Revista Educação Ambiental em Ação 38
ENTRE O CAMPO E A CIDADE: EDUCAÇÃO AMBIENTAL MILITANTE EM UM GRUPO DE CONSUMO NO
RIO DE JANEIRO
Inny Accioly
1
e Celso Sánchez
2
1
Atriz, aluna do curso de especialização em Educação Ambiental para sociedades
Sustentáveis, PUC-Rio, mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação da
UFRJ-
innyaccioly@hotmail.com
2
Biólogo, Doutor em Educação, Departamento de Didática da Escola de Educação da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro(UNIRIO)celsosanchez@unirio.br. Av Pasteur, 458,
Urca. Rio de Janeiro, RJ. CEP- 22290-240.
Resumo
O presente trabalho analisa o caso da Rede Ecológica, um grupo de consumidores
que, dentre outras ações, realizam compras de alimentos diretamente de
agricultores agroecológicos, familiares, pequenas empresas e cooperativas.
Assim, analisa-se a rede como um espaço de Educação Ambiental não-formal, a qual
promove, em uma grande cidade como o Rio de Janeiro, uma importante oportunidade
de humanizar relações de consumo e discutir ações sustentáveis.
Palavras-chave:
consumo; redes sociais; educação ambiental.
INTRODUÇÃO:
No atual sistema democrático brasileiro observamos a presença maciça de grandes
empresários do agronegócio ligados ao poder legislativo e atuando a favor deste
setor. (MENDONÇA, 2010) Observa-se uma agenda política governamental que
prioriza o setor do agronegócio, especialmente voltado para a exportação.
Segundo palavras do Ministro da Agricultura, Wagner Rossi:
O agronegócio brasileiro é estratégico para a consolidação econômica do país:
representa hoje 26,4% do PIB nacional, garante 36% das nossas exportações e
responde por 39% dos empregos gerados no mercado interno. É um setor
indispensável, sinônimo de liderança na produção de alimentos para o mundo.
Palavras do
Ministro da Agricultura Wagner Rossi. Disponível em
Acesso 11 mai. 2011.
Esta visão
hegemônica do sucesso do agronegócio, construída por pressões políticas de
ruralistas no Congresso Nacional e no Governo, abafa a grande importância da
agricultura familiar na economia nacional, que, conforme dados do Censo
Agropecuário é a grande responsável pela produção de gêneros alimentares de
consumo interno dos brasileiros:
No Censo Agropecuário de 2006 foram identificados 4.367.902 estabelecimentos de
agricultura familiar. Eles representavam 84,4% do total, mas ocupavam apenas
24,3% (ou 80,25 milhões de hectares) da área dos estabelecimentos agropecuários
brasileiros. Já os estabelecimentos não familiares representavam 15,6% do total
e ocupavam 75,7% da sua área.
Dos 80,25 milhões de hectares da agricultura familiar, 45% eram destinados a
pastagens, 28% a florestas e 22% a lavouras. Ainda assim, a agricultura familiar
mostrou seu peso na cesta básica do brasileiro, pois era responsável por 87% da
produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do
café, 34% do arroz, 21% do trigo e, na pecuária, 58% do leite, 59% do plantel de
suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. (fonte: IBGE)
As disparidades
entre as políticas relativas ao agronegócio (seja ele de pequeno, médio ou
grande porte) e à agricultura familiar saltam às vistas quando é
institucionalizada uma abordagem dualista do setor agrícola em âmbito
ministerial: a agricultura capitalista empresarial competitiva e provedora de
divisas é assessorada oficialmente pela robusta estrutura do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), enquanto a agricultura familiar –
vista como atrasada, dependente, associada à reforma agrária e a compensações
sociais custosas para o contribuinte – fica a cargo do ainda jovem Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA).
Nas atuais
políticas do governo federal, a agricultura familiar é deixada em segundo plano
e a responsabilidade pelo seu incentivo é jogada nas mãos de outras esferas,
como relatado no texto que enumera os objetivos específicos da SAF (Secretaria
de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário):
Buscar, junto a organismos públicos multilaterais e a organizações
não-governamentais internacionais, novas fontes de recursos para projetos de
apoio à agricultura familiar, principalmente para projetos relacionados à
viabilização dos produtores de menor renda.
Disponível em
Acesso em 11
mai. 2011.
A agricultura
familiar no Brasil é tratada sob o enfoque do “atraso” que precisaria de uma
“injeção de desenvolvimento”. Desta forma, políticas do governo relativas à
agricultura familiar assumem duas vertentes: uma compensatória que busca
“aliviar” as necessidades básicas da população rural (bolsa-alimentação,
bolsa-família) e outra que incentiva, através de mecanismos de crédito e
endividamento, o ‘agronegócio familiar’ e a inserção de pequenos agricultores no
mercado capitalista competitivo – onde, de fato, terão poucas chances de
competir com grandes empresários do agronegócio.
Segundo
Sabourin (2007), as estatísticas oficiais e os estudos sobre cadeias produtivas
não levam em conta o papel do autocosumo e da redistribuição não monetária e não
mercantil na consolidação da segurança alimentar:
Essa visão limitada ao mercado capitalista internacional ignora os efeitos
positivos dos circuitos curtos (venda direta, feiras locais, mercados dos
produtores e feiras agroecológicas) em termos de abastecimento e de alimentação
de qualidade para a população das cidades, sobretudo as pequenas e médias.
(SABOURIN, 2007)
A questão
alimentar mexe com interesses diversos e até contrários, o que faz com que a
definição do significado da segurança alimentar se transforme em um espaço de
disputas. Há um consenso teórico sobre o direito de todos ao acesso regular e
permanente a alimentos de qualidade. Entretanto, esta perspectiva não garante o
direito à produção independente de alimentos – que seria garantido pelo livre
acesso a sementes não modificadas e não patenteadas por empresas -, nem ao
acesso a alimentos não contaminados por fertilizantes químicos e defensivos
agrícolas tóxicos ao organismo humano.
Desta forma,
várias distorções da questão da segurança alimentar são estabelecidas:
-
Grandes produtores do agronegócio se afirmam como sendo os únicos capazes de
abastecer a população mundial em grande escala e combater a fome;
-
Em defesa da quantidade e da eficiência da produção agrícola são admitidas
doses “seguras” de agrotóxicos nos alimentos;
-
A produção de alimentos em regime de monocultura é considerada como o único
meio economicamente viável no combate à fome;
-
A agricultura local e de subsistência são encaradas como ineficientes e
dispensáveis, de forma que todas as terras férteis deverão ficar sob a
tutela da agricultura tecnicizada e altamente produtiva, reduzindo os
pequenos agricultores a consumidores dos produtos do grande agronegócio.
Neste
contexto, o agricultor que não utiliza agrotóxico é penalizado, tendo que arcar
com os custos de uma “certificação orgânica”. Cria-se uma nova indústria: a da
certificação orgânica.
A RESISTÊNCIA
No Rio de
Janeiro, em 2001, uma antropóloga, Elizabeth Linhares, e uma educadora
ambiental, Miriam Langenbach, dão o primeiro passo para a criação do que
futuramente seria a Rede Ecológica. Preocupadas com a questão dos agrotóxicos e
com a falta de incentivos dispensados à agricultura familiar orgânica, iniciaram
um movimento de cooperação com Sebastiana - agricultora assentada pela reforma
agrária no interior do Estado do Rio de Janeiro – e assim passaram a encomendar
os alimentos produzidos em sua pequena propriedade rural. Com o passar do tempo,
novas pessoas se juntaram a este movimento a fim de também consumirem os
alimentos orgânicos produzidos por Sebastiana e viabilizar as compras coletivas.
Novos produtores também se uniram ao movimento, que foi ganhando novas
dimensões.
A Rede Ecológica hoje pode se caracterizar como uma rede social
organizada por grupos de consumidores que, dentre outras ações, realizam compras
semanais de alimentos e produtos domésticos de forma coletiva, em uma interação
direta com empreendimentos agroecológicos da agricultura familiar. Atualmente, a
Rede Ecológica possui núcleos em diversos
bairros do Município do Rio de Janeiro (Urca, Botafogo, Humaitá, Santa Teresa,
Recreio, Vila Isabel e Jacarepaguá), assim como em Niterói e Seropédica,
envolvendo aproximadamente 200 famílias e 20 associações de produtores.
