Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/09/2009 (Nº 29) Expedições Científicas com Alunos de uma Escola Rural: Educação Ambiental em Recursos Hídricos
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Seção : artigos

Expedições Científicas com Alunos de uma Escola Rural: Educação Ambiental em Recursos Hídricos

 

Cristiano Cunha Costa¹                               

Paulo Sérgio Maroti²

 

¹Engenheiro Florestal (UFS), Especialista em Educação Ambiental e Recursos Hídricos (USP), Mestrando em Agroecossistemas (UFS). Email: criscunh@bol.com.br

² Prof. Adjunto/UFS/Campus Prof. Alberto Carvalho/Itabaiana-SE. Email: dpsm@ufs.br

 

RESUMO

O estudo do meio é uma forma de envolver alunos e professores em práticas de educação ambiental, utilizando a percepção como ferramenta no sentido de entender como o ser humano se vê no meio ambiente. Dessa forma, este estudo teve como objetivo estudar a percepção de alunos da oitava série do ensino fundamental de uma escola rural, usando a barragem do próprio povoado. Para isso, foram elaborados mapas mentais (MM) da situação atual e da situação daqui dez anos, segundo a percepção dos alunos, com seus respectivos comentários.  Como situação atual, foram representados landmarks mostrando o uso da água da barragem assim como o lixo depositado devido às atividades de turismo e sua contaminação. Para dez anos, foram representados landmarks associados à manutenção das atividades de irrigação de culturas agrícolas e o consumo doméstico da comunidade, mesmo com a água escura, com lixo e com peixes mortos pela contaminação. Nos MM feitos pelos alunos, ficaram evidenciados a preocupação da situação atual com relação ao futuro da barragem, relatando a necessidade de atitudes voltadas para uma conservação e recuperação do corpo d’água local. 

Palavras-chaves: percepção ambiental, landmarks e mapas mentais.

 

1. INTRODUÇÃO

O estudo do meio é definido por PONTUSCHKA (1983) como uma metodologia em que alunos e professores são colocados em situação de pesquisa e juntos analisam o espaço humanizado e problematizam situações contatadas em busca de respostas, portanto professores e alunos juntos produzem o conhecimento. Dessa forma, para THIOLLENT (2000), a pesquisa-ação tem como ponto de partida a articulação entre a produção de conhecimentos para a conscientização dos sujeitos e solução de problemas socialmente significativos.

É nesse contexto que é inserida a educação ambiental. Segundo REIGOTA (2002), trata-se de uma educação que visa não só a utilização racional dos recursos naturais, mas basicamente a participação dos cidadãos nas discussões e decisões sobre a temática ambiental. SATO (2002) defende que a educação ambiental deve ser abordada como uma dimensão que permeia todas as atividades escolares perpassando os demais diversos setores de ação humana.

            A educação ambiental deve prover os meios de percepção e compreensão dos vários fatores que interagem no tempo e no espaço para modelar o meio ambiente (DIAS, 2003).  Uma questão crucial para o sucesso dos programas de educação ambiental é a adoção de ferramentas adequadas para que cada grupo atinja o nível esperado de percepção ambiental (JACOBI et al., 2004).

Cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente frente às ações sobre o meio. As respostas ou manifestações são, portanto, resultado das percepções, dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada indivíduo (FAGGIONATO, 2005).

Para HIGUCHI & AZEVEDO (2004) as capacidades e experiências pessoais são formas de pensar que nos fazem serem distintos uns dos outros, de modo que, diante de uma mesma situação, cada pessoa tem uma experiência única de percepção, que contribui para formar suas representações, idéias e concepções sobre o mundo.

 

2. METODOLOGIA

2.1. Caracterização da área de estudo

A Escola Municipal Profª. Anailde Santos de Jesus está localizada no Povoado Cajaíba, zona rural do município de Itabaiana, estado de Sergipe.

As atividades foram realizadas com alunos da 8ª série, sendo que a barragem de mesmo nome do Povoado foi utilizada como instrumento de estudo da percepção dos alunos.

Para o estudo da percepção ambiental, foram entregues 2 folhas de papel branco (A4), sendo solicitado para que fossem colocados os nomes e, em uma delas, fosse desenhado a situação atual da barragem e no verso da folha, que o aluno comentasse o próprio desenho.

            Com a segunda folha, foi solicitado que os alunos imaginassem como estaria a barragem daqui a 10 anos e representassem no papel. Em seguida, no verso da folha, comentassem sobre o desenho. Os desenhos foram feitos com lápis de cor, tendo a liberdade para a escolha das cores na confecção dos desenhos. Todos conhecem a barragem e nenhuma informação lhes foi oferecida visando não influenciar nos desenhos.

