Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2015 (Nº 51) LOTEAMENTOS IRREGULARES E CLANDESTINOS E SUAS REPERCUSSÕES AMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE PALMAS – TO
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LOTEAMENTOS IRREGULARES E CLANDESTINOS E SUAS REPERCUSSÕES AMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE PALMAS – TO

 

Victor Manuel Barbosa Vicente

Professor Adjunto A

Universidade Federal de Uberlândia

Título acadêmico: Doutor

Endereço: Rua Padre Vitorino Zannin, Número: 1077 
Bairro: Alcides Junqueira

CEP: 38304092

Ituitaba/ MG

Telefone: (34) 9248-9706

E-mail: victorvicente.unb@gmail.com

Angelita Messias Ramos

Graduada em Administração

Universidade de Brasília

Palmas/Tocantins

 

presente artigo discute as repercussões ambientais decorrentes da instalação de loteamentos irregulares e clandestinos na cidade de Palmas. A pesquisa utilizou dados coletados em extenso conjunto de documentos do poder executivo municipal e em entrevistas com atores-chave que atuaram na formulação da política pública em foco. A pesquisa identifica a existência de vinte e uma ocupações irregulares no Município, sendo estas localizadas em sua maior parte, na região norte da cidade. O trabalho concluiu que essas ocupações influem na qualidade de vida da população, uma vez que geram vários problemas ambientais, tais como poluição, erosão, degradação em áreas de preservação permanente e área de proteção ambiental, entre outros problemas. O levantamento diagnosticou que os problemas decorrentes da instalação desses loteamentos irregulares decorrem em parte da especulação imobiliária observada na cidade, além de servirem como justificativa para o aumento desse tipo de ocupação, a falta de uma fiscalização adequada e eficiente.

Palavras-chave: 1. Loteamentos irregulares e clandestinos. 2. Repercussões ambientais. 3. Planejamento urbano. 4. Palmas.

 

 

1.Introdução

No processo de urbanização ocorre a substituição do ecossistema natural por outro completamente adverso, que o homem organiza conforme suas necessidades de sobrevivência, e segundo o poder que exerce sobre esse espaço. O uso intensivo do solo e a ausência de planejamento pelas atividades urbanas têm gerado disfunções espaciais e ambientais, repercutindo na qualidade de vida do homem, que se dá de modo diferenciado, atingindo na maioria das vezes de forma mais intensa a população de baixa renda, a qual, muitas vezes sem acesso à moradia, passa a ocupar áreas impróprias à habitação, como por exemplo, as Áreas de Preservação Permanente (APPs). A ocupação irregular dessas áreas não corre apenas por invasões, mas pode estar associada à aprovação indevida de loteamento, falta de legislação, etc. (BARROS, et al., 2003, p. 47-54).

Os loteamentos irregulares e clandestinos têm sido verificados em  diversas localidades do Brasil, o que tem trazido inúmeros problemas aos gestores públicos e à  população menos  esclarecida,  muitas  vezes,  vítimas  da  ação  inescrupulosa  de estelionatários que vendem imóveis inadequados à regularização. 

As catástrofes naturais ocorridas nos últimos anos em algumas cidades brasileiras são exemplos do crescimento desordenado que muitas vezes ocorre em virtude  da  ocupação  urbana  irregular,  que  tem  se  mostrado  como  um  grave problema a ser enfrentado tanto pelos administrados, quanto pelos administradores (ALVES FILHO; AQUINO e TEIXEIRA, 2011, p. 59-67).

Portanto, o crescimento acelerado da população e da urbanização é na atualidade um dos graves problemas da humanidade, sendo visto como uma das principais causas da deterioração do meio ambiente, pois  a  concentração humana e de suas atividades  provoca  ruptura do funcionamento  do  ambiente  natural (CAVALHEIRO, 1991, p. 88-99; UNITED NATIONS HUMAN SETTLEMENTS PROGRAMME UN-HABITAT, 2011). 

Superando as médias habitacionais brasileiras, Palmas foi a capital brasileira que mais cresceu na última década, apresentando um crescimento populacional de 61,4% ao longo dos últimos dez anos, uma média de crescimento de 5,21% ao ano, contando  atualmente  com uma população  total  de  228.332,  sendo  que  destes, 221.742 habitam a área urbana e 6.590 habitam as áreas rurais (IBGE, 2011). 

