Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
10/03/2009 (Nº 27) Oferendas Afro-Religiosas e Educação Ambiental na Amazônia
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=666 
  
educação ambiental em Ação

Oferendas Afro-Religiosas e Educação Ambiental na Amazônia

 


Devison Amorim do Nascimento[i]

Licenciado Pleno em Ciências da Religião pela UEPA

Especialista em Docência da Educação Superior pela UEPA

Prof° de Ensino Religioso da Secretaria de Estado de Educação


devisonamorim@yahoo.com.br

 

Resumo

 

O propósito deste artigo é de socializar uma pesquisa desenvolvida entre os meses de setembro de 2007 e outubro de 2008, financiada pelo Programa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade do Estado do Pará – UEPA. A investigação se debruçou sobre os saberes e práticas das oferendas em religiões afro-brasileiras no âmbito do discurso ecológico que está sendo incorporado nas ações de alguns terreiros que compõem esses credos, já que os mesmos vêm sofrendo críticas a respeito do caráter de poluição ambiental que determinadas oferendas apresentam ao serem depositadas de maneira incorreta em unidades da natureza. Temos como objetivo central identificar como tal crítica está sendo recebida por três das denominações afro-brasileiras (candomblé, umbanda e tambor de mina), bem como registrar quais as práticas que estão sendo adotadas para solucionar a problemática. De natureza social e qualitativa o trabalho se baseou em pesquisa bibliográfica e de campo, abrangendo entrevistas com líderes das tradições religiosas em questão.

 

Palavras-chave: Saberes e Práticas, Oferendas Afro-Religiosas, Educação Ambiental.

 

Introdução

 

Sabemos que o contexto vigente é profundamente marcado pela preocupação com o meio ambiente. O debate em torno da degradação ambiental se torna cada vez mais forte e iminente, mobilizando educadores, pesquisadores e formuladores de políticas públicas das mais diversas instituições sociais.

Com inspiração no trabalho de conscientização ambiental que vem sendo desenvolvido em todo o mundo, o debate se ampliou também para o campo do fenômeno religioso e desde então várias religiões e tradições espirituais se propõem em realizar trabalhos na área da conservação ambiental.

Entre as diversas religiões envolvidas nessas ações estão incluídas denominações ditas de matrizes da natureza, representadas principalmente pelas religiões afro-brasileiras, pois há uma grande discussão em torno das práticas ritualísticas desses credos. O debate gira em torno da necessidade de proteger da poluição ambiental os locais usados para a deposição de oferendas aos orixás, caboclos, encantados e outras entidades, tais como: cachoeiras, parques, lagos e até mesmos as ruas, uma vez que uma parte do material usado nos rituais é de caráter não biodegradável.

Buscando minimizar os conflitos existentes entre a necessidade de conservação do ambiente e a livre expressão religiosa dos adeptos e praticantes das religiões afro-brasileiras, garantida pela Constituição Federal, algumas alternativas vêm sendo estudadas e propostas a fim de resolver o problema que envolve os resíduos religiosos provenientes das oferendas deixadas na natureza, como forma de fomentar o diálogo e o respeito à diversidade cultural e ambiental. Assim, praticantes e simpatizantes de religiões afro-brasileiras são incentivados à adoção de práticas religiosas mais conscientes, sustentáveis e alinhadas com a necessidade urgente de conservação do ambiente.

Tendo o objetivo de investigar quais as medidas que estão sendo implantadas pelas religiões afro-brasileiras no sentido de proteger o meio ambiente, com financiamento da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade do Estado do Pará - UEPA e através do Núcleo de Pesquisa em Educação Científica, Ambiental e Práticas Sociais - Necaps, desenvolvemos uma pesquisa denominada “Saberes e Práticas sobre Oferendas em Religiões Afro-brasileiras: Uma Contribuição à Educação Ambiental na Amazônia” para mapear tais praticas sustentáveis em três denominações afro-brasileiras, a saber: candomblé, umbanda e tambor de mina.

A metodologia da investigação foi pautada em pesquisa bibliográfica e de campo. A investigação in loco se deu em terreiros localizados na região metropolitana do município de Belém-PA, abrangendo entrevistas semi-estruturadas com líderes religiosos das denominações com as quais nos dispomos a trabalhar. Foi entrevistado um sacerdote de cada religião, escolhidos por serem referência na questão da discussão sobre conservação ambiental. Como representante do candomblé participou da pesquisa Mãe Iyá Nalva D’Oxum, representando a umbanda tivemos a participação de Mãe Nazaré e o tambor de mina foi representado por pais Luís, também conhecido como Lodunsinê Tayandô.

 

 

Resultados

 

            As oferendas nas religiões afro-brasileiras são práticas realizadas com o intuito de estabelecer uma ligação entre os homens e o transcendente. Funciona a partir de uma relação de troca; se oferta para pedir, agradecer, ou simplesmente para agradar uma entidade.

            Essas oferendas são constituídas, em sua maioria, por produtos naturais tais como folhas e grãos. Entretanto, existem também outros elementos como bebidas alcoólicas, velas, recipientes de cerâmica e etc. Como dissemos anteriormente, as oferendas são depositadas em locais diversos e então surge a problemática da pesquisa, pois determinadas oferendas podem se tornar poluição ambiental já que não são de materiais biodegradáveis e também pelo fato de que alguns locais em que são dispostas, como avenidas asfaltadas, por exemplo, não oferecem condições para que haja uma decomposição rápida.

            As entrevistas realizadas revelam que entre as três denominações pesquisadas os métodos propostos para a superação do impasse são similares.

A primeira medida tomada é evitar a deposição de oferendas em avenidas e locais muito movimentados e recobertos de asfalto para que as ofertas sejam entregues naturalmente a terra, o que facilita sua transformação em energia, ou seja, na linguagem não religiosa, sua decomposição. Os sacerdotes frisam que essa prática é importante não somente para prevenir a degradação ambiental, mas também para que as oferendas sejam, de fato, recebidas pelos seus deuses, uma vez que depositadas em locais não apropriados podem ser facilmente profanadas por outras pessoas. Como se posiciona Mãe Nalva, uma de nossas entrevistadas:

 

Particularmente eu não vou colocar uma oferenda em uma avenida como a Almirante Barroso porque vai poluir sim, mas em primeiro lugar não vai servir aos meus orixás porque logo o lixeiro vai passar e levar como lixo. Então é preciso saber o lugar onde se coloca; em lugares afastados, onde não transitam muitas pessoas que é justamente para que ela seja naturalmente a terra.”

 

Outra prática freqüente é a substituição dos alguidares (recipientes de cerâmica utilizados para acondicionar as oferendas) por folhas.  No que diz respeito ao uso de bebidas acondicionadas em garrafas, no momento das ofertas derrama-se o líquido e recolhe-se o recipiente, pois ele não tem significado nenhum nas oferendas. O mesmo se faz quando existe a necessidade de oferecer essências e outros produtos de origem líquida armazenados em garrafas.

Em caso específico da denominação umbandista, através de uma associação formada por adeptos dessa religião, busca-se junto à prefeitura da cidade um local específico, distante da área urbana, para que as oferendas de todos os associados possam ser depositadas sem incomodar e serem incomodadas pela sociedade, já que os umbandistas se sentem muito prejudicados em função de suas oferendas serem profanadas por pessoas alheias aos cultos afro-brasileiros.

 

Considerações finais

 

Determinados comportamentos mostram o importante papel que as religiões e as instituições religiosas desempenham no seio da sociedade, enquanto formadoras de opiniões e de valores sociais sobre as percepções, manifestações e, especialmente, sobre a identidade cultural de cada ser humano.

As práticas sustentáveis de deposição de oferendas nas religiões afro-brasileiras são iniciativas louváveis que contribuem com a preservação do meio ambiente.

Embora seja um trabalho praticado ainda por parcela muito pequena das denominações afro-religiosas, é o primeiro passo para que dentro de algum tempo a maior parte dessas tradições estejam engajadas nessa grande luta pela preservação do planeta; dando exemplo e mostrando o quanto as religiões afro-brasileiras são importantes no processo de construção de um contexto melhor para o mundo em que vivemos.

É importante que trabalhos pioneiros como esse, nas religiões afro-brasileiras e em outras religiões, sejam pesquisados e divulgados, como forma de fomentar ações semelhantes que visem proporcionar o bem-estar do meio ambiente.

Referências

 

CARVALHO, Heloisa Silva de. Ensino religioso: Ensino fundamental. Brasília: Cisbrasi, 2005.

 

COSTA, Bruno Ferreira da. & RODRIGUES, José Augusto dos Santos. Sacrifícios e oferendas, uma ligação com o sagrado: Uma visão do Hare Krishna e da Umbanda. Tcc. Belém: UEPA, 2006.

 

FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na guma: O caboclo do tambor de mina em um terreiro de São Luis – a casa Fanti-Ashanti. 2ª ed. São Luís: edufma, 2000.

 

FERRETI, Sérgio. Repensando o sincretismo: Estudo sobre a casa das minas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; São Luís: FAPEMA, 1995.

 

MATA E SILVA, W. W. Umbanda de todos nós. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1970.

 

MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 1950.

 

ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: Umbanda e sociedade brasileira. 2ª ed. São Paulo: brasiliense, 1999.

 

PRANDI, Reginaldo. Segredos guardados: Orixás na alma brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

 

_____________­­­­­__. Os candomblés de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1991.

 

PRANDI, Reginaldo & SOUZA, Patrícia Ricardo de. Encantaria de mina em São Paulo. In: Prandi, Reginaldo (org.). Encantaria brasileira. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

 

PRANDI, Reginaldo, VALLADO, Armando & SOUZA, André Ricardo de. Candomblé de caboclo em São Paulo. In: Prandi, Reginaldo (org.). Encantaria brasileira. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

 

SHAPANAN, Francelino de. Entre caboclos e encantados. In: Prandi, Reginaldo (org.). Encantaria brasileira. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

 

VERGER, P. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de todos os Santos. São Paulo: Currupio, 1987.

 

 



[i] Passagem São Sebastião, 1004 – Sacramenta – Belém – PA – Cep: 66120-340.

Ilustrações: Silvana Santos