Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
03/06/2016 (Nº 56) A ESQUISTOSSOMOSE EM MINAS GERAIS: FATORES ECONÔMICOS E AMBIENTAIS.
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=2334 
  

A esquistossomose em Minas Gerais:fatores econômicos e ambientais

Resumo

Introdução: Entre as diversas doenças negligenciadas, algumas sãorelacionadas aos determinantes sociais de saúde, entre eles os relacionados ao saneamento, habitação e distribuição de renda. A esquistossomose possui alguns destes fatores como determinantes para a sua ocorrência. Assim, considerando a importância da esquistossomose em Minas Gerais, aliado ao fato de ser uma doença negligenciada, buscou-se relacionar alguns indicadores de saneamento e pobreza, com a ocorrência da parasitose no estado mineiro.

Materiais e métodos: Visando identificar a distribuição da esquistossomose presente no estado de Minas Gerais, foi realizada a Análise Exploratória de Dados Espaciais com as médias de notificações de esquistossomose entre os anos de 2007 a 2014, bem como das condições de saneamento e pobreza.

Resultados:Os valores demonstraram que a média foi de 58,25 notificações ano/100 mil habitantes, porém alguns valores foram muito extremos com o valor máximo de 20744 notificações/100 mil habitantes, destacando os valores outliers superiores que se restringem a duas áreas distintas no estado, a região norte do estado de Minas Gerais, e a região Nordeste, estendendo pelas regiões do Vale do Mucuri, Jequitinhonha, Rio Doce, chegando a região das Vertentes. As regiões de ocorrência também são as que apresentam os piores resultados de abastecimento de água, com grande número de residências com esgotamento sanitário inadequado e população extremamente pobre.

Conclusão: A mudança do processo de combate a esquistossomose deve contemplar as condições ambientais. Uma nova proposta que favoreça a criação de ambientes saudáveis,abrangendo também os indicadores sociais encontra na promoção de saúde a ressonância necessária para compreender e combater esta doença negligenciada.

Autores:

José de Paula Silva

Universidade de Franca

Universidade do Estado de Minas Gerais

 

Mônica de Andrade

Universidade de Franca

 

Introdução

A promoção da saúde tem induzido a reflexão sobre ambientes favoráveis, como estratégia de ampliação do conceito de saúde. A compreensão atual sobre os determinantes sociais de saúde estão estabelecidos de tal forma que, é indissociável a existência de doenças negligenciadas e fatores como:sociais, saneamento, habitação, alimentação, educação, distribuição de renda e ambientes saudáveis, que necessariamente impõem desafios para a saúde(Curry, 2005).

Entre as doenças negligenciadas, a esquistossomose possui características intimamente relacionadas aos determinantes sociais, dado o fato de sua ocorrência,prevalecer em condições de pobreza e que acarretam a manutenção da desigualdade. Apesar da existência de procedimentos terapêuticos e do conhecimento acerca do processo de desenvolvimento da doença, estas informações não são revertidas para o controle da doença(Brasil, 2010).

Atualmente no Brasil, a esquistossomose distribui-se ao longo de quase toda a costa litorânea da região Nordeste, em direção ao Sudeste, seguindo o trajeto de importantes bacias hidrográficas, chegando ao estado de Minas Gerais.

Historicamente a esquistossomose esta vinculada as raízes da colonização brasileira, cujo consenso apresenta que, a introdução dessa doença remonta o período escravagista, assentada na lógica que caracterizou o país nos séculos XVIII e XIX, com a chegada de negros do continente africano(Magalhães e Dias, 1944).

Dentro da proposta migratória, a história da esquistossomose em Minas Gerais,pode ser compreendida pela vizinhança com o nordeste, que facilitou a dispersão da doença a partir dos anos 30  (Pellon e Teixeira, 1950).

Devidoaimportância da esquistossomose em Minas Gerais, aliado ao fato de ser uma doença negligenciada, buscou-se relacionar alguns indicadores de saneamento e pobreza, com a ocorrência da parasitose no estado mineiro.

 

Materiais e Métodos

Procurando identificar a distribuição da esquistossomose no estado de Minas Gerais, foi realizada a Análise Exploratória de Dados Espaciaiscom as médias de notificações de esquistossomose entre os anos de 2007 a 2014. Com relação às condições de saneamento e pobreza, foram elaborados mapas dos seguintes indicadores: porcentagem de domicílios com água encanada, com esgoto inadequado e extremamente pobres.De acordo com os dados do Censo 2010 e IBGE, foram consideradas à época, extremamente pobres, famílias cuja renda era inferior a setenta reais.

Os mapas (boxmap) foram elaborados com o mesmo conceito do boxplot que permite identificar valores extremos ou outliers, considerando neste caso os valores 1,5 vezes maior que o intervalo interquartil.

A figura 1exemplifica um boxplot, e respectivos grupos de dados (quartis). Os quartis de um conjunto de valores são os pontos que dividem o conjunto de dados em quatro grupos iguais, cada um representando um quarto da população amostrada, separados pelo mesmo intervalo interquartil, referente ao número total de observações. Na figura 1 apresenta a correspondência entre os quartis de um boxplot e um boxmap,representandotambém os outliers(valores maiores/upperoutlier e menores /loweroutlier).

Para elaboração dos mapas e analise espacial foi utilizado o software GeoDa, que inicialmente realiza a estatística descritiva semelhante ao diagrama de caixa, determina os resultados nos quartis e localiza espacialmente no mapa os polígonos (municípios) correspondentes, dividindo-os pelos mesmos quartis identificados por cores.

.

Figura 1- Boxplot representando quatro quartis e outliers com indicação de legenda de um map plot de forma correspondente.

