Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 61) MICRORGANISMOS DO DOMÍNIO EUKARYA E ENSINO PARA A SUSTENTABILIDADE
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MICRORGANISMOS DO DOMÍNIO EUKARYA E ENSINO PARA A SUSTENTABILIDADE  

Luiz Sodré Neto

Doutor em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCar). Pós-Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFRN. Professor do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFCG. luizsodre@ufcg.edu.br

Daniel Durante Pereira Alves

Doutor em Lógica e Filosofia da Ciência (UNICAMP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFRN. durante10@gmail.com

Magnólia Fernandes Florêncio de Araújo

Doutora em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCar). Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFRN. magffaraujo@gmail.com

 

RESUMO

            Microrganismos eucariotos normalmente são menos lembrados do que os procariotos, mesmo na abordagem de doenças infecciosas, que são mais associadas pelas pessoas às bactérias e aos vírus. Destaca-se também a pouca exploração dos Domínios da vida quando é trabalhada a taxonomia microbiana, o que pode contribuir para um entendimento equivocado da diversidade microbiana e consequentemente das suas funções e reflexos no funcionamento dos ecossistemas. Tais aspectos reforçam a necessidade de contextualização na abordagem de conteúdos específicos para que os conhecimentos aplicados reflitam em atividades voltadas para educação e sustentabilidade ambiental. As transformações ambientais, incluindo relações harmônicas ou desarmônicas entre seres, em ambientes naturais ou artificiais, precisam aparecer como situações norteadoras para o desenvolvimento de aulas que superem as práticas tradicionais favorecedoras do distanciamento entre importância dos microrganismos, inclusive eucarióticos, e o cotidiano das pessoas.

PALAVRAS-CHAVE: Microbiologia, CTS, Sustentabilidade.

O ESTUDO DOS MICRORGANISMOS

            Frequentemente quando se falam em células eucarióticas há uma tendência de associá-las às plantas e aos animais. Este aspecto faz com que os estudantes do Ensino Básico, apesar de possivelmente estudarem outros tipos de eucariotos, lembrem-se das imagens dos organismos macroscópicos, tradicionalmente ilustradas nos livros didáticos de Ciências e Biologia. Por sua vez, as células procarióticas, dos domínios Bacteriae Archaea, são também estudadas, embora ainda haja a ideia de que todas são bactérias e que a maioria delas está relacionada de forma direta ou indireta à causa de infecções em outros seres vivos, especialmente no homem.

            Tratando-se dos eucariotos, parece haver uma dificuldade no entendimento de que os protozoários, as algas e os fungos também fazem parte do domínio Eukaryae consequentemente, tanto estrutural quanto funcionalmente, deveriam ser mais bem trabalhados em sala de aula de maneira que fossem evidenciadas as importâncias de cada um dos grupos além da importância médica presente nas abordagens de algumas doenças causadas por eles.

            Muitas das relações ecológicas importantes envolvendo comunidades microbianas são ignoradas ou estudadas de forma complementar ao estudo daquelas que causam prejuízos à saúde humana. Ressalta-se também a necessidade de se estudar a taxonomia baseada nos Domínios da vida, ainda pouco explorados quando comparados à classificação nos tradicionais Reinos, principalmente quando os seres vivos são estudados no Ensino Básico.

            Nas Ciências e Biologia há vícios de ensino, como a reprodução de aulas que os profissionais em atuação exercem baseados nos que foram seus professores, proporcionados pela falta de planejamento ou pela falta de atualização quantos às questões científicas e didáticas específicas. Tais vícios tendem a perpetuar as modalidades didáticas tradicionais e interferir negativamente na interpretação e na aplicabilidade dos assuntos abordados nas salas de aula, podendo favorecer uma pseudoaprendizagem (SODRÉ-NETO E COSTA, 2016).

            Particularmente no ensino de Microbiologia, um dos ramos da Biologia com atualizações mais frequentes em virtude da sua ampla aplicação em diversas áreas da Ciência e Tecnologia, é observada uma carência de conhecimentos sobre os diferentes tipos de microrganismos, especialmente sobre os eucariotos, já que vírus e bactérias aparecem em destaque nos comentários de boa parte dos professores e estudantes quando o tema é trabalhado. Mesmo sendo também ecológica e economicamente importantes, além de serem relacionados à saúde de outros seres, inclusive do homem, os microrganismos eucarióticos são pouco lembrados ou pouco enfatizados nas aulas de Biologia quando comparados aos procariotos e aos vírus.

