ENTREVISTA COM ALDEM BOURSCHEIT PARA 51ª EDIÇÃO DA
REVISTA ELETRONICA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
Por Bere Adams
O entrevistado desta edição é o jornalista Aldem
Bourscheit, formado em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (UNISINOS/RS). Aldem tem mais de 15 anos de experiência nas áreas
Socioambiental, Agropecuária e de Ciência. A sua formação inclui diversas
especializações: Resíduos Sólidos, Ecologia, Criação em TV. É Pós-graduado em
Meio Ambiente, Economia e Sociedade pela Faculdade Latino Americana de Ciências
Sociais (Flacso). Ao longo destes anos, Aldem atuou em jornais, rádios,
governos, ongs e setor privado e hoje é Especialista em Políticas Públicas na
WWF-Brasil. Com toda esta bagagem, temos muito o que aprender com ele, então,
vamos lá, conhecer mais um pouco desta trajetória exemplar:
Bere Adams – Como surgiu o seu interesse pelas
questões ambientais?
Aldem Bourscheit – Sempre complexo apontar esses
momentos ditos como decisivos quando sabemos que a vida se desenrola em
processos, mas posso apostar que começar um trabalho voluntário na União
Protetora do Ambiente Natural (Upan) poucos anos após a Rio92 teve grande
influência em despertar o interesse e um engajamento com as questões
socioambientais. A hoje Oscip tem cerca de 40 anos e é uma das mais antigas
ainda em atividade no Brasil. Foi criada nos anos 1970 pelo pioneiro ecologista
Henrique Luiz Roessler, patrono da Fundação Estadual de Proteção Ambiental
(Fepam) do Rio Grande do Sul. Foi na entidade que comecei a tomar conhecimento
da amplitude e das ramificações da problemática socioambiental, tendo o
município de São Leopoldo e o Vale do Rio dos Sinos como alvos principais de
nossas ações pela conservação e recuperação ambiental.
BA – A informação é fundamental para o
desenvolvimento de posturas menos degradantes ao meio porém, percebe-se que a
maioria das pessoas, mesmo bem informadas, reagem ou mudam quando um
problema bate nas suas portas. Como você vê esta situação?
AB – Ter acesso a informações bem construídas e
fundamentadas é base para uma qualificada tomada de decisões. Ou seja, quanto
melhor forem as informações a que você tem acesso, por exemplo pelos cada vez
mais variados meios de Comunicação, melhores poderão ser as direções que você
escolhe na sua vida pessoal ou profissional. Todavia, nem sempre está claro
para a população sobre a celeridade em que essas informações devem ser
transformadas em ação e muito menos com que meios, a quais órgãos públicos
recorrer ou que atitudes pessoais tomar. Assim, frente a indefinições basais
como essas, podemos ter como resultado uma perigosa inanição, especialmente
frente a problemas que exigirão muitos recursos e muito tempo para serem
solucionados. Por exemplo, para livrar o Rio Tejo (Portugal) do despejo
histórico de esgotos urbanos foram investidos 800 milhões de Euros, cerca de R$
2,6 bilhões. Esse processo de poluição ocorreu ao longo das décadas, sob
informes e alertas de ambientalistas, mas nada de concreto foi feito para
contê-lo. Agir apenas quando a situação se torna aguda é sempre muito mais
caro.
BA - Quais relações são possíveis de serem
feitas entre a Educação Ambiental e Jornalismo? Qual é a importância da
informação para a consolidação da Educação Ambiental?
AB – A gestão da Política Nacional de Educação
Ambiental, definida por uma lei de 1999, e a coordenação do Programa Nacional
de Educação Ambiental, cabem aos ministérios do Ministério do Meio Ambiente e
da Educação. Na teoria, esses política e programa deveriam estar permeando
políticas federais, estaduais e municipais de educação. Nesse sentido, um
Jornalismo que alcance com qualidade essas mesmas esferas poderia cumprir um
papel de incentivador de temas a serem debatidos e aplicados dentro e fora de
sala de aula, por exemplo. Assim, o bom Jornalismo auxiliria a Educação
Ambiental a cumprir um de seus papéis, de ser uma ferramenta que dissemina o
intercâmbio e a participação das pessoas no controle social das políticas
públicas por meio do diálogo.
BA – Qual é, para você, a
importância das políticas ambientais nestas quatro esferas: municipal,
estadual, federal e mundial e do papel dos gestores públicos na prevenção e no
enfrentamento dos problemas ambientais e como você percebe as articulações da
atual gestão para minimizar esta crise do setor hídrico, por exemplo?
AB – Políticas ambientais devem ser prioritariamente
políticas públicas que direcionem e proporcionem a essas quatro esferas um
modelo de desenvolvimento mais harmônico com o chamado meio ambiente. Pode soar
como um clichê, mas vejo isso como necessidade de primeira grandeza, pois
infelizmente não nos faltam exemplos de como nosso arcabouço legal desconsidera
os limites e mecanismos naturais. Um caso atual extremo é o do colapso hídrico
que assola o Sudeste e outras regiões do país. Acreditar que Deus é brasileiro
é acionará São Pedro para nos salvar da falta de chuvas não é função de um
gestor público. Enquanto isso, as soluções apontadas pelo Poder Público apostam
em fórmulas comprovadamente ineficazes, como mais obras para transposição de
águas de outras regiões. Frente a variações climáticas e no regime de chuvas,
podemos aumentar nossa resiliência enquanto sociedade com a recuperação e com a
conservação de bacias hidrográficas, especialmente daquelas vitais para o
abastecimento humano. Esse descolamento entre prática política e necessidades
reais e concretas da sociedade é uma das maiores chagas de nosso tempo.
Infelizmente a maioria dos brasileiros ainda não relaciona a qualidade de seu
voto com os rumos que o país adota para seu desenvolvimento.
BA – E as florestas? Você considera o Código
Florestal um retrocesso?
AB – Seguimos desprezando um patrimônio natural
e econômico único em nível global, transformando imensas áreas de vegetação
megadiversa em monoculturas, de pastagens ou commodities. Os últimos dados
sobre desmatamento mostram um aumento de 170% nas perdas na Amazônia em janeiro
se comparado ao mesmo mês do ano passado. Não há controle. Por uma lógica
econômica maquiavélica, ainda é mais barato e rentável seguir avançando sobre a
vegetação nativa de todos os biomas do que aproveitar mais e melhor áreas já
abertas. Um dos resultados são cerca de 100 milhões de hectares em áreas
degradadas, espalhados principalmente pelo Cerrado e entre este e a Amazônia,
todos nada produzindo, ou bem menos do que poderiam. Nesse sentido, o Código
Florestal tem seus aspectos nefastos. Ao mesmo tempo em que a legislação
aprovada em 2012 trouxe instrumentos importantes se forem consolidados - como o
Cadastro Ambiental Rural e a possibilidade de finalmente termos incentivos
econômicos e fiscais a aplicação da lei -, anistiou desmatadores ilegais e a
necessária recuperação de 30 milhões de hectares de vegetação em realação à lei
anterior. Além disso, o novo Código Florestal desprezou a Ciência atual e
histórica ao impor faixas mínimas inaceitáveis para a vegetação no entorno de
nascentes, rios, córregos e lagos. Justamente formações indispensáveis para o
abastecimento humano e para um país de economia ainda rural. Isso é um tiro no
pé da sustentabilidade ambiental, social e econômica. Nesses itens, há
retrocesso claro.
BA – Ano passado foi dito por um conhecido
ambientalista que o governo da Presidente Dilma foi um o pior para o meio
ambiente, você concorda? Por que?
AB – É sempre difícil fazer comparativos entre
governos, pois seria preciso uma análise histórica consistente para tanto. Mas
é possível afirmar que conquistas históricas legais no campo socioambiental
estão seriamente ameaçadas, não só pela pouca ação do Executivo, mas
principalmente pela qualidade da atuação do Legislativo. Os últimos quatro anos
foram de intensos ataques ao arcabouço legal que protege populações indígenas e
tradicionais, unidades de conservação, a PEC215 e o próprio Código Florestal,
entre tantos outros, e não há motivos para crer que a próxima legislatura seja
menos agressiva. Entidades dedicadas a análises do Legislativo apontam que o
resultado das eleições de 2014 nos trouxe uma das mais retrógradas composições
do Congresso Nacional. A Bancada Ruralista cresceu 30%, enquanto as Evangélica
e da Bala também tiveram aumentos expressivos. Ou seja, pautas mais
progressistas enfrentarão duros embates para avançar no Parlamento. Merece uma
análise mais profunda os motivos que levaram a população a escolher tal
representatividade.
BA – Ao longo destes seus 15 anos de
experiência nas áreas Socioambiental, Agropecuária e de Ciência, quais foram as
suas maiores dificuldades?
AB – Enquanto jornalista, de ter pautas aceitas
por editores e veículos, a baixa oferta de capacitação formal e informal e o
espaço cada vez menor oferecido pelos veículos tradicionais a temas fundamentais
para qualificar nosso desenvolvimento socioeconômico. Um dos fenômenos que
temos presenciados é o deslocamento de grande quantidade de pautas
socioambientais e de profissionais dedicados a esses temas para os chamados
veículos alternativos. Isso é positivo porque mantém a cobertura temática, ao
mesmo tempo, a massa da população segue mais exposta a uma cobertura quase
intocada por esses temas orgânicos. Obviamente há ótimos exemplos na grande
mídia de profissionais e de temas muito bem abordados, mas eles estão sem
dúvida aquém do que o Brasil precisa em termos de cobertura jornalística.
BA – E o que te promoveu mais satisfação neste
percurso?
AB – Sem dúvida ter conseguido abordar uma
grande variedade de temas com apoio de fontes e de lideranças extremamente
qualificadas, em variados tipos e tamanhos de veículos, e observar que várias
reportagens tiveram efeitos práticos diretos e indiretos na transformação de
realidades socioambientais, da Mata Atlântica ao Pantanal e outras regiões.
BA – Quais são as pessoas que você mais admira
e te inspiram no desenvolvimento do teu trabalho?
AB – No Brasil gostaria de citar os agrônomos
Luiz Jacques Saldanha e Sebastião Pinheiro, os ambientalistas Henrique
Roessler, José Lutzenberger e Augusto Carneiro, e os jornalistas Roberto Villar
Belmonte e Liana John. No Exterior, o jornalista Michael Frome e os escritores
John Muir, Rachel Carson e Henry Thoreau. Todos guerreiros incansáveis.
BA – Deixa uma mensagem para os leitores da EA em
Ação, uma palavra, uma frase...
AB – Se informe, participe, aja. Sempre com a
maior qualidade possível e sempre em defesa de um futuro melhor para o Brasil e
para o planeta. Não desista, por mais que as pessoas ofereçam barreiras, por
mais que a política esteja degradada.
BA – Aldem, agradeçemos pela tua
participação e disponibilidade em compartilhar, com leitoras e leitores da
revista EA em Ação, a sua experiência através desta breve entrevista, muito
obrigada!