Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Oferendas
Afro-Religiosas e Educação Ambiental na Amazônia Devison Amorim do Nascimento[i] Licenciado Pleno em Ciências da Religião pela UEPA Especialista em Docência da Educação Superior pela
UEPA Prof° de Ensino Religioso da Secretaria de Estado de
Educação Resumo O propósito deste artigo
é de socializar uma pesquisa desenvolvida entre os meses de setembro de 2007 e
outubro de 2008, financiada pelo Programa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria
de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade do Estado do Pará – UEPA. A
investigação se debruçou sobre os saberes e práticas das oferendas em religiões
afro-brasileiras no âmbito do discurso ecológico que está sendo incorporado
nas ações de alguns terreiros que compõem esses credos, já que os mesmos vêm
sofrendo críticas a respeito do caráter de poluição ambiental que
determinadas oferendas apresentam ao serem depositadas de maneira incorreta em
unidades da natureza. Temos como objetivo central identificar como tal crítica
está sendo recebida por três das denominações afro-brasileiras (candomblé,
umbanda e tambor de mina), bem como registrar quais as práticas que estão
sendo adotadas para solucionar a problemática. De natureza social e qualitativa
o trabalho se baseou em pesquisa bibliográfica e de campo, abrangendo
entrevistas com líderes das tradições religiosas em questão. Palavras-chave:
Saberes e Práticas, Oferendas Afro-Religiosas, Educação Ambiental. Introdução Sabemos
que o contexto vigente é profundamente marcado pela preocupação com o meio
ambiente. O debate em torno da degradação ambiental se torna cada vez mais
forte e iminente, mobilizando educadores, pesquisadores e formuladores de políticas
públicas das mais diversas instituições sociais. Com
inspiração no trabalho de conscientização ambiental que vem sendo
desenvolvido em todo o mundo, o debate se ampliou também para o campo do fenômeno
religioso e desde então várias religiões e tradições espirituais se propõem
em realizar trabalhos na área da conservação ambiental. Entre
as diversas religiões envolvidas nessas ações estão incluídas denominações
ditas de matrizes da natureza, representadas principalmente pelas religiões
afro-brasileiras, pois há uma grande discussão em torno das práticas ritualísticas
desses credos. O debate gira em torno da necessidade de proteger da poluição
ambiental os locais usados para a deposição de oferendas aos orixás,
caboclos, encantados e outras entidades, tais como: cachoeiras, parques, lagos e
até mesmos as ruas, uma vez que uma parte do material usado nos rituais é de
caráter não biodegradável. Buscando minimizar os
conflitos existentes entre a necessidade de conservação do ambiente e a livre
expressão religiosa dos adeptos e praticantes das religiões afro-brasileiras,
garantida pela Constituição Federal, algumas alternativas vêm sendo estudadas
e propostas a fim de resolver o problema que envolve os resíduos religiosos
provenientes das oferendas deixadas na natureza, como forma de fomentar o diálogo
e o respeito à diversidade cultural e ambiental. Assim, praticantes e
simpatizantes de religiões afro-brasileiras são incentivados à adoção de práticas
religiosas mais conscientes, sustentáveis e alinhadas com a necessidade urgente
de conservação do ambiente. Tendo o objetivo de
investigar quais as medidas que estão sendo implantadas pelas religiões
afro-brasileiras no sentido de proteger o meio ambiente, com financiamento da Pró-Reitoria
de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade do Estado do Pará - UEPA e através
do Núcleo de Pesquisa em Educação Científica, Ambiental e Práticas Sociais
- Necaps, desenvolvemos uma pesquisa denominada “Saberes e Práticas sobre
Oferendas em Religiões Afro-brasileiras: Uma Contribuição à Educação
Ambiental na Amazônia” para mapear tais praticas sustentáveis em três
denominações afro-brasileiras, a saber: candomblé, umbanda e tambor de mina. A metodologia da
investigação foi pautada em pesquisa bibliográfica e de campo. A investigação
in loco se deu em terreiros localizados na região metropolitana do município
de Belém-PA, abrangendo entrevistas semi-estruturadas com líderes religiosos
das denominações com as quais nos dispomos a trabalhar. Foi entrevistado um
sacerdote de cada religião, escolhidos por serem referência na questão da
