Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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11/06/2019 (Nº 68) EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A REVITALIZAÇÃO DE RIOS EM ÁREAS URBANAS
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A REVITALIZAÇÃO DE RIOS EM ÁREAS URBANAS

Renata Laranjeiras Gouveia1; Vanice Santiago Fragoso Selva2 e Jaime Joaquim Pereira da Silva Cabral3

1Doutoranda em Desenvolvimento em Meio ambiente pela Universidade Federal de Pernambuco; renatalaranjeiras@gmail.com; (081) 99189-6238 2Doutora. Docente da Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. vaniceselva@gmail.com 3Doutor. Docente da Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Tecnologia e Geociências. jcabral.ufpe@gmail.com



Resumo

A água é um recurso fundamental para a vida, viabilizando as cidades se desenvolveram as margens de rios para que deles pudessem usufruir para seus sustentos. A forte urbanização nestas áreas acarretou poluição, degradação, exaustão e desaparecimento de corpos hídricos. Impossibilitou que os mesmos desempenhem seu papel no ambiente resultando em processos de alagamento e inundação. Muitos rios urbanos vêm passando por processos de revitalização para se alcançar novamente as suas condições naturais e reequilíbrio do ecossistema. O objetivo deste artigo foi trazer exemplos de revitalização em corpos hídricos localizados dentro das cidades através de uma pesquisa bibliográfica, demonstrando como são feitas as articulações necessárias para a efetividade destes projetos. Pode-se perceber que o engajamento da população civil é de extrema relevância, assim como os trabalhos de educação ambiental, pois é a partir do sentimento de pertencimento ao rio que a área revitalizada vai ser mantida, sendo um local de convivência do homem com a natureza.

Palavras-chaves: Natureza; Recursos hídricos; Urbanização

Abstract

Water is a fundamental resource for life, enabling the cities to develop the river banks so that they can enjoy them for their livelihoods. The strong urbanization in these areas caused pollution, degradation, exhaustion and disappearance of water bodies. It has prevented them from playing their role in the environment resulting in flooding and flooding processes. Many urban rivers have undergone revitalization processes in order to achieve their natural conditions and rebalance of the ecosystem. The objective of this article was to bring examples of revitalization in water bodies located within the cities through a bibliographical research, demonstrating how the joints necessary for the effectiveness of these projects are made. It can be noticed that the engagement of the civil population is of extreme relevance, as well as environmental education work, because it is from the feeling of belonging to the river that the revitalized area will be maintained, being a place of coexistence of man with nature.

Key- words: Nature; Water resources; Urbanization

Introdução

A apropriação do homem sobre os recursos naturais fez alterar a dinâmica dos ciclos biogeoquímicos, em especial o das águas, afetando diretamente os rios. Sendo os rios de fundamental importância para a vida humana, o homem buscou ocupar áreas nas suas proximidades para o seu abastecimento, dessedentação de animais, produção agrícola, navegação, dentre outros. Assim as cidades surgem às margens dos rios para que o seu crescimento se dê a partir deste recurso de relevância vital.

O crescimento das cidades, principalmente a partir da Revolução Industrial modificou a dinâmica de produção e consumo, estas foram elevadas a níveis máximos e sem um processo de gestão adequada dos recursos naturais. Como consequências, observou-se a poluição e degradação dos rios, canalização de suas margens, lançamento de esgotos in natura nos corpos d’água, além de alagamentos nas cidades e a proliferação de diversos vetores de doenças.

Na busca de uma gestão ambiental adequada de áreas urbanas e da inserção de cidades em espaços competitivos, a revitalização de rios aparece nas agendas de gestão pública de grandes e médias cidades nos últimos 50 anos culminando com a despoluição dos rios Tâmisa (Inglaterra), Sena (Paris), Danúbio e a readequação de rios como o Don (Canadá), Los Angeles e Anacostia (Estados Unidos)

Diante do exposto questiona-se como vem se dando esses processos de requalificação de rios urbanos?

A relação de rios com a cidade, foi um fator determinante para assentamentos das cidades ao longo da história e de forte relevância para o desenvolvimento de centros urbanos, pois ter água disponível é primordial para o estabelecimento de povoamentos humanos. Com isso, nota-se que os rios não são apenas fornecedores de água, mas sim um recurso fundamental que atua tanto para irrigação como também é um meio de comunicação e uma via de transporte para mercadorias (COY, 2013).

