Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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03/06/2016 (Nº 56) CADÊ AS ABELHAS QUE ESTAVAM AQUI?
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DIFERENÇAS ENTRE POLINIZAÇÃO ARTIFICIAL E NATURAL NOS MORANGUEIROS

CADÊ AS ABELHAS QUE ESTAVAM AQUI?

Produção de morangos e polinização antrópica

 

Luciane Kubaszewski¹

Luciana Fofonka²

 

RESUMO

 

O presente estudo descreve o desenvolvimento de um plantio caseiro de morangos orgânicos, desde a preparação do solo, aquisição das mudas e como evitar pragas e doenças, até a polinização da flor e colheita do fruto. Aponta também a escassez das abelhas como agentes polinizadores naturais. Utilizou-se como metodologia pesquisas bibliográficas e entrevista a um produtor de morangos, além de observações contínuas à um cultivo de morangos composto por dez pés minuciosamente estudados durante sua fase de floração e frutificação. Esta pesquisa mostra uma alternativa de polinização artificial antrópica indicada para cultivos caseiros.

 

Palavras chave: Morangos. Polinização. Abelhas. Agrotóxicos.

 

 

1 INTRUDUÇÃO

 

 O consumo de um alimento saudável permanece foco de discussões em todo mundo e uma das alternativas é consumo de orgânicos, que está em plena ascensão, apesar da cultura tradicional ainda se torna mais barata ao produtor e, como conseqüência, ao consumidor. Como solução, uma prática tem sido largamente explorada, que pode ser chamada de uma gaveta do urbanismo sustentável, o cultivo de pequenas hortas dentro de grandes cidades, destinadas ao consumo familiar.

O objetivo de consumir um fruto saudável leva moradores de centros urbanos aventurarem-se em seus cultivos, porém alguns detalhes devem ser levados em conta para que os resultados sejam positivos, como a comumente distância destas hortas a matas nativas aliada à diminuição de abelhas no mundo provocam uma polinização ineficiente nas flores que precisam da entomofilia, mais especificamente das abelhas, para germinarem.

  Nesse contexto surgiu o interesse de observar na prática dez (10) pés de morangos, desde o plantio até a colheita, com o auxílio de bibliografias como a Coleção Plantar, fornecida pela EMBRAPA (1993) e a obra intitulada Biologia da Polinização

_______________________

 ¹ Especialista em Gestão e Educação Ambiental IERGS. E-mail: lucianekuba@hotmail.com

 ²Profª Drª Orientadora IERGS/UNIASSELVI. E-mail: lufofonka_uab@yahoo.com.br

 

(RECH, 2014). Através deste suporte foi possível acompanhar a evolução dos morangueiros e corrigir determinados problemas que serão apresentados na sequência do estudo.

 

2 O MORANGUEIRO

 

Da família das Rosáceas, o morangueiro é uma planta herbácea, rasteira e perene, originária das Américas e da Europa e amplamente cultivada no Brasil, desde Minas Gerais até o Rio Grande do Sul.  O morango comumente chamado de fruto é na verdade a junção de vários aquênios, que se agregam para formar o repectáculo, toda a parte comestível deste pseudofruto. Esta Angiosperma se apresenta adaptada em diferentes tipos de solo e clima, apesar de obterem um melhor desenvolvimento em regiões de clima tropical.

O gênero possui espécies diferenciadas, adaptadas ao clima e à destinação final, porém o aspecto geral é similar, sendo as folhas verdes ou esverdeadas, umas mais outras menos brilhantes, constituídas por três folíolos (trifoliadas) e com margem dentada. O crescimento da folha é diretamente proporcional ao clima, tornando-se mais acentuado no verão e primavera, o período de crescimento ativo gira em torno de oito a doze dias e sua durabilidade é variada, podendo ser de um ou até três meses. É no pecíolo das folhas (hastes que prendem a folhas ao caule) que se encontram os gomos que evoluirão a novas coroas ou estolhos, que se assim for desejado pelo produtor, gerará uma nova muda. O estolho se diferencia dos demais ramos por ser mais alongado e os mesmos surgem na primavera e no verão, quando os dias são maiores.

