Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2015 (Nº 51) PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE ESTUDANTES E PROFESSORES DAS ESCOLAS DE JULIO DE CASTILHOS, RS
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PERCEPÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE ALUNOS E PROFESSORES DE ESCOLAS DO MEIO RURAL E URBANO DE JULIO DE CASTILHOS, RS

PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE ESTUDANTES E PROFESSORES DAS ESCOLAS DE JULIO DE CASTILHOS, RS

 

CARLOS ALBERTO CASALI

Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Dois Vizinho

carloscasali@utfpr.edu.br

 

KARLA KATARINE BOTTON DA SILVA

Secretaria Municipal de Educação – Sapucaia do Sul

katbotton@gmail.com

 

TATIANA APARECIDA BALEM

Instituto Federal Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos

tatianabalem@yahoo.com.br

 

 

 

 

 


PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL DE ESTUDANTES E PROFESSORES DAS ESCOLAS DE JULIO DE CASTILHOS, RS

 

Resumo: A Educação Ambiental (EA) no ambiente escolar é tema imprescindível e presente nas orientações curriculares. Este trabalho avalia a percepção sobre EA de estudantes e professores de escolas de Júlio de Castilhos-RS e foi realizado por meio da análise interpretativa de questionários aplicados em 2011. A localização da escola e a existência de projetos de EA não influenciaram na percepção ambiental dos professores e alunos. 54% dos professores demonstra ter um pensamento propositivo em relação à EA, porém isso não se reflete na percepção dos alunos. Essa diferença indica que os conhecimentos dos professores podem não estar sendo trabalhados com os estudantes. A EA nas escolas pesquisadas apresenta-se de maneira descontextualizada e não permeia todo âmbito escolar, podendo estar presente apenas nos grupos que desenvolvem projetos, contrariando as orientações que apregoam a EA como tema transversal.

 

Palavras–chave: Educação Ambiental; transversalidade; escolas

 

1.    Introdução

O discurso do desenvolvimento apregoa a teoria de que primeiro é necessário crescer economicamente para depois conservar o ambiente, no entanto esse pode ser um caminho sem volta, pois o crescimento econômico moderno exige utilização de elementos de baixa entropia para fabricar elementos de alta entropia e nesse processo há muita perda de energia (VEIGA, 2010). De acordo com o autor há um otimismo tecnológico, ou seja, a crença que a tecnologia é capaz de superar qualquer impasse que venha colocar em xeque a continuidade do desenvolvimento econômico, mas essa visão reducionista não considera que a tecnologia não é capaz de resolver problemas como a erosão da biodiversidade, as perdas do patrimônio genético, o aquecimento global, a deterioração da camada de ozônio e a escassez de água potável.

Para Dias (2002, p. 52):

 

O resultado da ação dos seres humanos sobre o ambiente natural nas últimas décadas tem demonstrado que nossa espécie vive uma crise de percepção. Age como se não dependesse dos sistemas que asseguram a vida no planeta, como se pudesse dispensar os serviços ecossistêmicos e fosse a última geração sobre a terra.

 

Portanto, tornam-se necessárias mudanças na forma como se concebe o desenvolvimento e a exploração do ambiente pelo homem, assim o desenvolvimento somente pode ser considerado sustentável quando é capaz de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer as necessidades das futuras gerações. Para Veiga (2010) só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento servem à ampliação das capacidades humanas, sendo as coisas mais elementares: ter uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno e ser capaz de participar da vida em comunidade.

O conceito de desenvolvimento sustentável num caminho mais do meio, não está ligado com a visão pueril do ambientalismo, nem na valoração puramente econômica da natureza (Idem). Segundo o autor, vai de encontro com a ideia de preservação do potencial da natureza para a produção de recursos renováveis; limitação do uso de recursos não renováveis; e respeito à capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. A sustentabilidade ambiental, dessa forma, é baseada no duplo imperativo ético da solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras, na tentativa de superar o posicionamento atual da humanidade, de viver intensamente sem se preocupar com o futuro.