Desde a sua criação, a Rede Ecológica passou por crises, avanços e retrocessos,
inúmeras transformações que acabam por caracterizá-la como sendo menos um
conjunto de pessoas que estão apenas interessadas em consumir alimentos
orgânicos direto do produtor e mais como um movimento social que, segundo Maria
da Glória Gohn, expressaria uma “nova mentalidade sobre a coisa pública” através
de ações coletivas sem fins lucrativos, mobilizadas por um sentido de
solidariedade, que atuam na mediação entre a Sociedade Civil, o Estado e o
Mercado. (GOHN, 2003)
Segundo Michel de Certeau (1994), ações como ir às compras ou cozinhar não devem
mais ser consideradas como ações ingênuas. Elas se inserem no cotidiano como
atividades táticas e desembocam em uma “politização das práticas cotidianas”.
A Rede Ecológica, ao estimular a reflexão sobre o consumo e engajar os
associados em suas lutas, promove a figura do consumidor ativo ou criativo, em
constante luta tática: “Essas táticas manifestam igualmente a que ponto a
inteligência é indissociável dos combates e dos prazeres cotidianos que articula
[...]” (CERTEAU, 1994, p.47).
Como exemplos destas táticas, em março de 2010, representantes da Rede Ecológica
estiveram presentes no Fórum Social Urbano, debatendo “Grupos
de consumo e o exercício da cidadania nos bairros/cidade”, onde apresentaram
algumas lutas nas quais têm se mobilizado: pelos bondinhos históricos de Santa
Teresa, pelo Cassino da Urca e contra o aterro sanitário em processo de
instalação em Seropédica (RJ). Em agosto de 2010, a Rede Ecológica convocou seus
associados a estarem presentes em Audiência Pública para discutirem a
importância da criação do Sistema e da Política de Segurança Alimentar e
Nutricional do Município do Rio de Janeiro (SISAN-Rio). Também em agosto de
2010, a Rede Ecológica contribuiu ativamente na organização do “II
Encontro de Agroecologia do Rio de Janeiro”, realizado na Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro. Em outubro de 2010 a Rede Ecológica contribuiu
relatando o seu funcionamento no “XII Seminário de Nutrição em Saúde Coletiva”,
organizado pela Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil em parceria com o
Instituto Annes Dias.
EDUCAÇÃO (AMBIENTAL) CONTINUADA
Na ausência da auto-educação
cooperativa de iguais capazes de compreender o significado real de economia,
tudo continuara à mercê dos interesses investidos na reprodução máxima de
necessidades artificiais, inseparáveis da perpetuação lucrativa da escassez.
(Mészáros, 2010, p.48)
Acreditamos que a
formação continuada e permanente dos indivíduos é fator essencial se visarmos à
transformação social. Nesta perspectiva, educação continuada e permanente só é
possível se considerada enquanto um processo complexo de ação-reflexão-ação
(FREIRE, 2005), de construção de saberes durante a prática e sobre a prática, ao
serem tecidas redes de conhecimentos que se expandem diariamente. Desta forma, a
auto-educação cooperativa de iguais (Mészáros, 2010) - de forma continuada - é
fator chave na prática da autogestão.
Como parte do seu contínuo caminho à autogestão, a Rede Ecológica não diferencia
novos e antigos associados, pois todos devem assumir compromissos de
participação ativa tanto em sua estrutura de funcionamento quanto nos processos
decisórios. Entretanto, “a forma como a sociedade capitalista se organiza não
oportuniza uma cultura de decisão coletiva”. (GADOTTI, 2009, p.33) Em um sistema
capitalista, a autogestão é um processo complexo e enfrenta inúmeros obstáculos
e resistências. A Rede Ecológica enfrenta e sempre enfrentou problemas em sua
gestão devido à dificuldade de contar com a participação ativa de seus membros e
teve seu funcionamento durante muitos anos centrado na figura de uma das
fundadoras, Miriam Langenbach, que, por ser aposentada, possuir recursos
financeiros, tempo disponível e grande capacidade de articulação, dedicou-se
intensamente à Rede Ecológica. Somente em seu décimo ano de existência a Rede
Ecológica conseguiu dar um passo maior em direção à autogestão, com a criação da
Comissão Gestora, composta por representantes de cada um dos núcleos.
