Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Para Sensibilizar
10/09/2018 (Nº 53) APRENDENDO COM A VIDA! UM PEDAÇO DA HISTÓRIA DA OMA TRUDE
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APRENDENDO COM A VIDA! UM PEDAÇO DA HISTÓRIA DA OMA TRUDE

 

Olá, que bom poder escrever para vocês!

 

Eu “parcelei” a frase de inspiração desta edição: “Acredito que, para todos nós que já temos a informação e o conhecimento sobre a crise ecológica, o grande desafio é a coerência cotidiana" (Vivianne Amaral), e farei uma homenagem a minha avó Oma Trude; oma significa avó em alemão e Trude é o seu nome.

 Vou contar um pouco da história de vida dela para vocês!

A Oma viveu muitos desafios em sua vida e era bastante coerente, desde que a coerência não a interpusesse com algum familiar, porque família sempre era a prioridade número 1.

TrudeHahn, Dona Trude, Dona Oma como a chamavam, nasceu em 07/03/1913 e faleceu em 06/08/2015, minha avó materna, viveu 102 anos e 5 meses.

Minha avó ficou órfã de pai aos três anos, na Primeira Guerra Mundial (1914- 1918). Sua mãe AugustaFranken, então com três filhos para criar, seguiu administrando a loja de tecidos e rendas na pequena cidade de Möers, na Alemanha.

Ainda na Primeira Guerra, o exército francês utilizou sua casa para se abrigar. Certa noite, um oficial, ao limpar sua arma, disparou um tiro que pegou em sua irmã do meio Edith. Edith teve que ficar de repouso absoluto, e o trânsito da cidade foi desviado para evitar que a casa e a rua “tremessem” e assim, prejudicar a recuperação da tia Edith.

A Oma se casou tarde para a época, com mais de vinte anos, e se tornou mãe aos 25 anos. A família Franken estava bem na Alemanha e a minha avó, que agora era Hahn, também estava bem com seu marido Kurt.

Acontece que a perseguição aos judeus pelos nazistas fez a vida dos judeus alemães virar um inferno. Edith, a irmã do meio e Karl, o mais velho, já estavam no Brasil, mais precisamente em São Paulo. Karl fora agraciado com um dos vistos “salvadores” de Aracy de Carvalho, esposa de Guimarães Rosa, que trabalhava, nesta época, como secretária do Consul brasileiro na Alemanha.

Mas, meus avós ainda acreditavam que tudo não passava de um sonho ruim (Para ilustrar este pensamento de que tudo “não passava de um sonho ruim, recomendo que assistam:  http://www.filmesonline4.com/woman-in-gold-720p-legendado/),  no entanto, não era bem assim. A Oma estava uma noite em seu apartamento com a tia Ursula, que era um bebê, quando os nazistas entraram para pegar uma família judia no andar logo abaixo do seu. Ela pode ouvir todas as atrocidades que foram feitas.

Nesta noite ela decidiu que não podia ficar mais em sua terra natal. Meu avô, que estava a trabalho em Amsterdam, voltou no dia seguinte e ainda não queria deixar o país. Mas a Oma foi firme e disse que não podia mais ficar ali.

Acontece que eles não tinham, nem passaporte e muito menos visto. Para isso, a Oma foi em um dia específico, em que os governantes da cidade convocaram os habitantes que precisavam de passaporte, a ir naquela data, àquele lugar.

Meu avô ficou em casa com minha tia, e a Oma foi. Sem saber o que aconteceria, pois, a polícia nazista podia, a qualquer hora, te pegar.

Quando estava na fila para os passaportes, um alto falante em bom som disse: Dona TrudeFranken, se a senhora estiver na fila, venha ao gabinete tal. Ela, morrendo de medo, se fez de surda. Mas, o alto falante repetiu a frase. E ela pensou: “Já era! Me pegaram”. Mas não tinha como escapar, afinal a cidade era pequena e todos a conheciam.

Ela foi ao escritório. Chegando lá, um comandante perguntou se ela era filha de Alexander Franken. Ela disse que sim. O comandante respondeu que servira com seu pai na Primeira Guerra, e que era uma honra poder ajudá-la. E a Oma saiu de lá com três passaportes.