Como formar essa consciência de desenvolvimento e de ambiente apontado por Veiga (2010)? Um caminho possível passa pelas ações inseridas no ambiente escolar, tendo a Educação Ambiental (EA) como mola propulsora para a mudança de atitudes e formação de consciência ambiental. O trabalho com EA dentro das instituições de educação é de extrema importância para que o educando se conheça, conheça o outro e assim conheça o seu ambiente e passe a entendê-lo e respeitá-lo. Segundo Tozoni-Reis (2004, p. 6-7)

(...) a EA tem como princípios objetivos contribuir para a construção de sociedades sustentáveis e equitativas ou socialmente justas e ecologicamente equilibradas e gerar, com urgência, mudanças na qualidade de vida, maior consciência de conduta pessoal, assim como harmonia entre os seres humanos e destes com outras formas de vida.

 

Tozoni-Reis (2004) ainda discute que a EA deve ser trabalhada de forma formal e informal em todas as idades e que ela, como fenômeno essencialmente humano, é capaz de redefinir a relação entre homem e natureza. Nesse trabalho elege-se a escola como elemento fundamental na mudança da concepção sobre o ambiente. Contudo, a reflexão sobre as práticas sociais na escola envolve um conjunto de atores do universo educativo, sendo que a produção de conhecimentos deve contemplar as inter-relações do meio natural com o meio social. Segundo a Lei Estadual do Rio Grande do Sul n° 11.730 de 2002 sobre Educação Ambiental, entende-se por esse modelo de educação os processos através dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, atitudes, habilidades, interesses ativo e competência, voltados ao ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

A concepção de EA, corrobora com a lei federal n° 9.795 de 1999 e pode ser considerada ampla e complexa. Isso se confirma no artigo 2° da Lei Estadual n°11.730 de 2002, em que “a EA é um componente essencial e permanente da educação estadual e nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal.” Segundo Lipai, Layrargues e Pedro (2007) a Lei nº 9.795 (1999) e o Decreto nº 4.281 (2002) estabelecem a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e trazem a tona a discussão da necessária universalização dessa prática educativa na sociedade.  No entanto, segundo os autores, uma política Nacional de EA não garante que todas as escolas estejam integralizando esse tema no seu itinerário de formação. No entanto, o artigo 9º da lei nº 9.795 deixa claro que a EA deve estar presente em todos os níveis e modalidades da educação formal.

Considerando que o Brasil possui diretrizes claras de EA nas escolas, cabe refletir sobre como essas diretrizes estão sendo desenvolvidas: É um tema transversal nos currículos escolares? É de domínio dos educadores? Ou está encerrada em pequenos projetos? De acordo com Lipai, Layrargues e Pedro (2007, p. 31) a “PNEA traça orientações políticas e pedagógicas para a EA e traz conceitos, princípios e objetivos que podem ser ferramentas educadoras para a comunidade escolar”. No entanto os autores supracitados discutem que a lei, por si mesma, não produz adesão e eficácia, é necessário compreender a importância do que ela tutela e o seu sentido educativo, para que ela possa ser transformadora de valores, atitudes e das relações sociais.

A escola é o principal espaço para a implementação da EA, mas, é necessário que, acima de tudo, ela seja trabalhada com uma visão holística, com caráter transformador da sociedade de forma que práticas pedagógicas cotidianas na escola orientem as suas ações. Na maioria das escolas, a EA é contemplada por meio de textos nos Regimentos Escolares, Projetos Políticos Pedagógicos ou de Projetos Ambientais, que, muitas vezes, são realizados apenas por um pequeno grupo de pessoas. Isso mostra sua fragilidade, que é resultante da contradição entre o discurso e a prática do educador, deixando de atender o que a lei contempla: a relação do cidadão com o meio num processo de transformação. Segundo Tozoni-Reis et al (2012, p. 29)

 

Os(As) professores(as) são, em geral, estimulados a realizar trabalhos com EA, seja pela definição oficial de diretrizes para sua implantação nas escolas, seja pela atualidade do tema ambiental, fortemente divulgado pelos meios de comunicação, mas sentem falta de conhecimentos adequados, tanto do ponto de vista quantitativo como do qualitativo.

 

Nesse sentido estudos sobre como a EA vem sendo desenvolvida nas escolas são necessários, para que se compreenda o corpus já construído nos ambientes formais e a partir disso possam ser traçadas estratégias que realmente contemplem um processo transversal e transformador da consciência ambiental nos educandos. Propor novas práticas de EA é um desafio necessário para transformar a concepção dos estudantes e da própria comunidade escolar sobre o ambiente. Contudo, primeiramente, precisa-se entender a atual inserção desse tema no âmbito escolar, definindo quais os principais problemas enfrentados dentro das instituições de ensino que interferem no desenvolvimento de uma prática centrada no conceito da transversalidade do tema da EA. Dessa forma, o objetivo desse trabalho foi avaliar qual a percepção sobre o ambiente e de que forma a EA está sendo incorporada no quotidiano escolar do município de Júlio de Castilhos (JC), RS.

 

2.    Procedimentos Metodológicos

Essa pesquisa é qualitativa e o estudo foi desenvolvido em escolas do município de Júlio de Castilhos, RS. A coleta de dados se deu no período de agosto a setembro de 2010, por meio da aplicação de questionários, compostos por questões abertas e fechadas, em professores (61 questionários) e estudantes (210 questionários), norteados pelo tema “Percepção Ambiental de estudantes e professores de escolas do meio rural e urbano do município de Júlio de Castilhos”. Os questionários foram aplicados em duas escolas de ensino médio, quatro escolas de ensino fundamental (5ª a 8ª série), sendo duas urbanas e duas rurais, e quatro escolas de ensino fundamental (1ª a 4ª série), sendo duas rurais e duas urbanas. Além disso, a partir da observação do ambiente escolar, procurou-se avaliar a implementação de ações de EA no cotidiano escolar, o que representaria a percepção ambiental da escola como um todo.

 

3.    Percepção ambiental dos professores

A EA, segundo Tozoni-Reis (2004), é uma formação que ocorre de forma transversal à formação profissional, não se reduzindo à formação de uma área específica do conhecimento. Assim, as representações da relação homem-natureza entre os professores é diversa e muitas vezes individual, principalmente de acordo com o seu próprio itinerário de formação (Ibidem). Esse tema não parece ser de fácil trânsito nas escolas de JC e talvez esteja estigmatizado no receio dos professores em responder e devolver o questionário, necessitando diversas intervenções para conseguir coletá-los, sendo que 31% dos questionários aplicados não retornaram.

            Quando questionados sobre “O que você pensa sobre a Questão Ambiental?”, verifica-se que 54% dos educadores apresentam um pensamento propositivo com relação à EA, representado pelo uso de respostas diretivas e exemplos práticos, como:

 

É um assunto muito sério, envolve vários aspectos de nossa vida e é de responsabilidade de todos; afinal o planeta é nosso. Creio que os cidadãos deveriam ter mais participação para opinar, sugerir formas de melhorar o ambiente onde vivem. Por exemplo: rede de esgoto.

 

Essa resposta chama a responsabilidade para cada cidadão e demonstra que a preocupação com problemas ambientais do cotidiano pode ser discutida na prática escolar. Para esses professores a questão ambiental é um problema que envolve atitudes e responsabilidades, e que deve partir do individual para o coletivo. No entanto, 44% dos professores apresentam nas suas respostas um pensamento vago como exemplificado na resposta:

 

De importância fundamental, deve-se esta a perdas transformações pelas quais está passando o ambiente.

 

Baseando-se nessas respostas vagas e sem conteúdo, de um grupo grande de professores, percebe-se que o tema talvez não seja debatido ou faça parte apenas em alguns momentos da vida dos docentes, no entanto a EA não é prática diária e nem faz parte dos conteúdos trabalhados em sala de aula. Essa questão corrobora com o que afirma Tozini-Reis (2004), ou seja, a Educação Ambiental é tema transversal na formação dos educadores, podendo estar presente ou não no seu itinerário formativo. Quando o educador não possui os conhecimentos necessários para problematizar as questões ambientais, deixa de se posicionar como mediador de conhecimentos sobre o ambiente em sala de aula.

De acordo com a pesquisa não existe diferença na percepção ambiental entre os professores de escolas urbanas e rurais ou de escolas que desenvolvem e não desenvolvem ações de EA. A ausência de diferença entre as escolas que desenvolvem projetos de EA e as que não desenvolvem, levam a refletir sobre a importância dos projetos. Será que os mesmos não são apenas ações isoladas do contexto escolar?

No que se refere à periodicidade com que os professores trabalham EA em suas disciplinas, 44, 54 e 2% responderam que frequentemente, esporadicamente e nunca desenvolvem atividades relacionadas ao tema, respectivamente. Quanto ao “diálogo que sua disciplina mantém com outras disciplinas em realizar atividades relacionadas à EA”, independente da localização urbana ou rural da escola, 56% dos professores responderam manter diálogo com algumas disciplinas e 34% responderam manter diálogo com todas as disciplinas. No entanto, ao confrontar esses dados com os 44% de respostas vagas e com pouco conteúdo sobre a percepção de EA, verifica-se que talvez os professores não estejam tratando a EA com a amplitude e profundidade necessária dentro do ambiente escolar. Lipai, Layrargues e Pedro (2007) afirmam que a exigência legal e a presença da questão dos projetos pedagógicos não são suficientes para que a mesma seja de fato trabalhada com os educandos. A integração entre disciplinas é essencial para que a EA seja efetivada no contexto escolar. No entanto na resposta dos professores, percebe-se que algumas ações são realizadas, mas de forma isolada e em momentos pré-definidos. Essa questão demonstra que seria necessário incorporar o tema no planejamento da ação pedagógica na escola.

Já nas escolas que afirmam desenvolver ações de EA para as que afirmam não desenvolver, 46% e 68% dos professores, respectivamente, responderam manter diálogo com algumas disciplinas sobre EA, enquanto 39% e 29% dos professores responderam manter diálogo com todas as disciplinas, respectivamente. 15% dos professores de escolas que desenvolvem ações de EA não realizam diálogo com nenhuma disciplina. Antunes (2002, p. 59) afirma que “trabalhar verdadeiramente em conjunto com os colegas e ensinar os estudantes a trabalhar e aprender em equipes torna-se uma necessidade imperiosa pela evolução do ofício do educador de maneira geral”.

Ao serem questionados quanto “ao que falta para a escola desenvolver efetivamente a EA”, 46% dos professores acreditam que um articulador de EA dentro das instituições seria fundamental, sendo que a observação de um professor reforça esse aspecto:

 

Acredito que um articulador seria o ideal, pois acredito que direta ou indiretamente todos os professores trabalhem com EA, o que falta é articulação nas ações e troca de ideias sobre o assunto.

 

A existência de um articulador dentro das instituições de ensino faria com que a EA não se perdesse nas múltiplas tarefas do dia a dia da prática educativa. O articulador não substituiria a função do professor em desenvolver a EA de forma transversal aos seus conteúdos disciplinares, mas seria um ator importante e aditivo para contribuir na articulação do conhecimento entre o corpo docente da instituição. É necessário compreender a importância da EA como tema transversal e talvez uma disciplina ou projetos, que muitas vezes ficam isolados no contexto escolar, não sejam o melhor caminho. Na pesquisa realizada essa questão apareceu, ou seja, há uma compreensão, embora não generalizada de que a EA vai muito além de uma disciplina, como comprova a seguinte resposta de um professor de escola que desenvolve ação de EA:

 

Existe uma disciplina, mas creio que falte foco de ação. EA é muito mais ampla, vai além dos conteúdos da disciplina efetiva/ específica.

