Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 61) A OBSERVAÇÃO DE AVES URBANAS COMO UMA FERRAMENTA DIDÁTICA NO ENSINO DE CIÊNCIAS.
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A OBSERVAÇÃO DE AVES URBANAS COMO UMA FERRAMENTA DIDÁTICA NO ENSINO DE CIÊNCIAS.

                                  

Raphael Paixão Branco Teixeira – raphael.teixeira@cruzeirodosul.edu.br

Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo – SP.

 

Prof.ª Dra. Rita de Cássia Frenedozo – rita.frenedozo@cruzeirodosul.edu.br

Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo – SP.

 

Resumo

 

Temáticas ambientais que envolvam animais são consideradas processos educativos e a observação de aves pode se caracterizar como uma estratégia para a abordagem de temas relacionados ao meio ambiente. O artigo apresenta a observação de aves como uma ferramenta didática para o ensino de ciências com alunos do ensino fundamental II. A atividade foi realizada em três etapas, a aplicação de um questionário diagnóstico, uma saída no entorno do colégio para a atividade prática de observação de aves e uma aula expositiva dialogada. O Ensino de Ciências através da observação de aves demonstrou que a interação dos estudantes com o meio ambiente desperta interesse, possibilitando mais significado ao processo de ensino/aprendizagem, pois a aplicação prática da ciência desenvolve no aluno o sentimento de pertencimento ao ambiente em que está inserido, e agrega valores da aprendizagem à sua vida cotidiana.

 

Palavras-chave: Observação de aves. Ensino de Ciências.

 

Abstract

 

Enviromental themes that involve animals are considered educational processes and bird watching can be characterized as a strategy to approach the themes related to the environment. The article presents the bird watching like a teaching tool to teach science to the elementary school. The activity was made in three stages, the application of a diagnostic questionnaire, a walk around the school to observe the birds as a practical activity and a expository class. The Science Teaching demonstrated through the bird watching that the students interaction with the enviroment arouses interest, making the learning process more meaningful, because The practical application develops in the students the feeling of belonging to the environment in which it is inserted, and adds learning values to their daily life.

 

Keywords: Bird Watching. Science Teaching.    

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A Educação Ambiental é um processo de formação humana que atua como uma ferramenta de inserção e participação do cidadão em projetos com causas ambientais. Tozoni-Reis (2006) a defini como um processo amplo e contínuo, com atividades intencionais da prática social em sua relação interespecífica, assim como a sua relação com a natureza, complexo e de responsabilidade da ação humana.

Temáticas ambientais que envolvam animais são consideradas processos educativos e uma via de sensibilização e conscientização a respeito da importância do conhecimento dos grupos faunísticos, sendo assim, a observação de aves pode ser caracterizada, como uma estratégia para a abordagem de temas relacionados ao meio ambiente.

Calonge-Mendez e Santos-Filho (2013) argumentam que nas últimas décadas, houve um expressivo aumento nas preocupações com o meio ambiente e que as questões ambientais tornaram-se amplamente discutidas pela sociedade, inclusive dentro das escolas. E que isso é evidenciado também, pela crescente inclusão da temática na prática pedagógica das escolas.

Tendo em vista as transformações da natureza pela interferência humana tem-se repensado seu compromisso com o Meio Ambiente, assim, a inserção da Educação Ambiental no ambiente escolar pode ser uma alternativa para mudanças de atitudes de compromisso com o meio ambiente.

Para Sepini (2010) é importante que as situações de aprendizagem suscitem as modificações desejadas no comportamento dos sujeitos. Nesse sentido, a Observação de Aves como uma ferramenta da Educação Ambiental se fortalece como estratégia para a consolidação da função social. Essa situação evidencia a necessidade da adequação das metodologias às competências e habilidades a ser desenvolvido em aula, o que poderá vir a contribuir para uma melhor qualidade do ensino. Para isso, as diferentes modalidades didáticas podem ser utilizadas nas aulas para despertar o interesse científico dos alunos (OLIVEIRA e SOARES, 2012).

Chassot (2002) enfatiza que a alfabetização científica pode ser considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma educação mais comprometida, e que essa deve ser uma preocupação desde as séries iniciais do ensino básico. Para o autor, a alfabetização científica tem como significado ampliado, a capacidade de ler a linguagem em que está escrita a natureza.