discussão sobre conservação ambiental. Como representante do candomblé
participou da pesquisa Mãe Iyá Nalva D’Oxum, representando a umbanda tivemos
a participação de Mãe Nazaré e o tambor de mina foi representado por pais Luís,
também conhecido como Lodunsinê Tayandô. Resultados As
oferendas nas religiões afro-brasileiras são práticas realizadas com o
intuito de estabelecer uma ligação entre os homens e o transcendente. Funciona
a partir de uma relação de troca; se oferta para pedir, agradecer, ou
simplesmente para agradar uma entidade. Essas
oferendas são constituídas, em sua maioria, por produtos naturais tais como
folhas e grãos. Entretanto, existem também outros elementos como bebidas alcoólicas,
velas, recipientes de cerâmica e etc. Como dissemos anteriormente, as oferendas
são depositadas em locais diversos e então surge a problemática da pesquisa,
pois determinadas oferendas podem se tornar poluição ambiental já que não são
de materiais biodegradáveis e também pelo fato de que alguns locais em que são
dispostas, como avenidas asfaltadas, por exemplo, não oferecem condições para
que haja uma decomposição rápida. As
entrevistas realizadas revelam que entre as três denominações pesquisadas os
métodos propostos para a superação do impasse são similares. A
primeira medida tomada é evitar a deposição de oferendas em avenidas e locais
muito movimentados e recobertos de asfalto para que as ofertas sejam entregues
naturalmente a terra, o que facilita sua transformação em energia, ou seja, na
linguagem não religiosa, sua decomposição. Os sacerdotes frisam que essa prática
é importante não somente para prevenir a degradação ambiental, mas também
para que as oferendas sejam, de fato, recebidas pelos seus deuses, uma vez que
depositadas em locais não apropriados podem ser facilmente profanadas por
outras pessoas. Como se posiciona Mãe Nalva, uma de nossas entrevistadas: “Particularmente
eu não vou colocar uma oferenda em uma avenida como a Almirante Barroso porque
vai poluir sim, mas em primeiro lugar não vai servir aos meus orixás porque
logo o lixeiro vai passar e levar como lixo. Então é preciso saber o lugar
onde se coloca; em lugares afastados, onde não transitam muitas pessoas que é
justamente para que ela seja naturalmente a terra.” Outra
prática freqüente é a substituição dos alguidares (recipientes de cerâmica
utilizados para acondicionar as oferendas) por folhas. No
que diz respeito ao uso de bebidas acondicionadas em garrafas, no momento das
ofertas derrama-se o líquido e recolhe-se o recipiente, pois ele não tem
significado nenhum nas oferendas. O mesmo se faz quando existe a necessidade de
oferecer essências e outros produtos de origem líquida armazenados em
garrafas. Em
caso específico da denominação umbandista, através de uma associação
formada por adeptos dessa religião, busca-se junto à prefeitura da cidade um
local específico, distante da área urbana, para que as oferendas de todos os
associados possam ser depositadas sem incomodar e serem incomodadas pela
sociedade, já que os umbandistas se sentem muito prejudicados em função de
suas oferendas serem profanadas por pessoas alheias aos cultos afro-brasileiros. Considerações finais Determinados
comportamentos mostram o importante papel que as religiões e as instituições
religiosas desempenham no seio da sociedade, enquanto formadoras de opiniões e
de valores sociais sobre as percepções, manifestações e, especialmente,
sobre a identidade cultural de cada ser humano. As
práticas sustentáveis de deposição de oferendas nas religiões
afro-brasileiras são iniciativas louváveis que contribuem com a preservação
do meio ambiente. Embora
seja um trabalho praticado ainda por parcela muito pequena das denominações
afro-religiosas, é o primeiro passo para que dentro de algum tempo a maior
parte dessas tradições estejam engajadas nessa grande luta pela preservação
do planeta; dando exemplo e mostrando o quanto as religiões afro-brasileiras são
importantes no processo de construção de um contexto melhor para o mundo em
que vivemos. É
importante que trabalhos pioneiros como esse, nas religiões afro-brasileiras e
em outras religiões, sejam pesquisados e divulgados, como forma de fomentar ações
semelhantes que visem proporcionar o bem-estar do meio ambiente. Referências CARVALHO,
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