Conforme o exposto, a presente pesquisa visa responder ao seguinte questionamento: Que repercussões ambientais os loteamentos irregulares e clandestinos acarretam para o Município de Palmas.

Objetivo geral, evidenciar quais são os impactos ambientais produzidos pela implantação de loteamentos irregulares e clandestinos no Município de Palmas – TO.

 

 

 

2. Marco teórico

2.1. A problemática ambiental nacional: Breves considerações teóricas

O processo de urbanização brasileiro tem suas causas fincadas no seu acelerado êxodo rural, que provocou uma expansão desordenada das cidades, gerando situações clandestinas e irregularidades nas propriedades, originando  o aparecimento das favelas, cortiços, ocupações e a degradação da paisagem urbana, sendo  um  ambiente  muito  favorável  ao  agravamento  da  questão  da  propriedade informal do país. Um dado interessante sobre o fato, é o registro de que a população favelada no Brasil aumentou 42% nos últimos 15 anos, alcançando quase 7 milhões de  pessoas,  segundo análise do  IPEA - Instituto de  Pesquisa  Econômica  Aplicada, com  base  na  PNAD - Pesquisa  Nacional  por  Amostra  de  Domicílios,  realizada  no ano de 2007 pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2007.

A questão ambiental no Brasil sempre esteve estreitamente relacionada com os aspectos sócio-espaciais, ou seja,“a propriedade privada, a transformação da natureza em mercadoria visando o lucro, o modo de utilização dos recursos naturais submeteu-se à lógica econômica e não as da ecológica”  (GONÇALVES, 1995, p.321). 

O crescimento das cidades e metrópoles brasileiras vem aumentando os assentamentos inadequados e ilegais, frequentemente ocupados pela população de baixa  renda,  ou  seja,  fruto  da  grande  desigualdade  social  no  país,  constituindo assim,  uma  variável  determinante  da  configuração  espacial  do  processo  de urbanização brasileira (MOTTA, 2002, p. 23).

Assim, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a tratar  especificamente  da questão ambiental. Contém um capitulo especifico sobre o meio ambiente e nela se declarou como patrimônio nacional a Mata Atlântica, a Floresta Amazônica e o Pantanal (GUERRA; CUNHA, 2003, p. 183).

Ao longo dos tempos, constata-se que os parâmetros do debate ambiental brasileiro mudaram em 1990, época em que já não se fala mais  em  proteção ambiental  independente do desenvolvimento  econômico,  sendo  o eixo do debate como atingir  um novo estilo de desenvolvimento que  interiorize a proteção ambiental.

Por um lado, as políticas públicas  têm  contribuído  para  estabelecer  um sistema de proteção ambiental no país; por outro lado, o poder público é incapaz de fazer cumprir aos indivíduos e às empresas uma proporção importante da legislação ambiental (VIOLA, 1992, p. 70). 

2.2. A questão da regularização fundiária

Os instrumentos de regularização fundiária como meio de prevenir e resolver os aspectos sociais que envolvem a propriedade informal utilizam como fundamento o  inciso  XXIII  do  artigo  5º, da  Constituição  Federal,  que  prevê  que  a  propriedade atenderá  a  sua  função  social,  fato  que  destaca  e  justifica  o  interesse  público  na regularização fundiária das propriedades informais (BRASIL, 1988) e mais recentemente foram destaques no Estatuto das Cidades (BRASIL, 2001).

Denomina-se regularização fundiária o processo de verificação da situação da propriedade e posse  de  áreas  urbanas  ou  rurais,  públicas  ou  privadas  que  se formaram em desacordo com as normas legais que regulam a matéria.  Pressupõe, portanto, uma utilização do território em condições que trazem dúvidas sobre os direitos de propriedade e posse do local (RESCHKE, et al., 2002, p. 1).

De certa maneira essas regras formais não conseguem resolver a falta de alternativa habitacional crônica para os mais pobres, e nas duas últimas décadas, a tônica tem sido a ocupação irregular e inadequada do meio ambiente. Cada vez mais, os loteamentos irregulares, as ocupações informais e as favelas têm se assentado justamente nas áreas ambientais mais frágeis (ALFONSIN et al., 2002, p. 12).

São muitas as formas de irregularidade: favelas, ocupações loteamentos clandestinos ou irregulares e cortiços, que se configuram de maneiras distintas no país. Até mesmo loteamentos e conjuntos promovidos pelo Estado fazem parte desse vasto universo de irregularidade. As especificidades se referem às formas de aquisição da posse ou da propriedade e aos distintos processos de consolidação dos assentamentos, frequentemente espontâneos e informais, já que não foram fruto de uma intervenção planejada pelo Estado nem foram formalmente propostos por empreendedores privados no interior do marco jurídico e urbanístico vigente (ALFONSIN et al, 2002, p. 14).

Essas ocupações irregulares podem ocorrer em: a) Áreas loteadas  e  ainda não ocupadas. Muitas vezes se desconhece o traçado oficial do loteamento, ocupando-se áreas destinadas para ruas, áreas verdes e equipamentos comunitários. Também é comum as casas serem construídas em desconformidade com a divisão dos lotes; b) Áreas alagadas. Muitas cidades no Brasil foram tomadas às águas. É comum o aterramento de grandes  áreas  de  manguezal  ou  charco.

Geralmente  essas  áreas  são  terrenos  de  marinha  ou  acrescidos  de marinha  (terrenos  da  União,  em  faixas  litorâneas),  aforados  ou  não a particulares; c)  Áreas de preservação ambiental. As áreas mais atingidas são as áreas de mananciais e as margens de  rios  e  canais,  mas  existem  inúmeras ocupações em serras, restingas, dunas e mangues; d)  Áreas  de  risco. A  baixa  oferta  de  lotes  e  casas  para  os  pobres faz  com que  ocorram  ocupações  em  terrenos  de  altas  declividades,  sob  redes  de alta tensão, ou nas faixas de domínio de rodovias, gasodutos e troncos de distribuição de água ou coleta de esgotos (ALFONSIN et al, 2002, p. 14).

Os programas de regularização têm uma natureza essencialmente curativa e não podem ser dissociados de um conjunto mais amplo de políticas  públicas, diretrizes de  planejamento  e  estratégias de gestão  urbana, destinadas a reverter o atual padrão excludente de crescimento urbano (ALFONSIN et al, 2002, p. 21).

E por fim cabe destacar que no que toca à dimensão da legalização fundiária, a regularização deve ter por objetivo não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes, mas principalmente o objetivo da integração socioespacial dos assentamentos informais (ALFONSIN et al, 2002, p. 22).

2.3. Os loteamentos irregulares e clandestinos

O conceito de Loteamentos é entendido como uma das formas de parcelamento  do  solo  urbano,  com desmembramento  da  área  em  lotes  e  abertura  de  novas  vias  de circulação.  Pela Lei Federal nº 6766/79, o loteador é obrigado a elaborar projeto de loteamento, aprova-lo perante os órgãos municipais e depois registrá-lo no cartório imobiliário, além de ser obrigado a realizar as obras de infraestrutura. (RESCHKE et al., 2002, p. 3)

No Brasil de hoje, estima-se que 35% da população urbana, resida em locais inadequados existindo uma carência de mais de 2,5 milhões de domicílios (CARVALHO FILHO, 2009, p. 273).

Os impactos ambientais decorrentes da ocupação das áreas urbanas estão relacionados ao pouco conhecimento do ambiente, das dimensões físicas, político-sociais, socioculturais e espaciais. No entanto, o urbanismo é visto pela sociedade como uma transformação. Portanto, a deterioração do ambiente causada por essas aglomerações urbanas vem das alterações provocadas por uma sociedade estruturada em classes sociais (GUERRA; CUNHA, 2006, p. 19). 

Esses assentamentos irregulares e ilegais além de se caracterizarem por  precárias condições de vida, também contribuem sobremaneira para o agravamento do  problema  ambiental  das  cidades,  visto  que  com  isso,  as  poucas  áreas  de preservação permanente terminam por serem ocupadas (FERREIRA et. al., 2004, p. 89). 

No caso especifico de Palmas o crescimento da cidade desvirtuou-se do projeto original, agregando em seu desenho bairros afastados do centro, e uma grande quantidade de vazios gerados pelo seu espalhamento. Isso tornou Palmas uma cidade com altos custos de manutenção, tendo que construir uma grande infraestrutura viária, de saneamento e de transporte para uma população pequena e não concentrada (COCOZZA, 2007, p. 114-115).

Um  dos  primeiros  loteamentos  irregulares  da  capital  tocantinense,  o Loteamento Setor Santo Amaro, localizado na região norte da cidade, originou-se no início do ano de 2000, em decorrência do micro-parcelamento irregular de chácaras. Hoje Palmas tem cerca de 21 parcelamentos ilegais e/ou clandestinas (PREFITURA PALMAS, 2010).

A exclusão social é um dos principais marcos do processo de urbanização das cidades que possui uma visão econômica capitalista, pois acaba empurrando os mais  pobres  para  áreas  de  menor  valor  econômico,  ou  seja,  essas  áreas  são denominadas áreas de riscos,  sem serviços  e infra estrutura adequada. Entretanto, acaba acarretando que essas pessoas ocupam áreas livres. Áreas que deveriam ser destinadas à proteção ambiental que vem a ser a áreas de preservação permanente, áreas públicas municipais que são compostas pelos (parques, jardins, escolas e outras), áreas reservadas para o escoamento natural as águas pluviais e muitas vezes com grande risco a saúde e o bem estar, acarretando assim em um maior problema na parte sócioambiental das cidades (FERREIRA et al., 2004, p. 48).

Assim, a avaliação da qualidade do meio ambiente com ênfase nos ecossistemas direta ou indiretamente relacionados com os recursos naturais atingidos pelas ocupações irregulares deve ser realizada visando a propositura de medidas mitigadoras e de ações de conservação ambiental para as áreas ambientalmente atingidas, considerando o equilíbrio ambiental como premissa básica para o desenvolvimento dos municípios em relação às suas políticas públicas urbanísticas e sociais.

 

3. MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

3.1. Caracterização da pesquisa

O estudo caracteriza-se, quanto ao nível de investigação empírica (VALA, 1986), como descritivo, pois “propõe-se a investigar o ‘que é’, ou seja, a descobrir as características de um fenômeno como tal” (RICHARDSON et al., 1985). A partir da descrição das iniciativas que

A pesquisa foi realizada conforme as seguintes etapas, com a utilização dos métodos e técnicas que adiante serão mais bem detalhados:

1)  bibliográfica: revisão da literatura em livros,  periódicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado, e outras publicações pertinentes que contribuíram para a formação do marco teórico que fundamentou o trabalho e subsidiou a análise dos dados coletados.

2) documental: documentos gerados pelas unidades governamentais pertencentes ao Poder executivo municipal. Foram analisadas 180 (cento  e  oitenta)  ofícios,  sendo  que  destes,  67  (sessenta  ofícios) foram  encaminhados  pela  Promotoria,  requisitando  informações  e  diligências,  49 (quarenta  e  nove)  ofícios  foram  encaminhados  pela  Secretaria  Municipal  de Desenvolvimento  Urbano  e  Habitação  e  64  (sessenta  e  quatro)  ofícios  foram encaminhados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Serviços Públicos. Foram também consideradas 21 (vinte e um) procedimentos administrativos instaurados pela 25ª Promotoria de Meio Ambiente de Palmas.

3) de campo: coleta de dados primários por meio de entrevistas semiestruturadas com gestores públicos responsáveis pela formulação e/ou implementação de projetos do executivo municipal, em especial pelas Secretarias  Municipais  de Desenvolvimento  Urbano  e  Habitação e  Meio  Ambiente  e  Serviços  Públicos.

4) Observação participante: Foram feitas visitas in loco em alguns dos loteamentos clandestinos identificados  em  Palmas,  bem  como  análises  dos inquéritos  policiais  instaurados especificamente  para  a  investigação  dos  responsáveis  pela  instauração  desses loteamentos irregulares e clandestinos e análise dos processos judiciais instaurados para apuração legal desses loteamentos irregulares e/ou clandestinos.

5) observação de portais do governo municipal de Palmas na Internet.