Os rios são locais caracterizados por conterem alta biodiversidade e produção biológica e, devido a isto, são responsáveis fundamentais na manutenção dos ecossistemas ao nível das bacias em que se encontram (PATAKI; ZSUFFA; HUNYADY, 2013). Porém, os usos e abusos humanos aumentaram e se diversificaram com o processo civilizatório. O crescimento populacional aumenta também a procura pelos benefícios que um sistema hídrico pode trazer, mas, infelizmente também são usados para a eliminação de seus rejeitos, resíduos industriais, de mineração e de esgotos (AMISAH; COWX, 2000).

Segundo Costa (2011), como resultado da forte urbanização às margens dos rios, tem-se uma redução das áreas naturais e da biodiversidade contidas nela, além dos efeitos tóxicos da poluição das águas e dos solos, das inundações e enchentes, e as perdas de propriedades. O processo de urbanização e de ocupação irregular de áreas de mananciais de rios tem uma evolução relevante nos centros urbanos, onde origina alterações na dinâmica das populações que ali são integradas e também modifica o ciclo hidrológico de toda a bacia. Tais mudanças podem ser comprometedoras levando até a extinção destes ambientes (BASTOS; ABILHOA, 2004).

A água vem sendo degradada ao longo dos anos, tendo suas fontes poluídas e servindo como veículo de transmissão de doenças. O crescimento sem sustentabilidade, a exploração imobiliária além dos limites de suporte de carga são causas do abandono deste bem (GARCIAS; AFONSO, 2013). Para Gorsky (2008), a água é fonte de vida e fundamental para o desenvolvimento das sociedades, porém se encontra em escassez qualitativa devido a forte poluição em que muitos corpos hídricos se encontram.

Os rios e riachos urbanos são entendidos na ótica de Preuss (2013), como essenciais para o sistema de drenagem das águas precipitadas, através da manutenção de suas margens, paredes e fundos em condições naturais, pois estas permitem que haja infiltração, alimentando os aquíferos, diminuindo a velocidade e a quantidade do escoamento superficial. “Todas as características naturais dos riachos urbanos favorecem a qualidade da água, a biodiversidade, o clima, o solo, e consequentemente a sustentabilidade dos sistemas físicos, ecológicos e sociais da bacia hidrográfica (p.32).”

De acordo com o Grupo de Recursos Hídricos da Universidade Federal de Pernambuco (2012), estes corpos hídricos são fundamentais para a drenagem das águas pluviais, recarregam os aquíferos, reduzem a temperatura do ambiente local, também auxiliando o ecossistema e o efeito estético da paisagem para um lazer contemplativo.

A retificação de canais fluviais segundo Assumpção e Marçal (2012), é um procedimento no qual os rios são artificialmente transformados na sua forma pelo aprofundamento e/ou alargamento da sua calha superficial e da retirada dos meandros, o que interfere direta e indiretamente no sistema fluvial de toda a bacia. Preuss (2013) afirma que a retificação e canalização dos riachos urbanos vão contra o ciclo hidrológico nestes ambientes, pois acabam aumentando o escoamento superficial e diminuindo a infiltração.

Para Cabral et al. (2004), os braços dos rios e as áreas alagadas são modificadas sem nenhuma preocupação com o seu papel de drenagem natural. A canalização destes corpos leva inúmeros malefícios ao ambiente, pois descaracteriza o hábitat natural, e ainda acarreta consigo ocupação de margens e das áreas de expansão das cheias, isolamento da conexão hidráulica entre o aquífero e o rio, ligações de esgotos clandestinos e favorecimento de enchentes a jusante.

Segundo Preuss (2013) é fundamental que se proporcione ferramentas para que os gestores públicos e a população possam efetivar uma reflexão acerca das questões hidroambientais e isto se dá através de ações contínuas e integradas por diversos setores da sociedade.

A educação ambiental aparece nesse contexto como ferramenta para apropriação do rio. Quando as pessoas entendem a importância de um recurso hídrico dentro da cidade e como ele pode alterar a dinâmica de todo um ecossistema, passam a valorizar e até a cuidar com mais respeito.