 

Na mesma questão, 23% dos professores colocaram outras sugestões para efetivar a EA no ambiente escolar, contudo, destaca-se que 10% dos professores têm a EA como efetivada e resolvida, acreditando que os projetos e ações existentes estão resolvendo os problemas e que não existe necessidade de novas atitudes, exemplificado com a resposta:

 

A escola já vem desenvolvendo efetivamente a EA, com um grupo de professores que se reúnem frequentemente com os estudantes para discutir a questão e realizar ações no campus.

 

Embora o projeto de EA seja conhecido, essa resposta indica a falta de transversalidade do tema nessa escola, assim a EA, vista como uma tarefa a ser desenvolvida está sendo cumprida por alguém. Pensar que a EA está resolvida dentro da instituição em função da existência de um projeto pode levar a uma negligência das ações desenvolvidas.

Em função do município de Júlio de Castilhos ser eminentemente agrícola, foi levantado os conhecimentos sobre solo e água. Sendo que 80% dos professores apresentaram respostas que indicam percepção satisfatória sobre o tema. Esperava-se que os professores das escolas que desenvolvem ações de EA apresentassem um maior conhecimento sobre esses temas, o que não ocorreu. A ação ambiental dentro de uma escola parece não depender do nível de conhecimento do professor, mas da disposição deste em desenvolver ações. Essa questão levanta uma interrogação sobre os projetos de EA: Será que eles estão efetivamente mudando a percepção ambiental da comunidade escolar ou estão impactando apenas o grupo que participa? E o que determina a falta de disposição do professor em trabalhar EA, mesmo possuindo conhecimentos? Essas questões levantam novamente a importância de um articulador na escola, com tempo para fazer a sinergia entre os conhecimentos existentes, resultando em uma prática efetiva.

Ao serem questionados sobre “Qual relação entre solo e água?”, apenas 28% dos professores conseguiram integrar os conhecimentos entre os dois temas. De modo geral, verifica-se que não existe uma grande diferença na forma de pensar entre os professores pesquisados, independente da localização da escola ou se esta desenvolve ou não ações de EA. Portanto, a falta de ação sobre o tema EA em algumas escolas pode estar relacionada ao nível de conscientização e sensibilização dos educadores, o que pode interferir diretamente na falta de ações para transformar a consciência ambiental em atitudes efetivas dentro do contexto escolar. Para Sacristán (2000) o professor é um mediador do conhecimento e deve, portanto, ter uma postura crítica e construir, com os educandos, através de soluções educativas, intervenções diferenciadas na realidade.

Os 46% dos professores que apostam em um articulador dentro das instituições de ensino, acreditam que, dessa forma, o conhecimento sobre EA seria disseminado de modo mais contextualizado e organizado. Talvez seja, o articulador quem irá facilitar a transformação da consciência ambiental em ação de EA, fazendo o papel de mediador entre o conhecimento e a ação efetivada, perpassando o tema entre os educadores, para que estes tomem posse de atitudes concretas mediadas pelo articulador e mudando, assim, o contexto atual sobre EA nas escolas.

 

4.    Percepção ambiental dos estudantes

Verificou-se grande variabilidade das respostas no público dos estudantes, principalmente no que tange a maturidade das respostas nos questionários entre os estudantes dos diferentes níveis. Em relação à pergunta “O que você pensa sobre a Questão Ambiental?”, apenas 37% dos estudantes responderam com pensamento propositivo, conforme o exemplo da resposta de um estudante da 4ª série:

 

Tem pessoas que não sabem cuidar do ambiente jogam lixo nas ruas, em rios, cortam árvores e eles mesmos se prejudicam.