 

Resultados e Discussão

Utilizando análise exploratória foi determinada a distribuição dos casos de Esquistossomose. A figura 2 apresenta o Boxplot da média de notificações de esquistossomose em Minas Gerais entre os anos de 2007 a 2014/100 mil habitantes.

Os valores demonstraram que a média no estado de notificações/100 mil habitantes, foi de 58,25 notificações/100 mil habitantes, porém alguns valores foram muito extremos com o valor máximo de 2074 notificações/100 mil habitantes, e desvio padrão de 178,9/100 mil habitantes. Foi observado também um número considerável de outliers superiores (Figura 2).

Figura 2 -Boxplot das medias de notificações de esquistossomose entre os anos de 2007 a 2014/100 mil habitantes, no estado de Minas Gerais.

 

A escolha do BoxMap é adequada em função da distribuição da parasitose em Minas Gerais. Do total de 853 municípios em Minas Gerais, 148 foram considerados outliers altos, ou seja, alguns municípios possuem um número muito elevado de notificações de esquistossomose quando comparados com os demais.

Os municípios onde estão localizados os valores extremos se restringem a duas áreas no estado, a região norte de Minas Gerais, e a região Nordeste, estendendo pelas regiões do Vale do Mucuri, Jequitinhonha, Rio Doce, chegando a região das Vertentes (figura 3).

Figura 3 - BoxMap da média de notificações de esquistossomose entre os anos de 2007 a 2014/100 mil habitantes., no estado de Minas Gerais.

 

De forma análoga ao anterior foram elaborados os boxmaps das variáveis: com água encanada, com esgoto inadequado e extremamente pobre, de acordo como os dados do censo de 2010 do IBGE.

Nos três casos verificou-se a presença de valores discrepantes ou outliers. Na figura 4(a) esta representada a variável água encanada. Os municípios que apresentam maior número de domicílios com água encanada estão representados em vermelho e os menores em verde (1º quartil). Vinte e oito municípios apresentaram valores extremos. A relação entre a água encanada e a esquistossomose, é um indicador das condições ambientais que podem favorecer a prevalência da parasitose (Saucha et al., 2015).

Estes municípios estão localizados na região norte do estado de Minas Gerais. No que diz ao acesso a água encanada, alguns autores têm observado que, estas regiões com valores extremos em Minas Gerais, possuem condições muito desiguais ou mesmo piores, quando comparados com as medianas do estado, da região e do Brasil(Corvalan et al., 2015).

 

Figura 4 - BoxMap dos indicadores econômicos e ambientais em Minas Gerais, considerando os domicílios com água encanada (a), domicílios com esgotamento sanitário inadequado (b) e população considerada extremamente pobre (c), de acordo com os dados do Censo Demográfico de 2010.

 

A figura 4(b) mostra a região com esgoto inadequado, coincidente com as áreas de ocorrência de esquistossomose, destacando as regiões extremas localizadas ao norte e leste do estado de Minas Gerais.  A relação entre ausência de esgoto/parasitose é um dos fatores que propiciam o ciclo do Schistosoma mansoni.

A figura 4(c) mostra a região dos municípios com maior porcentagem de residentes extremamente pobres, que também é coincidente com as áreas de ocorrência de esquistossomose, destacando as regiões extremas localizadas ao norte e leste do estado de Minas Gerais.

A condição de doença negligenciada (Brasil, 2010) reafirma que a pobreza é um fator de causa e consequência da parasitose, cuja situação de extrema pobreza, oferece condição para que a esquistossomose possa acontecer e produzir reflexos nas condições econômicas, em virtude do desenvolvimento da própria doença.

Conclusão

Diversos fatores podem estar correlacionados com a incidência da Esquistossomose mansônica em Minas Gerais, porém a parasitose no estado esta circunscrita a regiões onde as condições econômicas e ambientais incluindo o saneamento, são desfavoráveis.

As medidas de prevenção adotadas até hoje não foram suficientes para a erradicação da esquistossomose, talvez por não considerar fatores importantes como os econômicos e ambientais. Estratégias baseadas no combate a transmissão e tratamento têm o seu gargalo justamente por não elencar as situações aqui identificadas.

A mudança do processo de combate a esquistossomose deve contemplar as condições ambientais. Uma nova proposta que favoreça a criação de ambientes saudáveis,abrangendo também os indicadores sociais encontra na promoção de saúde a ressonância necessária para compreender e combater esta importante doença, até hoje negligenciada.

 

Referências Bibliográficas

 

BRASIL. Doenças negligenciadas: estratégias do Ministério da Saúde. Revista de Saúde Pública, v. 44, p. 200-202,  2010. ISSN 0034-8910. 

 

CORVALAN, C.  et al. Atlas de Desenvolvimento Sustentável e Saúde. Brasil: 1991 a 2010. Brasilia: Organização Pan-Americana da Saúde 2015.

 

CURRY, L. The Future of the Public's Health in the 21st Century. Generations, v. 29, n. 2, p. 82,  2005. ISSN 0738-7806. 

 

MAGALHÃES, B. F.; DIAS, C. B. Esquistossomose de Manson: estudos. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 41, n. 3, p. 363-446,  1944. ISSN 0074-0276. 

 

PELLON, B.; TEIXEIRA, I. Distribuição geografica da esquistosomose mansonica no brasil.   Ministério da Educação e Saúde, 1950.

 

SAUCHA, C. V. V.; SILVA, J. A. M. D.; AMORIM, L. B. Condições de saneamento básico em áreas hiperendêmicas para esquistossomose no estado de Pernambuco em 2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 24, p. 497-506,  2015. ISSN 1679-4974. 

 

Ilustrações: Silvana Santos