Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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11/03/2017 (Nº 59) USO DE INDICADORES AGROECOLÓGICOS DE SOLO COMO PROPOSTA DE AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE EM SISTEMA AGRÍCOLA
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USO DE INDICADORES AGROECOLÓGICOS DE SOLO COMO PROPOSTA DE AVALIAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE EM SISTEMA AGRÍCOLA

 

José Alex da Silva CUNHA1; Roseli Farias Melo BARROS2.

 

1, Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Universidade Federal do Piauí-PI (DDMA/PRODEMA/TROPEN), j.alexbio@gmail.com;

2, Departamento de Biologia, Campus Universitário Ministro Petrônio Portela, Centro de Ciências da Natureza - UFPI, rbarros.ufpi@gmail.com.

 

Resumo:

Este trabalho teve por objetivo identificar mediante a utilização de indicadores de fácil entendimento e aplicabilidade, à percepção de agricultores sobre o manejo e a qualidade do solo em sistemas de cultivo.Foram avaliados sistemas de cultivo de melancia sob manejo orgânico e convencional, tendo como referência uma área de vegetação natural. Em cada sistema foram feitas interpretações agroecológicas de solo através de indicadores simples e análises químicas que complementaram as observações. O sistema orgânico exibiu valores agroecológicos superiores à média considerada, destacando-se cor, odor, cobertura de solo e estatos de resíduos, sendo estes atributos os que mais se sobressaíram no sistema orgânico em relação ao convencional. Tais indicativos também foram apontados pelas análises químicas realizadas, uma vez que o sistema orgânico apresentou os maiores teores dos nutrientes do solo em relação aos demais sistemas. A análise de correspondência canônica revelou que os atributos químicos considerados não foram suficientes para explicar as variações entre os atributos agroecológicos realizados.

 

Palavras-chave: Manejo agroecológico, Adubação verde, Estratégias de sustentabilidade.

 

Abstract:

This study aimed to identify through the use of indicators easy to understand and applicability, the perception of farmers on the management and the quality of soil in farming systems. Was evaluated systems watermelon cultivation under organic and conventional management, having as reference an area of natural vegetation. In each system were made interpretations agroecological of soil through simple indicators and chemical analysis that complemented the observations. The organic system exhibited agroecological values higher than average considered, highlighting color, odor, soil cover and waste, those the attributes that most stood out in the organic system compared to conventional. This pattern also was appointed by the chemical analyzes, since the organic system presented the highest levels of soil nutrients in relation to other systems. The canonical correspondence analysis revealed that attributes chemical considered not were enough to explain the variations between agroecological attributes performed.

 

Key words:agroecological management,Green manure, sustainability strategies.

 

 

 

 

 

 

Introdução

 

A agricultura é a causa principal de riscos de extinção da biodiversidade, e análises recentes mostram que esse perigo está realmente ligado com o uso de terras para a agricultura (SCHARLEMANN; BALMFORD; GREEN, 2005). Romero (2011) salienta que os limites da expansão agrícola são óbvios, a área agrícola disponível é visivelmente finita e, por mais espetaculares que tenham sido os ganhos de produtividade do solo, não se pode contar mais com aumentos expressivos.

Conforme salienta Maia, Riedl e Mckinney (2007) o princípio da atividade agrícola não se esgota na simples oferta de produtos ao mercado, mas oferece na mesma medida outros bens à sociedade, inclusive bens considerados imateriais, o que faz da agricultura uma atividade com múltiplas funções. Áreas rurais onde sejam desenvolvidas atividades agrícolas com técnicas e métodos que despertem interesse, como é o caso das agriculturas de base ecológica, e que, consequentemente mantenham a biodiversidade local preservada, podem agregar valor à produção agrícola em virtude dos meios sustentáveis empregados.

Sob a perspectiva técnica, as inovações agroecológicas são experimentadas com o intuito de explorar a complementaridade e o sinergismo entre os recursos bióticos e abióticos localmente disponíveis, minimizando a necessidade de importação de insumos externos, podendo ainda contribuir na redução do desmatamento e uso de água em níveis satisfatórios (UNEP, 2011, p.9).Essa concepção técnico-científica indica o desenvolvimento de métodos de manejo agrícola que favorecem a intensificação dos fluxos energéticos de forma que eles interajam positivamente durante o processo produtivo.

Desta maneira, o tipo de gestão agrícola em um determinado agroecossistema poderá promover alterações em seu ciclo estrutural e biológico e, em consequência, na sua fertilidade e qualidade produtividade (CARNEIRO et al., 2009).  O manejo agroecológico deve estimular os mecanismos de autorregulação que visam manter uma condição estável, proporcionado pela biodiversidade, mediante métodos de produção fundados na diversificação e na integração das atividades produtivas no tempo e no espaço (SILVEIRA; PETERSEN; SABOURIN, 2002, p. 125), já que um dos mais importantes princípios agroecológicos a ser observado para a manutenção da capacidade produtiva e sustentável segundo Altieri (2002), é a conservação da biodiversidade.

Algumas tecnologias consideradas simples, porém eficazes, podem contribuir para a construção e aprimoramento de sistemas de produção conservacionistas, onde devem ser consideradas as peculiaridades ecossistêmicas locais. A utilização de técnicas, dentre estas a adubação verde, favorece a produção sustentável, pois gera autossuficiência em termos de nutrientes do solo (ESPINDOLA; GUERRA; ALMEIDA, 1997). De acordo com Calegariet al. (1993), a utilização da adubação verde modifica o microclima pelo enriquecimento da cobertura, com consequente diminuição da temperatura. Assim, o objetivo deste trabalho foi identificar mediante a utilização de indicadores de fácil entendimento e aplicabilidade, à percepção de agricultores sobre o manejo e a qualidade do solo em sistemas de cultivo, a fim de contribuir para a redução do custo de produção agrícola mediante a dependência de insumos externos.

 

Material e métodos

 

Área de estudo

 

O Perímetro Irrigado Tabuleiros Litorâneos do Piauí (03°05’ S; 41°47’ W) possui uma área de 10.000 ha e está localizado entre os municípios de Parnaíba e Buriti dos Lopes, fazendo parte do Território de Desenvolvimento da Planície Litorânea, segundo a divisão territorial do estado do Piauí (Figura 1), o qual divide este em 11 territórios (CODEVASF, 2006). Este território de desenvolvimento compreende a macrorregião litoral, com uma área de 6.193,7 Km². A infraestrutura do perímetro pertence ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), cuja implantação foi iniciada no ano de 1989, enquanto os serviços de administração, operação e manutenção da infraestrutura de uso comum tiveram seu início em 1998. Apenas 23% dessa área são destinadas à produção agrícola.

 

Figura 1. Localização geográfica da área de amostragens nos tabuleiros litorâneos do Piauí, município de Parnaíba-PI.

 

A região apresenta clima do tipo Tropical Chuvoso (Aw), de acordo com a classificação de Köppen, com precipitação média anual de aproximadamente de 400 mm e umidade relativa girando em torno de 75% (LIMA et al., 2008). De acordo com geologia, os tabuleiros apresentam formações do grupo Barreiras com fisionomias vegetacionais assentadas em depósitos de areias quartzosas com espécies adaptadas a solos arenosos com variados padrões distribucionais de acordo com exposições às influencias marinhas (SANTOS FILHO, 2009).

Nesse perímetro, encontram-se 69 produtores irrigantes, cuja hidrografia consiste na presença do rio Parnaíba que é ligado aos tabuleiros litorâneos através de um canal de aproximação (1.340 m de extensão) de onde a água é bombeada até estações de bombeamento (seis estações) e daí distribuída para todas as fazendas (áreas cultivadas), destes produtores, 41 fazem parte de uma das cooperativas presentes: a dos produtores orgânicos dos tabuleiros litorâneos do Piauí (BIOFRUTA) ou a dos produtores orgânicos (ORGÂNICA).

 

Sistemas de cultivo

 

Melancia Convencional

A área destinada ao plantio convencional (03°01’13,7’’S, 41°46’37,7’’W), apresenta NeossoloQuartzarênico, conforme Sampaio et al. (2008). Inicialmente foi preparada com a distribuição de calcário dolomítico antes da plantação das mudas de melancia, para correção do solo. Posteriormente realizada a gradagem seguido de sulcamento em linhas espaçadas de 2 m com profundidade de aproximadamente 20 cm. Em seguida, foi feito adubação de fundação, constando da aplicação de 200 kg P205,mais adubação de 120 kg de N, e 120 kg de K2O, aplicados em cobertura via fertirrigação. Foi feita ainda, aplicação de Ca e B via foliar no início da floração. A semeadura foi realizada no espaçamento de 0,90 cm entre plantas e 2 m entre linhas. A cultura foi irrigada por gotejamento com uma linha lateral por fileira de planta e gotejadores espaçados a cada 5 m.

 

Melancia Orgânica

O plantio da melancia orgânica (03°05’14,6’’S, 41°47’03,7’’W), Latossolo Amarelo segundo Melo et al.(2004), foi feita a gradagem da áreaseguido do plantio a lanço de coquetel de adubos verdes: feijão-de-porco (Canavaliaensiformis(L.) DC.), mucuna-preta (Mucunaaterrima (Piper Tracy) Holland)crotalária(CrotalariajunceaL.), milheto(Pennisetumglaucum(L.) R. Br.), feijão-caupi (Vignaunguiculata(L.) Walp.), milho (Zeamays L.) e girassol (HelianthusannuusL.), em seguida roçados e acamados sobre o solo na época da floração. Posteriormente, foram abertas covas no espaçamento de 2 m entre linhas 0,90 cm entre plantas, sem revolvimento prévio de solo, e aplicado os tratamentos (compostagem) (esterco de curral + folha leucena (Leucaenaleucocephala (Lam.) de Wit) + palha de carnaúba (Coperniciaprunifera (Mill.) H. E. Moore) triturada + farinha de osso) nas dosagens de três litros e seis litros por cova. O plantio das mudas foi realizado após adubação das covas. Adotou-se sistema de irrigação por gotejamento, constituído de uma linha lateral às fileiras de plantas, composta de gotejadores espaçados em 5 m. A adubação de cobertura foi realizada quinzenalmente, através da aplicação de biofertilizante aeróbico, confeccionado com (esterco + leucena + gramínea) e anaeróbico, confeccionado com (esterco + cinza de madeira + material vegetativo de bananeira (Musa spp).

 

Vegetação Natural

A área de vegetação natural, (03°00’44,2’’S, 41°47’48,3’’W)NeossoloQuartzarênico de acordo com Sampaio et al. (2008), foi utilizada como referencial para as condições naturais de solo. Esta consiste em uma área de mata fechado, com predominância do estrato arbóreo-arbustivo com grande concentração de serapilheira sobre o solo.

 

Coleta de dados

Foram utilizados indicadores simples em campo adaptado de Nicholls et al. (2004), paraverificar rapidamente a qualidade solo. O método foi aplicado nas duas áreas de cultivo de melancia e na área de vegetação natural. Duas pessoas participaram do sistema de avaliação: um produtor convidado e um técnico agrícola. O produtor faz parte do grupo de produtores cooperativados enquanto o técnico agrícola pertence ao quadro de funcionários da Embrapa Meio Norte/Parnaíba. Foram utilizados oito indicadores de solo, (Tabela 1). Os atributos foram avaliadosseparadamenteatribuíndo-se valores entreumedez. O valor um corresponde ao nível indesejável, o cincorepresenta um valor médio e o dez equivale ao nível desejável. Após a atribuição das notas, valores atribuídos por cada avaliador para cada indicador foramgerados. Uma vez atribuídos valores para os indicadores, esses foram somados e divididos pelo número de indicadores analisados. Um valor médio para a qualidade do solo foi gerado e comparado entre os experimentos.

 

Tabela 1. Atributos agroecológicos de solo, registrados nos sistemas de cultivo nos tabuleiros litorâneos do Piauí, município de Parnaíba-PI.

Indicadores do solo

Valor

Características

Estrutura

1

5

10

Soloempoerado, não forma agregadosvisíveis;

Poucosagregadosque serompem comleve pressão;

Muitos agregados, difícildequebrar.

Profundidade do solo

1

5

10

Subsolo raso e exposto;

Soloarável com cerca de 20 cm;

Soloarável com profundidade em cerca de 50 cm;

Estatos de residuos

1

5

10

Decomposição lenta de resíduos;

Resíduos em decomposiçãohá algum tempo;

Resíduosem vários estágios dedecomposição.

Cobertura de solo

1

5

10

Solodescoberto;

Menos de 50% do solocoberto;
Mais de50%do solocoberto.

Cor e odor

1

5

10

Coloração clara e odor desagradável;

Coloração mais escura, sem odor marcante;

Coloração escura, com odor de terra fresca.

Erosão

1

5

10

Grave erosão, presença de sulcos e canais;

Erosão difícil de observa, escoamento não cria sulcos;

Não há sinais visíveis de erosão

Presença de invertebrados

1

5

10

Não há sinaisda presença deinvertebrados;

Apouca presença deinvertebrados;

Abundantepresençadeinvertebrados.

Atividade microbiológica

1

5

10

Pouca efervescência ao peróxido de hidrogênio;

Efervescência média;

Efervescência abundante.

 

Para efeito de comparação, realizou-se uma análise química do soloem cada sistema, sendo coletadas dez subamostras simples na profundidade de 0-20 cm para formar amostras compostas por sistema, sendo estas coletadas no momento das visitas aos cultivos junto com os participantes. O material coletado foi acondicionado em sacos plásticos, identificados e encaminhados ao Laboratório de Solos da Embrapa Meio Norte/UEP-Parnaíba para posterior realização das análises. As amostras foram destorroadas, secas e pesadas para avaliação das características químicas do solo de acordo com Embrapa (1997) (Tabela 2).

 

Tabela 2. Características químicas, na camada de 0–20 cm, registrados nos sistemas de cultivo convencional (Conv.), orgânico (Orga.) natural (Natu.)nos tabuleiros litorâneos do Piauí, município de Parnaíba-PI.

Atributos químicos de solo

Sistemas

MO

pH

P

K

Ca

Mg

Na

Al

H+Al

CTC

V%

 

g/kg

H2O

mg/dm3

................................cmolc/dm3................................

Conv.

5,15

6,61

42,00

0,06

1,61

0,39

0,07

0,02

1,83

3,96

53,77

Orga.

9,76

6,30

66,20

0,18

2,18

0,97

0,20

0,00

1,73

5,26

67,08

Natu.

2,25

5,53

1,80

0,07

0,61

0,38

0,01

0,08

2,28

3,35

31,97

 

 

Análise de dados

Para verificar a relação existente entre os atributos agroecológicos e as variáveis químicas do solo em cada sistema, foi realizada uma Análise de Correlação Canônica (ACC), utilizando o programa PAST versão 2.17 (HAMMER; HARPER; RYAN, 2001). O teste de Monte Carlos com (1.000 permutações) foi utilizado para verificar a significância estatística das correlações entre os atributos agroecológico e as análises químicas do solo.

 

Resultados e discussão

 

As médias dos valores atribuídos aos indicadores de qualidade do solo foram diferentes entre os sistemas manejados, e somente o sistema orgânico exibiu valores superiores à média considerada (5). Alguns atributos como: estrutura, profundidade, atividade microbiológica, foram considerados menos satisfatório em todos os sistemas avaliados. Por outro lado, os mais evidentes entre os sistemas manejados, destacaram-se cor, odor, cobertura de solo e estatos de resíduos, sendo estes atributos os que mais se sobressaíram no sistema orgânico em relação ao convencional(Tabela 3).

 

Tabela 3.Valores dos indicadores e média da qualidade do solo dos três sistemas avaliados (convencional, orgânica e área nativa) nos tabuleiros litorâneos do Piauí, município de Parnaíba-PI.

