Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2015 (Nº 54) NOTAS DA PESQUISA-AÇÃO EM SAÚDE AMBIENTAL NA FRONTEIRA AGRÍCOLA DE ALTA FLORESTA, MATO GROSSO
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NOTAS DA PESQUISA-AÇÃO EM SAÚDE AMBIENTAL NA FRONTEIRA AGRÍCOLA DE ALTA FLORESTA, MATO GROSSO

 

 

Marla WEIHS

  Bióloga, com doutorado em Desenvolvimento Sustentável. Professora do Curso de Ciências Biológicas da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Campus de Nova Xavantina.  Rua Presidente João Goulart, 708. Bairro Jardim Alvorada. Nova Xavantina – MT. E-mail: marlaweihs@gmail.com.

 

 Ivaldo de Sousa MOREIRA

Agrônomo, com doutorado em Geografia e Meio Ambiente. Consultor da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Brasília-DF. E-mail: moreiraival@gmail.com

 

Doris SAYAGO

Antropóloga, com doutorado em Sociologia.  Professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), da Universidade de Brasília (UNB). E-mail: doris.sayago@gmail.com.

 

RESUMO

 

Durante o ano de 2010, colocamos em prática um projeto de pesquisa-ação no âmbito da saúde ambiental. Foi uma rica experiência de integração do conhecimento e promoção da saúde. O objetivo deste relato é apresentar uma análise dos resultados deste processo.

 

Palavras-chave: pesquisa-ação, saúde ambiental, Amazônia, fronteira agrícola.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A problemática ambiental, denunciada pelo movimento ambientalista do século passado, trouxe um novo desafio para a ciência: integrar os conhecimentos para potencializar aprendizagens e ações. Esta nova abordagem está produzindo uma ruptura no modo tradicional de gerar conhecimento, bem como a emergência de uma série de categorias de análise e métodos e técnicas de pesquisa. Um desses enfoques, produzidos neste novo contexto, é a Ecossaúde (Abordagem Ecossistêmica para a Saúde Humana) (FORGET; LEBEL, 2001; LEBEL, 2003). Trata-se de uma estratégia de pesquisa-ação que vem sendo experimentada, desde os anos 1970, para compreender e minimizar os efeitos da degradação ambiental sobre a saúde humana (saúde ambiental).

Nas fronteiras agrícolas de Mato Grosso, a transformação do ecossistema amazônico em zonas de produção de grãos e carne bovina produzem uma série de consequências à saúde. São exemplos, as doenças relacionadas à exposição a agrotóxicos (PIGNATI; MACHADO; CABRAL, 2007), a mercúrio (WASSERMAN; HACON; WASSERMAN, 2001) e a fumaças de queimadas florestais (CARMO et al., 2010; IGNOTTI et al., 2010).

Nos assentamentos de reforma agrária, esses problemas socioambientais são potencializados pela pobreza. A Vila Rural, um assentamento periurbano de Alta Floresta, formado por 176 famílias de pequenos agricultores, proprietárias de 1,2 ha de terra, evidencia esta situação. As precárias condições de instalação do assentamento resultaram em um importante desflorestamento, na degradação de igarapés (riachos) e na redução da disponibilidade de água potável. A instabilidade das atividades econômicas, passando por fases de extrativismo de madeira e produção de pimenta-do-reino, maracujá, frangos e, atualmente, verduras, contribuiu para o empobrecimento da população e a transferência da mão-de-obra para o espaço urbano. Na cidade, os trabalhadores atuam como empregadas domésticas, pedreiros e prestadores de serviço em geral. Este contexto leva a uma combinação entre problemas rurais, como a falta de saneamento e o baixo nível de escolaridade, e problemas urbanos, tal qual o aumento do uso de drogas, violência e criminalidade.

Na Vila Rural, esses problemas foram diagnosticados por meio de uma série de visitas e de uma oficina participativa, realizadas em 2010 por uma equipe da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT). Os resultados embasaram a construção de um projeto de pesquisa-ação (THIOLLENT, 2005). A ecossaúde foi escolhida como estratégia para organizar a pesquisa acadêmica e o diálogo e as intervenções com a comunidade. A noção de saúde ambiental subsidiou as análises teóricas e contribuiu para melhor compreender a determinação das doenças.