Esse artigo apresenta a observação de aves como uma ferramenta didática para o ensino de ciências com alunos do ensino fundamental II em um colégio particular, situado na zona leste de São Paulo. A pesquisa buscou contribuir na formação dos estudantes, a fim de proporcionar uma reflexão sobre a relação das aves com o ambiente e consequentemente para o ser humano, abordando a importância da integridade dos ecossistemas para o equilíbrio ecológico.

 

2.    METODOLOGIA DA PESQUISA

 

A presente pesquisa é de natureza qualitativa e a metodologia para o desenvolvimento desta pesquisa é a pesquisa-ação, seguindo o proposto por Tozoni-Reis (2008) que, considerando a Educação Ambiental como educação, nos leva a identificar como principal tarefa da pesquisa a produção de conhecimentos sobre os processos educativos ambientais.

De acordo com a mesma autora, a metodologia de pesquisa-ação na pesquisa em educação e na pesquisa em educação ambiental é um caminho metodológico rico em possibilidades para superar a tradição empirista da pesquisa científica, as pesquisas em educação ambiental carecem de flexibilidade, de forma a garantir criatividade nessa prática social.

A pesquisa-ação-participativa em educação ambiental tem como princípios teórico-metodológicos a participação, o processo coletivo, a conscientização e, para ser relevante e validada científica e socialmente, refere-se também à articulação radical entre teoria e prática.

Foi realizada a aplicação de um questionário diagnóstico com nove questões abertas e fechadas sobre Observação de aves/Aves Urbanas. O grupo que constituiu essa atividade foi formado por 20 alunos do sétimo ano do Ensino Fundamental II de um colégio particular situado na Zona Leste da Cidade de São Paulo.

Após aplicação do questionário os alunos foram convidados pelo professor a participarem de uma saída no entorno do colégio para uma atividade de observação e identificação de aves urbanas.

A observação de aves foi conduzida como uma aula prática e interativa com levantamento de dados em campo (área urbana no entorno do colégio). Também foi estimulada a observação do ambiente onde essas aves estão inseridas, com o objetivo de propiciar uma troca de experiência entre alunos e professor na coleta de dados e para posterior análise dos resultados, onde os alunos receberam orientações para relacionar a ocorrência das aves registradas com o ambiente em que vivem, objetivando nesse momento final a percepção das modificações do meio natural em um ambiente urbano.

A atividade prática em área urbana visa preencher a lacuna que diz respeito à dificuldade encontrada por muitos professores no ensino de ciências quando se trata de levar os alunos para campo.

Para a conclusão destas atividades foi elaborada uma aula expositiva dialogada com abordagem sobre a Biologia das aves, métodos de amostragem, identificação das espécies e análises ecológicas. A fim de promover um espaço de diálogo através de reflexões sobre o tema proposto e proporcionar aos estudantes uma sensibilização sobre o tema e sua relação com o meio, de modo que os debates levados a efeito acrescentasse outras perspectivas ao aprendizado da sala de aula.

 

3.    RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

3.1 ANÁLISE DOS DADOS DO QUESTIONÁRIO DIAGNÓSTICO.

 

O Brasil está entre os países mais ricos em diversidade de aves, com cerca de 1900 espécies registradas (CBRO, 2015). A cidade de São Paulo está inserida nos domínios da Mata Atlântica que segundo Lima (2013), possui alta biodiversidade, sendo composta por 891 espécies, e uma elevada taxa de endemismo, 213 espécies, encontradas exclusivamente nos remanescentes florestais desse bioma. Argel-de-Oliveira (1996) ressalta que dentre essas espécies, existem muitas, adaptadas à ambientes modificados, próximas dos seres humanos, habitando as áreas verdes e os bairros arborizados. Embora poucas pessoas percebam a existência dessa biodiversidade, o professor pode utilizar a Observação de Aves como uma atividade instrutiva.