            BARRAZA (1999) propõe a mesma metodologia para analisar a percepção sobre o ambiente de crianças com idade escolar de 7 a 9 anos em uma escola do México (ambiente rural) e em uma da Inglaterra (ambiente urbano). Os resultados observados foram de conhecimento sobre a problemática ambiental representados nos desenhos para ambos os grupos amostrados, mas diferiram nos resultados referente ao pessimismo quanto ao futuro. As crianças de áreas urbanas (Inglaterra) são mais pessimistas, enquanto que as crianças que residem e estudam em meio rural (México), portanto mais próximas a natureza, tiveram representações muito mais otimistas relacionado a um futuro próximo.

Para analisarmos os desenhos ou mapas mentais utilizou-se o conceito dos landmarks ou marcos conceituais simbólicos, denominados por Niemeyer (1994).

 

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Mapas mentais e a situação atual da barragem

            Nos desenhos, referindo-se à situação atual da barragem, existem landmarks associando a barragem com a agricultura uma vez que o povoado utiliza dessa água para a irrigação, ficando evidente a importância/identidade que a mesma tem para a vida de cada família mesmo que, de acordo com a percepção dos alunos, a água esteja poluída (figura 01).

 

Figura 01. Representação atual da Barragem. Mapas mentais dos alunos em que a água da barragem é usada para irrigação.

 

            Existem mapas mentais que representam a sujeira e a contaminação da água da barragem onde se pode verificar a presença de elementos adicionados ao ambiente pelo homem, como garrafas, pneus e automóveis sendo lavados; além de pessoas usando das águas para o banho e pescaria. Observa-se, também, a existência de peixes e animais.  A mata ciliar foi pouco destacada nos desenhos dos alunos. Tal fato pode se dever ao não costume de ver mais corpos d’água com tais elementos da paisagem (Figura 02).

 

Figura 02. Representação atual da Barragem. Mapa mental dos alunos segundo a percepção deles com relação à qualidade da água da barragem.

                   

 

Figura 03. Representação atual da Barragem. Mapas mentais com landmarks associados à atividades turísticas.

 

            Já outros mapas mentais, pode-se destacar os landmarks associados às atividades turísticas desenvolvidas como meio de obtenção de renda, para a diversão de turistas e pela própria comunidade e cidades vizinhas, sem qualquer preocupação com a preservação do meio aquático (figura 03).

           Um dos alunos destaca em seu relato que:

 

“Isso acaba prejudicando nossa saúde, porque a água que foi poluída, vai para as nossas casas, plantações, etc. essa água é também transportada para a cidade de Itabaiana. Essa água poluída, que nós bebemos é cheia de bactérias, é uma coisa horrível, a água é tão ruim que a cor da água é amarelada com gosto de ferrugem e outras coisas” (aluna M. V.) .

 

 A mesma preocupação é relatada por outro aluno quando fala que:

 

 “ ...A água que está chegando em nossas casas é de má qualidade e oferecendo riscos a nossa saúde” ( aluno W. dos S. C).

 

            A água do açude pode, às vezes, ser fonte de diversas doenças. As mais comuns são hepatite, a amebíase e a esquistossomose, popularmente conhecida como xistosomose, ou barriga d’água (MOLLE, 1992).

            DORNELLES (2006) notou que seus entrevistados desconhecem resultados da qualidade da água do rio Monjolinho em São Carlos/SP. Essa falta de informação é preocupante, uma vez que a população ribeirinha ainda pesca no rio Monjolinho ou usam suas águas para a irrigação de hortaliças, representando um fator de risco adicional à saúde.

            Nas descrições solicitadas, os alunos usam termos como: poluída, macabra, não tem aparência agradável, não está em boas condições, estado muito ruim, muito suja, e não tem aparência bonita, para descrever, nas suas visões, a respeito da condição atual da barragem.

            DORNELLES op. cit., ao estudar a percepção dos moradores da bacia hidrográfica do Monjolinho em São Carlos/SP, notou nos entrevistados, mesmo nos mais jovens, uma preocupação com o meio ambiente, sua valorização, sua conservação e os problemas existentes.

 

3.2. Mapas mentais e a percepção para daqui dez anos

            De acordo com os mapas mentais da maioria dos alunos, pode-se observar landmarks da paisagem destacando espaços de lazer, como bares associados à atividade turística e tendo como conseqüência, a existência de resíduos sólidos no interior do corpo d’água (pneus, garrafas) e a água representada com coloração escura e se pode observar a ausência de mata ciliar (figura 04), como já destacado em outro mapa mental.

Figura 04. Representação da Barragem para dez anos. Mapas mentais referentes à atividade turística praticada na barragem da Cajaíba.

