Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Cátia Rosas
A MINHOCA NA AGRICULTURA
As
características fisico-químicas e biológicas de
um solo influenciam grandemente a qualidade final dos produtos alimentares
provenientes da agricultura, pois as culturas agrícolas só poderão produzir em
quantidade e qualidade se, além de condições climatéricas favoráveis, tiverem à
sua disposição durante o período de crescimento, os vários nutrientes e fauna
edáfica (minhocas, insectos,...) nas proporções adequadas, o que implica, em
muitos casos, o recurso a fertilizantes químicos para aumentar a fertilidade do
solo. A
lentidão de formação de húmus natural para restabelecer a fertilidade de um
solo, o elevado custo dos fertilizantes químicos e a
contaminação consequente das águas e solo, têm conduzido
à procura de outros fertilizantes produzidos biologicamente. Uma
das opções de melhoria da qualidade do solo passa pela aplicação, na terra, ou
directamente junto às plantas, do húmus produzido pelas minhocas ou
vermicomposto.
A
importância das minhocas para a fertilização e recuperação dos solos já era
reconhecida pelo filósofo Aristóteles, que definia estes seres como
"arados da terra", graças à sua capacidade de escavar os terrenos
mais duros. Os antigos egípcios atribuíam poderes divinos às minhocas,
protegendo-as por lei. A grande fertilidade do solo do vale do Nilo deve-se não
só à matéria orgânica depositada pelas enchentes do rio Nilo, como também à sua
humificação pelas minhocas que ali proliferam em enormes quantidades. Animal
extremamente útil para a agricultura e que passa quase todo o seu ciclo de vida
debaixo da terra, a minhoca melhora as propriedades fisicas, químicas e
biológicas do solo: perfura-o, formando galerias subterrâneas e descompacta-o. Algumas
das vantagens da utilização do húmus de minhoca como adubo natural incluem:
A
vermicompostagem, isto é, a compostagem realizada quase
exclusivamente por minhocas, surge como opção
simples de reciclar os restos de resíduos alimentares (cascas, gomos,...) e de
obter húmus com excelentes propriedades. Poupam-se recursos, preserva-se o
ambiente, evita-se o uso desmesurado de fertilizantes sintéticos e aproveita-se
para conhecer melhor este ser vivo. Para
além da produção de húmus, as minhocas podem também ser
usadas como isco para a pesca e para produzir farinha,
dado o seu elevado teor de proteínas (78%). Além disso, têm uso na medicina,
pela sua grande capacidade de cicatrização e regeneração dos tecidos e também
na farmacologia, no tratamento de bronquite, asma e hipertensão. O comércio de minhocas como isco vivo tem sido o grande responsável pelo desenvolvimento da minhocultura (criação de minhocas) na maioria dos países criadores. CARACTERIZAÇÃO A
minhoca é um animal invertebrado, aeróbio, pertencente à
classe dos anelídeos, visto possuir um corpo segmentado em partes
iguais; tem respiração cutânea (respira pela pele) e, apesar de hermafrodita
(possui os dois sexos), a minhoca não se auto-fecunda, necessitando de outra
minhoca para se reproduzir. As minhocas, após atingida a maturidade sexual, reproduzem-se durante
grande parte do ano, acasalando-se normalmente à noite durante A
boca da minhoca está situada na extremidade que fica mais perto do clitelo (a
parte mais espessa do corpo) e como não tem dentes (não morde), só se pode
alimentar de material de pequeno tamanho, amolecido pela humidade e pelos
microorganismos. As minhocas são capazes de regenerar a cauda
mas não a cabeça, ou seja, se uma minhoca tiver
sido dividida em duas partes, apenas a parte que contém a cabeça regenera uma
nova cauda. As minhocas são
saprófagas, isto é, alimentam-se de matéria orgânica morta,
especialmente vegetais, que normalmente transportam para dentro das suas
galerias. As minhocas não
possuem olhos, mas os seus fotoreceptores são sensíveis à luminosidade,
particularmente à luz do sol. A epiderme que abriga as células fotoreceptoras
possibilita à minhoca distinguir a luz diurna da nocturna, perceber
pequenas vibrações, seleccionar alimentos e parceiros. Estes saprófagos podem viver 5 anos ou
mais, em condições favoráveis, e quando adultos pesam Agradecimentos: a Sandra Barbosa, Dir. Deptº Meio Ambiente, Brasil, pelos
esclarecimentos prestados VERMICOMPOSTAGEMTal
como vimos em “A minhoca na agricultura”, a vermicompostagem ou compostagem realizada
quase exclusivamente por minhocas, surge como opção
simples de reciclar os resíduos alimentares e de obter húmus com excelentes
propriedades para fertilização do solo, sem recurso a fertilizantes sintéticos,
preservando o ambiente e aproveitando para conhecer melhor este ser vivo. Este tipo de compostagem pode ser feita ao ar
livre, no jardim ou no quintal, mas também no