Nota-se, de acordo com Coy (2013) que quase todas as cidades Europeias que eram localizadas na beira de rios, após um período tiveram esse recurso esquecido, necessitando de uma revalorização do recurso natural. Assim, as áreas degradadas dos rios foram transformadas em lugares de grande atratividade, onde o desenvolvimento urbano fez com que as pessoas passassem a valorizar o rio. Para o mesmo autor “a abordagem desta contribuição é uma abordagem geográfica, dando ênfase à organização espacial na interface rio-cidade, às lógicas atuais da produção do espaço urbano, assim como aos atores envolvidos (p. 1)”.

Considerando o exposto, este artigo tem como objetivo investigar a partir de uma revisão bibliográfica como ocorreu o processo de revitalização de rios em áreas urbanas, através de três exemplos empíricos ocorridos na América do Norte. O estudo se deu pelas bases de pesquisa de dados como o Scopus, Science Direct e o Portal de Periódico da Capes. A seleção destas bases se deu na intenção de incluir pesquisas de periódicos nacionais e internacionais.



1 Desenvolvimento

1.1 Experiências de revitalização de rios urbanos

A requalificação dos corpos hídricos, nos dias de hoje, tende a ter um caráter mais amplo, pois este processo não apenas se preocupa com a melhoria da qualidade da água, mas trata-se de uma inserção dos rios e córregos na paisagem urbana para que a memória deste recurso possa se interligar com os espaços públicos, agregando valor para os serviços ambientais prestados (SILVA-SANCHEZ; JACOBI, 2012). Para Pataky, Zsuffa e Hunyady (2013), as propostas de intervenções são para restaurar as condições hidrológicas seriamente comprometidas da bacia, pois são estas condições que determinam como se encontram os ecossistemas e a qualidade dos serviços prestados por ele.

Para Silva-Sanchez e Jacobi (2012), as experiências que já foram realizadas em determinados lugares do mundo demonstram que já se podem notar inúmeros avanços na recuperação dos rios, mas que mesmo assim ainda enfrentam desafios nas esferas social, ecológica e econômica. De acordo com Coy (2013) ao se pensar em projetos de revitalização em uma determinada localidade, leva-se em consideração terrenos vastos que podem ter grande potencial de reciclagem para múltiplos usos. No entanto, devem-se fazer os seguintes questionamentos: Como as revitalizações se inserem no quadro das políticas de desenvolvimento urbano local? Como se dá a relação entre o espaço púbico e o privado na área revitalizada? Como se dará a relação entre o espaço construído e as áreas verdes? Quais os grupos alvos do projeto? Como a sociedade civil participará do processo? Quem financiará e executará os projetos?

O poder público percebeu que processos de revitalização em margens de rios também podem atuar como uma chance para a realização de obras de interesses comuns. A transformação de áreas que antes estavam degradadas em áreas de interesse social, como parques públicos, ganha a aprovação da população, melhorando a imagem da cidade e a qualidade urbana (COY, 2013). Este fator é reforçado na medida em que a vegetação que é novamente inserida atua na qualidade ambiental, trazendo mais benefícios para as cidades, assim como afirma Gorsky (2008), a vegetação traz a renovação do oxigênio, são responsáveis por fixarem as partículas em suspensão, amenizam o clima e ainda trazem sombreamento e umidade. Ela também retém a água das chuvas protegendo o solo da lixiviação e erosão.

Segundo Coy (2013), já se percebe o capital privado como principal ator nos processos de revitalização, tomando o lugar do poder público. Este interesse tem seu principal foco nas tendências do mercado imobiliário, pois a área revitalizada ganha novo poder aquisitivo se tornando uma das áreas mais valorizadas do centro urbano.

Maquiaveli (2012) mostra que a pós-modernidade alterou o espaço urbano nas estruturas culturais, sociais e econômicas, tendo nas revitalizações uma maneira para atrair fluxos internacionais em diversos segmentos, principalmente através do turismo e lazer para as cidades. Infelizmente alguns processos de revitalização ocorrem desconectados do restante da cidade, ocasionando a volta das condições precárias que um dia o corpo hídrico se encontrava.

1.2 Rio Don

O Rio Don localiza-se na cidade de Toronto (Canadá) e possui um elevado nível de urbanização e degradação, principalmente nas áreas localizadas próximas a sua foz. Este corpo hídrico vem sofrendo descaracterização e seus recursos naturais exauridos por mais de 200 anos, tendo como consequência suas águas poluídas através dos esgotos. A foz deste rio foi aterrada e o seu leito sofreu processos de retificação e canalização (GORSKY, 2008). Para Sanches (2011), este rio é um dos mais degradados do Canadá, onde 80% do seu curso encontra-se em áreas urbanizadas, restando apenas 7,2% de matas ciliares originais e quase todas localizadas em áreas de brejo.

