Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
12/03/2015 (Nº 51) ENTREVISTA COM ALDEM BOURSCHEIT PARA 51ª EDIÇÃO DA REVISTA ELETRONICA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
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ENTREVISTA COM ALDEM BOURSCHEIT PARA 51ª EDIÇÃO DA REVISTA ELETRONICA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

Por Bere Adams

 

O entrevistado desta edição é o jornalista Aldem Bourscheit, formado em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS/RS). Aldem tem mais de 15 anos de experiência nas áreas Socioambiental, Agropecuária e de Ciência. A sua formação inclui diversas especializações: Resíduos Sólidos, Ecologia, Criação em TV. É Pós-graduado em Meio Ambiente, Economia e Sociedade pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (Flacso). Ao longo destes anos, Aldem atuou em jornais, rádios, governos, ongs e setor privado e hoje é Especialista em Políticas Públicas na WWF-Brasil. Com toda esta bagagem, temos muito o que aprender com ele, então, vamos lá, conhecer mais um pouco desta trajetória exemplar:

 

Bere  Adams – Como surgiu o seu interesse pelas questões ambientais?

 

Aldem Bourscheit – Sempre complexo apontar esses momentos ditos como decisivos quando sabemos que a vida se desenrola em processos, mas posso apostar que começar um trabalho voluntário na União Protetora do Ambiente Natural (Upan) poucos anos após a Rio92 teve grande influência em despertar o interesse e um engajamento com as questões socioambientais. A hoje Oscip tem cerca de 40 anos e é uma das mais antigas ainda em atividade no Brasil. Foi criada nos anos 1970 pelo pioneiro ecologista Henrique Luiz Roessler, patrono da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) do Rio Grande do Sul. Foi na entidade que comecei a tomar conhecimento da amplitude e das ramificações da problemática socioambiental, tendo o município de São Leopoldo e o Vale do Rio dos Sinos como alvos principais de nossas ações pela conservação e recuperação ambiental.

 

BA – A informação é fundamental para o desenvolvimento de posturas menos degradantes ao meio porém, percebe-se que a maioria das pessoas, mesmo bem informadas, reagem  ou mudam quando um problema bate nas suas portas. Como você vê esta situação?

 

AB – Ter acesso a informações bem construídas e fundamentadas é base para uma qualificada tomada de decisões. Ou seja, quanto melhor forem as informações a que você tem acesso, por exemplo pelos cada vez mais variados meios de Comunicação, melhores poderão ser as direções que você escolhe na sua vida pessoal ou profissional. Todavia, nem sempre está claro para a população sobre a celeridade em que essas informações devem ser transformadas em ação e muito menos com que meios, a quais órgãos públicos recorrer ou que atitudes pessoais tomar. Assim, frente a indefinições basais como essas, podemos ter como resultado uma perigosa inanição, especialmente frente a problemas que exigirão muitos recursos e muito tempo para serem solucionados. Por exemplo, para livrar o Rio Tejo (Portugal) do despejo histórico de esgotos urbanos foram investidos 800 milhões de Euros, cerca de R$ 2,6 bilhões. Esse processo de poluição ocorreu ao longo das décadas, sob informes e alertas de ambientalistas, mas nada de concreto foi feito para contê-lo. Agir apenas quando a situação se torna aguda é sempre muito mais caro.

 

BA - Quais relações são possíveis de serem feitas entre a Educação Ambiental e Jornalismo? Qual é a importância da informação para a consolidação da Educação Ambiental?

 

AB –  A gestão da Política Nacional de Educação Ambiental, definida por uma lei de 1999, e a coordenação do Programa Nacional de Educação Ambiental, cabem aos ministérios do Ministério do Meio Ambiente e da Educação. Na teoria, esses política e programa deveriam estar permeando políticas federais, estaduais e municipais de educação. Nesse sentido, um Jornalismo que alcance com qualidade essas mesmas esferas poderia cumprir um papel de incentivador de temas a serem debatidos e aplicados dentro e fora de sala de aula, por exemplo. Assim, o bom Jornalismo auxiliria a Educação Ambiental a cumprir um de seus papéis, de ser uma ferramenta que dissemina o intercâmbio e a participação das pessoas no controle social das políticas públicas por meio do diálogo.

 

BA –  Qual é, para você,  a importância das políticas ambientais nestas quatro esferas:  municipal, estadual, federal e mundial e do papel dos gestores públicos na prevenção e no enfrentamento dos problemas ambientais e como você percebe as articulações da atual gestão para minimizar esta crise do setor hídrico, por exemplo? 

 

AB – Políticas ambientais devem ser prioritariamente políticas públicas que direcionem e proporcionem a essas quatro esferas um modelo de desenvolvimento mais harmônico com o chamado meio ambiente. Pode soar como um clichê, mas vejo isso como necessidade de primeira grandeza, pois infelizmente não nos faltam exemplos de como nosso arcabouço legal desconsidera os limites e mecanismos naturais. Um caso atual extremo é o do colapso hídrico que assola o Sudeste e outras regiões do país. Acreditar que Deus é brasileiro é acionará São Pedro para nos salvar da falta de chuvas não é função de um gestor público. Enquanto isso, as soluções apontadas pelo Poder Público apostam em fórmulas comprovadamente ineficazes, como mais obras para transposição de águas de outras regiões. Frente a variações climáticas e no regime de chuvas, podemos aumentar nossa resiliência enquanto sociedade com a recuperação e com a conservação de bacias hidrográficas, especialmente daquelas vitais para o abastecimento humano. Esse descolamento entre prática política e necessidades reais e concretas da sociedade é uma das maiores chagas de nosso tempo. Infelizmente a maioria dos brasileiros ainda não relaciona a qualidade de seu voto com os rumos que o país adota para seu desenvolvimento.