A primeira pergunta do questionário para conhecimento prévio chamava a atenção dos alunos para o fato de que “durante séculos, o ser humano tem sido atraído pelas aves e muitas espécies são usadas por diversos povos como alimento, ornamento ou para vestuário, e que, além disso, elas estabelecem um importante papel ecológico no controle de insetos, polinização, etc.” E finalizava indagando aos estudantes se no dia a dia, eles estabeleciam alguma interação com as aves. Para essa primeira questão, 41% dos alunos relataram sentir admiração, 36% disseram não estabelecer nenhuma interação com as aves, 14% dos jovens disseram criar algumas espécimes em casa e somente 9% apresentaram algum interesse pela observação de aves.

Para Mohr e Moser (2011) a observação de aves é uma atividade adequada, como instrumento da Educação Ambiental, principalmente por ter seu objeto principal, as aves, convivendo com os estudantes em locais onde estes interagem, permitindo ao educando um contato mais próximo com elementos da natureza.

A segunda pergunta chamava a atenção dos alunos, com uma abordagem mais provocativa “Você se sente incomodado/a com algum aspecto relacionado às aves?” 40% dos alunos disseram que sim e apontaram a sujeira como o principal incômodo, 33% responderam estar preocupados com a disseminação de doenças, um número menor, 17% estão incomodados com o barulho das aves e 10% não gostam dos ninhos em ambientes domésticos.

Esses dados evidenciam o quanto esses jovens estão presos a discursos do senso comum, repetindo conceitos vinculados às espécies sinantrópicas, consideradas vetores de doenças, como os pombos domésticos (Columba livia), por exemplo. E mais do que isso, evidenciam a ausência de interação do homem com o meio, restringindo a biodiversidade e associando a avifauna a uma questão de saúde pública.

Quando os estudantes foram questionados sobre o fato de que embora poucas pessoas percebam, mas, existem muitas espécies de aves adaptadas a ambientes modificados pela ação humana, habitando, por exemplo, os centros das cidades, e estimulados a responder “Você costuma observar aves pela cidade? Se sim, onde?” A maioria, 26% respondeu em praças, 21% em parques, 20% pelas ruas da cidade, 15% quando vai ao litoral e outros 15% no zoológico, seguidos de somente 3% que disseram observar aves em cemitérios.

Diante das respostas, pode-se perceber que um número alto de aves observadas nesses ambientes não são sinantrópicas, nem tão pouco tem relação com a degradação do patrimônio ou veiculação de doenças, sendo assim, existe uma necessidade urgente da desmistificação da composição da fauna urbana, do conhecimento da biodiversidade através da educação ambiental e da alfabetização científica.

A observação de aves pode ser utilizada para estimular a relação do aluno com temáticas ambientais, e, além disso, atividades extraclasses podem ser um instrumento de aprendizagem interessante e uma ferramenta na construção da alfabetização científica (LIMA e GARCIA, 2011).

A alfabetização científica fundamenta-se na capacidade desenvolvida de se encontrar respostas através de questões derivadas da curiosidade, ou seja, a habilidade de descrever, explicar e prever os fenômenos naturais. Um processo contínuo que pode se iniciar na formação escolar (SCHWARTZMAN & CHRISTOPHE, 2009).

A utilização de práticas pedagógicas que intensificam o aprendizado através do contato direto com o objeto de estudo desperta no aluno, interesse, devido à concretização do que está sendo ensinado nas aulas tradicionais expositivas. Através da observação de aves, por exemplo, torna-se possível a abordagem de diversos conteúdos relacionados à Biologia e Meio Ambiente (FRANCISCO, 2013).

Vale ressaltar que o caráter lúdico, prático, não conteudista, sensorial e experimental da atividade de Observação de Aves oferece múltiplas possibilidades para se trabalhar as atitudes dos alunos a respeito da relação homem-natureza (COSTA, 2007).

Com o intuito de se aproximar mais do conteúdo de ciências, através de uma linguagem mais científica, adaptada aos alunos do sétimo ano, apresentamos as aves como sendo consideradas, por suas características, excelentes bioindicadores, ou seja, um indicativo biológico de uma determinada condição ambiental e estimulamos os alunos a responder se os níveis de poluição observados para a região da grande São Paulo poderia estar afetando as aves, e de que forma.

