Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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11/06/2019 (Nº 68) NARRATIVAS AMBIENTALISTAS DE PESCADORES ARTESANAIS DE SÃO JOÃO DE PIRABAS: UMA METODOLOGIA PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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NARRATIVAS AMBIENTALISTAS DE PESCADORES ARTESANAIS DE SÃO JOÃO DE PIRABAS: UMA METODOLOGIA PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Ellen Cristina da Silva Corrêa - Pós-graduada em Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará/Campus Bragança. São João de Pirabas/Pará ellen_pirabas@yahoo.com.br



Luiz Rocha da Silva- Doutor em Educação em Ciências e Matemática pelo PPGECEM/UFMT. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará/Campus Bragança. Bragança/Pará luiz.rocha@ifpa.edu.br



RESUMO

Este trabalho objetiva averiguar as interpretações linguísticas que o povo pesqueiro do município de São João de Pirabas lança ao meio ambiente ao interagir com ele. O artigo intenta discutir a possível interdisciplinaridade entre língua e ciências ambientais, visto que é por meio da linguagem que se pode compreender a natureza. A investigação qualitativa iniciou-se pela pesquisa de campo no intuito de coletar subsídios in loco por meio de incursões participativas até a praia do “Areião”, localizada no município de São João de Pirabas. Posteriormente, fizemos entrevista com roteiro semiestruturado a cinco pescadores da localidade, verificamos a partir disso, narrativas e terminologias próprias do povo pesqueiro local, as análises dos dados foram feitas levando em consideração teóricos como Larrosa (2002) sobre o que chama de Experiência/Sentido e Benveniste (1989) a respeito da Sociolinguística. Conseguimos relacionar a atividade da pesca ao desenvolvimento do local e constatar que os profissionais da pesca mantêm com o meio uma relação não somente extrativista, mas sim de proteção inerente. Não foi crível nesta pesquisa adentrar o espaço escolar, mas deixamos aqui registrado a relevância para a escola em reconhecer tais interações, pois estaria promovendo ensino-aprendizagem de conteúdos concretos e que fazem parte do cotidiano dos alunos e assim, inserindo a educação ambiental de forma palpável na prática escolar. Sobre isso tornou-se prudente considerar as afirmações de Freire (1996) sobre sua desejável e possível educação progressista.

Palavras-chave: Natureza. Linguagem. Fala. Cultura. Interdisciplinaridade



ABSTRACT

This work aims to investigate the linguistic interpretations that the fishing people of the municipality of São João de Pirabas throw to the environment when interacting with him. The article tries to discuss the possible interdisciplinarity between language and environmental sciences, since it is through language that one can understand nature. The qualitative research was initiated by the field research in order to collect subsidies in loco through participatory incursions to the "Areião" beach, located in the municipality of São João de Pirabas. Subsequently, we interviewed five fishermen from the locality, we verified from this, narratives and terminologies proper to the local fishing people, the analyzes of the data were made taking into account theorists such as Larrosa (2002) about what he calls Experience / Sense and Benveniste (1989) on sociolinguistics. We have been able to relate the activity of the fishing to the development of the place and to verify that the professionals of the fishing maintains with the environment a relation not only extractivist, but of inherent protection. It was not credible in this research to enter the school space, but we have here registered the relevance to the school in recognizing such interactions, since it would be promoting teaching-learning of concrete contents and that are part of the daily life of the students and thus, inserting the environmental education of form palpable in school practice. On this, it became prudent to consider Freire's (1996) statements about his desirable and possible progressive education.

Keywords: Nature. Language. Speaks. Culture. Interdisciplinarity



INTRODUÇÃO



Este artigo faz parte de uma investigação do cotidiano de pescadores e coletores de caranguejo e mariscos da região nordeste do Estado do Pará, especificamente faz análise das falas e dos afazeres ligados às vidas, as representações e as tradições ambientais dos sujeitos.

A principal problemática para o desenvolvimento desta pesquisa decorreu do questionamento em relação à possibilidade da interação cotidiana entre linguagem, culturas tradicionais e meio ambiente e da probabilidade das escolas inserirem nos seus ambientes de pesquisas uma relação de construção de saberes e conhecimentos das culturas e das tradições da pesca em suas aulas de EA.

Um fator importante aqui investigado é a maneira como esses povos da pesca utilizam a cultura e a língua para unir-se e referir-se ao meio ambiente e que estas ações podem resultar em discursos e análises diferenciadas do meio, próprios dos trabalhadores da pesca, nesta investigação determinou-se analisar tais ocorrências, e verificar como a escola pode educar ambientalmente seus alunos nesse ambiente complexo de saberes e conhecimentos.

A intenção inicial era num ambiente escolar selecionado, tal como a Escola Guajarina Menezes Silva e numa série específica, como o 6º ano do Ensino Fundamental, investigar como alunos e até mesmo professores das disciplinas de língua portuguesa e Ciências percebem a pesca e se de alguma maneira conseguem relacionar o que observam à natureza e ao meio ambiente em que vivem. Dessa forma, a pesquisa intentou apresentar uma proposta interdisciplinar para as disciplinas de língua portuguesa e ciências interagirem nas escolas de ensino fundamental nas aulas de EA (Educação Ambiental).

O desenvolvimento desse projeto surge então da necessidade de se conhecer pela expressão da fala a ciência e pela consciência dos sujeitos ambientais acerca dos temas que envolvem o seu meio ambiente de trabalho, gerando assim, novos saberes ecológicos e mudanças simples, porém expressivas nas atitudes e hábitos cotidianos em relação a questões ambientais na escola e no cotidiano.

Uma inquietação possível a cerca dessa problemática seria a implementação da linguística na Educação em Ciências e Ambiental interdisciplinarmente no contexto escolar, entendendo-se que a Educação Ambiental é, ao mesmo tempo, uma forma de educar e aprender por investigação, que busca a melhoria do próprio meio ambiente em que vivemos e da qualidade de vida que está não só nas atitudes, mas nas expressões dos sujeitos.

A inserção de uma pesquisa cotidiana sobre a expressão da fala na Educação Ambiental que insere curiosidade epistemológica nas suas interpretações linguísticas considera na escola que essas expressões se configuram de fato como investigação e análise estruturadora dos saberes ecológicos dos sujeitos que fazem do meio um local de vida e trabalho, poderíamos então pela interpretação linguística das narrativas dos sujeitos entender a formação de uma sociedade economicamente sustentável e integrada ao meio ambiente. Se a Educação Ambiental objetiva formar para cidadania, para criticidade e busca a transformação de valores e atitudes, construindo posturas éticas e conscientes, a interpretação das falas e atitudes dos sujeitos ambientais como patrimônio humano intangível poderia ser grande contribuinte na construção de um novo modelo de sociedade ecológica.

Nessa direção é inteligível ainda que a conexão entre a escola e a sociedade é aspecto diametralmente essencial. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) adverte sobre a criação de metodologias de integração da sociedade com a escola que devem garantir a participação da comunidade nas ações educacionais e nos projetos das escolas. Assim, os marcos legais apontam a preocupação em pesquisar e estender saberes relacionando a Educação com dimensão dos saberes sociais, que devem ser tratados não apenas como simples saberes, mas como saberes sociais que interferem em toda a formação humana.

A aproximação entre as disciplinas de língua portuguesa e ciências, biológicas ou demais ramificações, causa de fato estranhamento, pois se tem certo distanciamento entre as áreas das ciências da natureza e as ciências humanas. Porém, ao levar em conta os problemas ambientais pode-se perceber o quanto a sociedade pode estar relacionada, assim possibilitando enriquecimento de indagações e vínculos epistemológicos. Dessa forma, nos voltaremos a investigar como se dá tal interação, a priori, investigando as falas dos sujeitos envolvidos diretamente com o meio ambiente, a saber, os pescadores.



  1. A PESCA ARTESANAL EM SÃO JOÃO DE PIRABAS

São João de Pirabas é uma cidade e município pesqueiro do estado do Pará localizado na microrregião do salgado. Seu nome originou-se de um peixe por nome “piaba”, abundante nas águas dos seus rios, já a referência ao Santo diz respeito a forte devoção da população inicial ao “São João”. Com efeito, torna-se evidente o cenário tradicional do lugar que tem na pesca seu meio de sobrevivência e na fé sua maneira de expressar gratidão ao mar, evidenciados por santos como o então Rei Sebastião.

Em São João de Pirabas a pesca artesanal é vista como forma de subsistência dos moradores, por isso as embarcações de madeira fazem parte desde muito cedo da vida de boa parte dos munícipes, assim o conhecimento adquirido sobre a pesca e os equipamentos necessários para o ofício tornam-se corriqueiros, o que demanda significativo saber empírico a esses profissionais. Freitas&Rivas (2006, p.30) legitimam que a pesca artesanal não está alinhada somente à produção de alimentos, mas também às diferentes estratégias e aos comportamentos associados ao uso do recurso pesqueiro.

Percebe-se, então, que pescar não é somente “jogar a linha ao mar”, mas sim requer significativo conhecimento sobre o ambiente natural em que se está e mais do que isso sobre os utensílios necessários para que de forma equilibrada (visto que o sustento não pode faltar) sejam extraídos os recursos para sobrevivência. Um dos implementos mais utilizados para a pesca artesanal é a canoa, nela podem ir à pesca um ou dois pescadores, quantidade comum àqueles denominados como pescadores artesanais (entre eles, os curralistas, nome dado aos pescadores que trabalham na pesca artesanal de curral que na pescaria diz respeito a um cercado de madeira feito no mar ou rio para a captura de peixes). A variação no uso de apetrechos está relacionada com o tipo de ambiente explorado e seus grupos de espécies-alvo. As pescarias caracterizam-se por explorar um grande número de espécies, empregando diferentes tamanhos de canoas e variados métodos de pesca. (ICMBIO-Instituto Chico Mendes de Conservação do Meio Ambiente).

Portanto, observa-se que a pesca faz parte da vida dos habitantes do lugar e desde a colonização do local sustenta as famílias pirabenses. No entanto, na contemporaneidade, por meio do Relatório (2016, p.66) com diagnóstico socioambiental referente à criação da Resex São João de Pirabas e ampliação da Resex Chocoaré Mato Grosso (Unidade de conservação federal do Brasil categorizada como reserva extrativista e criada por Decreto Presidencial em 13 de dezembro de 2002 numa área de 2.785 hectares no estado do Pará) apurou-se que, na última década, as principais espécies de valor comercial como a pescada amarela e o camurim, vêm apresentando forte redução em sua abundância, pois segundo relatos dos pescadores, os estoques pesqueiros estão sendo explorados de forma predatória por pescadores de outras regiões (ICMBIO). Para driblar as adversidades vindas da pesca predatória, os pescadores atuam em outra forma de extração, e tirar caranguejo se apresenta como meio viável, além de outros produtos como o camarão e mariscos.

Ultimamente, a pesca predatória em São João de Pirabas está sendo feita por pescadores de regiões como Boa Vista que utilizam a prática da rede apoitada para fechar a passagem dos peixes na “boca do rio”. Por isso, é relevante saber o que tem a dizer o pescador pirabense sobre seu ambiente natural de trabalho, é válido que a academia e o corpo social reconheçam a voz desse povo repleto de saber empírico e que por meio disso pode colaborar com a preservação de ecossistemas frágeis que há muito deixaram de atender somente a sobrevivência de comunidades tradicionais, mas sim tornaram-se vítimas do desenfreado poder industrial do capitalismo.



  1. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS



De acordo com o que diz Marconi&lakatos (2003, p. 186): “Toda pesquisa implica o levantamento de dados de variadas fontes, quaisquer que sejam os métodos ou técnicas empregadas... É a fase da pesquisa realizada com intuito de recolher informações prévias sobre o campo de interesse.”. Desta maneira, a presente investigação qualitativa inicia-se fazendo uso da pesquisa de campo que é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles.

Anterior a isso, foi feita pesquisa bibliográfica na intenção de verificar conteúdos relevantes sobre o tema. Encontraram-se diversas pesquisas sobre questões antropológicas no que diz respeito à construção da identidade do pescador, assim como sobre a formação de professores educadores ambientais a partir de suas experiências com a natureza. Pesquisas como a de Gianpaolo Adomilli (2002) sobre trabalho, meio ambiente e conflito: um estudo antropológico sobre a construção da identidade social dos pescadores do Parque Nacional da Lagoa do Peixe-RS e sobre Saberes e fazeres identitários: a narrativa produzindo professores educadores ambientais de Vanise Gomes, Cleuza Maria Dias e Maria do Galiazzi ressaltaram a necessidade que se tem de uma metodologia inovadora que considere uma situação concreta de evidenciação da natureza.

Adomilli (2002) retrata o pescador como detentor do saber-fazer, conhecimento que o faz atuar nesta profissão e assim respeitar o ritmo da natureza. Ele diz que o pescador procura “levar em conta a relação com a natureza, com base no saber tradicional do grupo, destacando-se as representações sobre o meio em que vivem, observados nas referências às condições para realização da pesca, como o saber sobre os ventos e o mar”. Isso nos mostra a quantidade e qualidade de conhecimento a cerca da natureza advindas das experiências marítimas de pescadores. Contudo, percebeu-se na pesquisa bibliográfica que os estudos voltados para a educação ambiental remetem a formação de professores baseados em teorias e minimamente em práticas, somente o de Gomes, Dias e Galiazzi aproxima-se daquilo que acreditamos ser de fato um educador ambiental, por isso mesmo em seu trabalho as autoras iniciam questionando se são realmente educadoras ambientais e terminam por dizer que “Produzir-nos como professoras educadoras ambientais é, pois, uma aposta de o fazer com nossos alunos em sala de aula em que as histórias tem gente dentro, lugares, saberes e fazeres”.

Em relação a São João de Pirabas, encontramos o Relatório com diagnóstico socioambiental referente à proposta de criação da Resex São João de Pirabas, feito pela Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa, no ano de 2016. Esse documento mostra a abrangência pesqueira do local, seu desenvolvimento ao longo dos anos e a necessidade de conservação dos ecossistemas que ali se encontram. Nessa perspectiva, é que se acentua a necessidade de uma prática efetiva para o ensino de educação ambiental, algo que possa ser comprovado pelos alunos em tempo real. Por isso esta pesquisa se faz importante, pois ela pode fazer com que os saberes de uma comunidade pesqueira adentrem os muros da escola e possa ser avaliado como conhecimento crucial para a preservação da fauna e flora local.

A pesquisa de campo foi feita in loco por meio de incursões participativas até a praia do “Areião” que tem o nome simbólico de “rancho”, local em que os pescadores utilizam para suas práticas.

Figura 1 - Praia do “Areião” localizada em São João de Pirabas.

Fonte: Imagem feita pelos autores

O ponto que nos direcionamos foi o comumente conhecido como “rancho do seu Abraão”.

Figura 2 - “Rancho do seu Abraão” localizado na praia do “Areião” em São João de Pirabas.

Imagem feita pelos autores

Usamos como metodologia inicialmente nesse momento apenas reuniões e contatos junto aos pescadores, e assim foram observadas as atividades e num ambiente de diálogos coletadas as falas desses trabalhadores da pesca. Essas falas foram registradas por meio de gravadores celulares.

Dos diálogos elegemos cinco questões ligadas a dimensões conceituais relacionadas à vida, ao meio ambiente de trabalho e a natureza e o que esses ambientes representam para os sujeitos que dele retiram seu sustento e das suas famílias. Em seguida fizemos o uso de entrevista com roteiro semiestruturado a respeito das questões acima. Nos diálogos também coletamos palavras e termos que refletem o modo de interação dos pescadores com o meio. Segue abaixo quadro de perguntas.

Tabela 1 – Perguntas direcionadas aos pescadores

PERGUNTAS

  1. O que é o oceano, os rios, furos e o manguezal pra você e o que estes ambientes representam na sua vida profissional?

  1. Retirar caranguejo ou pescar é cansativo, dá muito trabalho ou é estressante passar o dia todo nesse ambiente?

  1. Você já se deparou com os segredos da natureza? Conte-me sobre os segredos da natureza.

  1. Sua atividade põe o meio ambiente em risco? Você acha que pescar e ou tirar caranguejo prejudica o meio?

  1. Fale um pouco mais sobre isso que você faz e me diga se gostaria de mudar de profissão.



As perguntas foram direcionadas aos pescadores por nomes Lucival, Correte, Rogério, Raimundo e Cotó, que aqui distribuiremos na ordem de 1 a 5, respectivamente.

Figura 3 - Pescadores artesanais de São João de Pirabas, na imagem estão o senhor Rogério, Cotó e Raimundo, nessa ordem.

Fonte: Lucival Ferreira

Segue a transcrição:

Tabela 2 – Transcrição das respostas às perguntas da tabela 1

TRANSCRIÇÃO DAS RESPOSTAS DOS PESCADORES

RESPOSTAS DA PERGUNTA DE NÚMERO 1

1- É a minha primeira casa, até porque tudo tá no meio ambiente, assim é a primeira e única casa até na morte pra onde agente vai? Pra terra, pro chão ou se morrer afogado o mar leva, mas tudo é natureza... Às vezes isso até me dá um pouco de esperança (risos) saber que é a terra que vai comer minha carne (se vendo útil depois da morte para a natureza) se bem que com toda essa beleza até da pena morrer e deixar tudo isso, mas agente tem que abrir espaço pros outros... Deus fez, Deus desfaz... (Risos)... Eu faço da natureza uma parte de mim é daqui que eu encho o bucho dos meus meninos são nove boquinhas esperando o pão então eu venho trago os dois mais velhos pra aprender e rezo pra voltar e levar o peixe e o que for... Na minha vida a natureza é tudo, eu aprendi com ela e vivo dela e é só isso...

2- Olha a natureza é nossa... Esse mundaréu de água é tudo nosso só Deus pra tomar da gente ele que fez... Eu adoro isso tudo aqui, não me imagino fora desse ambiente pescar é como e fosse uma brincadeira de criança só dá felicidade... (Risos)... Tem gente que pensa que isso aqui é infinito, nunca vai se acabar, mas eu já vi muita coisa se acabar aqui, a praia por exemplo tá se acabando... E acabar agente se acaba junto, tem que respeitar o que é nosso se não já era... A natureza não precisa de mim... Eu preciso dela nesse mundo eu sou apenas uma pequena pedra que o tempo leva... A vida se acaba e se agente não cuidar vai tudo se acabar...

3- Quando eu venho pra cá fico feliz (Risos)... Tristeza é na hora de voltar pra casa risos chegando lá a dona encrenca (se referindo a mulher) pergunta logo... Trouxe alguma coisa? Agente sempre leva... Pode até num ser dinheiro, mas o peixe e o caranguejo e o siri isso nunca falta. É a natureza que dá pra gente, mas olha... Não tá tão fácil mais assim não, eu penso que vai se acabar... Nesse ritmo que tá não vai durar muito não isso é triste saber dessas coisas, mas enquanto agente pode vamos cuidando pra vê se dura pros outros também... Eu passo muito tempo aqui por isso acho que nem largo mais essa vida.. Sabe que eu estudei pra ser pescador (risos) meu pai foi o professor e ele disse aprende com a natureza que tú nunca vai passar fome... E eu ó aprendi mesmo e nunca passei fome ele me dá é tudo que eu quero...

4- Pra mim é tudo, eu só vivo porque amo a natureza, isso tudo aqui... E é isso é daqui que eu vivo... Preciso cuidar né? Pra mim tem que cuidar, mas são todos cuidando e não um cuidando e outros destruindo todos são donos assim todos são responsáveis.

5- É interessante que vocês das universidades vem aqui perguntar pra gente essas coisas não sabem as respostas?... Mas você é diferente gosta de conversar e gravar... Pra alguma coisa isso vai servir... Mas eu vou te contar que aqui tudo tem uma proteção divina e se agente não respeitar a mãe do mangue castiga agente e como isso acontece ela não permite um bom dia de trabalho isso é a natureza quando ela se invoca com você já era, pode pedir desculpas e voltar pra casa esse dia não vai tá pra peixe (risos) penso que a natureza é nossa vida e nós somos a vida dela agente cuida dela e ela cuida de dá pra gente o que precisamos e é isso ai...


RESPOSTAS DA PERGUNTA DE NÚMERO 2

1. Eu não acho, pelo contrário estressante é ficar em casa... Eu adoro isso aqui se pudesse nem voltava pra casa...

2. Já foi mais fácil, mas tá ficando difícil existem dias bons e dias ruins, mas é tudo de bom se dé deu (risos)... Tem dias que o mar resolve deixar agente na mão ai só tomar umas e esperar que águas melhores virão...

3. Pra mim todo dia é cansativo, mas se o dia não for cansativo é porque não deu trabalho a agente descansa de dia e pesca a noite... Isso é vida de pescador trabalha de dia e de noite... Isso é cansativo mas é bom...

4. Ruim é não ter o que fazer eu nunca me sinto cansado... Me sinto é desmotivado quando percebo que as pessoas que aqui trabalham não sabem a importância disso tudo aqui...

5. Eu prefiro passar o dia aqui do que ficar em casa sem fazer nada, ai dá vontade de fazer besteira... (Risos)......aqui agente só pensa em arrumar a broca de cada dia




RESPOSTAS DA PERGUNTA DE NÚMERO 3

1. Eu ví uma curupira... Eu acho que vi... (Risos)

2. Se é segredo agente nunca fica sabendo (risos)... É segredo

3. Tudo na natureza é segredo, a cada dia agente vê uma coisa diferente... A natureza nunca é a mesma...

4. Quem sabe? Só Deus conhece os mistérios da natureza, quando ele quer ela revela, mas não existe segredo é só ir conhecendo que o mistérios vão se apresentando

5. A natureza é cheia de segredos um deles é onde tá o peixe?... (Risos)... Se a lua tá boa tem peixe se não não tem peixe... Que mistério é esse? Ninguém sabe...


RESPOSTAS DA PERGUNTA DE NÚMERO 4

1. Tem pra todos mais temos que saber trabalhar pra não acabar...

2. Tem muita gente que só vai no manguezal quando o caranguejo anda...

3. O IBAMA não sabe quando caranguejo anda... Ai marca fora da data certa....

4. É preciso pagar um auxílio na época do defeso pra gente não passar fome...

5. Não, eu acho que não.




RESPOSTAS DA PERGUNTA DE NÚMERO 5

1. Eu não gostaria e nem quero mudar de profissão, mas eu gostaria de que o governo nos ajudasse pra ser melhor, somos esquecidos aqui no meio do mundo e não temos assistência de nada, dependemos de todo nosso esforça pra sobreviver ai quando eles vêm aqui ainda tomam nossas ferramentas de trabalho isso é governo? Levaram até o motor da minha rabeta isso pra mim é roubo... Ai quando agente vai lá eles dizem que agente tava trabalhando em dias proibidos se eu nem tava trabalhando no defeso... E agente fica desprovido....

2. E se pudesse não trabalhava nessa profissão, ficava aqui só pescando e nem queria saber do resto... (risos)

3. Eu adoro isso aqui, só que essa vida eu não quero pros meus filhos estão tudo na escola, mas o mais velho chora pra vim pra qui eu que digo vai pra escola se não vai sofrer igual eu pra sustentar vocês... Estuda aprende e depois vai pescar mais vai sabido (risos)

4. Eu só saio dessa vida quando morrer... Enquanto isso é aqui e daqui pra casa e volto. Sempre assim...

5. Eu já fui trabalhar uma vez em Goiânia, cheguei lá era ajudante de pedreiro trabalhava dia todo pra ganhar micharia, fui porque me enganei pensando em conhecer outros lugares, me arrependi, levei a mulher e os meninos, mesmo assim lá deu uma saudade do mar, dos peixes e dos mariscos que foi o jeito voltar logo... Agora aprendi a lição trabalho bom é aqui tem todo dia e agente fica sempre feliz, perto desse cheiro de água salgada e de lama do mangue.



  1. A VOZ DO PESCADOR É A VOZ DA NATUREZA!

Todas as perguntas foram respondidas pelos pescadores. Iniciaremos a análise levando em consideração a primeira pergunta e das respostas, avaliaremos trechos de duas, a saber, dos pescadores 4 e 5, identificados como Raimundo e Cotó, respectivamente.

O entrevistado 4 (Raimundo) respondeu a respeito da pergunta de número 1 o seguinte: “Pra mim tem que cuidar, mas são todos cuidando e não um cuidando e outros destruindo todos são donos assim todos são responsáveis”.

De imediato, ao ouvirmos tal fala percebemos que o entrevistado vê a natureza como patrimônio de todos e que tal percepção não está condicionada ao fator escolaridade, mas sim ao que Larrosa (2002) intitula como experiência/sentido. De acordo com o autor as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece. (LARROSA, 2002, p.21)

Com efeito, as palavras demonstram nossa relação com o mundo, evidencia o quanto nos importamos com o outro, com o meio. Tudo isso, todas essas interações compõem nossa identidade e é por meio da palavra que se pode comprovar nossa capacidade de ser. A palavra torna-se, então, ontológica, pois corresponde a formação do ser humano, da existência. Assim, o homem vive mediante a palavra, se constitui dela e se reconhece a partir do uso. No entanto, para que isso aconteça é preciso que as palavras sejam de fato parte do homem, e não apenas um amontoado de informações ditas de maneira maquinal pelos seres humanos contemporâneos.

Só podemos nos precaver dessa função automática de dizer sem sentir se levarmos em conta a experiência, que para Larossa (2002) é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. É o que notamos na fala do entrevistado em questão. Sua total preocupação com a natureza advém de sua visão patrimonial do meio ambiente, visto que por meio da experiência consegue sentir os problemas que envolvem a natureza e a pouca importância que se dá a isso pela maior parte da sociedade. Essa experiência vai muito além do fator trabalho, mas sim configura uma questão de sobrevivência terrestre, ou seja, o sujeito consegue refletir acerca do que sente, do que vivencia, porque é tocado por isso e assim ao se aprofundar nessa reflexão e transpassar o espaço que o cerca chega a níveis de entendimento maiores, como perceber que a natureza segue um ciclo e pode ser finita e por isso precisa ser cuidada para que possamos coexistir.

Larrosa (2002) corrobora que um sujeito fabricado e manipulado pelos aparatos da informação e da opinião é um sujeito incapaz de experiência. Destarte, o que falta é a oportunidade de vivenciar tais experiências, isso porque vivemos num mundo moderno que nos oferece informação em tempo real e rapidamente substituível, impossibilitando que algo nos toque. Nessa circunstância, é válido lembrar que desde os primeiro anos de escola aprendemos que a informação é algo crucial no meio educacional, visto que sempre estamos inseridos em situações em que nos é solicitado opinar sobre determinada informação. O autor menciona que nossa opinião é algo subjetivo e a informação é o objeto sobre o qual opinamos.

Isso nos mostra o quanto a educação está colaborando para formar cidadãos que não dão verdadeiramente sentido àquilo que falam, automáticos em responder com opiniões que muitas vezes se restringem em ser a favor ou contra. Ao lembrar-me do momento da entrevista, percebi que todos imediatamente conseguiram responder as perguntas, mesmo que com certa vergonha e restrição vocabular, conseguiram expor seus anseios, suas análises, pois detêm conhecimento de causa, foram tocados pela natureza, porque estão expostos, porque a natureza não simplesmente existe, acontece, mas sim faz parte da vida desses sujeitos, é a razão da existência e continuidade de todos nós. Acredito que ao fazer a mesma pergunta a alunos deste município em relação à importância do oceano, rios, furos e manguezal, talvez, não conseguiria obter respostas tão bem arraigadas. Todavia isso agora não poderei investigar, ficará para um próximo trabalho.

A resposta (Trecho) do entrevistado de número 5 (Cotó) foi a seguinte: É interessante que vocês das universidades vem aqui perguntar pra gente essas coisas não sabem as respostas?... Mas você é diferente gosta de conversar e gravar... Pra alguma coisa isso vai servir... Penso que a natureza é nossa vida e nós somos a vida dela agente cuida dela e ela cuida de dá pra gente o que precisamos e é isso ai...

Nesse momento, percebi a despreocupação da academia em voltar às comunidades pesquisadas para mostrar os resultados da pesquisa feita. Retornar é relevante, pois demonstra ainda mais para a comunidade e sujeitos a importância que de fato têm para o corpo social e acadêmico.

Ao analisarmos o final do trecho da resposta vimos que os pescadores estabelecem uma relação de troca com a natureza, estabelecida de forma inerente isso pelo fato de ter sido capaz de se entregar a esse entendimento enquanto sujeito, porque vive de fato a experiência. Larrosa (2002) afirma que ser sujeito da experiência é ser sobretudo um espaço onde têm lugar os acontecimentos. Ou seja, é a possibilidade de abertura que se dá ao viver determinado momento, determinada situação e isso origina fatores sucintos para a transformação da realidade, o que nos remete à práxis marxista.

De acordo com Larrosa (2002) somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação. Essa competência de transformação é entendida na fala deste pescador que por conta da experiência, paciência, de sua capacidade de sentir, observar, olhar, passa a ter outra postura social e profissional sobre o meio ambiente. Quem dera pudéssemos propiciar aos nossos alunos esse tempo para olhar, sentir devagar a natureza para que assim compreendessem sua importância. Isso pode ser possível e a Educação ambiental, acredito ser o caminho.

À pergunta de número 2, traremos à análise a resposta do entrevistado 2 (Correte): Já foi mais fácil, mas tá ficando difícil existem dias bons e dias ruins, mas é tudo de bom se dé deu (Risos)... Tem dias que o mar resolve deixar agente na mão ai só tomar umas e esperar que águas melhores virão...

Ao avaliar a resposta acima observa-se que os pescadores são conscientes das modificações ocorridas ao longo da história local, visto que reconhecem já ter sido mais fácil a pesca na comunidade. Isso pode ser explicado pelo que afirma Welcomme; Barthey (1998): A pressão da pesca inadequada e/ou excessiva leva ao declínio da qualidade do ambiente aquático, a contínua redução da capacidade das associações de peixes nativos de se adaptarem; e, principalmente, pela incapacidade de muitas espécies compensarem, por meio da reprodução natural. (WELCOMME; BARTHEY, 1998, p. 5)

Observa-se na resposta do pescador 2 a discursividade com a qual foi produzida, visto que um discurso necessita estar vinculado a determinado fator ideológico, ou seja, requer aproximação com o contexto que originou tal posicionamento. Nessa perspectiva, levaremos em conta a análise do discurso sobre o que a ideologia representa dentro do campo da linguística: “A ideologia é, pois, a visão de mundo de determinada classe, a maneira como ela representa a ordem social. Assim, a linguagem é determinada em última instância pela ideologia, pois não há uma relação direta entre as representações e a língua” (GREGOLIN, 1997, p.17).

Outrossim, também é primordial suscitar as menções de Pêcheux (1990) sobre “condições de produção de discurso” que confirmam a relação entre “formações ideológicas” e “formações discursivas”, mediante ao fato de que numa sociedade há características específicas que constituem discursos, tais como: contexto e época. Isso esclarece o fato de que o discurso também é responsável por incitar o indivíduo a encontrar seu lugar social, pois frequentemente vê-se a formação de determinadas grupos por meio do valor ideológico e, portanto discursivo da fala (no nosso caso, a de pescadores). Com efeito, é importante saber o que esses grupos têm a dizer, isto é, o que os pescadores artesanais de São João de Pirabas têm a nos contar.

É exatamente isso que a pergunta três nos revela. Dentre as respostas, traremos à tona a fala do entrevistado de número 5 (Cotó): A natureza é cheia de segredos um deles é onde tá o peixe?... (risos)... Se a lua tá boa tem peixe se não não tem peixe... Que mistério é esse? Ninguém sabe...

O saber empírico registrado na fala do pescador é visivelmente depreendido, mesmo que para ele isso não seja percebido. A ciência explica com outros termos aquilo que os pescadores reconhecem como influência para o sucesso de seu ofício. A hidrografia menciona a importância da lua sizígia (lua cheia) para a captura de peixes e por ser a região considerada estuarina, é possível que a preamar favoreça o deslocamento dos peixes e os faça acompanhar o movimento da maré alcançando os rios e, por conseguinte os currais.

Os pescadores entrevistados nos disseram que atualmente tem percebido que as águas denominadas por eles como “águas do escuro” (lua minguante) estão preferíveis para a pesca do que as que chamam de “águas do luar”(lua cheia). ROOKER e DENNIS (1991) mencionam a importância da fase lunar para a composição da ictiofauna de uma região, pois a variante provocada pela intensa ou pouca iluminação noturna possui ação sobre o nível das marés. Ademais, atividades reprodutivas associadas ao ciclo lunar, como a agregação para a desova, podem causar efeitos significativos na variação temporal da abundância de peixes (JOHANNES, 1978).

Todas essas informações científicas são vivenciadas pelos pescadores artesanais de pirabas, estes não detém conhecimento terminológico sobre cada fase da lua ou até mesmo sobre a dinâmica das marés, mas pode-se afirmar que seus saberes práticos conseguem suprir com proficiência essas ciências, pois muito mais do que teoria, eles as experimentam.

Larrosa (2002) ao falar sobre a capacidade do indivíduo de dar sentido ao que ler, isto é, da “relação de produção de sentido” (LARROSA, 2002, p. 137) revela que o ser humano para ler e compreender textos, necessita estar ligado a alguma coisa que se torna significativa para o indivíduo, entrando em seu mundo. O que não é significativo adiciona-se ao conhecimento, apenas (LARROSA, 2002). É nessa perspectiva que considerar as palavras dos pescadores artesanais pode romper com o tradicionalismo das aulas de Ciências em sala de aula, pois as vozes desses grupos teriam significado real para os aprendizes da escola local. Além do fato de haver nessa metodologia grande expectativa interdisciplinar não somente com a língua portuguesa, mas também com as disciplinas de Geografia e História.

A pergunta de número quatro diz respeito ainda mais a consciência ambiental dos pescadores. Selecionamos a resposta do pescador 1(Lucival) para avaliarmos: Tem pra todos mas temos que saber trabalhar pra não acabar...

Os pescadores entrevistados trabalham utilizando a pescaria de viração, tapagem de igarapé e curral enfiador. A pescaria de tapagem incide em colocar a rede de uma margem a outra do igarapé na maré cheia e retirar na maré seca ficando a rede na água por 3 horas em média até a despesca. Já na pesca de viração ou de redinha coloca-se a rede na boca do igarapé por 2 a 3 horas no máximo em qualquer horário ou maré. Em relação à pesca de curral enfiador, estes são construídos nas margens dos rios, igarapés ou praias com suas enfias abertas para a direção da vazante da maré, como por exemplo, onde desagua o rio ou igarapé para que a corrente de água direcione o peixe para o chiqueiro do curral.

Figura 4 - Curral onde pescam os entrevistados. Estão na imagem o senhor Lucival, Cotó e Correte, respectivamente.

Imagem feita pelos autores

As três práticas são consideradas benéficas entre os pescadores, pois permitem que o peixe siga seu caminho natural de acordo com a maré e não seja desviado pelas redes apoitadas como repetidamente tem acontecido, quando de forma estocástica os apoites são feitos em águas profundas com ferro para que se alcance profundidade máxima e assim possa capturar todo e qualquer tamanho de espécies de peixes.

Esse “saber trabalhar” de que fala o entrevistado é justamente sobre como manusear o meio natural para que não falte a curto e longo prazo a subsistência. Sob essa égide, adentramos novamente na perspectiva ideológica, de posicionamento e construção de sentido a cerca do que pode nos revelar o pertencimento à determinada classe social, neste caso a de pescadores. Percebe-se que o pescador em seu discurso tem consciência ambiental, reconhece o seu local de trabalho como parte de um ecossistema fundamental para a mãe terra, e assim percebemos o pensamento coletivo demonstrado em seu discurso (tem para todos).

Finalmente, sobre a pergunta de número 5, nos voltaremos a análise de um trecho da resposta do pescador 5 (Cotó): ...trabalho bom é aqui tem todo dia e agente fica sempre feliz, perto desse cheiro de água salgada e de lama do mangue.

A pesca, em sua maioria, é considerada um trabalho informal, de pouca valorização. A partir da criação da Colônia dos pescadores, alguns direitos foram introduzidos a esses profissionais, entretanto ser pescador ainda é uma profissão de nível escolar baixo e com alguns entraves que dificultam o desenvolvimento do serviço. Por isso mesmo é comum se pensar que pescadores são sempre aqueles que vivem com pouco, isto é, que pertencem a nível sociais inferiores. Talvez, pelos fatores acima citados ou também por terem uma profissão que lida de forma íntima com elementos específicos da natureza, a saber: Água salgada, mangue, peixe.

Esses fatores são ou fazem parte de ecossistemas próprios, são naturalmente repletos de odores, espécimes, vegetação, dentre outros. Tudo isso para o pescador têm relevância, até mesmo o cheiro da água salgada e do mangue é indício de familiaridade, representa também sua habitação que somente quem ama a natureza é capaz de reconhecer. É o que compreende-se no que narra o pescador 5.



  1. PALAVRAS DE PESCADOR

No momento das entrevistas/diálogos algumas palavras e terminologias foram ouvidas sobre como o pescador interage com a natureza. Apresentamos 10 delas e seus respectivos significados (dado pelos pescadores) no quadro abaixo:

Tabela 3 – Palavras que os pescadores usam na interação com o meio ambiente natural e social relacionado à pesca.

TERMOS

SIGNIFICADO

  1. Muão

Prática de pedir peixe no momento que a embarcação retira o pescado

  1. Muãozeiro

Aquele que faz muão

  1. Beiradão

Orla da cidade

  1. Águas escuras

Águas em que a lua minguante acontece, o que determina o que e não ode fazer em relação a pesca.

  1. Águas do luar

Águas em que a lua cheia ocorre

  1. Maré lançante

É quando a maré muda de rasa para crescente

  1. Maré morta

Águas pequenas, maré calma

  1. Rancho

Casa suspensa de palafita localizada na praia

  1. Mulher peixe

Aquela que faz muão

  1. Dia de quarto

É quando a maré está em equilíbrio e o horário para pescar fica propício às 18h



Para analisar tais vocábulos vamos nos ater novamente as considerações de Larrosa (2002) sobre Experiência/Sentido e de como por meio das palavras, o ser humano se insere no mundo ao descrevê-lo. O autor autentica o seguinte: Quando fazemos coisas com as palavras, do que se trata é de como damos sentido ao que somos e ao que nos acontece, de como correlacionamos as palavras e as coisas, de como nomeamos o que vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos (LARROSA, 2002, p.21).

Intui-se que as palavras legitimamente tem a competência de concretizar aquilo que o indivíduo é, pensa e considera, ou seja, é por meio da palavra que os seres humanos nomeiam aquilo que veem e sentem, e isso pode ser evidenciado nas palavras ditas pelos pescadores de Pirabas, pois estes ao interagirem com o meio natural conseguem empiricamente assimilar as técnicas necessárias para uma apropriada pescaria.

As expressões “águas do escuro”, “águas do luar”, “maré lançante” e maré morta” demonstram como os pescadores descrevem a dinâmica das marés e a influência que a lua tem nessa atividade, evidenciando a possibilidade de leitura dos fenômenos naturais de maneira rudimentar, mas que engendra fenômenos social e linguístico. Esses conhecimentos são tratados pela disciplina de Geografia no 6º ano do Ensino Fundamental maior, o que torna interessante pensar na possibilidade do aluno correlacionar os aprendizados científicos adquiridos dentro da escola com os dizeres ouvidos de seus familiares que tem grandes chances de serem pescadores. Se o conhecimento tradicional empírico puder ser considerado como metodologia para o ensino-aprendizagem haveria aí a possibilidade de interdisciplinaridade. Larrosa (2002) revela a importância de atividades que possam considerar as palavras, criticar as palavras, eleger as palavras, cuidar das palavras, inventar palavras, jogar com as palavras, impor palavras, proibir palavras, transformar palavras etc., pois estas não são atividades ocas ou vazias, não são mero palavrório. Mas sim, métodos que a educação poderia utilizar para mostrar aos alunos outro par também muito importante para a construção do conhecimento, teoria e prática.

Teoria e prática são entendidas de forma caracterizada pelos pescadores entrevistados, a teoria empregada são aquelas adquiridas pela própria experiência, entretanto, é a palavra que nomeia essa teoria incipiente que lhes foi constituída, é a palavra que dá a oportunidade para que os pescadores possam refletir sobre sua técnica e assim transformá-la e aperfeiçoá-la como práxis reflexiva. Saber qual a melhor maré, a melhor lua para jogar a rede tornou-se metodologia que unidas aos apetrechos de pesca correspondem aos saberes empíricos dotados de sentido desses povos.

As palavras “muão”, “muãozeiro” e “beiradão” também fazem parte do dialeto do povo pirabense, não mais para significar os elementos da natureza, mas sim para identificar os seres humanos que se relacionam com o meio natural. Os referidos vocábulos são típicos da fala do pescador de São João de Pirabas e na língua portuguesa correspondem a classificações gramaticais que identificam pessoas, profissões e espaços. Percebeu-se que a pesca influenciou de maneira insofismável a linguagem cotidiana do povo pirabense, pois foi a partir da pescaria que se conceberam os termos mencionados acima, isto é, foi para descrever ambientes relacionados à pesca que esses vocábulos foram construídos.

Outra palavra também comum à fala do pescador pirabense é o termo “rancho” que se refere ao local de moradia dos pescadores. Na praia do “Areião”, mais especificamente o “Rancho do seu Abrãao”, local onde fizemos a citada pesquisa há uma casa de palafitas com cerca de 9x6 metros de comprimento, coberta de telha Brasilit e palha. O lugar é considerado uma das mais estruturadas habitações para a prática de pesca artesanal, pois é dividido em dois andares e na parte de baixo, ficam guardadas as redes de pesca e todos os outros equipamentos necessários ao trabalho. Já na parte de cima o espaço é dividido em seis compartimentos: uma varanda, quatro quartos e um banheiro. Há poço de água natural e luz advinda de placa solar. Percebeu-se nas visitas feitas que o lugar tem significativo valor aos pescadores, pois proporciona a segurança de estar próximo ao local de onde extraem a matéria-prima para o trabalho, além do fato de ali poderem conservar os utensílios usados na pesca.

No que diz respeito ao termo “Mulher peixe”, observou-se que há em São João de Pirabas quantidade expressiva de mulheres que sobrevivem do ato de pleitear peixe no momento em que pendem as canoas ou barcos de pesca, por conta disso os pescadores direcionaram a elas a alcunha citada. A essa terminologia cabe ressaltar as considerações de Benveniste (1989) ao afirmar que língua e sociedade são dimensões dessemelhantes, ou seja, se organizam estruturalmente de forma diversificada. Por certo, é a partir dessa organização que a língua de maneira combinada engendra número finito de palavras combinadas e hierarquizadas. Entretanto, no que se refere à sociedade essa organização se dá em caráter muito mais diversificado, pois leva em conta a aproximação inquestionável entre língua e sociedade, o autor corrobora que assim há propriedades linguísticas que “são realidades inconscientes, representam a natureza, são sempre herdadas e não podem ser abolidas pela vontade dos homens” (BENVENISTE apud ALKMIN 2007, P. 27).

Essas propriedades nos revelam pela língua o semantismo social, pois se dá configuração à sociedade por meio de vocábulos, isto nos confirma a relação entre língua e sociedade em que aquela é responsável por interpretar esta. Benveniste (1989) certifica que o vocabulário é fonte de conhecimento para a compreensão da organização social e cultural de um povo, assim pelo uso que o homem faz da língua pode-se compreender a posição deste na natureza e na sociedade, visto que a organização social é dividida em classes, seja de autoridade ou produção, e a língua como prática humana, interação com o outro e com a natureza, “revela o uso particular que grupos ou classes fazem dela e as diferenciações que daí resultam no interior de uma língua comum”. Essas diferenciações aqui podem ser exemplificadas pelo termo “mulher peixe” usado pelo grupo específico que observamos, a saber, os pescadores.

Ao termo “Dia de quarto” percebeu-se como referência a melhor ocasião para se obter adequada pescaria, o que pode ser observado num horário específico dado pelo pescador, que é o de 6 horas da manhã ou noite e leva em conta o fato de a lua estar em quarto crescente.

Podemos aqui considerar então que a relação entre língua e sociedade tem muito a ver com a natureza, com o meio ambiente, visto que por meio da interação entre elas podemos compreender a razão de ser de determinadas falas, observações, descrições e análises. Isso porque a língua falada leva em consideração sempre o contexto social, situações reais de uso e o ponto de partida é a sociedade, mais precisamente, a comunidade linguística que usa a língua de forma particular para descrever o meio social (muãozeiro) e natural (dia de quarto).

  1. ENSINO-APRENDIZAGEM DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Com base na afirmativa de Freire (1996) de que ao professor e à escola cabe o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos, buscou-se levantar dados materializados nas falas dos pescadores pirabenses que pudessem comprovar essa associação.

Percebemos que na contemporaneidade a educação está colaborando para formar cidadãos que não dão verdadeiramente sentido àquilo que falam, automáticos em responder com opiniões que muitas vezes se restringem em ser a favor ou contra. Nessa conjuntura, percebe-se que a escola há tempos vem trabalhando de forma tradicional os conteúdos escolares e no que se refere à língua portuguesa, impondo normas que na maioria das vezes não fazem parte da realidade dos alunos. Não se está querendo aqui dizer que a gramática normativa não deve ser levada em conta, o que se pretende expor é a necessidade que o aluno tem de compreender o mundo que faz parte, a realidade a qual pertence, suas complexidades e tensões inerentes entre vida social e a natureza, biológica, linguística, histórica, etc.

A aproximação entre as disciplinas de língua portuguesa e ciências causa de fato estranhamento, pois se tem certo distanciamento entre as áreas das ciências da natureza e as ciências humanas. Porém, ao levar em conta os problemas ambientais pode-se perceber o quanto a sociedade pode estar relacionada, assim possibilitando enriquecimento de indagações e vínculos epistemológicos.

A educação tem por finalidade formar cidadãos éticos, que possam participar de forma ativa e respeitosa no âmbito social, interagindo harmoniosamente com os outros e com o ambiente, assim a escola estará contribuindo para o desenvolvimento social, cultural e cognitivo dos alunos. No entanto, em relação ao ensino da educação ambiental, isso de fato não ocorre, pois os conhecimentos sobre tal área têm sido trabalhados de forma fragmentada e que não correspondem à realidade dos alunos, tornando-se pouco atraente para eles. Por isso para a instituição escolar o presente trabalho se faz realmente complacente, pois por meio dele pode-se instituir outra metodologia de ensino/aprendizagem da educação ambiental, o que é extremamente importante para a sociedade acadêmica, visto que envolve intimamente sociedade e conhecimento.

A descontextualização dos saberes escolares implica numa única maneira de ver o mundo, institui padrões e facilita a pouca compreensão dos alunos sobre educação ambiental, pois não contempla todas as formas de vida e interação dessas com seu meio cultural, linguístico e biológico. Grun (2009) a esse respeito diz que, cada vez mais, educamos e somos educados como se estivéssemos fora de um ambiente, seja na forma como os conteúdos escolares são abordados, seja na forma como os próprios sujeitos são (des) considerados no interior da instituição escolar. Surge então, o que se identifica como desenraizamento ontológico, que direciona o ser a estreitar e padronizar sua visão e relação com o real.

Portanto, é imprescindível que se promovam mudanças que possam romper paradigmas e por meio da crítica e reflexão fazer com que a educação ambiental possa ser de fato compreendida e mais do que isso, fazer com que saberes identitários adquiridos por meio da experiência sejam abarcados em âmbito acadêmico e social.

É nessa perspectiva que se tem a oportunidade de tornar a educação ambiental inauguradora de um ato político, visto que no processo dialético da aprendizagem, professores e alunos são responsáveis pela construção do conhecimento. A ação epistemológica que nos referimos vai muito além da assimilação de informações, se alude à formação ontológica necessária aos dias atuais. Nesse contexto, nos voltamos a desejável educação progressista mencionada por Freire (1996): Toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que, ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica, em função de seu caráter diretivo, objetivo, sonhos, utopias, ideais. Daí a sua politicidade, qualidade que tem a prática educativa de ser política, de não poder ser neutra. (FREIRE, 1996, p. 28)

Têm-se como preceito a transformação do mundo por meio da educação, desta maneira devemos oportunizar aos alunos o entendimento dos problemas que cercam a sociedade para que assim estes se sintam tocados e comprometidos com essa conversão. Esse posicionamento pode ser atingido no processo de ensino-aprendizagem e na interdisciplinaridade, utilizando métodos de aproximação entre teoria e prática, conhecimento científico e saberes tradicionais, para que assim possamos formar não somente seres humanos individualistas e imediatistas (como o que em sua maioria acontece ultimamente), mas sim indivíduos que reflitam enquanto ser social.