Para Bonnel (2015), o Rio Don, no final do século XIX, ofertava diversos serviços ambientais para a cidade em que ele se encontra e que estava em forte crescimento. O rio era utilizado para o despejo de todo tipo de lixo: industrial, humano e animal. Com isso, as fábricas contaminaram a parte baixa do rio envenenando as águas e o ar por vários tipos de resíduos que lá eram depositados, gerando reprovação dos habitantes que moravam próximo a ele. O projeto de infraestrutura de saneamento da cidade foi mal elaborado e acabou com que o esgoto de Toronto fosse parar diretamente no rio sem nenhum tratamento, transformando o rio Don em um esgoto a céu aberto.

Segundo Medeiros, Medeiros e Romero (2014), a falta de preocupação com os aspectos que se relacionam à proteção do curso de água nos planos de desenvolvimento da região de Toronto ocasionou impactos socioambientais para a área em que está inserido o rio Don.

De acordo com Amisah e Cowx (2000), a qualidade das águas do Rio Don sofria muita interferência dos Rios Rother e Dearne, pois se localizam em uma porção superior ao Don. Até o ano de 1992 o Don possuía altos níveis de Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e de amônia que se encontravam fora dos limites de Padrões de Qualidade Ambiental que eram aceitáveis. Tratamentos de esgoto e nas descargas dos resíduos industriais (o fechamento de indústrias de aço contribuiu para o melhoramento da qualidade da água) nestes rios que se localizavam acima do Don, levaram a redução destes parâmetros que se encontravam fora dos limites permitidos pela legislação.

Com o objetivo de requalificar o rio, nos anos de 1940 e 1950 criou-se a “Associação de Conservação do Vale do rio Don” que possuía a intenção de valorizar os recursos naturais e encontrar uma maneira de combater a crescente degradação dos recursos ambientais. Na década de 60 e 70 inúmeras manifestações foram realizadas a favor da revitalização do rio. Nos anos de 1980 e 1990, foi formado um conselho e uma força-tarefa “Bring back the Don” que possuiu o apoio formal da Câmara da Cidade de Toronto. Esta força-tarefa foi responsável pelo desenvolvimento do plano de revitalização de toda a bacia hidrográfica, contou com a participação de vários níveis de organização social: o poder público, a sociedade civil e as organizações comunitárias (GORSKY, 2008).

Para Gorsky (2008), o “Bring back the Don” queria recriar uma nova forma de planejamento urbano, onde os elementos da paisagem e do ambiente fossem integrados a ele. Com isso possuíam três objetivos principais: 1- A proteção do que ainda se encontrava saudável, estabelecendo sua diversidade ecológica no curso baixo do rio Don; 2- Regenerar o que se encontra degradado; e, 3- Assumir a responsabilidade pelo rio. As propostas levaram em consideração os aspectos ecológicos, sociais e econômicos, como se retrata a seguir:

Recriação de um delta onde o rio encontra o lago; Recuperação de pequenos meandros e das características físicas do canal do rio para criar habitats de peixes, corredeiras e poços naturais ao longo do rio; Criação de banhados, lagoas e prados, para auxiliar na melhoria da qualidade da água por filtragem e metabolização de bactérias e ajudar no controle do fluxo de água e das inundações; Reflorestamento das matas ciliares com espécies nativas; Acessibilidade aos projetos pontuais realizados; Incentivo a atividades recreativas e ao uso pelo pedestre e ciclista da estrutura da orla; Desenvolvimento de atividades educativas e recreativas sobre a função hidrológica do rio e seu regime fluvial; Uso de medidas não estruturais como alternativa à utilização de sistemas tradicionais de drenagem (GORSKY, 2008, p. 108).



Estas propostas fizeram com que o rio Don fosse reinserido na consciência dos moradores de Toronto, pois foram aumentadas as oportunidades das pessoas interagirem com o rio. A força-tarefa se tornou um modelo para restauração ambiental, onde há a participação da comunidade nas ações (MEDEIROS; MEDEIROS; ROMERO, 2014).

A educação ambiental é parte fundamental para se regenerar o rio, pois como afirma Bragato et al. (2018), é através dela que se formam cidadãos conscientes do seu papel, pois ao correlacionar a sociedade, cultura e ecologia, contribui para o fortalecimento da responsabilidade individual na conservação do meio ambiente.