O sistema radical deste vegetal é fasciculado, superficial e quando maduro possui raízes primárias e secundárias, sendo que as primárias são as que penetram no solo e as secundárias possuem como principal função obter nutrientes e água do solo, além de serem responsáveis pelo armazenamento de reservas para possíveis épocas difíceis, como o inverno.

O caule do morangueiro é curto, crescendo apenas em torno de dez centímetros, e possui formato cilíndrico. O mesmo se ramifica formando as folhas trifoliadas e a este conjunto, dá-se o nome de coroa. Esta planta pode ter inúmeras coroas, sendo cada uma independente da outra. 

A flor compreende o aparelho reprodutor dos vegetais superiores. No morangueiro elas podem surgir em pontos diversos das hastes, são formadas por cinco sépalas que formam seu cálice verde e cinco pétalas brancas que formam a corola. Possuem o Androceu, parte masculina da flor, com elevado número de estames e o Gineceu, parte feminina da flor, com numerosos pistilos.

O morango se desenvolve a partir do receptáculo floral. Para que haja uma boa frutificação nos pés de morango, torna-se necessário a plena fertilização do óvulo contido nos pistilos, pois a fertilização de apenas uma parcela dos óvulos resulta em morangos com diversos padrões de deformação e tamanhos diminuídos. Apesar das flores desta fragaria serem bissexuais e autoférteis, a morfologia e fisiologia das mesmas dependem de agentes polinizadores, principalmente as abelhas, para culminar em uma saudável frutificação (EMBRAPA, 1993).

 

 

3 O CULTIVO DO MORANGUEIRO

 

 Por serrem bastante delicados, os morangueiros exigem certas especificidades em seu cultivo, seja ele comercial ou doméstico. No primeiro momento é fundamental ter ciência da origem das mudas, que devem ser oriundas de matrizes saudáveis, livres de doenças e pragas e adequadas à temperatura do local em que os morangueiros serão cultivados. O ideal é adquiri-las em viveiristas credenciados e seus endereços podem ser fornecidos pela secretaria de agricultura dos municípios.

O clima é um fator vital aos morangueiros influenciando diretamente o desenvolvimento desta planta e sua produção final. Com o sol dos dias longos o produtor pode aproveitar para fazer novas mudas ou os estolhos devem ser podados logo que identificados para evitar o dispêndio de energia da planta. O morangueiro matriz, se em condições ideais, pode produzir até duzentas mudinhas. Já os dias curtos com frio acentuado do inverno é uma condição necessária para um fruto de qualidade, porém devem ser tomadas certas precauções para as noites de geada, pois as flores e os frutos não resistem a esta condição climática. A utilização de estufas e túneis baixos é indicada para proteger a plantação das possíveis geadas. Uma segunda alternativa é cobri-los com uma lona ou um plástico resistente durante as noites de geada, descobrindo-os pela manhã.

A produção de morangueiros com frutos com qualidade é diretamente influenciada pelo fotoperíodo (comprimento dos dias) e por condições climáticas, o que faz a mesma especiaria, cultivada com material e solo similares, ter diferentes comportamentos, de acordo com a região que se encontra. No Rio Grande do Sul o plantio é feito em março e abril no Vale do Caí, RS, de abril à primeira quinzena de maio em Farroupilha, RS e nos meses de abril e maio em Pelotas RS, devendo então se efetuar o plantio nas demais regiões do estado, nas épocas adequadas de acordo com a proximidade destes locais, que são referência por serem os maiores produtores de morango do Rio Grande do Sul. Além da região, é sabido das mudanças climáticas existentes no planeta e isso leva às vezes um comportamento particular daquele plantio em determinado período de colheita ou maturação da planta (LIDER AGRONOMIA, 2015).