 

Enquanto, 61% dos estudantes responderam com pensamento vago, pois se utilizaram de respostas indiretas e pouco aprofundadas, como podemos constatar com a seguinte resposta de um estudante de ensino médio:

 

Muito penso quando tenho tempo.

 

Tais resultados demonstram que menos da metade dos estudantes sentem-se seguros e preparados para explanarem ideias elaboradas e aprofundadas sobre o tema, indicando que os estudantes não estão sendo capacitados sobre EA, ao ponto de conseguirem discutir questões ambientais que exijam posicionamento crítico. Verificou-se que não houve diferença nas respostas dos estudantes em função da localização das escolas e da presença ou não projetos institucionais de EA. O que novamente demonstra que os projetos de EA, apesar de importantes para o grupo envolvido, devem ser repensados. Salienta-se que na percepção ambiental dos professores, anteriormente observada, também não havia essa distinção.

Ao responderem o questionamento “Você realiza trabalhos sobre EA na escola?”, 68% dos estudantes citam que realizam esporadicamente atividades sobre EA, enquanto somente 17% dos estudantes alegaram que realizam frequentemente trabalhos dessa natureza. Adicionalmente, 11% dos estudantes responderam que nunca realizam atividades sobre o tema, sendo que nas escolas que desenvolvem ações de EA esse valor é de 20%. A resposta dos educandos quanto à frequência que desenvolve EA está em descompasso com a periodicidade das ações informadas pelos professores, o que pode ser observado no quadro 01 abaixo.

 

Quadro 01- Frequência com os professores afirmam trabalhar EA nas usas disciplinas e com que os educandos afirmam realizarem atividade sobre o tema.

Frequência com que é ofertada/trabalhada a EA

Professores (%)

Educandos (%)

Frequentemente

44

17

Esporadicamente

54

68

Nunca realizou

2

11

 

A falta de pensamento propositivo sobre EA nos estudantes pode estar relacionada com a insuficiência de atividades referentes ao tema, principalmente em nível de sala de aula, o que indica que as atividades de EA podem estar contemplando apenas pequenos grupos de estudantes que realizam atividades extraclasses. Ou talvez as pretensas atividades de EA planejadas pelos professores não estejam de fato trabalhando e construindo os conhecimentos necessários.

Andrade e Sorrentino (2013) chamam a atenção à hipercomplexidade pedagógica da EA, que vai muito além de projetos de gestão ambiental de algum problema diagnosticado na escola. Para fazer diferença a EA deve ir além da resolução de problemas ambientais e incluir os aspectos políticos, filosóficos e científicos relacionados a eles (Ibidem). Os autores salientam que focar ações educativas exclusivamente nos aspectos técnicos objetivos e na maioria das vezes em pequenas práticas, desvia a atenção dos educadores e educandos de vários outros aspectos tão ou mais importantes.

Quando questionados sobre “as disciplinas que trabalham com EA”, 81% dos estudantes responderam que apenas algumas realizam trabalhos, enquanto apenas 11% dos estudantes responderam que todas as disciplinas trabalham efetivamente o assunto. Ao comparar este último dado com os 44% dos professores que afirmam realizarem frequentemente trabalhos sobre EA, percebe-se uma grande disparidade entre o que é realizado, o que se pensa que é realizado e apreensão do que é realizado.

Verifica-se a inexistência de diferenciação quanto à forma das disciplinas trabalharem EA, pois em todas as escolas estes dados apresentaram-se de forma equivalente. Isso vem de encontro ao que alerta Andrade e Sorrentino (2013), ou seja, talvez as práticas ambientais desenvolvidas nas escolas estejam desvinculadas dos aspectos fundamentais da EA e não se revertem em mudança da concepção e da relação entre homem-natureza, tornando-se meramente atividades.