seu apartamento, caso não exista espaço exterior disponível para a compostagem
tradicional. Este processo é apropriado para a produção de húmus, a partir de
restos vegetais de cozinha, como alface, batata, cenoura, caroços de maçãs e
cascas de fruta. Os frutos preferidos das minhocas são o melão e a melancia. Existem
milhares de espécies de minhocas, mas são poucas as espécies que proliferam em
ambientes de alta concentração orgânica como na vermicompostagem. São
criadas 3 espécies comercialmente: Eisenia Phoetida
(minhoca vermelha da Califórnia), que se reproduz rapidamente, Lumbricus
Rubellus (minhoca dos resíduos orgânicos) e Eudrilus Eugeniase
(minhoca Gigante Africana), sendo as duas primeiras as mais utilizadas pelos
criadores. Se pretende
fazer vermicompostagem deverá cumprir os seguintes passos:
1. Escolha local O
vermicompostor (recipiente para minhocas) deve ser colocado num sítio propício
ao desenvolvimento das minhocas, ou seja, com as seguintes características: -
Grau de humidade da cama
das minhocas (material que providencia um ambiente
húmido e arejado, propício ao desenvolvimento das minhocas, especialmente uma
mistura de papel cortado em tiras finas humedecidas em água) em torno
dos 30% (verificar regularmente) -
Abrigado da luz, frio e calor (por exemplo em sítios frescos e à
sombra): temperatura entre 16 e 22 ºC, podendo suportar até 30 ºC -
Área levemente inclinada
para evitar encharcamentos na época das chuvas (cuidado a ter para compostores
ao ar livre) -
Facilidade de acesso a água potável, energia
eléctrica e matéria orgânica -
Arejado -
Solo com pH entre 5 e 9 -
Longe do barulho de
máquinas 2. Escolha vermicompostor A
escolha do vermicompostor deve ser feita tendo em atenção a sua capacidade, adequada à produção de resíduos
que pretende eliminar; ao espaço disponível; à durabilidade; à garantia e ao
custo. Por exemplo, uma caixa construída em madeira não tratada apodrece em 4
ou 5 anos devido às condições de humidade necessárias
para as caixas de minhocas; já as caixas em plástico durarão muito tempo se
forem mantidas ao abrigo de luz solar. Poderá construir manualmente o seu próprio vermicompostor ou adquiri-lo
comercialmente, existindo diferentes tipos de vermicompostores: Canteiros de alvenaria, os mais usados na
criação de minhocas. Possuem um 1m de largura, Ninho box,
que consiste em caixas suspensas em prateleiras, não necessitando de separar o
húmus, pois as minhocas migram de uma caixa para outra. A área para a
localização das caixas é pequena, há um melhor controle de produção e o combate
aos inimigos é fácil e eficiente. Cada caixa tem Caixas
de madeira, plástico ou vidro,
a opção mais barata e que também ocupa pouco espaço. A caixa poderá ser uma
gaveta velha ou um aquário que já não tenha uso, devendo ter cerca de 60 x Os
vermicompostores devem ter uma grande superfície relativamente à altura, para
melhor arejamento e distribuição de comida. As
minhocas usadas no ninho box ou nas caixas não são as
mesmas que as encontradas nos jardins. Estas últimas, como necessitam de maior
profundidade de solo, são adequadas à compostagem no
exterior. As minhocas domésticas (de jardins) alimentam-se de matéria orgânica e
de terra, pelo que podem ter no seu interior resíduos de fezes e outros
sólidos. A sua importância está directamente ligada ao arejamento do solo para
a agricultura ou para jardins e como alimento de pássaros, galinhas e pequenos
animais. As minhocas vermelhas vivem próximo a
superfície, sendo por isso mais adequadas para as caixas. Para
fazer compostagem doméstica não necessita de um composto. Se tiver um quintal
basta amontoar o material que será compostado, dando-lhe a forma de uma
pilha/pirâmide, com aproximadamente A
compostagem numa pilha acontece com ou sem minhocas, pelo que não precisa
adicioná-las; além disso estas dirigem-se para a pilha
sozinhas, principalmente se adicionar uma camada de café na base da pilha, que
as minhocas gostam muito. 3. Construção do vermicompostor (tipo caixas de madeira, plástico ou vidro) Para
trabalhar com minhocas, sem as ferir, deve escolher
ferramentas sem arestas vivas. Irá precisar dos seguintes utensílios: o
Peneira ou coador, para obter o chá de composto
(ler método balde) o
Luvas de borracha, para
manuseio de minhocas (protecção contra patogéneos)
Nota: quando expostas à luz ou prestes a secar, as
minhocas libertam um líquido amarelo que pode cheirar a alho (não se trata de
urina), para humedecerem o meio. Pulverize as minhocas com água enquanto está a
trabalhar com elas para evitar a libertação do líquido. Material para construção do vermicompostor Caixa de plástico ou madeira, com tampa e
cerca de 60 x Berbequim e broca de 0,5- Terra Luvas Procedimento 1. Forre uma mesa com jornal e calce luvas. 2. Com o berbequim faça vários furos no topo
