Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Você sabia que...
... Dia 10 de dezembro é
o Dia Nacional do Catador de Material Reciclável?
Entrevista com Claudete Ferreira
da Costa
Por Flávia Mattar e Jamile
Chequer
www.ibiss.com.br
Publicado em 28/11/2006. Em 10 de dezembro é comemorado o Dia Nacional do Catador de Material Reciclável. A atividade é reconhecida pelo Ministério do Trabalho desde 2002, o que garante à categoria os mesmos direitos e obrigações de um(a) trabalhador(a) autônomo(a). Apesar de muitas vezes não ser reconhecido pela sociedade, o trabalho do(a) catador(a) é de grande importância para a preservação do meio ambiente. Os quilos de papel que coleta para reciclagem, por exemplo, poupam a derrubada de árvores. Graças ao seu trabalho também podem ser reutilizados materiais como latas, vidros, garrafas PET. Claudete Ferreira da Costa, catadora há 10 anos, reforça a importância da atuação desses(as) profissionais e apresenta o Projeto Catadores da Vida, do Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social (Ibiss). - Há quanto tempo você trabalha como catadora? Trabalho como catadora há 10 anos. Além de mim, minha mãe atua nessa atividade há 30 anos. Quando conheci meu ex-marido, começamos a reciclar juntos. Comprei minha primeira casa com o dinheiro do papel. O papel, antigamente, dava muito dinheiro, era mais valorizado. Ele desvalorizou com o real. Está cada vez pior o valor de venda. Além disso, aumentou muito o número de catadores. Agora é chato e estressante, porque não vemos retorno financeiro. - Há muito preconceito contra a pessoa que atua como catadora? Eu já sofri preconceito. Quando eu e meu ex-marido passávamos na rua, ele ia com o carrinho e eu ia ao lado dele andando, umas mulheres ‘bestas’, nos viam e seguravam a bolsa. Além disso, tinham pessoas que passavam do nosso lado e cuspiam. Eu sentia muita raiva. Mas, agora, não há muito preconceito. Esse ramo tem crescido e há pessoas importantes no meio. Como uma atriz que tem uma ONG que trabalha com catadores. Vários artistas e pessoas importantes se juntaram a ela. É claro que com isso também há perdas. No Centro da Cidade [Rio de Janeiro], 100% das pessoas estavam perdendo os seus pontos de papel porque ela estava apresentando um projeto lindo. Os prédios onde catávamos papel passaram a dar o material para ela. Então, tivemos que visitar os prédios com uma carta de nossa cooperativa, mostrando que também tínhamos um projeto e que vivíamos com aquele dinheiro. Além disso, a nossa cooperativa entrou em contato com a ONG dela, mostrando o que estava acontecendo. Então, foi feito um acordo para que não coletassem mais nos mesmos pontos que a gente. - Você escolheu trabalhar como catadora por falta de opção ou foi uma escolha? Até os 7 anos eu era ‘patricinha’. Vivíamos em São Paulo. Meu pai tinha condição. Quando minha mãe se separou, por ele ser alcoólatra, eu e meus três irmãos seguimos com ela. Foi assim que ela começou. Ela se informou com uma moça na Uruguaiana [Centro do Rio de Janeiro], que começou a ensinar a ela como catar papel, como as crianças deviam vender doces. Começamos a conhecer as artimanhas da rua. Com 15 anos, conheci meu ex-marido na cooperativa da Praça XV, na Associação dos Recicladores do Rio de Janeiro. - Qual a relação do Ibiss com a associação? O meu ex-marido sempre quis lutar pela causa do catador e, como já conhecíamos o diretor-executivo do Ibiss, sentaram ele, meu ex-marido e outra pessoa e montaram o Projeto Catadores da Vida. Esse projeto foi desenvolvido em 2000 e eu comecei a trabalhar nele em 2001. Nós entramos com a organização dos catadores, para que pudéssemos ter uma cooperativa com todo mundo unido, sabendo seus direitos etc. O Ibiss bancou toda a obra e não cobrou nada da gente. Agora, temos um galpão enorme, bonito, com cozinha, cantina, banheiro de mulheres e homens, com água quente e fria. Toda a manutenção da cooperativa é feita pelo Ibiss sem cobrar nada. Além disso, entrou com o apoio de cidadania e saúde – documentação, postos de saúde próximos. O Ibiss tem educadores, como eu, para facilitar a ida do catador a postos de saúde e hospitais no Centro da cidade, próximo à cooperativa, e para agilizar documentação gratuitamente. - Você recebeu curso de formação para ser educadora? Sim, fiz um curso pelo Ibiss. Primeiro, fiz cursos de jovens lideranças. O curso começou a mudar minha forma de pensar, meu modo de viver. Estou estudando ainda, vou terminar o primeiro grau este ano. - Estão acontecendo novidades no Projeto Catadores da Vida? Agora, comecei a fazer mapeamento de saúde. Temos uma ficha na qual perguntamos se o catador tem procurado posto médico, hospital, se foi bem tratado. Além disso, meu trabalho também é orientar catadores sobre saúde. Eu explico o que sei e o que não sei busco ajuda, converso com algum médico do Ibiss e peço que ele oriente a pessoa. Também distribuo preservativos. Outra frente de ação é o apoio ao catador que precisa de medicamento e não encontra em postos de saúde. Quando isso ocorre, podemos comprar o remédio por meio do projeto. Além de fazer trabalho com os catadores da cooperativa, também trabalho com catadores de rua, em quase todo o Centro da cidade. Antes, os catadores não tinham documentos. Hoje, todos estão documentados. - Vocês têm foco em DST/Aids, não? Dois catadores falaram que eram soropositivos e que estavam se tratando na Fiocruz. Eles só souberam por conta do projeto. Com as informações que passei é que começaram a perceber que tinha algo errado e foram procurar ajuda. Nós distribuímos panfletos informativos etc. - Que tipo de orientações, com foco em saúde, vocês passam para catadores(as)? Uma coisa que dizemos é para que não tentem trabalhar com sacos que estejam com muitas seringas e luvas amarradas. Se alguém está com a pela muito áspera, com a pele estranha, encaminhamos para o pessoal da hanseníase do Ibiss. Quando tem alguém tossindo muito, com suspeita de tuberculose, agimos da mesma forma. - Como vê a luta dos catadores(as) do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho? Quando conheci o local, achei tudo precário. Não entendia como eles conseguiam trabalhar ali, já que lidavam com o resto do resto do lixo. Achei muito complicado. A criação da cooperativa deles foi uma vitória, tem melhorado as condições de trabalho. Acredito que a associação irá melhorar cada vez mais o esquema de trabalho deles. www.ibiss.com.br Publicado em 28/11/2006. Entrevista encontrada em: http://ibase.org.br/modules.php?name=Conteudo&pid=1572 |