Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
Entrevist@ com Fernando
Jaeger Soares
Apresentação:
Esta edição da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação tem a honra
de apresentar uma entrevist@ com Fernando Jaeger Soares, que atualmente reside
nos Estados Unidos. Ele "é licenciado em Ciências Biológicas pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), desenvolveu dissertação no
curso de Mestrado em Educação em Ciências para o Desenvolvimento Sustentável
pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Com pesquisa financiada pela
FAPERGS sob co-orientação do Florida Institute of Technology (FIT/USA),
concentra-se nas áreas de Avaliação e Currículo da Educação Ambiental. Nos
últimos cinco anos atuou como editor da revista Permacultura Brasil – soluções
ecológicas junto ao Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado/GO, como
consultor em Educação Ambiental para a Fundação Gaia e como professor no
Centro de Educação Ambiental Estação Ecologia em Estância Velha/RS.
Fernando também foi professor de Estudos Ambientais no Curso Técnico em
Paisagismo do Colégio Bom Pastor, Nova Petrópolis/RS e professor de ciências
em duas escolas públicas de Ivoti". Tive a felicidade de conhecê-lo
recentemente através da Internet. Trocando mensagens, descobrimos que ambos somos naturais
da cidade de Novo Hamburgo/RS, inclusive trabalhamos em espaços comuns, porém,
em períodos diferentes. Por uma enorme coincidência e por desatenção minha
em relação a nomes e sobrenomes, em uma das mensagens que trocamos, escrevi
sobre o excelente conteúdo de um artigo que eu recentemente havia lido em uma
revista de educação, e a resposta dele foi a seguinte: "Que bom que você
leu e gostou do meu artigo!". Tomei um grande susto e claro que fiquei
muito envergonhada, mas achei esta situação o máximo! No mínimo, inusitada.
A partir de então, sempre que possível, trocamos idéias e sonhos relacionados
à Educação Ambiental. Agora, vamos ao que interessa:
conhecê-lo um pouco mais... - Professor Fernando,
agradecemos por
ter aceitado o convite
para ser o entrevistado desta edição, e prossigo pedindo que nos conte como
surgiu o seu interesse pela Educação Ambiental (EA). Desde quando você se
dedica a esta prática educacional? Bere, também é uma satisfação
muito grande estar em contato contigo e quero mais uma vez agradecer a
oportunidade. Com relação à EA, lembro
de três importantes acontecimentos na minha vida: o
primeiro (acho que eu era pré-adoslescente nesta época) foi
uma visita que fiz ao horto municipal em Novo Hamburgo, onde conheci o Eng. Agrônomo
Arno Kayser, ecologista bastante conhecido em Novo Hamburg, e que influenciou a
minha trajetória para a EA, e para o pensamento crítico e filosófico. Através
dele conheci, mais tarde, muita gente bacana dentro do Movimento Roessler. O
segundo evento foi mesmo minha participação no curso de Biologia Marinha com o
Prof. Pedroso do CECLIMAR, evento este que descrevi no artigo a
que você se referiu. A outra pessoa que marcou bastante esta
trajetória foi a pesquisadora Christa Knaper da UNISINOS. Com ela tive a
oportunidade de participar de um congresso estadual de educação ecológica que
ocorreu em Ibirubá em meados de 80, onde apresentei meu primeiro trabalho acadêmico
na área. Naquela época
, eu fazia um trabalho voluntário,
e produzir minhocas em diferentes tipos de composto era o nosso negócio. Ainda
durante este trabalho tive a oportunidade de conhecer, também, Alexandre
Freitas, que por muitos anos, trabalhou com a Fundação Gaia. A partir daí,
construíram-se as pontes que me levaram a criar coragem e me
profissionalizar na área. - Como você
percebe a Educação Ambiental de uma forma ampla e global?
Ao nível global acho que a
EA ainda não está bem definida, ainda que estejam bem definidos os seus
objetivos. Costumo enfatizar que a educação em si, ambiental ou não, exerce
influência sobre o ambiente e vice-versa. Portanto penso que toda educação é
de certa forma ambiental. Porém, na prática o que podemos fazer é focalizar
nossos esforços educativos para deixar a educação mais crítica e consciente
de seu lugar no universo humano, social, e libertar o educando para pensar por
si mesmo. Acredito que um bom pensador considerará as necessidades da vida, orgânica
e do ambiente no seu agir. - Como você vê, hoje,
a condição ambiental do planeta e quais as ações que você destaca como mais
significativas?