Indicadores

Convencional

Orgânico

Nativo

Estrutura

3

4

4

Profundidade do solo

3

5

3

Estatos de resíduos

1

6

8

Cor e odor

3

7

5

Corbetura de solo

1

9

10

Erosão

6

8

9

Presença de invertebrados

7

10

7

Atividade microbiológica

1

2

3

Média da qualidade

3,1

6,4

6,1

 

Alguns atributos como, por exemplo, a cobertura de solo exercida no sistema orgânico, mediante a disponibilidade de adubos verdes, pode ser considerada de alto valor para o manejo do sistema, uma vez que este pode contribuir para a manutenção dos estatos de resíduos favorecendo as taxas de matéria orgânica. Tais indicativos podem ser comprovados neste estudo pelas análises químicas realizadas, haja vista que os maiores teores de H e de Al nas condições naturais de solos (Tabela 2) evidencie a maior acidez potencial justificada pela não aplicação de corretivo. Assim, fica evidente a necessidade da calagem feita no sistema convencional de produção. Entretanto o manejo ecológico exercido no sistema orgânico poderia estar contribuindo numa maior taxa de matéria orgânica do solo, o que implica na diminuição dos teores de Al. Para Calegari (2006), entre os principais efeitos das culturas de cobertura sobre a fertilidade do solo, estão o aumento do teor de matéria orgânica e a diminuição dos teores do alumínio.

Em relação às características de cor e odor do solo, mais uma vez se aplica a importância da adubação verde como aporte de matéria orgânicae àaplicação de biofertilizantes. Os nutrientes disponibilizados no sistema orgânico, dentre estes o P pode ser atribuído à concentração de biomassa em diferentes estágios, disponibilizado pelos adubos verdes, uma vez que os solos da região são muito pobres em relação à disponibilidade deste nutriente. A maior concentração de P no sistema orgânico é importante para os solos arenosos, devido aos baixos níveis de P observados neste estudo no sistema natural (Tabela 2). Frazão et al. (2008), ressaltam que neossoloquartzarênico e latossolo amarelo são naturalmente pobres em P.Já no sistema convencional os maiores valores de P em comparação ao natural, seriam decorrentes da aplicação via adubação de fundação. Segundo Iwataet al. (2012), O fósforo se movimenta muito pouco na maioria dos solos, sendo a ausência de revolvimento do solo e manutenção dos resíduos culturais, prática comum no sistema orgânico, fundamentais no seu aumento.

Da mesma forma, o maior teor de K no sistema orgânico pode estar relacionado à prática da aplicação de biofertilizantes, devido à presença de material de bananeira que acumula grande quantidade desse nutriente e a presença de gramíneas que melhora a sua absorção. Já nos sistemas convencional e natural os valores para o K foram praticamente iguais (Tabela 2), mesmo tendo o convencional, recebido aplicação via fundação e fertirrigação. Pacheco et al. (2011) ressaltam a eficácia de ciclagem de K pelas gramíneas e Cavalcante et al. (2007) observaram que o acúmulo de K é atribuída ao não revolvimento do solo, prática exercida no sistema orgânico.

Com relação aos teores de Ca e Mg, os maiores valores também foram encontrados no sistema orgânico seguido do convencional e sistema natural (Tabela 2). De acordo com Frazão et al. (2008), as concentrações de Ca e Mg, em área natural, são uma resposta esperada para este tipo de solo em que a contribuição da vegetação para o suprimento deste nutriente é pequena. Sendo assim, os maiores valores encontrados no sistema orgânico podem ser decorrentes da adubação verde, enquanto que no convencional, o efeito residual de calagem feita antes do plantio das mudas pode ter contribuído para o aumento dos teores desses nutrientes. De acordo com Frazão et al. (2008), o uso do calcário, além de corrigir a acidez, contribui para a diminuição dos teores de Al, já para Falleiro et al. (2003), o aumento dos valores de  Ca  e Mg deve-se ao fato do não revolvimento do solo e à ciclagem dos nutrientes pelas culturas de cobertura, conferindo com os resultados obtidos pelo presente trabalho no sistema orgânico.

Mesmo com todo aporte de insumos aplicados (N, P205, K2O, Ca e B) no sistema convencional, os valores das bases foram muito parecidas com a área de vegetação natural (Tabela 2). Segundo Silveira et al. (2010), as aplicações de ureia, a qual foi usada nesse estudo como fonte de nitrogênio via fertirrigação no sistema convencional, pode contribuir para a acidificação da área, uma vez que de acordo com Blanco, Folegatti, Henriques Neto (2008), fertilizantes amídicos têm a propriedade acidificante do solo. De acordo Barreto e Lima (2006), em ambiente natural o que está disponível no solo é provável que esteja sendo absorvido pela vegetação sem promover maior disponibilização para a solução do solo, o que poderia explicar os baixos valores desses nutrientes encontrados nas condições naturais de solo na região.