 

            Nos mapas mentais elaborados para a próxima década, alguns elementos da paisagem ficam destacados: a manutenção das atividades de irrigação de culturas agrícolas e também o consumo doméstico da comunidade, mesmo com a água escura, com lixo e com peixes mortos pela contaminação (figura 05). Tais representações são consideradas de perfil pessimista para o corpo d’água.

 

Figura 05. Representação da Barragem para dez anos. Mapas mentais confeccionados por alunos com relação ao uso futuro da barragem.

 

Segundo um dos alunos:

 

“...a barragem se for indo como irá, tá muito poluída, com água pouca, água escura e não mais será uma área de lazer. Mas tudo isso por causa dos próprios banhistas, mas tomara que melhore muito” (aluna M.).

 

Alguns mapas mentais representam landmarks associados à seca da barragem, com a utilização de réguas de medição e torneiras para representarem a gravidade do problema (figura 06).

 

 

Figura 06. Representação da Barragem para dez anos. Mapas mentais representando a barragem seca daqui 10 anos.

 

Os mapas mentais definem uma percepção pessimista para o corpo d’água segundo os alunos. Tal degradação é representada pela coloração escura da água, poluição e contaminação, além da presença de peixes mortos.              

Para BARRAZA op. cit., os desenhos de crianças são ferramentas úteis provendo valiosa informação para o estudo da percepção ambiental infantil, servindo, principalmente, como indicadores emocionais para especificar problemas ambientais.

A análise da representação gráfica não é suficiente. A fala sobre o desenho deve ser registrada. Essa correlação proporciona a unidade do desenho e da fala, e é essa unidade que torna possível a interpretação dos desenhos. Dessa maneira, a leitura dos desenhos infantis, por parte do pesquisador, não pode perder de vista os aspectos objetivos e subjetivos neles contidos (KOSMINSKY, 1998).

 

                        

4. CONCLUSÃO

Cabe destacar que, a partir dos dados obtidos nos mapas mentais denota-se que os alunos compreendem os impactos ambientais e a relevante importância da Barragem Cajaíba para a população do povoado estudado e cidades circunvizinhas. Evidencia-se a preocupação da situação atual com relação ao futuro da barragem, relatando a necessidade de atitudes voltadas para uma conservação e recuperação do corpo d’água local. 

O papel da educação ambiental é possibilitar ao ser humano novas posturas ao lidar com o meio ambiente, procurando adotar uma relação mais harmônica com os recursos naturais e com a natureza. Assim, tal postura de integração e participação nas questões ambientais deve propiciar a ação cidadã. Além disso, a educação ambiental estimula a percepção necessária no sentido dos atores sociais envolvidos no processo, sejam capazes de transformarem a atual situação ambiental existente.

 

           

5. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

 

BARRAZA, L. Children’s Drawings About the Environment. Environmental Education Research. Vol 5 nº. 1, p 49-66, 1999.

 

DIAS, G. F. Educação ambiental: princípios e práticas. 8ª ed. São Paulo: Gaia, 2003.

 

DORNELLES, C. T. A. Percepção Ambiental: uma análise na bacia do rio Monjolinho, São Carlos, SP. Dissertação de mestrado. Escola de Engenharia de São Carlos – Universidade de São Paulo. 2006. 177p. 

 

FAGGIONATO, Sandra. Texto situado no site: http://educar.sc.usp.br/biologia/textos/m_a_txt4.html, 2005. Acesso em: 25.mar. 2007.

 

HIGUCHI, M. I. G.; AZEVEDO, G. C. de. Educação como processo na construção da cidadania ambiental. Revista Brasileira de Educação Ambiental, Brasília, nº. 0, 2004, p.63-70.

 

JACOBI, C. M.; FLEURY, L. C.; ROCHA, A. C. C. L. Percepção ambiental em unidades de conservação: experiência com diferentes grupos etários no Parque Estadual da Serra do Rola Moça, MG. Anais do 7º Encontro de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

 

KOSMINSKY, E. V. “Aqui é uma árvore. Aqui o sol, a lua. Aqui um montão de guerra”: o uso do desenho infantil na sociologia. Cadernos Ceru. Série 2, nº. 9, 1998, p. 83-100.

 

NIEMEYER, A. M. de. Desenhos e mapas na orientação espacial: pesquisa e ensino de antropologia. IFCH/Unicamp, n. 12,1994. 24p.

 

PONTUSCHKA, N. N. Estudo do Meio: Região de Piracicaba, 2º Grau. São Paulo, AGB. Trabalho apresentado no 1º Encontro Local de Geógrafos, 1983.

 

REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social. 5ª ed. São Paulo, Cortez, 2002.

 

SATO, M. Educação Ambiental. São Carlos: RIMA 2002.

 

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2000.

 

TRISTÃO, M. Saberes e fazeres da educação ambiental. Revista Brasileira de Educação Ambiental, Brasília, nº. 0, 2004, p.47-55.

 

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos