Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 53) CONSUMISMO, OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E A QUALIDADE DE VIDA DA SOCIEDADE MODERNA
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CONSUMISMO, OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E A QUALIDADE DE VIDA DA SOCIEDADE MODERNA

 

Edevaldo da Silva

Biólogo, Especialista em Ciências Ambientais, Mestre e Doutor em Química. Professor adjunto da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Autor para correspondência: Universidade Federal de Campina Grande - Campus de Patos. Bairro Santa Cecília, CEP 58708-110, Caixa Postal: 61, Cidade: Patos – Paraíba. edevaldos@yahoo.com.br.

 

Habyhabanne Maia de Oliveira

Engenheiro Florestal pela Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: haby_habanne@hotmail.com.

 

Patrícia Maria da Silva

Pedagoga pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR. E-mail: patty.fly@hotmail.com.

 

 

 

Resumo

 

O modo de vida capitalista teve seu avanço a partir da Revolução Industrial, onde o crescente processo de industrialização passou a ser visto como uma forma de progresso econômico e a sociedade passou a dar preferência ao homem consumidor. As pessoas logo começaram a ser valorizadas pelo que tem, e o ter e o consumir passou a ser mais importante do que o ser e o existir. O padrão de consumo transformou-se em forma de afirmação social, em integração de determinados grupos na sociedade. Dessa forma, o consumismo representa um pilar importante para o capitalismo. E para manter o ritmo avançado de produção e lucro, alimenta-se um sistema manipulador onde a obsolescência dos produtos são motivadas pela mídia agressiva. O consumir tem se tornado genérico, onde se deseja consumir tudo, inclusive as pessoas. Por isso, as relações pessoais obsoletas têm sido comum e têm provocado o distanciamento entre as pessoas e delas consigo mesmas. O endividamento tem causado angústias e uma relação desarmoniosa entre o ser e o seu trabalho. Além disso, o consumismo tem favorecido a degradação do meio ambiente e geração excessiva de resíduos sólidos urbanos. É imperioso o alerta eminente de que a sociedade perceba e compreenda uma nova forma de perceber o mundo, elaborando alternativas para o futuro aonde haja um consumo mais ético, onde a vida emocional dos seres humanos não seja desvalorizada. Esse trabalho objetivou realizar uma análise reflexiva sobre o consumismo e suas implicações na qualidade de vida da sociedade atual e no ambiente.

 

Palavras-chave: Consumo, capitalismo, degradação, qualidade de vida.

 

 

1 Introdução

 

Desde o século XVIII que o modo de produção vem evoluindo e acarretando sérias mudanças no contexto global. Nesse intervalo de tempo, antes uma organização social e política econômica baseada na produção artesanal, agrícola e feudal passou a ser uma sociedade globalizada, onde a economia é marcada pela fabricação de produtos e pelo o uso de poderosos artefatos tecnológicos que buscam exclusivamente aumentar os lucros e diminuir as perdas (LIMA, 2010).

Sobre a origem do consumo, Godecke et al. (2012, p. 1701), afirma:

 

As origens da sociedade focada no consumo, em contraposição às tradicionais, voltadas para o trabalho e à produção, remontam movimentos comerciais ocorridos na Europa a partir do século XV que estimularam a revolução industrial, iniciada em meados do século XVIII. A revolução industrial trouxe consigo o fortalecimento da acumullação de riqueza como um valor fundamental, apoiado na ética protestante, que propiciou a aceitação do modelo. 

 

O modo capitalista teve seu estopim durante e depois da Revolução Industrial, onde ocorreram várias substituições, tais como: ferramentas pelas máquinas e a energia humana pela energia motriz. A industrialização deu início a uma era marcada pela produção de bens e competitividade acirrada. Consolidando o comércio em escala mundial (BUARQUE, 1990).

O crescente processo de industrialização passou a ser visto como uma forma de progresso econômico. A sociedade passou a dar preferência ao homem consumidor. As pessoas logo começaram a ser valorizadas pelo que tem, e o ter e o consumir passou a ser mais importante do que o ser e o existir. O padrão de consumo transformou-se em forma de afirmação social, em integração com determinados grupos na sociedade.

Atualmente, o consumo representa uma importância crescente da cultura no exercício do poder. O poder de escolha do indivíduo na esfera do consumo nas sociedades pós-tradicionais tem sido campo de debate sobre a sua real liberdade de escolha ou submissão a interesses econômicos maiores que se escondem por trás do marketing e da propaganda (OLIVEIRA, 2013).