            Nesse contexto, o presente trabalho se justifica por alertar docentes e pesquisadores para a necessidade de permanente atualização de conteúdos específicos e da didática da Biologia, como também por destacar algumas funções ambientais de microrganismos eucarióticos para que o ensino do tema seja contextualizado e reflita também na Educação Ambiental, que perpassa os limites da disciplina. Desse modo, espera-se que o ensino tenha uma perspectiva de abordagem Ciência – Tecnologia – Sociedade (CTS), com as variações CTSA (incluindo Ambiente) e sustentabilidade, consideradas por Aguiar-Santos, Vilches e Brito (2016),  e possa contribuir para a formação pessoal de estudantes com atitudes favoráveis à sustentabilidade (BOURSHEID, 2014; CAVALCANTE, COSTA, CHRISPINO, 2014).

No contexto da CTS campo do conhecimento que pode propiciar aos cidadãos ferramentas para se posicionarem de maneira reflexiva e crítica ante a realidade científica e tecnológica que se impõe no dia-dia da sociedade (BATISTA et al., 2017) – a sustentabilidade se apresenta como um desafio frente ao desenvolvimento socioeconômico e à exploração crescente dos recursos. Na tentativa de superar estas barreiras, os conhecimentos sobre as funções ecológicas dos microrganismos, partindo desse tipo de contextualização, poderão refletir no aumento de interesse dos estudantes pelo tema e, consequentemente, no entendimento e na mudança de postura frente aos problemas ambientais cotidianos.

MICRORGANISMOS E DOENÇAS

O fato de chamarem a atenção, por também serem muito veiculados pela mídia geral e pelas conversas informais, faz com que os microrganismos patogênicos (causadores de doenças), sejam procariotos ou eucariotos, tenham destaque e despertem maior interesse para aprendizagem. Isso contribui para reforçar cada vez mais a associação microrganismos – doenças, deixando prejudicado o conhecimento sobre as outras importantes consequências de atividades microbianas em todos os ambientes.

            Considerando apenas os eucariotos, os grupos dos protozoários e fungos muitas vezes são alvo da associação supracitada, comum nas salas de aula do Ensino Básico. Até mesmo as microalgas ganham destaque, também na mídia, apenas quando formam as florações, como a maré vermelha, ou produzem alguma toxina que pode ser prejudicial à saúde de outros seres vivos.

            Vale salientar que a intenção dos autores não é desmerecer ou rebaixar esta relação em detrimento de outras consideradas como mais importantes, mas ressaltar as outras funções para que o conhecimento sobre a ecologia microbiana seja mais abrangente e presente nas aulas ou nas informações veiculadas sobre Microbiologia.   

ATIVIDADES MICROBIANAS TÃO IMPORTANTES QUANTO SUBEXPLORADAS NO ENSINO

Avanços nas tecnologias e metodologias de pesquisas sobre a ecologia de ecossistemas vem proporcionando interpretações mais adequadas das relações estabelecidas entre as populações microbianas que convivem em um mesmo ambiente. E esta melhoria no entendimento sobre os microrganismos, teoricamente acessível aos professores, precisa ser revertida em atitudes favoráveis ao manejo sustentável dos ambientes por parte da população humana responsável pelos problemas de cada localidade.

As comunidades microbianas tendem a evoluir para uma composição estável, com estados de estabilidade alternativos não determinados apenas por fatores ambientais mas também por complexas interações não lineares entre populações (FAUST et al., 2015). A combinação entre os mecanismos de controle de populações aquáticas dos tiposbottom-up(disponibilidade de nutrientes)e top-down(pressão de predação), por exemplo, interfere na qualidade dos ecossistemas aquáticos, apesar de um dos mecanismos, independentemente, poder estabelecer uma força maior de influência dependendo do nível de trofia do ambiente e das condições climáticas de determinado período (PETERSEN et al., 2017).

Atividades microbianas são responsáveis pela maioria das transformações biogeoquímicas do ambiente, mas ainda é pouco conhecido como a diversidade filogenética e funcional afeta os processos bacterianos e consequentemente o ciclo de energia e de nutrientes (LANDA et al., 2016).

Componente importante da comunidade microbiana aquática, principalmente pela produção primária, o fitoplâncton apresenta alta sensibilidade às mínimas flutuações na qualidade da água (FONGE et al., 2015). Apesar de ampla constituição por cianobactérias, as microalgas estão presentes nesse grupo e desempenham importantes papeis, desde a base das teias alimentares aquáticas, até as relações simbióticas ou de controle de outras populações.

Os protozoários, por sua vez, constituem o grupo de maior consumo de bactérias e um componente importante da rede trófica microbiana de ambientes aquáticos (MANSANO et al., 2014). Sua composição, densidade e distribuição refletem os aspectos físicos, químicos e bióticos do ambiente (BAGATINI et al., 2013). Nanoflagelados heterotróficos (NFH), por exemplo, podem ser responsáveis pela diminuição na densidade bacteriana em ambientes aquáticos tropicais por meio do controle do tipo top-down (AMADO E ROLAND, 2017), favorecendo o fluxo de energia nessa região. Entretanto, apesar de exercerem essas funções ecológicas fundamentais e estarem presentes em diversos habitats, aquáticos e terrestres, os protozoários ainda são pouco estudados e discutidos, principalmente na educação básica (ARAÚJO E LOBATO, 2013).