Cabe ao produtor estar atento a estes fenômenos naturais e utilizar-se de recursos protetores e que intensifiquem a produtividade escolhida. Em casos de um fotoperíodo inadequado podem ser necessárias podas, tanto em folhas e estolhos, como em flores e frutos. Após o plantio em culturas tradicionais coloca-se um tipo de cobertura plástica para evitar o contato dos frutos com o solo e auxiliar no controle de plantas invasoras. Em plantações orgânicas este material sintético deve ser substituído por cascas de arroz, que proporciona uma boa cobertura do solo favorecendo as condições ambientais.

O solo precisa ter uma boa drenagem, por isso o plantio deve ser em encostas ou, quando o terreno for excessivamente úmido, em canteiros facilitadores da drenagem. Quando o plantio é feito em vasos ou floreiras, a drenagem deve ser feita com uma camada de cascalho, argila expandida, isopor ou similares, cobrindo o fundo do recipiente, que deverá conter pequenos furos para escoar a água excedente. Esta camada de material deve ser coberta por uma manta específica para vasos, fácil de encontrar em lojas de jardinagem. Esta manta impedirá que os nutrientes escoem pelos orifícios dos vasos.

Após a terra já pronta deve ser colocada com os ingredientes necessários e realizado o plantio. A adubação do solo também é pré-requisito importante para uma boa colheita, devendo ser rica em adubo, preferencialmente orgânico, e com “estrutura areno-argilosa, para permitir o perfeito desenvolvimento das raízes” (EMBRAPA, 1993, p.06).

 Ao introduzir o viés sustentável largamente debatido na Educação Ambiental, a adubagem orgânica deve ser a opção e pode ser feita através de esterco, compostagem e biofertilizantes como o Supermagro, biogel, extratos de algas marinhas e microorganismos eficientes. A adubagem orgânica do solo solicitará ao produtor uma organização diferenciada do cultivo convencional feito com adubos químicos, como o preparo e manutenção dos locais onde o material será beneficiado e armazenado, prevendo a quantidade necessária para adubação das lavouras. Esta cultura orgânica vai precisar de maior mão de obra ativa, tanto para o preparo do adubo como para os cuidados peculiares que estes exigem, principalmente durante o armazenamento, para evitar a procriação de fungos e bactérias, que acarretaria na perda do material (EMBRAPA, 1993).

 O solo deve ter um pH entre cinco a seis. Para medir o pH, amostras do solo são enviadas ao laboratório ou utiliza-se um pequeno equipamento comercial, uma espécie de termômetro contendo as variáveis entre 1 a 14. Existem também métodos caseiros para testar a alcalinidade ou acidez da terra, um deles é usando vinagre e bicarbonato de sódio. Utilize dois recipientes, coloque uma pequena medida de terra, em torno de um copo pequeno, em cada recipiente. Adicione vinagre a um dos recipientes e se ele efervescer indica um solo alcalino e não é necessário seguir o próximo passo. Caso isto não aconteça, utilize o outro recipiente com terra e coloque água destilada até se obter um solo muito molhado, lamacento. Despeje o bicarbonato neste solo e se o mesmo efervescer significa que a terra é ácida. Assim como no método comercial estas medições devem ser feitas em vários pontos do solo a fim de obter-se uma média. Após a identificação do pH, se for necessário, o solo deve ser corrigido. Para um solo ácido, utiliza-se da calagem ou adicione lima ou cinzas de madeira. Se a alcalinidade for elevada, para correção coloque material orgânico como folhas decompostas, agulhas de pinha ou musgo de turfa.

 

 

3.1 PRAGAS, DOENÇAS E AGROTÓXICOS

 

Dentre as principais pragas que atacam estas plantações estão o ácaro, os pulgões e os nematóides, sendo que todos têm o aparecimento favorecido através da combinação de umidade com temperaturas elevadas, muito comum em áreas tropicais.

Entre as doenças mais freqüentes que surgem nos morangueiros, temos a mancha das folhas, mofo cinzento, antracnose, podridão das raízes, oídio e as manchas de dendrofoma, diplocarpon e angular; todas intimamente ligadas à climas quentes e úmidos e podem atacar desde as folhas, pecíolos, pendúculos florais até os frutos. A infestação pode ocorrer por esporos carregados pelo vento, insetos ou pássaros, água da chuva ou de irrigação (EMBRAPA, 1993).