 

BA – E as florestas? Você considera o Código Florestal um retrocesso?

AB – Seguimos desprezando um patrimônio natural e econômico único em nível global, transformando imensas áreas de vegetação megadiversa em monoculturas, de pastagens ou commodities. Os últimos dados sobre desmatamento mostram um aumento de 170% nas perdas na Amazônia em janeiro se comparado ao mesmo mês do ano passado. Não há controle. Por uma lógica econômica maquiavélica, ainda é mais barato e rentável seguir avançando sobre a vegetação nativa de todos os biomas do que aproveitar mais e melhor áreas já abertas. Um dos resultados são cerca de 100 milhões de hectares em áreas degradadas, espalhados principalmente pelo Cerrado e entre este e a Amazônia, todos nada produzindo, ou bem menos do que poderiam. Nesse sentido, o Código Florestal tem seus aspectos nefastos. Ao mesmo tempo em que a legislação aprovada em 2012 trouxe instrumentos importantes se forem consolidados - como o Cadastro Ambiental Rural e a possibilidade de finalmente termos incentivos econômicos e fiscais a aplicação da lei -, anistiou desmatadores ilegais e a necessária recuperação de 30 milhões de hectares de vegetação em realação à lei anterior. Além disso, o novo Código Florestal desprezou a Ciência atual e histórica ao impor faixas mínimas inaceitáveis para a vegetação no entorno de nascentes, rios, córregos e lagos. Justamente formações indispensáveis para o abastecimento humano e para um país de economia ainda rural. Isso é um tiro no pé da sustentabilidade ambiental, social e econômica. Nesses itens, há retrocesso claro.

 

BA – Ano passado foi dito por um conhecido ambientalista que o governo da Presidente Dilma foi um o pior para o meio ambiente, você concorda? Por que?

AB – É sempre difícil fazer comparativos entre governos, pois seria preciso uma análise histórica consistente para tanto. Mas é possível afirmar que conquistas históricas legais no campo socioambiental estão seriamente ameaçadas, não só pela pouca ação do Executivo, mas principalmente pela qualidade da atuação do Legislativo. Os últimos quatro anos foram de intensos ataques ao arcabouço legal que protege populações indígenas e tradicionais, unidades de conservação, a PEC215 e o próprio Código Florestal, entre tantos outros, e não há motivos para crer que a próxima legislatura seja menos agressiva. Entidades dedicadas a análises do Legislativo apontam que o resultado das eleições de 2014 nos trouxe uma das mais retrógradas composições do Congresso Nacional. A Bancada Ruralista cresceu 30%, enquanto as Evangélica e da Bala também tiveram aumentos expressivos. Ou seja, pautas mais progressistas enfrentarão duros embates para avançar no Parlamento. Merece uma análise mais profunda os motivos que levaram a população a escolher tal representatividade.

 

BA – Ao longo destes seus 15 anos de experiência nas áreas Socioambiental, Agropecuária e de Ciência, quais foram as suas maiores dificuldades?

AB – Enquanto jornalista, de ter pautas aceitas por editores e veículos, a baixa oferta de capacitação formal e informal e o espaço cada vez menor oferecido pelos veículos tradicionais a temas fundamentais para qualificar nosso desenvolvimento socioeconômico. Um dos fenômenos que temos presenciados é o deslocamento de grande quantidade de pautas socioambientais e de profissionais dedicados a esses temas para os chamados veículos alternativos. Isso é positivo porque mantém a cobertura temática, ao mesmo tempo, a massa da população segue mais exposta a uma cobertura quase intocada por esses temas orgânicos. Obviamente há ótimos exemplos na grande mídia de profissionais e de temas muito bem abordados, mas eles estão sem dúvida aquém do que o Brasil precisa em termos de cobertura jornalística.

 

BA – E o que te promoveu mais satisfação neste percurso?

AB – Sem dúvida ter conseguido abordar uma grande variedade de temas com apoio de fontes e de lideranças extremamente qualificadas, em variados tipos e tamanhos de veículos, e observar que várias reportagens tiveram efeitos práticos diretos e indiretos na transformação de realidades socioambientais, da Mata Atlântica ao Pantanal e outras regiões.

 

BA – Quais são as pessoas que você mais admira e te inspiram no desenvolvimento do teu trabalho?

AB – No Brasil gostaria de citar os agrônomos Luiz Jacques Saldanha e Sebastião Pinheiro, os ambientalistas Henrique Roessler, José Lutzenberger e Augusto Carneiro, e os jornalistas Roberto Villar Belmonte e Liana John. No Exterior, o jornalista Michael Frome e os escritores John Muir, Rachel Carson e Henry Thoreau. Todos guerreiros incansáveis.

 

BA – Deixa uma mensagem para os leitores da EA em Ação, uma palavra, uma frase...

AB – Se informe, participe, aja. Sempre com a maior qualidade possível e sempre em defesa de um futuro melhor para o Brasil e para o planeta. Não desista, por mais que as pessoas ofereçam barreiras, por mais que a política esteja degradada.

 

BA – Aldem, agradeçemos pela tua participação e disponibilidade em compartilhar, com leitoras e leitores da revista EA em Ação, a sua experiência através desta breve entrevista, muito obrigada! 

 

Ilustrações: Silvana Santos