dos lados da caixa para haver ventilação e no fundo para evitar acumulação de
água. 3. Junte 3
ou 4 chávenas de terra num canto da caixa para introduzir microrganismos benéficos que vão
ajudar à digestão feita pelas minhocas, como bichos da conta, aranhas e
centopeias. Pode alternativamente adicionar
cama de minhocas de outra caixa que já esteja em actividade. Para
evitar o ataque de predadores de minhocas como galinhas, porcos, cães e outros,
coloque telas de arame junto ao vermicompostor. A dimensão dos orifícios deve ser
suficientemente pequena para evitar a entrada de moscas, caso contrário,
coloque uma rede nos orifícios para esse fim. Além disso, pode cobrir o leito
com plástico pois as moscas da fruta podem ser um problema. Substâncias pegajosas, como as que são usadas para evitar que os
insectos trepem pelas árvores de fruta, podem ser espalhados na base da
caixa se as formigas se tornarem um problema. 4. Alimentação de minhocas a) Coloque as minhocas (vermelhas da
Califórnia) por cima da terra (ou da cama) do vermicompostor. No mínimo deverá ter
¾ de litro de minhoca por m2 e no máximo b) Rasgue folhas de jornal em tiras de c) Mergulhe as tiras rapidamente em água para
as humedecer (não é recomendável que fiquem demasiado molhadas) e, em seguida,
amarrote-as sem compactar demasiado. d) Coloque comida junto das minhocas e cubra
com as tiras amarrotadas e folhas secas. As minhocas não gostam de alimentos cozidos
e sal nem de se alimentarem sempre do mesmo alimento. e) Deixe a caixa de minhocas em repouso, sem
adicionar comida durante f) Após as semanas iniciais, adicione comida
à caixa 3 ou 4 vezes por mês: afaste um pouco a cama e espalhe os restos de
comida; cubra novamente com a cama. Adicione tiras de jornal humedecido sempre
que seja necessário manter a comida tapada ou o teor de humidade e evitar
atrair moscas. Feche a caixa com a tampa após cada operação
de adição de minhocas, comida ou tratamento da cama. 5. Recolha do composto Existem vários métodos para
recolher o composto ou para renovar a cama (a renovação deve ser feita Método da migração – arraste o conteúdo do vermicompostor para um dos lados da
caixa. Na parte que fica vazia, coloque uma nova cama e adicione comida só a
esse lado. Ao fim de algum tempo, as minhocas já migraram do composto para o
lado fresco ( Método do balde – despeje todo o conteúdo do vermicompostor num balde e adicione
um pouco de água fria. As minhocas não terão problemas durante 1 ou 2 minutos. De seguida, coe o conteúdo do balde para outro balde. O líquido coado, chá de composto,
pode ser usado para regar as plantas, após diluição numa proporção de 1:10,
substituindo os líquidos sintéticos. O chá de composto pode ser guardado em
garrafas de plástico. As minhocas, a cama e a comida são colocadas de novo no
vermicompostor. Método da luz – faça pilhas do composto e incida uma luz forte por cima durante
alguns minutos; ao sentirem luz, as minhocas movem-se para o interior da pilha,
pelo que a parte mais superficial fica sem minhocas e pode ser retirada. Repita
o processo até só ficar um bolo central de minhocas, que
volta para o vermicompostor, com nova cama. Método de separação manual – espalha-se o conteúdo do vermicompostor em cima de um
plástico/folha de jornal. Colhem-se as minhocas até que a maior parte destas
tenha sido separada do composto e adicionam-se à caixa de minhocas, já com a
nova cama. O composto separado deve estar à
temperatura ambiente quando aplicado em plantas ou incorporado no solo. Uma boa forma de
aplicar o composto no solo é dissolvê-lo em água. A solução deve ser preparada
no momento da aplicação: encha uma garrafa com húmus até 1/3 do seu volume, com
a ajuda do funil. Os outros 2/3 da garrafa devem ser preenchidos com água.
Depois de agitar bem a mistura, o húmus dissolve-se e estará pronto para ser
aplicado na irrigação das plantas. Perda de actividade/fuga das minhocasA
existência de condições desfavoráveis ao desenvolvimento das minhocas, como:
grandes ruídos (exemplo: trovoadas), falta de alimento, superpopulação,
temperatura, pH e humidade da cama inadequados, pode conduzir à fuga das
minhocas do vermicompostor (normalmente realizada à noite) ou a sua perda de
actividade, que pode conduzir à morte. Algumas das soluções para estas perdas
de actividade ou fugas podem ser consultadas na tabela 1. Tabela 1 – Problemas, causas e soluções na vermicompostagem
Agradecimentos: a Sandra Barbosa, Dir. Deptº Meio Ambiente, Brasil, pelos esclarecimentos prestados
Cátia Rosas
CONFAGRI
Confederação Nacional das Cooperativas
Agrícolas
e do Crédito Agrícola de Portugal, CCRL
R. Maria Andrade, 13, 1199-013 Lisboa
Tel. 21 811 8000
Fax. 21 811 8007
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