A alternativa mais sensata é a prevenção e entre as maneiras profiláticas temos o plantio em ambientes arejados, a rotação de culturas ao final de cada ciclo anual dos morangueiros, evitando o plantio seguido de culturas da família das solanáceas (pimentão, berinjela, tomate e batata), pois estes podem transmitir viroses e ataques de fungos às raízes dos morangueiros. A aplicação de biofertilizantes orgânicos junto com a irrigação tem se mostrada aliada nesta prevenção, pois torna toda a copa mais fortalecida. Imediatamente ao identificar alguma anormalidade, a parte afetada da planta deve ser retirada manualmente e totalmente desprezada para evitar a infestação na lavoura seguida da contaminação do solo.

Essa rosácea possui uma característica peculiar, ter flores e frutos em diferentes fases de maturação no mesmo pé. As flores surgem divididas em três camadas e aos pares, onde a primeira camada é composta de um par de flores sucedidas de morangos, os mais bonitos da florada. A segunda camada contém quatro frutos medianos e a terceira, oito camadas de morangos menores que os demais, isso faz com que o morangueiro tenha flores e frutos ao mesmo tempo. Esta propriedade dificulta, ou deveria dificultar a aplicação de agrotóxicos, pois é necessário obedecer aos prazos determinados pelo fabricante dos agrotóxicos e suspender o uso de defensivos agrícolas no período final de maturação do fruto em vista que o mesmo deve ser consumido num prazo de três dias após a colheita.

Além disto, o pseudofruto é formado por pontos endurecidos pretos, que são os frutos verdadeiros e estes envoltos em uma carne macia e suculenta, a parte total comestí1vel, formando uma superfície irregular propícia ao acúmulo de substâncias tóxicas. Essas duas peculiaridades somadas ao fato do pseudofruto ser consumido sem descascar, aumenta o risco do consumo de pesticidas. Os morangos ocupam o segundo lugar no ranking de alimentos contaminados, precedido apenas pelo pimentão, conforme dados da Anvisa (CARTA MAIOR, 2016):

 

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou hoje (7) os dados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos, relativo ao ano de 2010. O pimentão, o morango e o pepino lideram o ranking dos alimentos com o maior número de amostras contaminadas por agrotóxico no ano em questão. Mais de 90% das amostras de pimentão analisadas pelo programa apresentaram contaminação. No caso do morango e do pepino, o percentual de amostras contaminadas foi de 63% e de 58%, respectivamente. Dois tipos de problemas foram detectados pela Anvisa nestas amostras: presença de resíduos de agrotóxicos acima do permitido e uso de agrotóxicos não autorizados para estas culturas. As amostras foram coletadas em 25 estados do país e no Distrito Federal. São Paulo foi o único Estado a não participar do programa em 2010. Outros produtos apresentaram problemas classificados como “preocupantes” pela Anvisa. Em 55% das amostras de alface e 50% das amostras de cenoura também foram encontrados sinais de contaminação. Beterraba, abacaxi, couve e mamão apresentaram o mesmo problema em 30% de suas amostras. No outro extremo, a batata foi aprovada como livre de contaminação em 100% das amostras analisadas. O diretor da Anvisa, Agenor Álvares, definiu assim o resultado: “São dados preocupantes, se considerarmos que a ingestão cotidiana desses agrotóxicos pode contribuir para o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis, como a desregulação endócrina e o câncer”.

 

Além de prejudiciais à saúde do corpo humano o uso abusivo de agrotóxicos agride todo o ecossistema. O agricultor entrevistado durante as pesquisas já foi apicultor e optou por desistir desta prática, pois em torno de cinquenta por cento de suas abelhas morrem ao visitar os cultivos tradicionais, transgênicos e com alto uso de agrotóxicos, que cercam parte de sua propriedade. No quesito sumiço das abelhas, Rech (2014, p.227) cita diversos fatores, além do uso de herbicidas e pesticidas, que ameaçam as abelhas nativas no Brasil e no mundo, como as atividades antrópicas que promovem a fragmentação de habitats, a coleta predatória do mel, grandes monoculturas e a propagação de espécies exóticas.