Os fungos constituem outro grupo de eucariotos que desempenham importantes papeis para as teias alimentares e podem ser usados na biotecnologia em prol da qualidade ambiental, além da qualidade de vida das pessoas, por meio do seu uso nas industrias alimentícia e farmaceutica. Estes seres na natureza, como citam Azevedo e Sodré-Neto (2014), participam dos processos de decomposição e de associações hamônicascomos os líquenes.

Em síntese, as transformações ambientais, incluindo relações harmônicas ou desarmônicas entre seres, em ambientes naturais ou artificiais, precisam aparecer como situações norteadoras para o desenvolvimento de aulas de biologia em que sejam entendidos o sentido de se estudar determinado assunto e a importância da contextualização. Isto tende a favorecer a aprendizagem de conteúdos pela superação da forma tradicional comumente trabalhada, que limita os conhecimentos da microbiologia geral e aplicada e contribui para um distanciamento entre importância dos microrganismos, inclusive eucarióticos, e o cotidiano das pessoas.

CONCLUSÃO

O paralelo avanço nos conhecimentos científicos sobre as consequências das atividades microbianas – considerando as atividades e as associações com a manutenção do funcionamento adequado dos ecossistemas – e nas ideias de contextualização e de interdisciplinaridade na geração de situações de aprendizagem facilita o planejamento de estratégias para o ensino, especialmente na grande área das Ciências da Natureza, e precisa ser considerado pelos professores para que a união desses conhecimentos reflita de fato na aprendizagem.

O frequente distanciamento entre os assuntos trabalhados em sala de aula e a vida diária das pessoas prejudica o entendimento da articulação entre conhecimentos e o consequente posicionamento pessoal do estudante como ator social responsável pelo bem-estar social e ambiental no entorno de onde ele vive.

Eventualmente há uma preocupação excessiva, também por parte dos estudantes, em conhecer o pouco da diversidade microbiana envolvido com a geração de doenças infecciosas humanas, deixando em segundo plano os conhecimentos associados às questões ambientais. Nesse aspecto, é importante que permaneça em alerta a premente necessidade de sustentabilidade e que esta sirva como ponto de partida para o estímulo ao estudo da diversidade microbiana em todos os níveis de ensino.

A perspectiva é que se consolide uma prática rotineira do uso de situações que envolvam biotecnologia e/ou problemas ambientais cotidianos, preferencialmente locais, como direcionadora para as abordagens de conteúdos específicos da Microbiologia.

REFERÊNCIAS

AGUIAR -SANTOS, D.; VILCHES, A.; BRITO, L. P. Importância Concedida à CTSA e Sustentabilidade em Revistas de Investigações Científicas Educacionais no Brasil e Espanha. IndagatioDidáctica, 2016, v. 8, n. 1, p. 1809-1820, 2016.

AMADO, A, M.; ROLAND, F. Editorial: Microbial role in thecarboncycle in tropical inlandaquaticecosystems. Frontiers in Microbiology, v. 8, p. 1-3, 2017.

ARAÚJO, M. F. F.; LOBATO, W. S. Percepções sobre Protozoários no Ensino Fundamental: um Diagnóstico em Escolas de uma Região Litorânea do Nordeste Brasileiro/PerceptionsofProtozoa in ElementarySchool: A Diagnostic in Schoolsfrom a CoastalRegionofNortheasternBrazil. Acta Scientiae, v. 15, n. 2, p. 354-362, 2013.

AZEVEDO, T.; SODRÉ-NETO, L. Bacteriologia na Educação Básica: como este tema é abordado nos livros didáticos?. Acta Scientiae, v. 16, n. 3, p. 631-647, 2014.

BAGATINI, I. L.; SPÍNOLA, A. L. G.; PERES, B. D. M.; MANSANO, A. D. S.; RODRIGUES, M. A. A.; BATALHA, M. A. P. L.; SELEGHIM, M. H. R. Protozooplanktonand its relationshipwithenvironmentalconditions in 13 waterbodiesofthe Mogi-Guaçu basin-SP, Brazil. Biota Neotropica, v. 13, n. 4, p. 152-163, 2013.

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SODRÉ-NETO, L.; COSTA, M. V. M. Genética Microbiana na percepção de estudantes do Ensino Médio, Acta Scientiae, v.18, n.2 p. 470-480, 2016.

Ilustrações: Silvana Santos