Esse trabalho objetivou realizar uma análise reflexiva sobre o consumismo e suas implicações na qualidade de vida da sociedade atual e no ambiente.

 

 

2 Obsolescência programada: o tempo certo para consumir e rejeitar

 

O modelo capitalista para manter ritmo avançado de produção e lucro, mantém um sistema manipulador onde a obsolescência dos produtos é o centro dessa alienação social.

Na obsolescência programada, os produtos produzidos no mercado, especialmente os produtos tecnológicos, são substituídos rapidamente por outro modelo com configurações adicionais ou diferentes de alguma forma (NETO; PAULICHI, 2012). Com o auxílio da mídia agressiva, há a oferta do novo produto com a consequente desqualificação do produto anterior que, muitas vezes, o consumidor não o usufruiu dentro de seu período real de validade ou qualidade.

De acordo com Kremer (2007), "Os atos de consumir e descartar ocorrem rápida e sucessivamente, pois sempre há algo mais novo, cuja posse, espera-se, finalmente trará a derradeira felicidade e bem-estar prometidos pela propaganda"

A obsolescência programada é um pilar do capitalismo, onde se utiliza na cultura do “novo” e da “moda” para alimentar a prevalência do efêmero e do descartável. Nessa cultura, tudo o que se consome perde seu valor a curto prazo e propõe preencher o vazio interior por meio do consumo desses bens (BAUMAN, 2010). Bauman (2010) ainda afirma que essa mensagem acompanha diversos meios da mídia, a saber:

 

Eu quero sempre mais que hoje” (Refrão da banda Jota Quest)

Mais Você” (Programa de culinária da TV)

Não adie a realização de seu desejo” (Propaganda de cartão de crédito”)

 

A cultura do consumir tem se tornado genérica, onde se deseja consumir tudo, inclusive as pessoas, aonde as relações pessoais obsoletas têm sido comuns. O que tem provocado o distanciamento cada vez maior das relações interpessoais mais harmoniosas e confiáveis, podendo provocar até o distanciamento de si mesmo. Para Moura et al., (2013), “A sociedade de consumo e suas ideologias dominantes promovem um distanciamento do homem consigo mesmo e com a sua natureza, produzindo uma manifestação típica das grandes sociedades capitalistas da atualidade: o predomínio do ter sobre o ser.”

 

3 Consumismo e qualidade de vida

 

A partir da preocupação das consequências ambientais da exploração da matéria-prima natural pela a indústria e, consequentemente, o aumento do consumo nas décadas de 70, surgiu o "consumo verde". Nesse tipo de consumo, o consumidor preocupa-se com a questão ambiental associada ao que ele consome, o que inclui: a reciclagem, o uso de tecnologias limpas, a redução do desperdício, entre outros (GODECKE et al., 2012).

Associado ao consumismo está a geração de resíduos sólidos, visto que o tempo com que se descarta um produto tem cada vez diminuído devido ao ritmo acelerado de consumo imposto pelo capitalismo, como por exemplo, os resíduos eletrônicos, onde o avanço tecnológico cresce enormemente. Sobre a geração de resíduos sólidos, consumo e qualidade de vida, GODECKE et al. (2012):

 

A quantidade de resíduos sólidos produzidos pelas populações guarda relação não só com o nível de riqueza, refletido na capacidade econômica para consumir, mas também com os valores e hábitos de vida, determinantes do grau de disposição para a realização do consumo. É ilustrativa a comparação da cultura americana e japonesa: enquanto os primeiros geram cerca de dois quilogramas de resíduos sólidos urbanos (RSU) por habitante ao dia, os japoneses, também de elevado poder aquisitivo, apresentam comportamentos que resultam numa geração significativamente menor, pouco superior a um quilograma.

 

Outro aspecto que o consumismo tem interferido em seu valor humano é quando ele se associa aos aspectos culturais e ou religiosos aderidas pelos povos para datas comemorativas. Nessas comemorações, o consumismo toma o lugar do real sentido cultural de celebrações e comemorações.  