 

 

3.2 POLINIZAÇÃO

 

A polinização consiste no transporte do grão de pólen da antera para o estigma. Existe a autopolinização ou polinização direta, que é a transferência do grão de pólen da mesma flor ou flores diferentes da mesma planta, e a polinização cruzada ou indireta, que é a transferência do pólen entre flores de plantas diferentes de mesma espécie. Na polinização cruzada torna-se necessário um agente polinizador, que pode ser abiótico, como o vento (amenofilia) ou a água (hidrofilia), ou biótico, como os insetos (entomofilia), morcegos (quiropterofilia), aves (ornitofilia) ou através da intervenção humana (antropia).

No caso da flor que precede os morangos, a amenofilia e a hidrofilia são agentes naturais que contribuem com a polinização, “mas não o suficiente, pois os pistilos ficam longe dos ovários, dificultando a fecundação dos óvulos” (RECH, 2014, p.36), tornando essencial a presença de agentes polinizadores bióticos, principalmente as abelhas. Para atraí-los a flor utiliza-se de recursos como suas cores e aromas; oferecem também recompensas, como o néctar e os óleos, utilizados pelos animais como forma de alimentação.

Anos de co-evolução entre planta e agente polinizador, favoreceram umas adaptações morfológicas, fisiológicas e comportamentais, que algumas vezes tiveram como consequência uma dependência tão estreita que a extinção de um leva a extinção de outro. (RECH, 2014, p.58).

 

 

4 MATERIAIS E MÉTODOS

 

Para a realização do presente estudo foram utilizados:

- Dez pés de morangos, cultivados em condições propícias para um bom desenvolvimento.

- Um pincel pequeno de cerdas macias.

- Uma balança de precisão.

 

 Dez pés de morangos foram selecionados para a experiência, onde no primeiro par de flores, as posicionadas à esquerda no ramo foram expostas à polinização artificial-antrópica, realizada com auxílio de um pincel com cerdas finas e macias. A fecundação dos morangueiros não é eficaz somente através da polinização direta (antrópica), pois, necessita também de agentes polinizadores, assim também foi realizada a observação para verificar a existência de insetos como vespas e moscas no local, visitando as flores.

Mesmo após as correções, a planta mantinha um desenvolvimento satisfatório apenas até o surgimento das flores, com produção deficitária dos pseudofrutos comestíveis, o que remete à problemática da polinização ideal que deve ocorrer na flor, para que a mesma evolua para um fruto de boa qualidade.

Em um primeiro momento os morangueiros são transferidos para um local mais arejado, onde o recurso natural amenofilia (polinização através do vento) pode interagir. Além disso, plantar vegetais coloridos e/ou aromáticos é um recurso interessante para atrair insetos polinizadores e ao utilizar esse recurso a entomofilia aumenta e surgem insetos como formigas, borboletas, besouros e vespas, porém o principal polinizador dos morangos são as abelhas.

Durante o experimento as abelhas foram vistas com uma baixa frequência, por vezes não chegando a uma ao dia, assim percebe-se in loco a problemática da diminuição das abelhas no mundo. Entre os motivos desse desequilíbrio os agrotóxicos surgem como principais vilões, não só no sumiço das abelhas, mas à saúde de todo ecossistema, além de serem apontados como causadores do câncer, doença que a Anvisa  já aponta como principal causa de mortes no Brasil, 74% em 2010, com estimativa de aumento entre 2010 e 2020 (CARTA MAIOR, 2015).

Com a falta de abelhas, uma solução para este tipo de cultivo, caseiro, em pequena escala e que necessita de uma polinização específica e eficiente, seria a prática da polinização artificial antrópica. Para sinalizar uma eficácia no método proposto, foram observados vinte pares de morangos, desde a formação da flor até o crescimento final do fruto, em idênticas condições ambientais, sendo que dez flores dos pares foram polinizadas manualmente e as outras dez apenas por agentes polinizadores naturais.  No curso do presente estudo são demonstrados dados concretos deste experimento focado na obtenção de uma polinização eficiente.