A análise dos resultados evidenciou que 27% dos alunos acreditam que a poluição esta relacionada com a extinção local de algumas populações, outros 27% na adaptação dessas espécies ao meio antropizado, 24% na substituição de espécies endêmicas por exóticas “entende-se por exóticas, pombos domésticos (Columa livia) e pardais (Passer domesticus), por exemplo”. 17% dos estudantes acreditam que a poluição pode estar relacionada ao estabelecimento de espécies generalistas e 5% não souberam opinar.

Diante do exposto no parágrafo anterior, há evidências de que sem se dar conta os alunos detém conceitos de ecologia, e tem observado as relações ecológicas das aves urbanas, porém não tem conseguido fazer relação entre essas informações, ou nem se quer consigam se dar conta dos conceitos que conseguem estabelecer.

A fim de constatar essa suposição, a quinta pergunta proposta a eles foi totalmente diferente da anterior, porém apresentava as mesmas possibilidades de respostas. Pergunta: “As aves são importantes para o ambiente em que vivem e são sensíveis às modificações do ambiente, respondendo rapidamente a isso, a substituição da cobertura vegetal por edifícios e ruas pavimentadas e a posterior introdução de árvores ornamentais, frutíferas, na maioria das vezes exóticas, nos centros urbanos, pode interferir no modo de vida das aves, se sim, de que forma?”

Entre o total de respostas, 29% relacionaram a transformação da paisagem com a extinção local de algumas populações, 26% Na adaptação dessas espécies ao meio antrópico. Diante dessa pergunta, um número alto, 24% não souberam opinar, 15% acreditam na substituição de espécies endêmicas por exóticas e 6% no estabelecimento de espécies generalistas.

            Ao analisar os dois gráficos, fica evidente que os estudantes associam a poluição e a transformação do ambiente, ou seja, as alterações de ordem antrópica ao desaparecimento de uma parte das espécies e à adaptação de outras. Eles fazem uma associação assertiva a respeito desse assunto, que pode ser melhor trabalhada com uma atividade prática de observação de aves, uma forma de fazer com que a percepção natural dos alunos se transforme em uma observação cientifica.

O interesse pela observação de aves vem crescendo significativamente no Brasil, nos últimos anos. A prática consiste em observar e identificar as aves em seu ambiente natural, portanto, a atividade é contemplativa e saudável, permitindo ainda, que o praticante obtenha informações que desperte interesse preservacionista (MOHR e MOSER, 2011).

De acordo com Calonge-Mendez e Santos-Filho (2013) a Educação Ambiental apresenta-se como uma importante ferramenta transformadora da situação ambiental atual, portanto, de um aspecto extremamente importante da nossa sociedade. Porém, a Educação Ambiental não deve ter uma abordagem nos moldes pedagógicos tradicionais e sim através de conceitos técnicos sobre diversos processos naturais, mas isso deve ser encarado como meio e não como fim.

Para detectarmos o interesse desses alunos na conservação das aves, realizamos uma pergunta mais fechada onde eles só poderiam responder (se eles não tinham interesse, ou se o interesse era pequeno, médio ou grande). Todos os alunos responderam estar interessados, porém somente 25% disseram ter um grande interesse na temática, 15% relataram ter pouco e 60% médio interesse.

Para definir de maneira mais clara o que eles entendem como conservação de aves, tendo em vista que a avifauna representa um excelente subsídio para o Tema “Meio Ambiente”, eles foram questionados sobre qual grupo de aves, na opinião deles, recebe maior atenção de projetos com causas ambientais, como mostra o gráfico 1.

 


Gráfico 1. Pergunta 8: Qual grupo de aves recebe maior atenção nos Projetos Ambientais? Marque quantas opções forem necessárias.

 

Algumas informações merecem destaque nestes resultados evidenciados pelo gráfico. A primeira é o fato de nenhum aluno ter mencionado as aves dos Pampas, mesmo com esse bioma tendo sido trabalhado no conteúdo escolar. Uma possível resposta para isso se dá pela maneira que esse bioma é retratado nos livros didáticos, quase sempre, através de uma vasta área de gramíneas com animais domésticos como gados e cavalos e sem árvores, fazendo relação com áreas de pastagens.