Ao abordar a necessidade
da transformação social, duas perguntas se impõem: Transformar para quê, para
quem? Moacir Gadotti nos aponta que “o homem pós-moderno procura dedicar-se ao
seu cotidiano, ao seu mundo, envolve-se com as minorias, as pequenas causas, com
metas pessoais e de curto prazo.” (GADOTTI, 2004, p.309). Castells (1999) afirma
que, em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca da
identidade tornou-se a fonte básica de significado social e que nossas
sociedades estão estruturadas em uma oposição bipolar entre a Rede (o que é
globalizado) e o Ser (a identidade).
Como nos aponta
Loureiro (2008), os movimentos sociais, quando descolam a luta pela afirmação da
identidade das demais questões e de suas determinações históricas, esvaziam o
debate político e favorecem a ação fragmentada focada na esfera do indivíduo,
reforçando a lógica do efêmero e do imediato (e do liberalismo, em última
instância).
Neste sentido, uma
iniciativa de autogestão - que pressupõe a participação engajada de todos os
seus membros - que seja focada na transformação societária sofre com imperativos
como a falta de tempo livre (BOURDIEU, 2010) e a tendência constante de
reprodução da ideologia dominante (Mészáros, 2010) e manutenção da ordem
vigente. Todos estes são pontos sensíveis quando nos propomos a refletir sobre a
atuação da Rede Ecológica.
[...] O tão
propagado sentido transformador (ou mesmo revolucionário) do movimento
ecológico/ambientalista, neste arranjo contemporâneo, ganha potencialidade ao
não mais separar a luta de classe das lutas cotidianas, a afirmação cultural da
necessidade de reestruturação econômica, a produção do consumo. Em síntese,
representa a aceitação da indissociabilidade constitutiva entre o social e o
ecológico. (LOUREIRO, 2009, p.196)
Nem todo movimento dito
ecológico se propõe a ser realmente transformador e revolucionário. Existe uma
forte corrente dentro do movimento ambientalista que acredita que apenas mudando
comportamentos cotidianos – reciclando o lixo doméstico, trocando lâmpadas
incandescentes por fluorescentes (ou o tipo de lâmpada que se intitule como o
mais “eco-eficiente” do momento), consumindo produtos cujas embalagens são
recicladas, trocando o seu automóvel por um que elimine menos gases na atmosfera
(mesmo que este seja monstruosamente mais caro) – é possível garantir um meio
ambiente mais equilibrado. Esta corrente – muito bem estabelecida no campo
ambiental, por sinal -, ao ditar quais são os comportamentos “ecologicamente
corretos” do momento, acabam por acentuar as desigualdades e o preconceito que
recai sobre aqueles que não possuem meios financeiros de “adquirir” (comprar)
tais hábitos. Esta corrente exerce forte influência sobre as concepções de
Educação Ambiental.
A Rede Ecológica - como um
movimento social não homogêneo – traz à tona estas muitas visões de
ambientalismo entre seus membros. Não há como negar as disputas ocultas que
estas diferentes ideologias travam em seu interior. Entretanto, é inegável
também que, quando alguns membros da Rede Ecológica assumem posições - em nome
deste coletivo - na luta pela segurança alimentar no interior do Consea-RJ
(Conselho de Segurança Alimentar do Rio de Janeiro), na luta pela agroecologia
junto ao CPORG-RJ (Comissão de Produção Orgânica do Estado do Rio de Janeiro),
na luta conjunta com agricultores pela certificação da qualidade de suas
produções orgânicas – da qual falaremos mais adiante – entre tantas outras
lutas, faz da Rede Ecológica um coletivo estratégico na corrente
contra-hegemônica no campo e na cidade.
ENTRE O CAMPO E A CIDADE
A Rede Ecológica é
composta de núcleos que se localizam em diferentes locais geográficos do Rio de
Janeiro e que estão ligados pelas diversas comissões estruturais da rede:
Comissão Gestora (que conta com representantes de todos os núcleos), Comissões
de Cuidados com o núcleo (interna a cada núcleo), Comissão de Interação com os
Produtores, Logística, Finanças e Comunicação. Além destas Comissões estruturais
da Rede, existem as funções desempenhadas em âmbito externo à Rede: SPG (Sistema
Participativo de Garantia), Consea (Conselho de Segurança Alimentar do Estado),
Cporg (Comissão de Produção Orgânica do Estado) e Articulação de Agroecologia do
Estado.