 Em verdade a construção do saber ocorreu com cruzamento da prática com a teoria, na observação do cultivo de morangos e nas pesquisas contínuas, considerando o ecossistema e suas perspectivas futuras, com o objetivo do crescimento sadio do fruto a ser ingerido.

Além da experiência prática com os morangos também foi realizada uma entrevista com um produtor de morangos orgânicos, que expõem seus produtos na Feira Ecológica do Bom Fim, localizada em Porto Alegre, RS, todos os sábados das sete às doze horas. Enquanto a entrevista acontecia, os clientes munidos de sacolas retornáveis entregavam embalagens vazias de morangos e ovos (também vendia ovos) na banca do vendedor e o mesmo gesto se repetia com o público das demais bancas, com o retorno das mais variadas embalagens, como vidros de conserva, recipientes para temperos, potes para o mel, entre outras.

Ao mesmo tempo em que esta cultura sustentável acontece é destaque o diferencial desse vendedor que conhece todas as etapas do seu cultivo, tendo ciência de seus custos, dificuldades, benefícios e qualidades, com lucidez para informar os motivos que resultaram em frutos maiores ou menores ou seu valor comercial ter sofrido uma alta ou baixa. (Apêndice 01).

 

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Entre os vinte pseudofrutos analisados, os dez onde as flores sofreram polinização artificial apresentaram tamanhos e formas satisfatórios. No entanto dentre os dez que dependeram apenas de agentes naturais, cinco deles resultaram em frutos de boa qualidade, com tamanho, formato e consistência satisfatórios e a outra metade apresentaram-se com má formação, aspecto e consistência indesejados.

A escolha do local, bem arejado e acompanhado do cultivo de chás aromáticos e plantas coloridas, no intento de chamar a atenção dos agentes polinizadores, não culminaram em medidas totalmente satisfatórias. Em verdade observou-se a presença de insetos como formigas, besouros, borboletas e vespas e também de variedade de pássaros. As abelhas, principal agente polinizador dos morangueiros, surgiram no local em número insuficiente para realizar a completa polinização (não chegando a frequência de uma abelha ao dia). A amenofilia esteve presente em todos os dias observados durante a maturação das flores, assim como a hidrofilia, ao considerar as regas diárias necessárias.

No decorrer da observação dos morangueiros, aconteceu uma das tempestades mais fortes já ocorridas nesta região do sul do país e com isso o cultivo sofreu danos de cem por cento de sua primeira florada já que este vegetal e, principalmente, suas flores, são bastante sensíveis. Este fator ambiental possibilitou vivenciar o quão vulneráveis se tornam as plantações frente a uma intempérie da natureza.

Este trabalho de observação aponta a polinização artificial antrópica como uma alternativa em plantios de pequeno porte, já que a produção foi 100% aproveitada através desta técnica. Certamente, em uma produção de larga escala, esta técnica seria totalmente inviável, devido à intensidade da mão de obra empregada.

Estes produtores devem procurar alternativas para uma polinização de qualidade nos morangueiros, como introduzir a apicultura na propriedade ou utilizar-se de ferramentas altamente atrativas às abelhas.

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 Devemos ter ciência que trabalhar com plantio de subsistência ou produção de menor escala exige um leque de ferramentas que podem nos levar ao sucesso ou não do desenvolvimento de um fruto sadio, condições propícias à adubação de qualidade, controle eficiente de pragas e polinização ideal. São condições que exigem prática, estudo e pesquisa, sendo que o interlace desses fatores e sua execução impulsionaram o alcance dos objetivos que é a produção sadia do alimento com a diminuição dos agravos a saúde humana e o mínimo de impacto ambiental.

Todavia, na produção em larga escala, onde o objeto da produção é o lucro financeiro, agricultores se utilizam de plantações transgênicas ricas em agrotóxicos.