Sob esses aspectos de mudança de valores Bauman (2010) define a modernidade contemporânea como “líquida”, pois, muda e molda-se sempre a novas formas (BAUMAN, 2010).  Para Sá (2011, p.8):

 

Se nada é sólido, tudo se esparrama para algum veio, muda, se transforma. Os líquidos, em oposição aos sólidos, se correlacionam com o tempo, visto que mantém uma forma apenas por certo instante, por um momento.  Em seguida, escorre em descontrole da sua forma. Mudar ao invés de manter.  Trocar ao invés de permanecer.

 

E nossas emoções seguem esse ritmo. Entretanto, é imperioso o alerta eminente de que a sociedade perceba e compreenda uma nova forma de perceber o mundo, elaborando alternativas para o futuro com um consumo mais ético, onde nossa vida emocional não seja desvalorizado diante do que o capitalismo nos apresenta como solução para uma melhor qualidade de vida.

Witter (2011, p.194), reitera que:

 

Implícita ou explicitamente em todas as culturas existiu e deve existir uma ética entre vendedores ou fornecedores e fregueses ou consumidores. Na atualidade, a grande maioria dos países contam com legislação específica e até mesmo com organismos especiais para atender a conflitos éticos entre as duas partes. O Brasil está entre os que se encaixam no último caso. No Brasil, a cultura do consumismo também é incentivada exageradamente, onde o governo estimula o consumo de produtos de alguns setores, fazendo a população comprar e comprar e se endividar.

 

O endividamento é uma preocupação e problema social no atual modelo de consumo, onde mantém as pessoas fragilizadas e temerosas em perder seu emprego. Isso gera uma relação de angústia e antagonista ao prazer do consumo. É por isso que Sennett (2010) diz que o capitalismo corrói o caráter, em especial àquele que liga os seres humanos uns aos outros, construindo no ser um senso de identidade sustentável.

 

 

4 Impacto do consumismo no Meio Ambiente

 

A sociedade atual tem definido uma relação de distanciamento com o ambiente (SILVA et al, 2014). O consumo excessivo e esgotamento dos recursos naturais tem relação direta com a geração de “lixo”. Atualmente, a revisão do paradigma do “lixo”, que passa a ser concebido como resíduo, tem definido que ele pode e deve ser reinserido no metabolismo industrial.  Essa macrotendência poderia ter apresentado uma leitura crítica da realidade se tivesse aproveitado o potencial da reflexão sobre o padrão do lixo gerado pelo modelo de produção e consumo advindos do pós-guerra, pautado pelo consumismo, obsolescência planejada e descartabilidade.

O atual quadro planetário no contexto de diversas problemáticas sociais e ambientais, tais como: das mudanças climáticas, escassez de água, desmatamentos, dentre outros problemas ambientais, tem se efetivado de tal ordem que vem comprometendo a possibilidade das atual e futuras gerações virem a usufruir desses recursos, contribuindo para o agravamento das condições sociais e levando a possibilidade de escassez de algumas matérias-primas (MERICO et al, 1997).

Não restam dúvidas que a industrialização e, em seguida, a globalização trouxeram várias mudanças significativas para os povos, porém tais avanços, como o intenso ritmo de produção, juntamente com um consumismo exacerbado, acarretaram numa depredação desenfreada do meio ambiente, comprometendo a homeostasia do planeta (LIMA, 2010).

Mediante os problemas enfrentados pelo homem para que solucione os vários impactos ambientais causados por ele mesmo, é urgente e necessária atitudes da sociedade para viabilizar uma sensibilização ambiental que possibilite o uso adequado dos recursos naturais.

A utilização inconsciente dos recursos naturais tem ocasionado impactos ao meio ambiente, aumentado a devastação de florestas, a desertificação, tornando mais frequentes as chuvas ácidas, que contribuindo para o aquecimento global por emitir grandes quantidades de partículas tóxicas e longos períodos de estiagem em várias regiões do mundo. Entre outros prejuízos, que poderiam ser amenizados.

Como mostra ASSADOURIAN (2010, p.4):

 

Como o consumo aumentou mais combustíveis, minerais e metais foram extraídos da terra, mais árvores foram derrubadas e mais terra foi arada para o cultivo de alimentos (muitas vezes para alimentar gado, visto que pessoas com patamares de renda mais elevada começaram a comer mais carne). Entre 1950 e 2005, por exemplo, a produção de metais cresceu seis vezes, a de petróleo, oito, e o consumo de gás natural, 14 vezes [...] A exploração desses recursos para a manutenção de níveis de consumo cada vez mais altos vem exercendo pressão crescente sobre os sistemas da Terra, e esse processo vem destruindo com grande impacto os sistemas ecológicos dos quais a humanidade e incontáveis outras espécies dependem.