3.2. Coleta de dados

 Os stakeholders entrevistados foram agrupados nos seguintes tipos, identificados nesta pesquisa (1) gestores públicos municipais, (2) membros do Ministério Público e (3) professores universitários.  A seleção dos entrevistados foi feita a partir da análise das atribuições de seus cargos – em nível estratégico ou gerencial  ou operacional e de seu grau de interação/atuação em relação às ações do Poder Executivo municipal relacionadas a problemática de regularização fundiária. No levantamento dos dados primários, foram utilizados os roteiros de entrevistas.

A partir da análise qualitativa das entrevistas, pretendeu-se verificar o pensamento dos diferentes atores que atuam na questão fundiária no Município de Palmas, de forma a analisar o seu entendimento sobre as ocupações clandestinas e suas repercussões no meio ambiente dos municípios, para atingir esse objetivo, a técnica utilizada foi a análise de conteúdo, a qual permite “compreender melhor um discurso, de aprofundar suas características (...) e extrair os momentos mais importantes” (RICHARDSON et al., 1985, p. 178).

4. Apresentação de resultados e discussões

O universo desse estudo compreende os loteamentos irregulares e clandestinos identificados no Município de Palmas, já que a pesquisa visa abordar a questão dos loteamentos irregulares e clandestinos e suas repercussões ambientais para a cidade de Palmas.

Sobre a cidade, resta destacar que esta é a capital do Estado do Tocantins, cidade que possui as mais importantes taxas de crescimento demográfico do Brasil nos últimos dez anos recebendo pessoas de praticamente todos os estados brasileiros. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município atingiu um crescimento populacional de mais de 110% em 2008 comparando com a população residente em 1996, saindo dos 86.116 habitantes para uma estimativa de 184.010 habitantes, segundo pesquisas divulgadas pelo IBGE (PREFEITURA DE PALMAS, 2010).

O  Município,  parte  integrante  da  estrutura  federativa  nacional  é um  dos  principais responsáveis  pela  manutenção  do  meio  ambiente local,  vez  que  está incumbido de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, devendo primar pelo desenvolvimento urbano, de modo a garantir o ordenamento pleno das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

 

Com base nas entrevistas e na documentação analisada é possível constatar que o Município de Palmas vem enfrentando uma série de problemas decorrentes da instalação de loteamentos irregulares ou clandestinos em seu território, advindos em parte pela desenfreada especulação imobiliária observada na cidade, que conta com grandes vazios urbanos que além de encarecerem a ocupação territorial servem como justificativa para proliferação de empreendimentos imobiliários irregulares.

Evidências empíricas mostram que as ocupações irregulares de Palmas estão instaladas em sua maioria na região norte da cidade, que conta com 12  loteamentos  irregulares,  além  dos  seis  loteamentos  observados  na  região  sul  e outros 3 loteamentos na região leste.

Os entrevistados foram quase unanimes de que em Palmas, a questão relativa à especulação imobiliária se mostra como uma das principais responsáveis pelo aumento dos loteamentos clandestinos visto que a população de baixa renda, principal moradora dessas áreas clandestinas não consegue acesso aos imóveis comercializados pelas grandes incorporadoras imobiliárias da cidade, que praticam preços exorbitantes, além de disponibilizar uma pequena oferta de imóveis por vez. Esse fato é comprovado pela preponderância de loteamentos irregulares instalados na região norte da cidade, região conhecida por abarcar a maior parte da população de baixa renda do município.

Pelo exposto, verifica-se que apesar da irregularidade de certos loteamentos, existem formas de regularização para os imóveis urbanos, ainda que eivados de ilegalidade, clandestinidade ou irregularidade, já que o artigo 40 da Lei 6766/79, prevê que o Município regularize o parcelamento do solo no caso do proprietário/vendedor estar ausente ou ser inidôneo, podendo ainda, assumir a titularidade do domínio, via desapropriação, com a posterior expedição dos títulos aos posseiros, compromissários, etc.(BRASIL, 1979).