Falar sobre isso no âmbito do planeta inteiro é
bastante difícil, senão impossível. As condições do planeta, ninguém sabe,
mas existem muitos cientistas que a descrevem assim mesmo, com aproximações do
que pode ser a verdade. O aquecimento global dentro de uma escala de tempo
secular é um fato, e que isto influencia toda a rede viva que habita este
planeta, também é um fato. Mas ainda não sabemos, cientificamente, se vai ser
ruim, ou o quão ruim será. Na minha opinião, acho que melhorou bastante para
o ser humano em geral, mas piorou significativamente para o sistema vivo em que
este se enquadra, já que a biodiversidade continua em declínio na maioria dos
países em que o desenvolvimento segue seu rumo. Existem,
embora, algumas histórias de sucesso onde espécies foram resgatadas graças
aos esforços de ONGs e pessoas comprometidas na área.
No Brasil, o Mico Leão Dourado é um exemplo. Aqui nos USA o Puma (Florida
Panther), estava quase extinto e hoje sua população está novamente crescendo.
Os movimentos sociais da década
de 60 e 70 foram, sem dúvida nenhuma, significativos: acordaram o mundo para a
causa ambiental; deram início ao ambientalismo de larga escala; e fizeram do
movimento ambiental um dos movimentos sociais mais duradouros na história. O
Earth Day, aqui nos EUA, em 22 de Abril de 1970, teve uma participação de 20
milhões de pessoas que se congregaram em diferentes estados!! Dá para imaginar
alcançar este nível de participação em algum evento ambiental hoje? De lá
para cá foram criadas inúmeras ONGs ambientais e algumas tornaram-se superpotências
no movimento. Porém, é preciso lembrar que embora o movimento tenha evitado
sucumbir à complexidade das questões que almejava solucionar, isso não
significa dizer que alcançou os seus objetivos. Talvez a maior vitória do
movimento ambiental, ao nível global,
tenha sido a de manter-se vivo por tanto tempo mesmo na ineficiência.
Outro evento significativo foi a Eco 92, que de certa forma profissionalizou o
movimento ambiental introduzindo a estratégia da Agenda 21, integrando
diferentes esferas do conhecimento e da gestão de forma prática. Ainda há
muito que fazer para que as idéias mais brilhantes surtam efeito significativo.
- Falar em Educação
Ambiental é falar em mudanças na educação. O que você considera importante
ser modificado dentro do sistema educacional vigente, para que ocorra a
consolidação da Educação Ambiental? Acho que mais importante do
que qualquer outra preocupação nesta área é acabar de uma vez por todas com
a visão de que a Educação Ambiental é educação pró-ambiente. Educação
Ambiental não deveria tomar partido, mas libertar o educando para pensar
criticamente sobre o seu entorno. Praticar Educação Ambiental como
eco-militante é uma prática comum entre os educadores, mas para mim isso não
é nem mesmo educação. A complexidade das questões sócio-ambientais pode
facilmente ser ignorada ou despercebida à sombra da militância. Temos que ter
o máximo cuidado com isso, ou continuaremos muito ineficientes. Educar para
libertar deveria ser o slogan da EA. - Em seu artigo
publicado na Revista de Educação, da Editora Projeto, em 2004 - que também
está disponível no site da REBEA/Rede Brasileira de Educação Ambiental
(fonte abaixo), você traz à tona a importante questão das vivências e
experiências para o desenvolvimento da Educação Ambiental. Fale-nos um pouco
sobre este enfoque tão importante para a implementação da Educação
Ambiental:
As pesquisas com as raízes
da sensibilidade ambiental, qualidade primordial para o desenvolvimento de uma
cidadania ambiental, apontam para as experiências significativas de vida que
temos na infância, geralmente em ambientes de beleza natural, como sendo
construtoras desta sensibilidade. Conviver com a beleza da mata, da água, das
dunas, do vento, experimentar o sentido da contemplação na presença de
pessoas que lhe dão segurança (a professora, os pais, os amigos) contribui
significativamente para o pensar crítico sobre destruir tudo isso. Viver experiências
positivas em meio à beleza natural é essencial para valorizá-la. Não há
nada de novo aqui, a não ser o fato de que hoje sabemos que muitas pessoas que