A integração da Rede
Ecológica tanto no Consea quanto no Cporg – ambos instrumentos de articulação
entre governo e sociedade civil – faz parte de uma tentativa de ocupar o espaço
destinado aos consumidores e exercer o controle social nestes órgãos consultivos
e de assessoramento, assim como garantir os interesses de consumidores e
produtores agroecológicos.
Quanto à questão da certificação dos produtos, no Brasil temos três diferentes
mecanismos para a garantia da qualidade orgânica: a Certificação; os Sistemas
Participativos de Garantia; e o Controle Social para a Venda Direta sem
Certificação.
O processo de certificação se dá por meio de instituições que podem ser
públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos, conhecidas como
Certificadoras, que têm seus procedimentos básicos estabelecidos por normas
reconhecidas internacionalmente. Para a grande maioria dos pequenos
agricultores, principalmente aqueles que foram assentados pela reforma agrária,
cumprir as exigências de padrão internacional e arcar com os custos da adequação
exigidos por uma Certificadora é extremamente penoso.
Os Sistemas Participativos de Garantia caracterizam-se pelo controle
social e pela responsabilidade solidária, podendo abrigar diferentes métodos de
geração de credibilidade, adequados a diferentes realidades sociais, culturais,
políticas, territoriais, institucionais, organizacionais e econômicas.
O fornecedor que tenha aprovada a conformidade de sua unidade de produção
receberá um “Atestado de Conformidade Orgânica” emitido pelo Organismo
Participativo de Avaliação da Conformidade (OPAC), com validade de um ano a
partir da data de sua emissão.
A Rede Ecológica colabora com a certificação participativa dos seus produtores
rurais. Um Sistema Participativo de Garantia é formado, basicamente, por dois
componentes: os Membros do Sistema (produtores e consumidores) e o Organismo
Participativo de Avaliação da Conformidade – OPAC (registrado pelo Ministério da
Agricultura). Os Sistemas Participativos de Garantia tem como forte
característica a combinação das visitas de verificação da conformidade com a
promoção de troca de experiências entre os participantes do sistema e o
assessoramento aos fornecedores para a resolução de possíveis não-conformidades
e para o aperfeiçoamento dos sistemas produtivos.
Nos Sistemas Participativos de Garantia a decisão sobre a conformidade ou não e
possíveis medidas corretivas e penalidades a serem aplicadas, é tomada após
visita de verificação, pela Comissão de Avaliação, pelo fornecedor visitado e
pelo grupo que este integra, em reunião específica para tal, respeitado o quorum
mínimo definido no Regimento Interno do Organismo Participativo de Avaliação da
Conformidade.
Durante as visitas de verificação, o consumidor que reside na cidade tem a
possibilidade de estreitar laços com o produtor dos insumos alimentares que
consome, assim como compreender mais de perto as dificuldades de produzir
alimentos agroecológicos no Brasil.
O Brasil lidera o consumo de agrotóxicos no mundo desde 2009, fazendo com que o
seu uso, tanto para os pequenos quanto para os grandes agricultores seja cada
vez mais necessário, devido à resistência que os insetos e pragas desenvolvem a
estes químicos. Além disso, o uso de fertilizantes e defensivos produzidos em
laboratório, por ser tão difundido, é um hábito fortemente arraigado em algumas
regiões, fazendo com que aquele produtor que escolhe não utilizar estes químicos
tenha que tomar uma série de ações para tentar impedir que estes venenos
utilizados nas propriedades vizinhas contaminem a sua safra. Desta forma, é
forçado a fazer uma barreira vegetal de segurança em sua propriedade, reduzindo
a área de plantio dos alimentos que poderão ser avaliados como orgânicos.
Outro ponto importante na atuação da Rede Ecológica junto aos pequenos
produtores é o incentivo para que estes se organizem. A Rede atua de forma
colaborativa, disseminando informações e colaborando para que os produtos
agroecológicos cheguem à cidade e possam, além de abastecer os membros da Rede,
ser comercializados em feirinhas orgânicas que ocorrem no meio urbano.
