que acontece ou o que deixa de acontecer com a natureza. [...] mesmo eles concordando que aquela pesquisa que foi feita tem valor que tem que ser levado em conta pelo órgão ambiental, eu ainda acho que falta alguma coisa. Geralmente, as pessoas, aquele que tem mais estudo na área, eu acho o seguinte, por mais que a pessoa tenha um curso universitário, que ele seja formado naquela área ele não domina o conhecimento como uma pessoa que seja nativo do local, que conhece toda e qualquer região daquela comunidade, como a mata, as lagoas que são formadas, onde elas sangram, que tipo de peixe existe, que época do ano aquele peixe tá ali dentro e tal (ES/P5).



Entre essas vantagens e desvantagens de um processo de transformação local, somam-se os conflitos por terra. Pedra do Sal vive hoje o que diversas comunidades litorâneas do Ceará viveram e ainda vivem. Isso porque se “coloca em evidência os interesses divergentes: de um lado, o Poder Público, investidores, turistas, imigrantes e do outro, moradores menos abastados” (LOPES, 2015, p. 73).



Antigamente a gente tinha liberdade [...] deixava sua tapera e ia construir em outro lugar, qualquer pessoa construía sua casinha lá novamente e aí tinha liberdade pra fazer onde queria, [...] hoje a situação tá crítica, você não pode mudar, você não pode mais fazer nada em outro lugar. Por conta de donos de terra, num sei o quê, porque aqui toda a vida conheci que a gente morava em terra de marinha, hoje tem os donos. [...] ninguém sabe o que aconteceu que hoje tem dono (ES/P3).



Tais conflitos socioespaciais dão margem à especulação imobiliária e se encontram com as incertezas sobre as contribuições econômicas dos empreendimentos turísticos. Nesse cenário, as concepções sobre espaço e lugar ganham destaque, uma vez que a circulação pela comunidade, antes próxima e íntima, passa a ser limitada e, em alguns casos, proibida. Assim, é possível considerar que o espaço bem como “a sensação de tempo afeta a sensação de lugar” (TUAN, 1983, p. 206). Muitos moram no mesmo “pedaço de terra” a vida toda, com vínculo passado de pai para filho. A possibilidade de quebrar esse vínculo com o lugar também reflete na sensação de pertencimento a uma história de vida própria e singular.

Pode-se perceber então que as visões acerca do fluxo turístico se divergem bastante, tendo aqueles que veem como algo positivo e outros que abordam seus pontos negativos e/ou até mesmo os que não sabem opinar sobre isso. Esses pontos de vista diferem uns dos outros por fatores como a dimensão ambiental ou a econômica. Ou ainda, consequências sociais derivadas da disputa por terras, do aumento da violência, drogas e prostituição: “Hoje não me sinto tão segura, de jeito nenhum. A gente deixava roupa no varal do lado de fora, agora você pode até deixar, mas você não tem a garantia de que no outro dia vai encontrar” (ES/P7); existem muitas pessoas na comunidade que ninguém sabe nem quem é [...] e a questão dessa realidade nos trouxe a oferta de muita droga, muita prostituição [...] (ES/P5).

O aumento da violência incluindo as drogas e prostituição se relaciona também fortemente com o aumento do fluxo de pessoas que não são da comunidade. Além disso, os moradores reclamam da pouca atenção do poder público em relação à segurança. Esse “esquecimento” da comunidade, segundo Oliveira (2015), já vem sendo apontado por historiadores desde a década de 1970, quando o surto de desenvolvimento brasileiro indicou a praia da Pedra do Sal como um atrativo ao turismo e as discussões sobre melhoria nesse local vislumbravam melhores condições para os turistas e não para os moradores: “A gente pouco vê as ações na nossa comunidade com relação a policiamento, onde a droga é oferecida aí, às vezes existe roubos [...] Acho muita intranquilidade ainda nossa comunidade, a questão saúde e de policiamento né [...]” (ES/P5).