Pode-se perceber pelas respostas que aves estão relacionadas a arvores. Não obstante, as aves da Amazônia, bioma de alto destaque na mídia de veiculação nacional e internacional, segundo os alunos, também recebe destaque nos Projetos Ambientais, seguida da Mata Atlântica, bioma no qual os alunos estão inseridos e acabam recebendo mais informações, quando comparado aos outros, como o Cerrado e a Caatinga, por exemplo, marcados respectivamente pelas queimadas e pela seca.

  Como esperado, segundo os alunos, as aves urbanas recebem pouca atenção de projetos com causas ambientais. Esse resultado corrobora com o fato de não existirem muitas publicações científicas nessa temática, nem tão pouco ser um assunto abordado na mídia ou no conteúdo escolar.

Diante disso, É importante enfatizar que o material só pode ser potencialmente significativo, e não significativo, pois o significado está nas pessoas, não nos materiais. Então é fundamental que o professor conheça os conhecimentos prévios dos estudantes, especificamente relevantes para a aprendizagem de outros conhecimentos (MOREIRA, 2012). 

O papel do professor é então aquele de criar situações compatíveis com o nível de desenvolvimento do aluno, em atividades que possam desafia-los. O conhecimento real e concreto é construído através de experiências e informações advindas da interação com o ambiente (MOREIRA, 1995).

Por fim, a última pergunta do questionário de conhecimentos prévios, pedia para que os alunos listassem todas as espécies de aves conhecidas por eles, como mostra o gráfico 2.

 


Gráfico 2. Pergunta 9: Quais aves você conhece? Liste-as por espécie ou nome popular.

 

Através das espécies listadas pôde-se perceber a influência de muitas aves exóticas popularmente criadas como animais de estimação, entre elas, destacam-se personatas, calopsitas, periquitos e canários. Vale ressaltar que com a resposta dos alunos não foi possível analisar se os periquitos e canários citados por eles são os equivalentes nativos ou exóticos, uma vez que a atividade não trabalhou a questão taxonômica.

Os alunos também listaram espécies, pertencentes à avifauna de outros países, conhecidas através da mídia, zoológicos e livros, como papagaios-do-mar, emús, kiwis, avestruzes, corvos, pinguins, cisnes, cegonhas, tentilhões e pelicanos. As espécies domésticas, popularmente encontradas em ambientes rurais também são muito conhecidas por eles, entre elas, foram destacados, gansos, pavões, marrecos, patos, galinhas e galinhas-d’angola.

Algumas das espécies listadas por eles podem facilmente terem sido vistas em alguma viagem ao interior do Brasil na companhia de alguém que tenha facilidade ou familiaridade com a identificação de aves, ou ainda em zoológicos ou criadores comerciais regulamentados, entre elas, falcões, araras, pássaros-pretos, emas, flamingos, gaivotas, tucanos, águias e seriemas.

Com o foco nas aves urbanas, as espécies que os alunos listaram apresentadas nesse parágrafo, podem ser facilmente encontradas em praças e parques da grande São Paulo, como, garças, pardais, andorinhas, quero-queros, sabiás, bem-te-vis, pica-paus, beija-flores, joão-de-barro, corujas, gaviões, urubus, papagaios e pombos.

Contudo, é importante ressaltar que foram citados acima nomes populares de aves que agrupam, na verdade, dezenas de espécies propriamente ditas, tornando a diversidade de aves conhecida pelos alunos ainda maior.

Nesse sentido, a avifauna, por se tratar de um dos mais bem conhecidos grupo de vertebrados terrestres e pelo fascínio que elas despertam no ser humano, trabalhos como os de Costa (2007); Vieira-da-Rocha e Molin (2010); Sepini (2010); Soares e Oliveira (2011); Calonge-Mendez e Santos-Filho (2013); Oliveira e Soares (2012); Francisco (2013); Santos e Praça (2015); Nogueira et al (2015); Hanzen e Gimenes (2015); evidenciam ganhos no processo de ensino/aprendizagem dos estudantes com a utilização da Observação de Aves no Ensino de Ciências.