dedicaram fervorosamente suas vidas à solução do problema da interação do
humano, ou social, com o ambiental são pessoas que adquiriram esta
sensibilidade. Ao questioná-las, elas identificam experiências da infância,
de vida ao ar livre, como marcantes na escolha de suas carreiras. Acampar com os
filhos, ou com os alunos, acaba sendo a melhor aula se quisermos cultivar esta
sensibilidade. - Sempre fui muito
preocupada com a falta de materiais didáticos de Educação Ambiental para
professores das séries iniciais, e você evidencia, em seu artigo, outra
preocupação para esta faixa de ensino que é a de proporcionar vivências e
atividades sensibilizadoras quando você coloca que "(...) para o Ensino
Fundamental, e em especial para as séries iniciais, é de suma importância que
estas oportunidades (experiências e vivências significativas) estejam
presentes no currículo. Mais uma vez, não se trata de reproduzir um
significado, mas de contextualizar a realidade de tal forma que a razão e a emoção
trabalhem juntas para uma cognição em prol da vida, isto é aumentar as
chances de emoção e razão sincronizarem-se para o bem". Fale-nos mais
sobre esta preocupação em relação à Educação Ambiental nas séries
iniciais. Como os professores podem ser orientados para o desenvolvimento destas
atividades?
Para ser bem pragmático,
acho que precisamos de uma instituição que favoreça a pedagogia do ar livre.
Orientar os professores não será o suficiente, pois para realizar as
eco-aventuras ou as aulas no mundo real com crianças de 7 a 11 anos tomará
mais dos professores do que o planejamento de atividades. É preciso pensar em
transporte, alimentação, estadia (barracas), coletes-salva-vidas, instrumentos
de trabalho, participação de voluntários, parcerias com outras instituições,
custos, integração curricular e por aí afora. É preciso pensar em equipe e
cultivar o espírito de equipe antes de estruturar a educação para estes
objetivos. A logística poderia ficar por conta de uma secretaria especializada
neste assunto ou de uma fundação que angariasse as verbas para que isso
pudesse ser feito com freqüência durante o ano. Porém, no que diz respeito à
psicologia educacional envolvida, acho que há sim a necessidade de preparação
dos professores. Por exemplo, a aula “do lado de fora” não funciona como a
“do lado de dentro”: na rua não temos o controle da situação,
especialmente do aprendizado, mas a motivação e o estímulo para aprender são
infinitos. Por isso, o número de estudantes por adulto deve ser bem menor.
Ainda há que se construir uma pedagogia em torno desta modalidade de educação.
Aqui existe uma instituição nacional com ramos estaduais responsável por
financiar projetos com este viés, isto é, que vinculam a educação ao serviço
e à participação comunitária.
- Como você percebe o
desenvolvimento da Educação Ambiental aí nos Estados Unidos?
A julgar pelo modo de vida
americano, a sua pegada ecológica, acho que a EA aqui também não tem sido
muito eficiente. Mas é mesmo surpreendente a quantidade de material didático
disponível, tanto para educação "sobre o ambiente", como para
"no ambiente" e "para o ambiente". Além disso, a EA parece
ser mais profissionalizada ou talvez eu devesse dizer: tecnicamente
estruturada. A Alfabetização Ambiental (não a Ecoalfabetização) tem sido
largamente utilizada como forma de avaliação e a North American Association
for Environmental Education tem várias comissões responsáveis por diferentes
setores de desenvolvimento da EA. Um deles está trabalhando na certificação
do educador ambiental.
- A Internet tem-se
revelado como uma importante ferramenta para a consolidação da Educação
Ambiental. Como você vê esta questão? Acho que a Internet é uma
rede, ou ferramenta, que entrou nas nossas vidas sem cerimônias. Quando nos
vimos plugados, nos damos conta do tamanho da descoberta ou da criação humana
que esta rede representa. Não é como pisar na Lua onde de repente todo mundo vê
o que acontece marcando a história da ciência e da tecnologia. A Internet é
diferente, veio aos poucos e continua entrando aos poucos na nossa sociedade.