Entende-se que os projetos sobre EA não estão sendo eficientes, pois não atingem a maioria dos estudantes, já que são atividades extraclasses. Nesse sentido, desenvolver temas relacionados à EA apenas nessa modalidade não torna o tema transversal. Para tal, torna-se necessário o desenvolvimento da EA dentro da sala de aula, nas diferentes disciplinas curriculares, de forma comprometida e interligada com todos envolvidos no processo de aprendizagem.

Ao analisar o questionamento “O que precisa para a escola desenvolver a EA?”, percebe-se que 50% dos estudantes responderam que é necessária uma maior discussão sobre ações ambientais, ou seja, os estudantes estão sentindo falta de um maior aprofundamento sobre o assunto. Já 25% dos estudantes dividiram suas respostas entre projetos ambientais, disciplina de EA e profissional capacitado, pois acreditam que dessa forma poderá efetivar-se a EA no espaço escolar. Contudo, a soma dos resultados dos estudantes que deixaram de responder, com os que se utilizaram de respostas vagas e daqueles que acreditam que a EA está resolvida atinge 25%, o que pode demonstrar um estudante indiferente diante do tema. Leff (2003) afirma que é necessário compreender a complexidade ambiental, o que implica um processo de desconstrução e construção do pensamento, para aprender a agir de forma diferente.

Interpreta-se que os projetos estão sendo pontuais e descontextualizados, e que não estão repercutindo no âmbito escolar como deveria. Entende-se que o projeto deve ser construído e executado por todos os envolvidos no processo de aprendizagem, por toda a comunidade escolar.

Num quadro geral, 59% dos estudantes possuem uma boa percepção sobre solo e água, pois responderam corretamente às questões, enquanto 41% dos estudantes não apresentaram respostas satisfatórias. Esse dado é diferente dos valores observados para os professores, pois estes apresentaram um maior conhecimento sobre o tema. Ao serem questionados sobre a relação entre solo e água, 46% dos estudantes elaboraram respostas com integração de conhecimento, mas não conseguiram aprofundar a relação entre os mesmos e 33% dos estudantes não conseguiram expressar conhecimento algum sobre o assunto. A percepção geral dos estudantes das escolas de Júlio de Castilhos, um município eminentemente agrícola, sobre mata ciliar, erosão, plantio direto e compostagem revelaram resultados preocupantes, independente da localização da escola, pois apenas 39% dos estudantes apresentaram um bom embasamento em suas respostas. Mais inquietante são os 30% dos estudantes que responderam às questões sem base de conhecimento, exemplificado pela resposta de um estudante de 8ª série sobre erosão do solo:

 

Eu acho que é quando explode uma coisa.

 

Esse percentual ao ser somado aos 31% dos estudantes que não responderam às questões indica que 61% dos estudantes apresentam pouco conhecimento sobre temas ambientais mais pontuais, numa realidade agrícola que necessita desses conhecimentos, como a do município de Júlio de Castilhos.

Quanto às escolas que desenvolvem e não desenvolvem ações de EA, 46% e 29% dos estudantes, respectivamente, responderam com uma boa base de conhecimento as questões pontuais sobre o ambiente. Percebe-se uma diferença de 15% nos resultados, que pode ser reflexo dos projetos sobre EA desenvolvidos dentro do ambiente escolar. Contudo, 30% dos estudantes de ambas as escolas responderam os questionamentos sem base de conhecimento, o que pode ser considerado um valor elevado, além dos 24% e 41% dos estudantes das escolas que desenvolvem e não desenvolvem ações de EA que se abstiveram de responder.