E embora, Oliveira e Soares (2012) relatem que diversos estudos tem demonstrado que o Ensino de Ciências, há algum tempo, vem sendo reavaliado em todo o mundo e que as possíveis causas apontam para diversas ordens, como o desencanto dos jovens para estudar as Ciências, entendida como difícil, abstrata e descontextualizada, o resultado apresentado em trabalhos recentes, citados acima, são motivadores e viabilizam a Observação de Aves como uma ferramenta para se Ensinar Ciências, Alfabetizar o aluno Cientificamente, ou seja, torná-lo capaz de “ler” o mundo, no seu sentido mais amplo, e promover a Educação Ambiental.

 

 

3.2 ANÁLISE DA ATIVIDADE PRÁTICA DE OBSERVAÇÃO DE AVES

 

A diversidade de aves existente no ambiente em que o colégio está inserido, mesmo que em uma área urbana, possibilita o despertar de conhecimentos e interpretações de fundamentos científicos, além do interesse pela ciência.

De modo a criar validade científica das espécies registradas, foram utilizados equipamentos como binóculos, câmeras fotográficas e gravadores de som. Os alunos foram estimulados a realizar anotações em uma ficha catalográfica, individual, dos exemplares avistados, com informações relevantes que puderam contribuir para o registro. O uso desses equipamentos e métodos possibilitou a identificação precisa, no menor nível taxonômico possível (espécie).

Durante a atividade prática, os alunos, acompanhados pelo professor, caminharam pelos arredores do colégio parando apenas quando percebiam a presença de alguma ave ou um bando delas. O professor estimulou, sempre que possível, que os alunos recorressem aos guias de identificação disponibilizados (DEVELEY, 2004) para a pronta identificação.

Na tabela 1, apresentada a baixo estão listadas todas as espécies registradas durante a atividade prática com os alunos, de acordo com a lista do CBRO, 2015. A tabela evidencia, além das espécies, aquelas que foram identificadas pelos alunos sem o auxílio do professor (S/A), com o auxílio do professor (C/A) e as que os alunos não conseguiram identificar (N/I) e o professor apresentou a eles.

 

Nome científico

Nome popular

S/A

C/A

N/I

Coragyps atratus (Bechstein, 1793)

Urubu

X

 

 

Rupornis magnirostris (Gmelin, 1788)

gavião-carijó

 

X

 

Columbina talpacoti (Temminck, 1810)

Rolinha

X

 

 

Columba livia Gmelin, 1789

pombo-doméstico

X

 

 

Patagioenas picazuro (Temminck, 1813)

asa-branca

 

X

 

Piaya cayana (Linnaeus, 1766)

alma-de-gato

 

X

 

Crotophaga ani Linnaeus, 1758

anu-preto

X

 

 

Eupetomena macroura (Gmelin, 1788)

beija-flor-tesoura

X

 

 

Amazilia lactea (Lesson, 1832)

beija-flor-de-peito-azul

 

 

X

Brotogeris tirica (Gmelin, 1788)

periquito-verde

 

X

 

Hirundinea ferruginea (Gmelin, 1788)

gibão-de-couro

 

 

X

Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766)

bem-te-vi

X

 

 

Tyrannus melancholicus Vieillot, 1819

Suiriri

 

X

 

Pygochelidon cyanoleuca (Vieillot, 1817)

andorinha-pequena-de-casa

 

X

 

Turdus rufiventris Vieillot, 1818

sabiá-laranjeira

X

 

 

Mimus saturninus (Lichtenstein, 1823)

sabiá-do-campo

 

X

 

Tangara sayaca (Linnaeus, 1766)

sanhaço-cinzento

 

X

 

Coereba flaveola (Linnaeus, 1758)

Cambacica

 

X

 

Euphonia chlorotica (Linnaeus, 1766)

fim-fim

 

 

X

Euphonia pectoralis (Latham, 1801)

ferro-velho

 

 

X

Passer domesticus (Linnaeus, 1758)

Pardal

X

 

 

 

Das 21 espécies visualizadas no dia da atividade prática, 8 foram identificadas pelos estudantes sem auxílio do professor, 9 delas precisaram de ajuda para serem identificadas, com dicas sobre a família à qual pertencem e comportamentos característicos próprios da espécie, e somente 4 delas não foram identificadas pelos alunos.