Ainda que a cidade conte com um plano diretor que contém regras e limites para a expansão urbana, informações levantadas na pesquisa corroboram pela falta fiscalização por parte dos entes responsáveis pela gestão urbana municipal. Embora seja uma capital recente criada, Palmas tem visto a proliferação de loteamentos irregulares, que inclusive já ensejaram a proposição de ações judiciais por parte do Ministério Público Estadual, que já instaurou três ações penais para a responsabilização penal dos loteadores e quatro ações civis públicas para responsabilização do ente público municipal omisso em relação à fiscalização pertinente em casos dessa natureza.

Todavia, as ações de combate a esses loteamentos têm sido apenas pontuais, propostas após a instalação destes, não sendo preventivas, que resultariam em um controle mais eficiente em relação às consequências provocadas por esses empreendimentos. 

No decorrer do levantamento de dados possibilitou verificar que a forma mais eficaz para se tentar a prevenção dos loteamentos clandestinos ou irregulares passa necessariamente por uma fiscalização planejada e adequada às especificidades do município, que contemple um diagnóstico completo em relação aos vazios urbanos e na ação imediata dos órgãos públicos assim que estes constatarem o parcelamento do solo ou de sua expansão.

É possível constatar com base nos dados da pesquisa (documentos e entrevistas) analisadas, e a observação participante que às ocupações  clandestinas de Palmas estão provocando ocupações desordenadas do solo,  tendo sido verificada a multiplicação de construções edificadas sem critérios  técnicos e em condições insalubres, com prejuízo ao meio ambiente e à saúde dos moradores, sendo estas de tamanhos variados, chegando até mesmo a imóveis com tamanho de mais 1000  m2, comercializados para a população de alta renda, também vítima da ação criminosa dos loteadores.

Na grande maioria destes locais, observa-se um adensamento populacional desprovido de equipamentos urbanos e comunitários, gerando um crescimento desordenado da cidade, com a marginalização dos habitantes destes loteamentos irregularmente instalados no município,levando ao incremento das desigualdades sociais, com reflexos na segurança da população da cidade como um todo.

O reparcelamento das áreas onde as ocupações ilegais foram instauradas, do mesmo modo que o parcelamento original, também é feito sem um planejamento adequado em relação às quadras, lotes e  ruas, geralmente sem a destinação de espaços institucionais à instalação  de  postos de saúde, escolas, creches e postos policiais, gera a saturação dos equipamentos públicos dos setores vizinhos, dificultando a prestação de serviços públicos essenciais e demandando a movimentação de terra através de cortes e aterros e remoção de grandes áreas de cobertura vegetal, causando  prejuízos para a  estabilidade do solo, favorecendo a implantação de processos erosivos e assoreamento de cursos d’água. 

Para a maioria dos entrevistados a falta de regularização desses loteamentos impede a regularização das edificações, o que inviabiliza a fiscalização das construções pelos órgãos oficiais e gera a insegurança para referidas construções. Da mesma forma, a instalação de ligações inadequadas de energia elétrica e água também geram insegurança à toda a comunidade instalada nessas ocupações. 

Por fim, cumpre observar que o resultado dessas ocupações realizadas legal e clandestinamente termina por marginalizar seus moradores, além de degradar consideravelmente o meio ambiente local e circunvizinho, fatos que deixam as obrigações da Administração Pública relativas à ações ligadas à justiça social e à prestação de um mínimo de dignidade aos munícipes, extremamente onerosas. 

 

5. Conclusões

A questão dos loteamentos irregulares tem se mostrado um grave problema a ser enfrentado por administradores e administrados já que se trata de um fenômeno social que tem se mostrado generalizado por todo o país.

Sendo um fenômeno social, a regularização fundiária demanda um trabalho multidisciplinar a ser realizado por profissionais com conhecimentos em diversos ramos do campo científico, num processo oneroso aos cofres públicos, aos loteadores e demais entes envolvidos.

O processo de segregação socioespacial na capital tocantinense iniciou-se à época da construção da cidade, tendo sido promovido pelo poder público estadual e perdurando após a promulgação do Estatuto da Cidade, no ano de 2001, ou do Plano Diretor Participativo, amplamente debatido pela população e poder público municipal e promulgado no ano de 2007.

A falta de uma política habitacional estabelecida a partir das necessidades locais identificadas pelo poder público considerando a iniciativa privada e os munícipes, também fomentou, como de fato ainda fomenta, os loteamentos clandestinos utilizando áreas inadequadas.