A revitalização ocorrerá de maneira muito mais efetiva com o apoio da comunidade, portanto o programa elaborado deve ser realizado para eles de forma participativa, em parceria com o poder público e as Universidades. Comunidades serão desapropriadas das áreas do entorno da renaturalização, por isso este é um processo que necessita da sensibilização dos atores envolvidos. Indenizações e construção de apartamentos para estas comunidades que precisarão ser realocadas devem ser levados em consideração, assim como um trabalho de educação ambiental na área.

Segundo Sanches (2011), o projeto intitulado “Lower Don Lands” está se desenvolvendo junto ao projeto de revitalização, onde 16 ha de propriedade pública terão as áreas que estão contaminadas remediadas, com restauração do ecossistema local, criação de áreas habitacionais que se ligarão a espaços verdes. Também ocorrerá a instalação de um sistema de drenagem natural que se combine ao convencional, para um melhoramento do escoamento superficial das águas. Já o projeto “Port Lands” será realizado em uma área de 400 há, também de propriedade pública, para ele está previsto a criação de diversos espaços livres, como: áreas de esporte, parques, corredores verdes, áreas de passeio, além de 14.634 unidades habitacionais.

Os projetos citados são importantes para se conseguir a revitalização do rio Don, atuam como projetos transversais necessários para o alcance das propostas desenvolvidas para o rio.

O Canadá atento às tendências mundiais relacionadas aos espaços públicos nas margens de rios, começa a aderir a implantação de parques lineares. Através da participação social na recuperação das áreas degradadas, tem-se o ponto mais fundamental para o sucesso de projetos deste porte, onde através dos comitês de bacias, há a interação entre o poder público e a sociedade (MEDEIROS; MEDEIROS; ROMERO, 2014). Quando a sociedade em geral se envolve nas medidas tomadas para revitalizar um curso de água aumenta as chances de isto ser efetivo, pois criará nas pessoas um sentido de responsabilidade e de pertencimento com o recurso natural, levando elas a cuidarem do meio, além de atuarem como fiscalizadores do lançamento indevido de contaminantes dentro do rio.

Para Medeiros, Medeiros e Romero (2014), a melhoria na qualidade de água e as soluções dos conflitos de uso dos rios ganharam soluções com projetos de longo prazo, onde se fez necessário à articulação intersetorial e intergovernamental.

O Rio Don foi um exemplo bem sucedido de revitalização que contou com a participação do governo, empresas e sociedade civil em busca da melhoria do recurso natural, conseguindo integrar ele novamente a paisagem da cidade, sendo este um exemplo bem sucedido de uma reinserção do corpo hídrico à cidade.

1.3 Rio Los Angeles

O Rio Los Angeles, localizado na Califórnia (Estados Unidos) é a principal fonte de água da Bacia de Los Angeles. Suas foz e margens foram canalizadas no ano de 1938 com o intuito de resolver os problemas de inundações devastadoras que ocorriam na região. Com este fato, o rio passou a servir apenas como uma saída para drenos de águas pluviais da cidade (ALLEN, 2013). De acordo com Sanches (2011), o rio Los Angeles possui aproximadamente 94 km de extensão, dentre estes, 82 km se encontram em áreas urbanizadas, tendo sua nascente localizada do Vale de São Fernando e sua foz na região portuária de Long Beach.

O Plano de Revitalização do Rio Los Angeles teve seu início no ano de 2002, tendo sido criada uma comissão incluindo uma gama de atores para o enfrentamento da degradação do corpo hídrico, pois o rio encontrava-se poluído, canalizado e desarticulado do tecido urbano. Este plano apresentava os impactos da ocupação das margens dos rios e as consequências da degradação e como se daria a sua recuperação. Propostas de curto, médio e longo prazo (GORSKY, 2008).

Para Sanches (2011) a prefeitura iniciou a implementação de um plano inicial, com a obtenção de áreas livres ao longo do corpo hídrico. Comunidades e poder público se uniram para juntar esforços na revitalização do rio. Posteriormente foi formada uma comissão focada no processo de revitalização do rio e também dos seus tributários. Segundo Gorsky (2010), esta comissão era mista e foi em 2005 que o Plano começou a ser desenvolvido para que sua finalização ocorresse em 2007.