Esse fenômeno não é observado apenas na Pedra do Sal, torna-se algo presente em muitos locais em que se pretende o aumento do turismo. Vieira Filho (2005) expõe que este aumento pode mesmo provocar um crescente individualismo, aumento no uso de drogas, crimes, permissividade e prostituição. Tais problemas sociais afetam diretamente o estilo de vida que muitas comunidades levavam antes dessas mudanças. Por isso, a necessidade de um trabalho por meio do qual o turismo seja pensado como atividade econômica, social e ambiental, considerando as necessidades dos sujeitos e do ambiente (DIAS, 2003).

Por outro lado, o atual processo de transformação que a comunidade vem passando em virtude de seu desenvolvimento turístico, possibilita alguns avanços estruturais: “os colégios, teve uma pequena mudança, no meu tempo de colégio era casinha simples, hoje tem colégio bom, hoje tem creche” (ES/P3). Também o transporte coletivo, ainda que seja precário, é considerado pelos moradores mais antigos como uma mudança expressiva para aqueles que viveram em uma época que tinham que andar a pé ou em animais para vender e/ou comprar suas mercadorias, além de buscar por saúde e educação não disponibilizadas.

Diante de tantas inovações e incertezas que envolvem a pedra, o mar e o sol e suas narrativas sociais, econômicas e ambientais, verifica-se que esses moradores/pescadores se encontram em um processo de afetação de sua identidade de lugar, porque sofrem transformações que impactam diretamente seu modo de vida, sua história e seu espaço. O estilo próprio de vida, com as suas singularidades, que lhes trazem um sentimento de pertença, encontra-se sensivelmente à mercê de uma mudança que receia aos que construíram a história do lugar e, ao mesmo tempo, provoca expectativas aos jovens que lhe darão continuidade.

Esse lugar por ser um espaço vivo, com experiências sempre renovadas permite que sempre se considere o passado e se vislumbre o futuro (CALLAI, 2004). Isso necessariamente resgata os sentimentos de identidade e traduz um sentimento de pertença ao lugar. Permite também desejar que o futuro reconheça essa história, essa cultura e esse povo.



4 CONSIDERAÇÕES FINAIS



O caminho percorrido na construção desta pesquisa, tanto em seu embasamento teórico, como na pesquisa em campo, concluiu o quão é complexa a relação homem-ambiente e a abordagem sobre os aspectos identitários que a permeiam. Os significados criados pelos sujeitos durante sua vida contribuem para a construção de sua subjetividade e esta se torna essencial para compreensão do ser humano em seu espaço e na apropriação deste.

Entrando em contato com a realidade, percebe-se a importância do encontro com os sujeitos para uma melhor aproximação com o seu olhar e os sentidos que eles atribuem à própria vida e ao lugar onde vivem. A respeito dessa conjuntura de transformações espaciais pelas quais passa a comunidade Pedra do Sal, notou-se o entrelaçamento com as histórias de vida dos seus moradores. Isso confirma o fato de que a identidade de lugar é atravessada diretamente pela identidade pessoal e, portanto, esta parece sofrer deslocamentos a partir do momento em que o lugar sofre profundas mudanças.

Tais mudanças já podem ser observadas, principalmente no campo mais concreto, afetando paisagens e, ao mesmo tempo, inserindo novos elementos à história e ao desenvolvimento local (transporte, saúde e educação). Entretanto, ressalta-se que esses elementos apenas anunciam uma perspectiva nova, mas não se efetivam na magnitude da transformação e do acesso a que deveriam se propor.

Em geral, cabe aqui potencializar que o presente estudo pretendeu contribuir não somente para a reflexão sobre a relação homem-ambiente, mas aponta aspectos identitários extremamente importantes para a ponderação sobre turismo e comunidades litorâneas, associando narrativas e sentidos de pertencimento como primordiais na avaliação de impactos ambientais. Portanto, deixa-se aqui o anseio de que pesquisas se voltem a este tema no sentido de aprofundar esta discussão.



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Ilustrações: Silvana Santos