Uma provável razão para que o fim-fim e o ferro-velho não tenham sido identificadas pelos alunos, seja o fato de elas estarem durante a observação forrageando na copa das árvores, com isso, o rápido movimento que executavam, a altura em que se encontravam e a pouca familiaridade dos estudantes com os binóculos dificultou a visualização dessas aves.

No entanto, a provável razão para a não identificação do beija-flor-de-peito-azul pelos estudantes tenha relação com o tamanho da ave, uma das menos espécies do Brasil, e pela sua agilidade no voo, característica comum aos beija-flores. Já o gibão-de-couro estava no beiral da janela de um prédio e só pode ser identificado pelo professor através do seu voo característico, que é desconhecido pelos alunos.

 

3.3 ANÁLISE DA ATIVIDADE FINAL

 

No terceiro momento da atividade com os alunos, após a aplicação do questionário diagnóstico e a atividade prática de observação de aves, foi realizada uma aula expositiva e dialogada, a fim de ouvir dos alunos as suas concepções sobre a experiência, e entender se eles conseguiram estabelecer alguma relação das atividades com a ciência. Para isso, os alunos estavam de posse de suas anotações, realizadas durante a observação das aves.

Pôde-se perceber, durante o desenvolvimento da atividade que os alunos foram capazes de relacionar a presença de algumas aves a questões ecológicas, como seus hábitos alimentares, por exemplo.

Os beija-flores e a cambacica foram observados enquanto se alimentavam do néctar das flores. Já o casal de bem-te-vi foi avistado bem próximo ao seu ninho, evidenciando a reprodução da espécie no local, levando os alunos à reflexão de que aquele ambiente propiciava todos os recursos necessários para a manutenção dessas aves.

Embora não tenha sido registrado nenhum exemplar de joão-de-barro, foram avistados dois ninhos dessa espécie no local, levando os alunos a refletirem sobre a provável ocorrência dessa ave na região, assim como a possibilidade de os ninhos terem sido predados, ou não estarmos observando as aves durante a época de reprodução da espécie.

Também surgiu uma importante indagação sobre a presença de uma espécie de pombo nativo, a asa-branca e de uma espécie de pombo exótico, o pombo-doméstico, abrindo a possibilidade de discussão e entendimento de que nem todos os pombos são sinantrópicos, ou seja, animais adaptados a viver junto ao homem.

A sequência deste diálogo permitiu a desmistificação da presença do urubu como um mau presságio, ou sinônimo de morte, a identificação dessa espécie foi importante para que os estudantes questionassem o papel do urubu no ambiente, seu serviço de limpeza e sua importância, mas, mais do que isso, se os hábitos humanos favoreciam a presença dessa espécie nos grandes centros urbanos.

Em outras colocações dos alunos foi possível identificar a presença de um sentimento de preocupação com o meio ambiente, a intenção de passar o que foi aprendido a diante, assim como a indignação da relação abusiva que o homem estabelece com as outras espécies e com a natureza no seu sentido mais amplo, desde a poluição do ar até a preocupação com a arborização urbana.

Os alunos também foram capazes de perceber a grande diversidade de espécies de aves nos centros urbanos, e que essas espécies não estão necessariamente relacionadas a doenças e a sujeira, e provavelmente estão ali devido a degradação do seu habitat. Além disso, eles foram estimulados a pensar sobre os outros grupos de animais que também podem estar se adaptando à viver nas grandes cidades, como anfíbios, répteis e mamíferos, por exemplo.

O Ensino de Ciências através da observação de aves demonstrou que a interação dos estudantes com o meio ambiente desperta interesse, possibilitando mais significado ao processo de ensino/aprendizagem, pois a aplicação prática da ciência desenvolve no aluno o sentimento de pertencimento ao ambiente em que está inserido, e agrega valores da aprendizagem à sua vida cotidiana.

Corroborando com a ideia de Costa et al, (2015) para proporcionar a alfabetização científica, o ensino deve oportunizar, além da necessária aprendizagem conceitual e de vocabulário cientifico, a reflexão e discussão da realidade em que eles vivem, a fim de proporcionar um processo de enculturação científica. 

 

 

6- REFERÊNCIAS

 

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Ilustrações: Silvana Santos