Língua, ciências e natureza estão intimamente ligadas, pois é por meio delas que o ser humano dialoga e interpreta o meio natural a sua volta. Haugen (1972) inicia esse conceito e afirma que há “o estudo das interações entre qualquer língua dada e seu meio ambiente”, acrescentando que “o verdadeiro meio ambiente da língua é a sociedade que a usa como um de seus códigos” (p. 325). Isso quer dizer que sociedade, língua e meio ambiente se relacionam e originam especificidades que devem ser protegidas, pois fazem parte da cultura linguística, ambiental e social de uma determinada comunidade. Na contemporaneidade esta conceituação é denominada por Couto (2007) de ecolinguística, definindo-a como sendo o “estudo das relações entre língua e meio ambiente”.

No entanto, anterior a esta conceituação Piaget em seus estudos sociológicos e epistemológicos (1973) já afirmava que a relação do homem com o meio ambiente deu-se a partir de suas maneiras de conceber a estrutura e o funcionamento dos fenômenos da natureza, ou seja, pode-se ver que a tentativa do homem de agir sobre a natureza é um processo comum, interno e que advém desde as mais remotas civilizações.

A partir dessa concepção nota-se que o ser humano de fato interfere na natureza em prol da sua sobrevivência, principalmente porque o homem tem a destreza de estabelecer-se socialmente e essa organização sempre se dá mediante a atuação de dominador sobre dominante, tal arranjo é perceptível nas relações dos seres humanos tais como entre gêneros, faixas etárias ou até níveis de conhecimento. E no que diz respeito à natureza não é diferente, visto que o homem inicia então uma postura predatória em relação ao meio natural e diferentemente dos animais passa a extrair dela muito mais do que necessita, assim originando impactos graves, como nos afirma Carla Vestena (2011, p.19): A partir da ação do homem, no sentido de modificar os ecossistemas naturais em função da sua capacidade de operar o abstrato e aplicá-lo à vida, e não mais apenas em função de suas necessidades de alimentação, e geração de calor, entre outras, é que aparecem os problemas ambientais (CARLA VESTENA, 2011, p.19).

Desta maneira, as atividades feitas pelo homem passam a agredir a natureza e causar catástrofes ambientais vistas desde o início das civilizações até os dias atuais, o que pode levar ao desaparecimento da humanidade como já ocorrido anteriormente com os vikings na Groenlândia, que desapareceram no século XV graças à pequena Era do Gelo ou com o povo maia que passou por um extenso período de seca que acabou com a sua avançada civilização, no México, há mil anos.

Na contemporaneidade, tais ocorrências já foram presenciadas, fatos que ainda não levaram a extinção da humanidade, mas que demandaram preocupantes calamidades como a explosão dos poços de petróleo no Kuwait em 1991, o rompimento da barragem de Mariana no Brasil em 2015 ou o naufrágio de um navio com 5 mil bois em Barcarena no Pará, situação que fez com que se espalhassem óleo e os corpos dos animais mortos por todo rio.

Em São João de Pirabas determinados “descuidos” têm afetado a fauna e a flora do município, um episódio que pode ser aqui mencionado é a falta de aterro sanitário o que fez com que o Ministério Público do Pará por meio da portaria nº. 13/2013-MP/PJSP, instaurasse Inquérito Civil Público para apurar danos ao meio ambiente em área de preservação permanente do município contra a prefeitura municipal (Ministério Público do Pará, Jusbrasil, 2013).

Desta maneira, é válido dizer que tais negligências podem ocasionar prejuízos ao bem-estar da população assim como à saúde do meio ambiente, visto que há a contaminação do solo e dos rios, o que obviamente afligirá a economia, pois com a contaminação dos peixes, a pesca será atingida e a cidade poderá perder sua principal fonte de renda. Isso porque se sabe que a mencionada área destinada a dejetos de maneira informal está localizada junto ao mangue, mais precisamente, no ramal do Cupuzal, e que portanto atinge os rios, uma ameaça para a vida marinha e humana.

Por isso, é tão crucial que se conheça as narrativas do próprio povo pirabense e principalmente dos pescadores do lugar, pois são eles que vivenciam a pesca e sabem dos problemas que enfrentam quanto a escassez ou não de peixes, caranguejos e demais subsídios extraídos das águas pirabenses.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destarte, é imprescindível que a educação ambiental possa agregar elementos dos saberes locais, pois a educação ambiental é comumente centrada no reciclar e reutilizar e não na percepção, o que deixa de lado o pensamento dos estudantes sobre o meio ambiente. Desta maneira, será possível que as experiências vivenciadas em nível escolar resultem em cidadãos conscientes que se preocupam com o presente e o futuro do planeta. Nesta circunstância, identifica-se a Educação Ambiental como temática complexa que insere a necessidade de aprofundamentos, assim ambivalente, ou seja, precisa ser debatida nos mais diferentes níveis escolares, nas mais variadas faixas etárias e entre todos.

Sendo assim, é primordial que o conhecimento, a ciência e a ambivalência possam interagir com a Educação ambiental para que se tenha a possibilidade de se aprofundar em assuntos como os que ocorrem na comunidade de Pirabas. Deste modo, é proeminente fazer com que os diálogos aconteçam também entre comunidade, ciência e escola para que a preservação da natureza aconteça agora, mas se estenda em longo prazo.

Com efeito, entende-se que a linguagem é essencialmente um fenômeno de natureza social e por isso mesmo consideramos aquilo que afirma Émile Benveniste (1936) no campo da Análise do Discurso. Para Benveniste “é dentro da, e pela língua que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente”, isto é, é por meio da língua que o homem simboliza o que vê ao seu redor, assim o homem constrói sua relação com a natureza e com os outros homens, mais precisamente, é utilizando a língua que o indivíduo interage com o meio, essa relação foi constatada entre pescador e meio ambiente.

Esperamos em outro momento adentrar o espaço escolar e verificar se a escola considera a fala tradicional empírica dos pescadores no processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa e ciências, assim como investigar o conhecimento dos alunos a respeito disso, refletindo também no fato de ali termos estudantes filhos, em sua maioria, de pescadores. Deixaremos também aqui registrado a possibilidade da construção de um glossário terminológico de pescadores artesanais pirabenses. Quem sabe numa possível pesquisa stricto sensu?!

Desta forma, nota-se que a partir da análise decorrente das amostras em apreciação, afirma-se que há de fato interação entre linguagem e meio ambiente, pois foi por meio da narrativa do povo tradicional pescador que podemos possibilitar uma metodologia descolonial de aprendizagem para o entendimento de educação ambiental. Ademais, viram-se métodos antropológicos e socioterminológicos de aproximação entre saberes transdisciplinares ou transversais sobre meio ambiente e linguagem, em que o contexto foi considerado, assim possibilitando preservar a natureza e a cultura do local.





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Ilustrações: Silvana Santos