Ao analisar os resultados obtidos com as respostas dos estudantes pesquisados de Júlio de Castilhos, verifica-se que não existem diferenças marcantes quanto à localização da escola ou se ela desenvolve ou não desenvolve projetos de EA no contexto escolar. Esses dados corroboram os obtidos nas respostas dos professores que, de uma forma geral, foram muito semelhantes em relação à localização e à existência ou não de ações ambientais. A diferença é que os estudantes apresentaram percepções distorcidas e ausência de conhecimento em relação a alguns conceitos básicos sobre ambiente. Nesse sentido, percebe-se que o conhecimento dos professores talvez não esteja sendo devidamente utilizado na formação da consciência ambiental dos educandos. Pode-se atribuir isto à falta de diálogo entre os envolvidos no processo de aprendizagem, confirmando que as ações sobre questões ambientais desenvolvidas pelos professores não estão sendo suficientes para ampliar a compreensão dos estudantes.

 

5.    Considerações finais

Essa pesquisa evidencia a necessidade de novos rumos no âmbito da EA, pois o que se pode perceber aqui é uma educação aprisionada a um currículo descontextualizado, com uma visão distorcida de projeto e ausência de atitudes educacionais sobre EA, o que não caracteriza a EA como tema transversal, exigido em lei. A existência de um articulador dentro do ambiente escolar poderia facilitar a realização de ações de EA dentro das disciplinas das escolas. Esse articulador seria a peça essencial que realizaria o envolvimento de todas as disciplinas, auxiliando e contribuindo para que se efetivasse a transdisciplinariedade, em ações ambientais comuns a toda a instituição. Porém, ele não pode ser responsabilizado pelo ensino de EA, mas deve ser o coordenador, orientador e cooperador para as ações dos professores em nível de sala de aula. A EA só se efetiva no trabalho em conjunto, com problemas e objetivos construídos com todos os envolvidos no processo de aprendizagem.

Os resultados da presente pesquisa retratam uma EA que pode estar sendo ineficiente e incoerente para os atuais parâmetros de educação. Portanto, torna-se imprescindível a problematização deste tema, para que se dissemine o conhecimento, gerando práticas efetivas em relação à EA. As escolas que desenvolvem projetos e ações ambientais parecem estar realizando trabalhos contextualizados com a realidade local, pois ao responderem o questionário, os estudantes apresentaram um desempenho muito semelhante aos das escolas que não desenvolvem ações de EA. Isso pode estar relacionado à realização dos trabalhos apenas com pequenos grupos de estudantes em horários extraclasse.

A EA nas escolas de Júlio de Castilhos poderiam priorizar as questões ambientais da realidade local. Nesse sentido, torna-se necessária a identificação de temas locais mais relevantes que nortearão as ações nas escolas.

 

6.    Referências Bibliográficas

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DIAS, G. F. Pegada Ecológica e Sustentabilidade Humana. São Paulo: Editora Gaia Ltda, 2002.

LEFF, E. A complexidade Ambiental. São Paulo: Editora Cortez, 2003.

LIPAI, Eneida Maekawa; LAYRARGUES, Philippe Pomier, PEDRO, Viviane Vazzi. Educação ambiental na escola: tá na lei. In: MELLO, Soraia da Silva; TRAJBER, Rachel. Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola. Brasília: MEC: MMA: UNESCO, 2007. p- 23-34.

RIO GRANDE DO SUL. Lei n, 11.730, de 09 de janeiro de 2002. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a política Estadual de Educação Ambiental, cria o Programa Estadual de Educação Ambiental, e complementa a Lei Federal nº 9.795, de 27 de Abril de 1999, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: www.upf.br/coaju/index.php?option=com_docman&task=doc... Acesso em 10 de outubro de 2013.

SACRISTÁN, J. Gimeno; O currículo: uma reflexão sobre a prática.- 3. Ed-. Porto Alegre: ArtMed, 2000.

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. A educação ambiental na escola básica: diretrizes para a divulgação dos conhecimentos científicos. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 7, n. 1, pp. 29-48, 2012.´

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação ambiental: natureza, razão e história. Campinas-SP: Autores Associados, 2004. ( Coleção educação contemporânea)

VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.

Ilustrações: Silvana Santos