Quando relacionado à presença de invertebrados, o manejo do sistema orgânico, mais precisamente a cobertura do solo, pelos adubos verdes, contribuiu no aporte de restos culturais. Esses dados estão de acordo com as citações de Dias et al. (2007), que reforçam que a cobertura do solo por adubos verdes irão constituir a serapilheira, criando um microclima favorável aos invertebrados do solo, assemelhando-se a um ambiente natural de mata. De acordo com Silva et al. (2007), a presença de cobertura vegetal no solo promove a criação de novos habitats favoráveis à colonização por organismos invertebrados, o que pode beneficiar a sustentabilidade ecológica dos sistemas de produção. Essas condições resultam no aparecimento de maior número de nichos ecológicos, favorecendo, portanto, um grande número de grupos funcionais associados (MOÇO et al., 2005).

Alguns estudos ressaltam que em sistemas de culturas com maior produção de biomassa vegetal e acúmulo de resíduos na superfície, possam contribuir com maiores valores para a biomassa microbiana no solo (ISLAM; WEIL, 2000; SOUZA et al. 2006), nesta pesquisa não foi evidenciado tais achados, com o diagnóstico proposto, uma vez que a atividade microbiológica dos sistemas avaliados neste estudo, apresentaram pouca efervescência ao peróxido de hidrogênio (Tabela 3).

Análise de componentes principais (ACC) realizada entre os atributos agroecológicos e as variáveis químicas de solo nos diferentes sistemas estudados, evidenciou apenas dois eixos, representando 95% da variação total (figura 2). O eixo um apresentou autovalor igual à(0,080) de explicação, enquanto o eixo dois(0,015). Apesar dos eixos apresentarem uma totalidade de combinações lineares entre os atributos agroecológicos e químicos de solo entre os sistemas analisados, o teste de permutação de Monte Carlo não revelou importância significativa nas correlações dos eixos 1 e 2  (p = 0,49 e p = 0,34, respectivamente).

 

Figura 2. Análise de Correspondência entre os atributos agroecológicos e químicos de solo nos sistemas de manejo convencional (CON), orgânico (ORG) e área natural (NAT) nos tabuleiros litorâneos do Piauí, município de Parnaíba-PI. Ativi = Atividade Microbiológica; Cber = Cobertura de solo; Cor = Cor e odor; Estat. = Estatato de resíduos; Eros. = Erosão; Estru.= Estrutura; Prese. = presença de invertebrados; Profu. = profundidade do solo.

 

Embora não haja uma correlação significativa entre os eixos, o gráfico aponta uma tendência de aproximação entre a cobertura de solo e os principais nutrientes no sistema orgânico de produção, o que ressalta a importância do tipo de manejo exercido para este sistema. De acordo com Celette, Findeling e Gary (2009), as culturas de cobertura são práticas bem utilizadas para aumentar a fertilidade do solo. Por outro lado, o sistema convencional mostrou afinidade apenas entre a acidez do solo (H+Al) e os atributos de estrutura e erosão. Frazão et al. (2008), ressaltam em seus experimentos que em áreas de cerrado nativo, os baixos teores de bases refletiram no aumento da acidez do solo.

Em outras palavras, o sistema orgânico de produção possibilitou umasérie deinterações bióticas e sinergismos promovidos pela biodiversidade (adubos verdes),que de acordo Locke (2001) contribue para um ambiente mais sustentável.

 

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa concedida junto ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente ao primeiro autor deste trabalho, aos produtores dos tabuleiros litorâneos do Piauí pela participação direta nesta pesquisa e à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Meio-Norte/UEP Parnaíba), pelo apoio logístico.

 

Conclusão

O método agroecológico empregado nesta pesquisa pode contribuir como ferramenta de análise das mudanças que ocorrem no sistema agrícola, decorrente do manejo adotado e, assimpermitir que os produtores realizem o monitoramento da sustentabilidade dos sistemas, e possamtomar decisõesdestinadas a melhoraros atributos avaliados.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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Ilustrações: Silvana Santos