Objetivou-se promover a dupla aprendizagem, de estudantes em formação universitária e das famílias do assentamento, a partir do diálogo entre os saberes e o conhecimento acadêmico. Em paralelo, trabalhou-se na criação conjunta de alternativas e soluções para melhorar a qualidade do ambiente e o bem-estar das famílias.

O objetivo deste artigo é apresentar a análise deste percurso e a socializar resultados e aprendizagens. O texto está dividido em cinco partes. Na primeira, apresentamos a ecossaúde, como estratégia teórico-metodológica, e na segunda, caracterizamos o assentamento Vila Rural. A terceira seção trata da pesquisa-ação e apresenta o passo-a-passo do projeto na Vila Rural. Os resultados são discutidos na quarta e quinta partes. Concluímos que a pesquisa-ação oferece elementos importantes para abordar a saúde ambiental em uma comunidade rural. Questões como a participação das mulheres e a valorização dos saberes sobre o uso de plantas medicinais são apontadas como alternativas para incitar a participação em outras iniciativas como, por exemplo, os projetos de desenvolvimento rural sustentável.

 

1.    ECOSSAÚDE: UMA FERRAMENTA PARA A GESTÃO DA SAÚDE AMBIENTAL

 

A ecossaúde integra um conjunto de metodologias e conceitos para compreender as complexas interações entre a qualidade do ambiente e a saúde das populações humanas (AUGUSTO; CARNEIRO; MARTINS, 2005). Em termos gerais, a abordagem se aplica a problemáticas locais, incorporando questões relacionadas à saúde humana, como as alterações da paisagem pela agricultura, mineração e urbanização (NIELSEN, 2001). As pesquisas são embasadas nos pressupostos do desenvolvimento sustentável, incorporam a noção de saúde ambiental e abordam questões como: poluição química, pobreza, equidade, estresse e violência como situações de risco para a saúde (CÂMARA; TAMBELLINI, 2003).

As primeiras formulações da ecossaúde surgiram na década de 1970, a partir de um estudo realizado na região dos Grandes Lagos, um ecossistema compartilhado pelo Canadá e os Estados Unidos (GREAT LAKES RESEARCH ADVISORY BOARD, 1978). Ao longo da história, constituíram-se equipes de pesquisa em países e regiões como o Canadá, América Latina, Caribe, Oriente Médio e a África (PARKES; CHARRON; SÁNCHEZ, 2012; WEBB et al., 2010).

No Brasil, uma iniciativa tem mostrado como a aprendizagem colaborativa entre especialistas e atores locais, pode resultar em mudanças no quadro da saúde humana e do ecossistema em comunidades rurais. Trata-se do projeto CARUSO, uma iniciativa financiada pelo instituto canadense IRDC (International Development Research Centre), que agrega, desde 1994, pesquisadores do Brasil e do Canadá, na pesquisa e na formulação de estratégias para reduzir as fontes e a exposição ao mercúrio. O projeto é desenvolvido com comunidades ribeirinhas na região do Rio Tapajós, Estado do Pará, Brasil (MERTENS et al., 2005). Essa experiência foi o elemento-chave para a escolha da ecossaúde para o projeto na Vila Rural.

 

 

 

 

2.    O ASSENTAMENTO VILA RURAL

 

A Vila Rural é formada por 176 famílias, assentadas sobre 252,15 hectares, localizados na periferia da cidade de Alta Floresta (figura 1) (INTERMAT, 2005). As propriedades são de aproximadamente 1,2 hectares, ocupados por famílias de emigrantes das regiões Sul, Norte e Nordeste do país. O assentamento foi criado em 2001, pelo programa de reforma agrária “Nossa terra, nossa gente”, do Instituto de Terras de Mato Grosso (INTERMAT) e implementado em 2006.

 


A renda mensal média das famílias é de 1,5 salários mínimos, em geral, proveniente da prestação de serviços na zona urbana. A substituição da atividade agrícola pela prestação de serviços na cidade decorre das dificuldades em obter uma estabilidade de renda com a produção. Essas dificuldades estão relacionadas, entre outros fatores, à ineficiência de assistência técnica e de infraestrutura, o empobrecimento do solo e a descontinuidade das políticas públicas e programas de Estado (CUNHA, 2006; ICV, 2005; MDA, 2005).

No que se refere às condições de vida, entre os principais problemas estão as deficiências de serviços públicos, em particular, do sistema de saúde, segurança e saneamento básico.

O serviço é saúde é organizado em atenção básica e assistência médica. A primeira tem base física em um bairro urbano, à cerca de 2 km do centro do assentamento. Nela são oferecidos atendimentos de menor complexidade, como as doenças infecciosas, vacinação e diagnósticos preventivos. Há um médico da família, técnicos em enfermagem e um dentista. Adicionalmente, dois agentes comunitários visitam as propriedades do assentamento uma vez por mês, oferecendo informações sobre o cuidado da saúde. A assistência médica é oferecida no hospital municipal, localizado no centro da cidade de Alta Floresta (6 km do assentamento).

As moradias são geralmente mistas, compostas de uma parte de madeira e outra de alvenaria. Há banheiros, água encanada e coleta semanal de lixo. Como não existe rede de esgotos, é comum o escoamento no quintal de resíduos líquidos de uso doméstico (de pias e tanques) e o uso de fossas artesanais (não sépticas). A água de uso doméstico provém de poços. Ela é escassa nos período da seca (julho-setembro) e apresenta alguma salinidade. Em algumas propriedades é pequena a distância que separa os poços (água) das fossas (esgoto).

Em uma das propriedades, um casal oferece um tratamento natural da saúde popularmente conhecido como “araminho” ou bioenergético. As doenças são diagnosticadas com base no equilíbrio energético do corpo, um método disseminado, no meio rural brasileiro, pela Igreja Católica, a partir dos anos 1980. Para o tratamento é sugerido uma combinação de plantas medicinais, que devem ser usadas por um tempo determinado. Essa prática determina o cultivo e uso de uma grande variedade de ervas medicinais.

Nas propriedades existem principalmente plantações de cupuaçu, banana, laranja e mandioca. Em algumas, criam-se porcos, galinhas e vacas leiteiras. Há três hortas. Elas produzem verduras folhosas e participam de um projeto piloto, desenvolvido por uma equipe de extensão rural da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso). A comercialização é realizada em supermercados locais e por venda direta ao consumidor na própria propriedade, em feiras e nas ruas de Alta Floresta.

Os principais problemas de saúde são as doenças infecciosas e respiratórias. As crianças mostram evidências de contaminação por parasitas intestinais. Os pais reclamam da violência e da disseminação de drogas entre os jovens, principalmente o crack.

 

3.    A PESQUISA-AÇÃO NA VILA RURAL

 

A pesquisa-ação é caracterizada pela investigação científica de um problema em particular, em paralelo com a implantação de um processo contínuo de intervenção. A participação dos atores locais é inerente a este tipo de projeto, da mesma forma que a identificação prévia do problema (THIOLLENT, 2005).

No caso da Vila Rural, partimos de um problema verificado em um projeto anterior: a alta prevalência de verminose infantil. Em uma amostra de 116 crianças, 63,3% apresentaram resultados positivos nos exames parasitológicos. Estudos comprovam que as espécies diagnosticadas[1] são associadas a infecções intestinais, desnutrição, anemia, retardo do crescimento, baixo rendimento escolar e prejuízos à memória e à atenção (EVANS; GUYATT, 1995; SIMEON et al., 1994; WATKINS; POLLITT, 1997). Entre as causas destas verminoses estão as condições do ambiente que, por sua vez, resultam das deficiências no sistema de saneamento básico, dos estilos de vida (cuidados higiênicos, etc.) e da falta de conhecimentos preventivos.

A equipe de trabalho foi formada por 23 estudantes do curso de Ciências Biológicas, quatro professores-pesquisadores (biólogas, agrônomo e pedagoga) e nove profissionais do sistema público de saúde (enfermeiras, dentista, educadora física, fisioterapeuta e biólogos).

No plano teórico-metodológico optou-se pelas noções de ecossaúde (FORGET; LEBEL, 2001; GÓMEZ; MINAYO, 2006; KAY et al., 1999; LEBEL, 2003), pesquisa-ação (BARBIER, 2007; THIOLLENT, 1997, 2005) e educação popular (FREIRE, 1975, 1977, 1978). O trabalho foi norteado pelas perspectivas oferecidas pela transdisciplinaridade (colaboração entre pesquisadores e indivíduos afetados, buscando estabelecer conexões entre diferentes esferas da pesquisa acadêmica e o saber informal), a participação e equidade (incorporação dos distintos papeis de homens e mulheres, de diferentes idades) (LEBEL, 2003).

 

O projeto foi desenvolvido em sete etapas:

1ª Etapa: Oficina de diagnóstico - Definição do problema (figura 2).

2ª Etapa: Curso de formação em diagnóstico participativo e etapa de construção de projetos individuais (TCC – trabalho de conclusão de curso) (figura 3).

3ª etapa: Levantamento de dados históricos da Vila Rural – Pesquisa documental e entrevistas com representantes das secretarias municipais de agricultura, meio ambiente, ação social e saúde, Câmara dos Dirigentes Lojistas, UNEMAT, Pastoral da Criança e da Juventude (Igreja Católica) e Sindicato de Trabalhadores Rurais.

4ª Etapa: Visita aos moradores.

5ª Etapa: Primeira oficina participativa (figura 4) – Apreensão de percepções.

6ª Etapa: Segunda e terceira oficinas participativas (figura 5) – Construção de modelos gráficos e propostas de intervenção.

7ª Etapa: Oficina de avaliação, restituição dos primeiros resultados e “Mutirão da saúde” (figuras 6 e 7): participação ativa dos moradores, oferta de serviços de diagnóstico, prevenção de doenças e promoção da saúde.

A formação teve dois pilares principais: o DRP (Diagnóstico rápido participativo) e a ecossaúde. Esse foi o suporte para a execução das oficinas participativas e a organização de projetos individuais de TCC.

As técnicas usadas nas oficinas foram planejadas pelos estudantes, com base no método de Paulo Freire (1975, 1977). Elas foram executadas por meio de um conjunto de atividades lúdicas, como: “batata quente”, “descascando a bala”, jogo 3D (dinâmico, didático e divertido) e desenhos. Os temas de discussão foram divididos em três grupos: (i) “ter e cuidar da saúde”; “relação entre trabalho, saúde e ambiente” e “relação entre higiene, alimentação e saúde”.

Aproximadamente 90 pessoas da Vila Rural participaram de, pelo menos, uma atividade do projeto, entre os meses de abril e novembro de 2010. A participação dos moradores foi ativa em todas as etapas, principalmente no último encontro, quando levaram plantas medicinais e compartilharam seus conhecimentos.

 

 

Os projetos de TCC abordaram questões como a prevalência de hanseníase e leishmaniose, uso de plantas medicinais, saúde da mulher, saúde bucal, qualidade de vida, percepção socioambiental e questão de gênero.

 

 


 

 

A APRENDIZAGEM ACADÊMICA

 

Do percurso desta iniciativa de pesquisa-ação, alguns eventos críticos podem ser citados:

(i) a dificuldade de substituir o ensinamento top-down pelo diálogo;

(ii) a impossibilidade de compreensão do todo, o que cria obstáculos para a ação;

(iii) a dificuldade em compartilhar a responsabilidade com os estudantes e atores locais;

(iv) a necessidade de visualizar resultados em curto prazo.

No dia-a-dia, essas questões tiveram um peso grande, pois geraram certo desânimo e, por vezes, descrédito quanto aos resultados do projeto. Eles poderiam ter levado à diluição do grupo, mas o interesse, principalmente dos estudantes, em mergulhar na prática, fez com o mesmo grupo de 23 alunos que iniciou as atividades, as concluísse, mesmo sem nenhum tipo de remuneração ou bolsa de estudos.

A maioria dos TCCs foi concluída após o término do projeto. Os principais resultados dizem respeito à relação entre as doenças e o ambiente. As pesquisas dos estudantes indicam que a pobreza e a falta de informações são os principais problemas da Vila Rural. Ambos contribuem para as condições observadas no ambiente e, por conseguinte, comprometem a saúde. Os resultados desse processo estão no alto índice de hanseníase, na falta de dentes na boca de pelos 20% da população e na prevalência de doenças sexualmente transmissíveis e verminoses.

O início do diálogo entre as disciplinas acadêmicas, buscando articular os diferentes corpos teóricos (LEFF, 2001), foi o primeiro resultado do projeto em termos de aprendizagem. Durante o ano de atividade na Vila Rural os problemas sociais, culturais e ambientais, associados às doenças de maior prevalência nesta população, foram objetivo de diversas leituras, discussões e debates, colocados em prática durante as reuniões do grupo, as oficinas participativas e a execução dos TCCs.

Ainda não temos indicadores para mensurar as mudanças ocorridas individualmente, em termos de formação profissional, ou mesmo mudanças concretas no que se refere aos hábitos e estilos de vida. Há, contudo, um processo que foi colocado em curso, que, em meio a tentativas de acertos, gerou aprendizagens. A mais importante delas talvez seja a formação dos estudantes. A grande maioria daqueles que participaram do projeto formou-se na universidade e atua hoje no ensino público da região de Alta Floresta, particularmente na zona rural. Eles experimentaram a pesquisa interdisciplinar e o uso da ciência como ferramenta de ação, têm em mãos a experiência a posse de métodos que os ajudam a implementar seus próprios projetos.

 

 

4.    A APRENDIZAGEM COLABORATIVA

 

Quem aprendeu? O que se aprendeu? São questões para as quais não temos respostas precisas. É possível mencionar que houve interesse em aprender. A participação dos moradores mostrou isso, muito embora, eles de tão acostumados a apenas ouvir (FREIRE, 1977), tivessem certa resistência em falar. Assim, o diálogo pendeu para um dos lados, em boa parte do tempo. Somente no final, quando as famílias foram convidadas para explicar como usam as plantas medicinais, foi possível equilibrar o processo ensino-aprendizagem entre os acadêmicos e os moradores.

Em termos concretos, foi possível notar melhorias como: a destinação do lixo, higiene da casa, filtragem e tratamento da água, exercícios físicos e higiene bucal das crianças. Embora essas melhorias sejam importantes para a manutenção e promoção da saúde, elas não são suficientes para melhorar as condições de vida no assentamento. Quanto a esta condição, dois pontos merecem atenção: (i) a construção da autonomia, que não pôde ser medida no curto prazo de execução do projeto, e (ii) a mobilização individual e familiar em favor do acesso a melhores condições de vida e saúde, um movimento que também demanda maior longevidade das ações da universidade, ou outras instituições, em parceria com a comunidade rural.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A experiência da comunidade Vila Rural, confirmou a viabilidade da aplicação das estratégias de pesquisa-ação para a transformação dos tradicionais métodos de pesquisa e a promoção do diálogo entre a universidade e a comunidade.

A ecossaúde ofereceu um referencial teórico e metodológico interessante. Notamos que é essencial que o planejamento e a avaliação acompanhem todas as etapas de um projeto. Eles permitem a correção de erros e desvios no tempo adequado. Outro aspecto fundamental é a distribuição de responsabilidades, tanto entre a equipe do projeto, como entre a comunidade envolvida. Quando as pessoas se sentem envolvidas, elas participam mais ativamente, isso reduz as distâncias e desigualdades que existem entre o conhecimento científico e os demais saberes. O diálogo ganha, assim, em “pé de igualdade”.

No caso da Vila Rural, dois fatores chamam a atenção. O primeiro é o interesse das mulheres pela saúde como temática de discussão. Notamos que falar de saúde é uma forma de aumentar a participação da comunidade. Neste sentido, acreditamos que essa temática pode servir como base de construção de um projeto de desenvolvimento rural sustentável, devido à sua capacidade de agregar as pessoas.

O segundo fator é o interesse pelas plantas medicinais e pelas abordagens populares, como o “araminho”, por exemplo. Muito embora, essas técnicas sejam frequentemente desqualificadas pela ciência e a mídia, elas são, por vezes, a única alternativa diante da pobreza e da dificuldade de acesso a um centro médico.

Por fim, ressaltamos a necessidade da construção de projetos de longa duração. Notou-se que iniciativas, como esta da Vila Rural, pedem a construção da autonomia das pessoas e das famílias, para que as mudanças possam se consolidar e ser medidas em longo prazo.

 

AGRADECIMENTOS

 

Os autores agradecem às professoras Elaine Silvia Dutra, Rosane Duarte Rosa Seluchinesk, Luciene Castueira de Oliveira e Marluce Francisca Hrycyk pela colaboração. Agradecem, igualmente, à FAPEMAT (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso) pelo apoio à pesquisa, às famílias do assentamento Vila Rural, aos estudantes da UNEMAT e às Secretarias Municipais de Saúde de Alta Floresta e de Paranaíta/MT pelo apoio e empenho em cada atividade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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[1] Giardia lamblia (31,6%), Ancilostomídeos (21%), Enterobius vermiculares (21%), Ascaris lumbricoides (15,8%), Entamoeba coli (15,8%) e Entamoeba hystolitica (5,3%). O poliparasitismo (mais de um parasita por amostra) foi detectado em 15,8% dos casos.

Ilustrações: Silvana Santos