 

Para que todas essas problemáticas ambientais, sejam no mínimo amenizadas, cabe à sociedade, notar que vários costumes aprendidos devem ser modificados. Como por exemplo, a própria lógica do mercado, em determinar e incentivar o consumo exagerado (LIMA, 2010). Além do crescimento econômico, principalmente de países emergentes e pobres, que é inquestionável que ocorra. Deve-se também priorizar práticas de sustentabilidade, com crescimento e consumo seguidos de novos hábitos, priorizando não só o gozo de comprar, mas vinculando o prazer e dever de manter um ambiente saudável.

 

5 Conclusão

 

O consumo representa um pilar importante para a cultura capitalista. E para manter ritmo avançado de produção e lucro, mantém um sistema manipulador onde a obsolescência dos produtos são motivadas pela mídia. Entretanto, o consumismo tem provocado o distanciamento das pessoas, o endividamento e uma relação desarmoniosa entre o ser e o seu trabalho. Além disso, o consumismo tem causado, de forma insustentável, a degradação do meio ambiente e geração excessiva de resíduos sólidos. É imperioso o alerta eminente de que a sociedade perceba e compreenda uma nova forma de perceber o mundo, elaborando alternativas para o futuro com um consumo mais ético, onde nossa vida emocional não seja desvalorizada.

 

 

6 Referências

 

ASSADOURIAN, E. Ascensão e Queda das Culturas de Consumismo. In: Estado do Mundo 2010: estado do consumo e o consumo sustentável, Worldwatch INSTITUTE. ERIK ASSADOURIAN (Org.); CLAUDIA STRAUCH (trad.). Disponível em: www.worldwatch.org.br/estado_2010.pdf. Acesso em: julho de 2013.

 

BAUMAN, Zygmunt. Vida a Crédito. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2010. 250p.

 

BUARQUE, C. Desordem do progresso: o fim da era dos economistas e a construção do futuro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 152.

 

GODECKE, M. V. G.; NAIME, R. H.; FIGUEIREDO J. A. S. O consumismo e a geração de resíduos sólidos urbanos no Brasil. Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia Ambiental. V(8), n.8, p.1700-1712. 2012.

 

KREMER, J.  Caminhando rumo ao consumo sustentável:  uma investigação sobre a teoria declarada e as práticas das empresas no Brasil e no Reino Unido. PPG em Ciências Sociais. PUCSP, São Paulo, 2007. 323 p.

 

LIMA, A. K. F. G. Consumos e Sustentabilidade: Em busca de novos paradigmas numa sociedade pós-industrial. Fortaleza: CONPEDI, 2010.

 

MERICO, L.F.K. et al. Avaliação do Desenvolvimento Econômico através de Indicadores Ambientais: Proposta Metodológica para uma experiência piloto em Blumenau- SC. In: Revista Brasileira de Ecologia (1), p. 152-155,1997.

 

MOURA, T. B. Uma análise de concepções sobre a criança e a inserção da infância no consumismo. Psicologia: Ciência e Profissão, 33(2), p.474-489. 2013.

 

NETO, L. A., PAULICHI, J. S. Educação Ambiental: método para a consolidação do desenvolvimento sustentável. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito de Franca. v. 6, n.1, dez/2012.

OLIVEIRA, S. C. Educação Ambiental para Promoção de Saúde com Trânsito Solidário. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública. Faculdade Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013.

 

SÁ, E. H. Modernidade líquida e consumismo. Monografia (Especialização em Sociologia Política). Universidade Federal do Paraná. Curitiba - PR. 2011. 29p.

 

SENNETT, Richard. A corrosão do Caráter. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010. 204p.

 

SILVA, E., NÓBREGA, B. A., OLIVEIRA, H. M., SILVA, P. M. A Educação Ambiental e etnobotânica: o resgate da valorização da natureza pelo uso de plantas medicinais. Revista Educação Ambiental em Ação, n. 50, ano XIII. 2014.

 

WITTER, G. P. Consumo ético. Brazilian Cultural Studies. v.2, n.2, p.193-196. 2011.

Ilustrações: Silvana Santos