Segundo Sanches (2011) os principais objetivos do plano são:

Revitalização do rio: diminuição das enchentes, melhoria da qualidade das águas, acesso público seguro ao rio, restauração do ecossistema e das funções hidrológicas; Melhoria da qualidade da vizinhança: criação de corredor contínuo longo do rio, conexão da vizinhança com o rio, aumento dos espaços abertos, estímulo da identidade da comunidade e incorporação de arte pública ao longo do curso de água. Dentro da vizinhança locais subutilizados e pátios de escolas devem ser requalificados, fazendo parte da nova rede de espaços abertos; Oportunidades para comunidade: fomento a cidadania, tornar o rio foco de atividades e ponto de convergência, promoção de oportunidades educacionais e valorização da herança cultural do rio Los Angeles; Agregar valor: melhoria da qualidade de vida, aumento de emprego, habitação e áreas para o comércio, com priorização de áreas subutilizadas e comunidades desprivilegiadas (p. 103).

É um modelo complexo de recuperação que integra desde questões situadas nas inundações do rio, como também aborda a recuperação e a proteção ambiental, além de tratar do desenvolvimento econômico-social. Os principais objetivos têm visões de curto e de longo prazo para revitalizar o rio e torná-lo uma faixa verde pela cidade, para que as comunidades sejam interligadas ao rio, possam valorizá-lo. São diversos os atores que se articularam para elaboração, implantação e monitoramento do Plano de Revitalização do Rio Los Angeles, podendo destacar: a sociedade civil (líderes comunitários, moradores, instituições de ensino, ambientalistas), agências governamentais locais, estaduais e federal e organizações não governamentais (GORSKY, 2008).

Para Guimarães (2011), o Plano de Revitalização para o Rio Los Angeles aponta para os seguintes objetivos: oportunidades de desenvolvimento econômico com o intuito de fortalecer as comunidades, novas formas para uso e ocupação das terras, criação de espaços comerciais, de ensino, de recreação. Aponta ainda a busca de novos caminhos para que a população residente reencontre o pertencimento ao rio, além de restaurar o ecossistema ripário trazendo novos habitats para os peixes, aves e as demais faunas, melhoria na qualidade da água, prioridade para as vias de pedestres e ciclistas, valorização dos controles de inundação do rio e sensibilização da população quanto a importância do recurso hídrico.

Segundo Gorsky (2008) o principal objetivo deste plano, além da restauração da função ecológica que o rio exerce é o resgate da identidade dele em relação a cidade. Também leva-se em consideração a preocupação em criar valores novos para a melhoria da qualidade de vida dos residentes, para que a cidade de torne um local agradável de convivência e de trabalho. Estas diretrizes são organizadas em curto, médio e longo prazo. Tem-se com isso, que as comunidades atuais e futuras possam ter o rio como a alma da cidade.

Mais uma vez a educação ambiental atua para sensibilizar uma população da importância do rio, para Cramer et al. (2017) a EA atua na formação de crianças, jovens e adultos, onde o conhecimento pode ser repassado de geração em geração, garantindo um meio ambiente saudável. Assim também irá garantir a saúde dos rios e o equilíbrio urbano.

1.3 Rio Anacostia

O Rio Anacostia está em uma grande bacia urbana de Washington, Estados Unidos, sendo esta bacia uma área que abrange 440 km2 de extensão (CONNOR et al., 2014). Sua nascente localiza-se em Maryland e vai até Washington, sua desembocadura se dá no Rio Potomac. Desde o século XVII foi bastante utilizado para transporte, agricultura e pesca, atividades industriais, além do corte das árvores das suas matas ciliares, sendo estas as principais causas da deterioração do corpo hídrico. É considerado um dos 100 rios mais poluídos dos Estados Unidos, tendo uma forte degradação por esgotos domésticos e o lançamento de resíduos sem qualquer tipo de tratamento (GUIMARÃES, 2011).

A extensão do rio possui 176 milhas quadradas, cerca de 220 km2. É habitado no seu entorno por uma população de 1,1 milhão de pessoas, tendo fortes concentrações e urbanização. Diferentes trechos da bacia se encontram pavimentados, sendo por ruas, estacionamentos, telhados. Por não poder penetrar no solo, a água escoa para dentro de canos que vão diretamente para o rio, sendo este um dos motivos da sua elevada poluição. O lixo é carreado para dentro do rio, assim como outros componentes advindos da combustão dos automóveis (CONNOLLY, 2010).