Essa proposta de maior rentabilidade a grandes produtores foi realizada por pesquisas científicas de empresas multi e transnacionais, que embutiram no agronegócio sementes e mudas transgênicas e projetaram a possibilidade de maiores lucros. Em verdade, a obtenção desse lucro é monopolizada por essas empresas, pois possuem as mudas e sementes, conhecem as pragas e doenças a que elas são susceptíveis; nessa linha de pensamento não existe a livre concorrência, essas empresas terão uma maior possibilidade do sucesso, pois elas possuem a patente tanto das matrizes como dos agrotóxicos e defensivos agrícolas que devem ser utilizados em concomitância.

Nesse processo de plantio existe grande vácuo a ser esclarecido quanto ao impacto do produto final à saúde humana e do planeta, sendo que em alguns países, principalmente da Europa, a utilização da transgenia em alimentos é proibida, os demais países ainda discutem a matéria. Atualmente desenvolve-se outra linha de pensamento que é a retomada do plantio orgânico com menor impacto a saúde humana e ambiental.

Os critérios considerados são primeiramente a exigência do mercado consumidor que quer um produto livre de agrotóxico, mesmo que o custo seja maior.  Outro aspecto foi a readaptação da natureza frente a esses defensivos, pragas e doenças se fortificaram e exigem maior quantidade destes produtos nocivos, tornando a produção mais onerosa aos produtores e lucrativa apenas ao monopólio de sementes e agrotóxicos.

Outro aspecto importante a ser considerado é a diminuição de agentes polinizadores, principalmente das abelhas, consideradas essenciais no serviço de polinização. Estudos apontam para alguns motivos do processo contínuo e gradativo deste sumiço, dentre eles aparecem ações antrópicas que fragmentam habitats e o desmatamento em detrimento a monoculturas. O quesito mais importante que vem sendo questionado, no entanto, é o uso de agrotóxicos que são aplicados indiscriminadamente, já que as consideradas pragas nas lavouras estão cada vez mais resistentes ao veneno, e, concomitante a isso, os vegetais transgênicos possuem imunidade sobre os agrotóxicos, ou seja, possuem em seu DNA a propriedade de permanecerem intactos e com uma evolução aparentemente adequada, mesmo sob ação do uso abusivo dos agrotóxicos.

Na entrevista, realizada com o produtor de morangos orgânicos, quando esse foi questionado sobre sua preferência por técnicas de polinização, o mesmo explicou que já criou abelhas neste intento, porém, parou de utilizar a apicultura, já que suas abelhas visitavam plantações vizinhas convencionais, ricas em agrotóxicos e 50% dos insetos morriam. Devido a suas perdas, optou por cultivar os morangos o mais próximo possível da mata nativa que vizinha sua propriedade, além de incrementar com plantio atrativo para abelhas, como girassóis e maracujá.

Em relação ao presente estudo realizado através do experimento com morangueiros, foi utilizada a técnica de polinização artificial, ao perceber a falta de agentes polinizadores. A partir de observações constantes, percebe-se que, durante o desenvolvimento dos pés de morangos, a polinização natural foi, em geral, deficiente, tendo como resultado frutos deformados e menores, quando comparados com frutos polinizados de maneira antrópica. Como alternativa para a produção industrial, já que a técnica artificial de polinização se torna inviável devido à mão de obra insustentável, a indicação ao produtor, é a de apicultura, criando, portanto, um ambiente rico em agentes polinizadores.

Este trabalho de observação, prática, entrevista e pesquisa bibliográfica abre um caminho de possibilidades, um estímulo à descoberta, através de estudos que podem e devem ser realizados em busca de soluções, tanto para a problemática do sumiço das abelhas, quanto à de preservação e manutenção do planeta, assim como da saúde humana. Certamente, para que isso aconteça, o ser humano deverá se despir da grande ganância em detrimento à conservação da vida e do planeta.

 

 

REFERÊNCIAS

 

CARTA MAIOR.COM.BR. Disponível em: cartanaior.com.br. Acesso em: 10 de outubro de 2015.