Como toda tecnologia, depende mais do que se passa na nossa cabeça do que o quê
ela é capaz de fazer. Para a EA e para toda a Educação tem se demonstrado uma
revolução já que podemos operar em rede. Porém há muito trabalho a ser
feito para que todos tenham acesso a esta tecnologia.
- Para
descontrair, peço que nos conte algo engraçado e significativo que tenha
ocorrido ao longo da sua trajetória na Educação Ambiental. Bere, esta foi sem dúvida a
pergunta mais difícil. Mas consegui lembrar de um evento que ocorreu na Escola
Municipal Grande Oriente, em Porto Alegre, onde estávamos trabalhando num
projeto de paisagismo ecológico e integração curricular com o uso do pátio.
Os alunos e os professores estavam bastante motivados e a energia daquela semana
permanece na minha memória até hoje. Durante os trabalhos práticos lembro que
um grupo de alunos estava pintando o chão com tinta óleo e, sem perguntar,
terminado o serviço resolveram limpar os pincéis nas pias do laboratório
(branquinhas e limpas). Acontece que a tinta impregnou a pia e ficou uma
“eca”. Quanto mais a gente limpava, pior ficava a situação. Aliás, tenho
saudade daquela escola e gostaria de saber como estão as mais de quarenta árvores
que estrategicamente plantamos para sombrear as salas de aula. - Qual foi o seu maior
desafio enfrentado, relacionado à Educação Ambiental? Eu diria que foi inserí-la
na vida profissional. Hoje eu sou estudante aqui nos EUA patrocinado pela CAPES
e pela Fulbright. Mas antes disso estive envolvido com várias outras
atividades, consultorias, grupos de trabalho, e em todas as ocasiões foi
extremamente difícil encontrar profissionalismo e respeito à EA, como se tem
à Engenharia, à Arquitetura, à Medicina, à Administração ou ao Direito,
ainda que sejamos professores e formadores destes futuros profissionais!!! As
pessoas ainda não se deram conta da relevância da EA para o bem de uma nação
ou de sua economia, nem mesmo os educadores ambientais. Isso torna o viver como
educador muito difícil. Portanto eu diria que o maior desafio relacionado à
Educação Ambiental ainda é encontrar o seu espaço de trabalho.
- Há algo que não
perguntei e que você considera importante comentar? Talvez fosse
importante lembrar que a diversificação do movimento ambiental trouxe inúmeras
abordagens para se envolver com a solução, com o reverter o curso do
desenvolvimento social e econômico. Temos desde abordagens altamente
espiritualizadas até as mais técnicas e lógicas, das mais abstratas às mais
objetivas. Participar e conhecer o maior número destas iniciativas, com espírito
crítico, é fundamental para a formação do Educador Ambiental libertador. - Deixe uma frase, uma
palavra, uma poesia, ou uma idéia que você gostaria de compartilhar com os/as
leitores/as da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação. Costumo dizer que a vida é
mais forte que a própria lei da gravidade. Quero dizer com isso que tanto
quanto qualquer coisa nesse universo, a vida veio para ficar. E encontrei esta poesia que
dedico ao universo feminino do meio educacional. Que se sintam aconchegadas pelo
calor da fé na educação:
Orquídea Nem tanto pelas tuas cores
Tua forma
Tua textura
Tuas pétalas Abertas Nem tanto pelo teu sabor
Teu cheiro
Teu suor
Teu solo Fértil Nem tanto pelas folhas que produz
Pelo teu tamanho
Tua elegância
Tua gema Escondida
Nem tanto pela tua água
Tua sede
Tua dor Tua dança Lenta, lisa
Ou pela tua imponente
Independente
Sensual Beleza
Mas pela tua habilidade de me fazer
Sonhar
Ser
O Sol.
Prezado professor
Fernando, nós, Editoras e Colaboradores(as) da revista eletrônica Educação
Ambiental em Ação, agradecemos imensamente pela gentileza de conceder-nos esta
entrevist@. Muito Obrigada! Foi um prazer e desejamos muito sucesso neste seu trabalho. OBS: O artigo do entrevistado,
citado na entrevista, pode ser acessado em:
http://rebea.org.br/rebea/arquivos/fernandosoares.pdf |