No entanto, ainda faltavam os vistos. Não sei o porquê, mas os vistos vinham da França, e meu avô ficou receoso de enviar os passaportes para Paris.

A Oma, mais uma vez, foi firme e disse para meu avô, que passaportes sem vistos não serviam para nada. E então, enviou os três passaportes para Paris.

Quando os passaportes retornaram, vieram com uma carta que dizia: Sra. TrudeHahn, sei que a senhora é irmã de Karl Franken e espero que esteja tudo bem com vocês, trabalhei com seu irmão em Berlim e tenho muito apreço por ele e sua família. Aqui estão seus vistos.

E assim, eles conseguiram escapar da insanidade nazista pelo porto de Amsterdã. Ela chegou ao Brasil em 1º de maio de 1939, aos 26 anos, com minha tia que tinha dois anos e seu marido Kurt.

Vieram direto para São Paulo. A segunda Guerra começou em setembro de 1939, eles saíram “na prorrogação do Segundo tempo”, ou seja, quase tarde demais.

A minha mãe nasceu em São Paulo, em 1943.

Em São Paulo, refez a vida e sempre que podia, agradecia a vida que teve.

A Oma sempre foi muito agradecida, e teve que fazer muitas limonadas de muitos limões. Seu marido Kurt morreu de enfarte em 1969, quando ela tinha apenas 45 anos.

Ela sempre teve muitos amigos e nos ensinou por toda sua existência que se você quer ter amigos, cuide MUITO bem destes e retribua, retribua visitas, sorrisos, presentes.

Se foi convidado, convide!

A Oma teve duas filhas, Ursula veio pequena da Alemanha, e Suzana nasceu em 1943, a diferença de sete anos fez com que minha tia cuidasse muito da minha mãe e se tornaram grandes amigas.

Ursula se casou com Stefan, teve três filhas, Sylvia, Lucia e Diana, duas destas se casaram e tiveram 4 filhos, três meninos, Gabriel, Eduardo, Rodrigo e uma menina, Ana Beatriz.

Suzi, como minha mãe gostava de ser chamada, casou-se com Ademar, teve três filhos Jacqueline, Eduardo e Marina. Estes se casaram e tiveram 5 filhos, André, Mariana, Sabrina, Julia e Alexandre.

A Oma sabia exatamente o que os netos e bisnetos faziam e estudavam. Fazia questão de se interessar por novos assuntos, para conversar com todos. Isso incluía os amigos de todos!

Nunca ficou sozinha, nos ensinou a dizer bom dia, boa tarde e boa noite! Educação com todos, sempre. Sem distinção. Tinha suas preferências, mas era educada com todos sempre.

Trabalhou com caridade no lar dos velhos, por muitos anos. Passava muitas horas conversando e jogando buraco com os velhinhos e velhinhas do local. Sempre foi ativa. Lia muito, viajava, ria, brincava.

Suas tardes eram sempre ativas, era difícil ela ter uma tarde livre.

Dirigiu até os 90 anos e teve lucidez até o último suspiro.

Infelizmente, não consigo descrever a força desta senhora. E o quanto influenciava as pessoas que a conheciam. Minha avó enterrou seu marido, sua irmã Edith, sua filha Ursula e seu irmão Karl no mesmo ano. E minha mãe, há três anos. E ela se reergueu e reergueu e ...

Suas cuidadoras, pois não tinha mais mobilidade suficiente, diziam que nunca haviam cuidado de alguém que agradecia tanto e tudo. E a adoravam.

Era uma figura, enchia as paciências de vez em quando, pois tudo tinha que ser do SEU jeito e não havia outro jeito certo!!rsrsrs

Mas foi uma escola para todos!!!

 

Vídeo da Oma, cantando...

https://youtu.be/OMG-JWgceM8

 

Marina Strachman - arquiteta e urbanista, mestre em desenvolvimento regional e meio ambiente e especialista em educação ambiental.

marinastrachman@yahoo.com.br

 

 

Ilustrações: Silvana Santos