 

EMBRAPA. Coleção Plantar. 1º Edição. Brasília: SPI, 1993.

 

LIDER AGRONOMIA. Disponível em: http://www.lideragronomia.com.br/2012/08/morango.html. Acesso em 10 de dezembro de 2015.

 

RECH, André Rodrigo. Et. Al. Biologia da Polinização. 1º Edição. Rio de Janeiro: Projeto Culturas, 2014. p.36, 58.

 

WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Ranking da Anvisa aponta alimentos contaminados por agrotóxicos, 2011. Disponível em http://cartamaior.com.br/Editoria/Meio-Ambiente/Ranking-da-Anvisa-aponta-alimentos-contaminados-por-agrotoxicos. Acesso em: out de 2016.

 

 

 

 

 

 

APÊNDICE 01

 

Al (aluno). Qual a localização da lavoura em que se dá o cultivo dos morangos?

P (produtor). No RS, no Vale do Rio Caí.

 

Al. Qual a espécie de morangos cultivados?

P. Espécie Aromas, que é resultante do cruzamento de morangos Europeus com Americanos. Esta especiaria está há quinze anos no mercado e dentre os morangos não transgênicos, este confere melhor tamanho, resistência e sabor se comparado com os demais.

 

Al. Onde as mudas são adquiridas?

P. Na EMBRAPA/RS, sendo que existem duas lavouras separadas. Uma reservada para mudas compradas e outra para o plantio de mudas resultantes dos estolhos das mudas matrizes.

 

Al. Porque o replantio não é feito somente com as mudas originárias das matrizes, já que um morangueiro rende em torno de duzentas mudas?

P. É comum a incidência de pragas e doenças, principalmente fungos para que estas adversidades não se multipliquem e acabem por infestar o solo, o que seria desastroso ocasionando danos financeiros e excessivo dispêndio de mão de obra, a plantação originária de mudas de morangueiros da lavoura formada por matrizes da Embrapa, é totalmente desprezada, geralmente incinerada. Outras técnicas foram testadas para evitar esta perda ou não reuso de mudas, mas até o momento a incineração é a melhor alternativa para evitar infestações indesejadas.

 

Al. O pH do solo é analisado?

P. Sim. Uma coleta do solo composta de terra retirada de diferentes partes da lavoura é enviada ao laboratório. Se o solo estiver ácido é feita a calagem, caso contrário a própria adubação orgânica se encarrega de manter e corrigir.

 

Al. Como é feito o preparo do solo?

P. Com adubo orgânico. A propriedade fica às margens do Rio Caí e para evitar a erosão do solo plantamos capim gigante. Este capim é podado e picotado e servirá de uma espécie de cama no galinheiro. Após dois meses esta mistura será colocada no estábulo pelo mesmo tempo. Na época da adubagem esta mistura de esterco de galinha e de gado curtidos é adicionada ao solo.

 

Al. Nenhum tipo de defensivo é utilizado. Qual a solução no caso de pragas e doenças?

P. Qualquer tipo de problema em uma planta é corrigido no local, então as partes atingidas são arrancadas. Na verdade primamos a prevenção, feita pela escolha do local, de mudas e de rotação de cultura. É colocado biofertilizante orgânico Supermagro adicionado na rega de final de tarde e início da manhã.

 

Al. Como é feita a polinização? Existe criação de abelhas na propriedade?

P. Não criamos abelhas porque estas  lavouras são cercadas por plantações tradicionais, com alto uso de agrotóxicos e tivemos perda de cinqüenta por cento das abelhas, que morreram após visitas as plantações vizinhas. Então a opção foi “chamar as abelhas” e novamente a escolha do local para o plantio se torna fundamental e estes locais são cercados por pés de maracujá e girassóis, fortes atrativos para as abelhas. Nestas lavouras, no momento e após adaptações, não faltam agentes polinizadores, fato atribuído também ao aspecto da multicultura familiar de subsistência.

 

 

 

 

 

 

 

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Ilustrações: Silvana Santos