Como exemplo, podemos citar o caso do Serorgânico, localizado em Seropédica
(Estado do Rio de Janeiro). A partir de 2007 a Rede Ecológica se aproximou de
Seropédica, especificamente do assentamento rural Sol da Manhã. Este
assentamento do MST (Movimento dos Sem-Terra) foi criado em 1983, em área
pertencente ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que
deu apenas uma assistência técnica inicial na montagem após o recebimento do
título. Houve apoio do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar) e Procera (Programa de Crédito Especial para Reforma
Agrária), além de experiências com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária), Pesagro (Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de
Janeiro) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. O assentamento, na
época de sua criação, era composto de 53 famílias que trabalhavam na terra.
Devido a falta de assistência continuada e de organização, muitas famílias não
conseguiram se manter e abandonaram a terra.
Para a Rede Ecológica, produtores de assentamentos rurais devem ser
especialmente apoiados através das compras coletivas, pois enfrentam maiores
obstáculos para produzir. Sendo assim, estabeleceu-se forte laço com João
Pimenta, produtor e vice-presidente da Associação dos Microprodutores do
Assentamento Sol da Manhã. A partir de 2009, o grupo de produtores
agroecológicos passou a se organizar, assumindo o nome “Serorgânico”.
Atualmente o grupo é composto de aproximadamente 15 produtores, que escoam seus
produtos para a Rede, para feiras ecológicas e para o quiosque dos orgânicos,
que surgiu a partir de projeto elaborado pela Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro financiado pela organização francesa ‘Amar’ e apoiado pela brasileira
‘Idaco’, com objetivo de facilitar o escoamento da produção de assentados locais
e outros produtores, divulgar o cultivo orgânico entre a população urbana e,
indiretamente, proporcionar a valorização e preservação do meio ambiente.
Os produtores do Serorgânico, além de abastecerem a Rede Ecológica são
consumidores dos alimentos que esta disponibiliza e que vem de outros
agricultores. O Serorgânico iniciou o Sistema Participativo de Garantia (SPG) em
2010, buscando adaptar-se à conformidade necessária para receber o atestado de
conformidade orgânica. Este processo conta com o apoio da ABIO (atuando como
OPAC) e consumidores da Rede Ecológica.
Em 2010, os produtores do Serorgânico foram indicados pela Rede Ecológica para o
Terra Madre no Brasil, organizado pelo movimento Slow Food Internacional, que
aconteceu em março de 2010, em Brasilia. Passam a ser reconhecidos como
"comunidades do alimento" e a fazer parte da "Rede Terra Madre".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A produção agroecológica no Brasil sofre uma série de ‘penalidades’ e obstáculos
para a sua sobrevivência. Devido à pressão das indústrias químicas produtoras de
defensivos e fertilizantes agrícolas, assim como de toda rede ligada ao
agronegócio, não são criadas leis que proíbam ou reduzam drasticamente o uso
destes químicos.
Desta forma, a primeira ‘penalidade’ que o produtor agroecológico sofre é ter
que ele comprovar que não utiliza estes químicos e que sua safra não está
contaminada por resíduos vindos de propriedades vizinhas. Para isso, precisa
seguir diversos procedimentos que acaba reduzindo o tempo que ele se dedica ao
plantio e colheita.
Outra ‘penalidade’ sofrida é a falta de incentivo e subsídios do governo, o que
faz com que o valor do alimento seja encarecido e não tenha condições de
competir no mercado com alimentos produzidos em larga escala. Mesmo que não seja
de interesse do pequeno agricultor agroecológico a competição em mercados
capitalistas, ele sofre com a falta de infraestrutura nas vias de acesso e
circulação ao redor de sua propriedade, o que dificulta drasticamente o
transporte de seus produtos até as feiras de trocas, mercados agroecológicos e
grupos de consumo. Desta forma, a união de consumidores e pessoas dispostas a
entrar na luta pelo alimento realmente de qualidade para todos torna-se vital
para a sobrevivência do pequeno produtor.
As diversas formas de militância dos membros da Rede Ecológica junto ao poder
público e o seu empenho em disseminar informações sobre a importância da união
entre campo e cidade nesta luta pela não separação entre produção e consumo a
faz desempenhar um importante papel educativo entre os seus associados e a
sociedade em geral, contribuindo para a transformação não só de hábitos, mas de
valores, constituindo-se como um espaço de Educação Ambiental e promovendo, em
uma grande cidade como o Rio de Janeiro, uma importante oportunidade de
humanizar nossas relações de consumo e nossa existência neste planeta.
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