No ano de 1990, o rio Anacostia encontrava-se praticamente como um canal de esgoto, recebendo os resíduos industriais e todo o lixo da região. Ele passou a ser conhecido como um local insalubre onde a miséria, drogas e violência haviam sido instaurados. Já se encontra restaurado 70% da sua bacia, desde 2008, restando cerca de um quarto da cobertura por matas ciliares (GORSKY, 2008). Segundo Connolly (2010), em um estudo realizado no rio percebeu-se que 60% dos peixes-cabeça-de-touro possuíam lesões e tumores em seus corpos, e isto se deu pela presença de um hidrocarboneto policíclico aromático que se forma a partir da combustão dos automóveis.

O Plano de Revitalização do rio Anacostia, de acordo com Gorsky (2008) foi elaborado por agências locais, órgãos públicos, sociedade civil e organizações não governamentais visando à recuperação ambiental, melhoramento no sistema de drenagem e no tratamento das águas pluviais, revitalização dos bairros, melhoramento da economia e do orgulho cívico e adequação do sistema de circulação e transporte. Tem-se nesse plano uma meta considerada mais audaciosa: a de fortalecer a competitividade da capital no cenário nacional e internacional.

Para Guimarães (2011), são inúmeros os esforços para que um dos rios mais poluídos do mundo possa se tornar um modelo de revitalização a ser seguido em outras bacias e rios. Segundo Garcias e Afonso (2013), a sociedade em cooperação com a “Anacostia Watershed Society” colocaram algumas iniciativas em prática para diminuir os efeitos da poluição difusa, melhorando o sistema de limpeza pública para que seja diminuída a quantidade de resíduos que são lançados no rio, com instalação de armadilhas no final das tubulações de drenagem urbana para a captura do resíduo.

Os atores envolvidos no processo da revitalização se deram através do Memorandum of Understanding (MOU), coordenado pela Secretaria de Planejamento do Distrito de Columbia coordenou o plano. O MOU é uma parceria entre 20 Distritos e agências federais que são responsáveis pelo controle de propriedades ao longo do rio Anacostia. Estabeleceram-se cinco temas para a revitalização: restauração (busca de um rio mais limpo e vivo); conectividade (eliminação de barreiras de acesso ao recurso natural); lazer (parques na orla); celebração e áreas com fins culturais (para melhoria da qualidade de vida da comunidade dos bairros do entorno), além de melhorias na geração de renda e de novos postos de trabalho (GORSKY, 2008).

O trabalho de dois anos da equipe de Connor et al. (2014) demonstrou que o Rio Anacostia ainda possui uma dissolução de concreto e cimento, podendo causar um tamponamento do escoamento, isto se dá através de dos fluxos urbanos, onde a origem é antropogênica.

Percebe-se que o processo ainda não alcançou todos os seus resultados e que a poluição continua sendo um fator que dificulta a eficácia dos objetivos.

Connolly (2010) afirma que este trabalho foi feito direcionado para as crianças, pois elas são o futuro do mundo. O objetivo é manter um ambiente limpo para que possa ser dividido e aproveitado por todos.

Corroborando com a ideia de que os processos de revitalização devem levar em consideração cada situação local e que a integração com a comunidade se faz fundamental, pois são as pessoas que vão cuidar e perpetuar a mensagem da conservação destes ambientes tão importantes para as dinâmicas ecológicas e para toda população. A educação ambiental é ferramenta indissociável dos processos de revitalização, ajudando para que os rios não voltem a ser poluídos pelas pessoas.

2 Considerações finais

Nota-se que os processos de revitalização têm trazido inúmeros benefícios para o ecossistema urbano e para qualidade ambiental de uma localidade. A partir de projetos deste porte a cidade ganha um novo poder econômico, pois o turismo passa a ser mais um dos atrativos para a região, como ganha em garantia de bem-estar para toda população. Percebe-se diante dos exemplos que se é possível o alcance da sustentabilidade urbana.

Se faz necessário criar o sentimento de pertencimento dos moradores locais com o rio, pois, para que haja manutenção das novas condições em que o corpo hídrico se encontra é fundamental a colaboração da sociedade, para isto é essencial o desenvolvimento de trabalhos de educação ambiental com a população local. Assim como também, no enfrentamento do problema é relevante que poder público, privado e sociedade civil possam fazer parte da mesma teia, buscando interesses comuns.

Referências bibliográficas

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Ilustrações: Silvana Santos