A falta de punição aos responsáveis pelos loteamentos irregulares mais antigos da cidade, aliada à falta de políticas públicas e educacionais referentes aos problemas socioambientais advindos da instalação dessas ocupações irregulares, também servem como justificativa para a continuidade desse tipo de ocorrência.

A observação visual feita in loco em alguns desses loteamentos irregulares permite concluir que é grande a desigualdade social na cidade, posto que nesses locais, faltam o saneamento básico, a drenagem das águas pluviais, a pavimentação asfáltica, entre outros equipamentos urbanos, sendo que estes problemas também podem ser observados em outras áreas da cidade localizadas dentro do perímetro urbano, comprovando que estes problemas não estão presentes apenas dos setores irregulares.

As consequências ambientais decorrentes da instalação desses loteamentos irregulares é a poluição de nascentes e mananciais, a degradação das áreas de preservação permanente e proteção ambiental, a derrubada de árvores nativas como o pequizeiro e os buritis, graves prejuízos à biodiversidade local, com o comprometimento do abastecimento de água municipal, devido à instalação de loteamentos em áreas próximas ao local onde é retirada a água para abastecimento da cidade.

Além desses impactos, também se verificou que em muitos desses loteamentos ocorreu o aumento da erosão, com o consequente carreamento de resíduos para os ribeirões e cursos d’água, a contaminação das águas, o aumento no volume dos resíduos sólidos descartados em desrespeito à legislação ambiental, com a consequente contaminação dos solos onde se instalaram tais loteamentos.

Cumpre destacar também que essas ocupações irregulares não ocorrem apenas nas áreas de invasões, mas podem estar associadas às possíveis aprovações indevidas de loteamentos, à falta de legislação ou ao descumprimento da mesma, sendo que ao longo da história de Palmas, é possível constatar que o próprio poder público patrocinou algumas invasões, com o objetivo de manter a população de baixa renda às margens do perímetro urbano da capital planejada.

O aumento desses loteamentos irregulares também pode ser atribuído à ineficiência do poder público que muitas vezes não possui o efetivo necessário a uma fiscalização eficiente, integrada entre os diversos órgãos municipais responsáveis pela identificação e fiscalização das ocupações, de modo a que sejam evitados transtornos relacionados à regularização fundiária.

Nos casos em que os loteamentos irregulares abrangem as APPs e APAs, verifica-se a ocorrência de impactos negativos ao meio ambiente físico, químico, biológico e antrópico, numa demonstração de que uma ocupação e uso de solo feita sem considerar a legislação ambiental compromete a qualidade ambiental e consequentemente, a qualidade de vida de toda a população municipal.

A pesquisa mostra que é imprescindível que o município estabeleça políticas públicas que sejam de fato, comprometidas com o social e o ambiental, de modo a refletir a nova mentalidade do gestor público consciente da importância do seu papel e das necessidades de seus administrados.

A sensibilização dos órgãos competentes pela fiscalização ambiental e urbanística e a sociedade em geral pode contribuir para o subsídio de políticas públicas locais relacionadas à tomada de decisões relacionadas ao desenvolvimento sustentável da cidade de Palmas.

A identificação dos loteamentos irregulares e clandestinos na capital tocantinense demonstra que estes não constituem apenas um ato criminoso de desrespeito à legislação urbanística e ambiental, mas também, à falta de políticas públicas efetivamente capazes de coibir a ocorrência dos danos ambientais identificados nesses setores irregulares.

A inexistência de produção e oferta de moradias acessíveis à população carente somado ao fato das legislações urbanas e ambientais serem complexas e exigentes são causas dos padrões de uso e ocupação do solo que inviabilizam o acesso dessas camadas carentes à uma moradia digna.

Tal fato causa ainda o assoberbamento de setores considerados ambientalmente fragilizados, em sua maioria, formados por áreas protegidas por lei e desprezadas pelos setores imobiliários, demonstrando que a questão ambiental urbana é primeiramente, um problema advindo de uma política pública ineficiente e que impossibilita o acesso da maioria da população a moradias adequadas, em locais de localização apropriada sob a ótica ambiental e com a oferta de infraestrutura e serviços urbanos legalmente estipulados.

A regularização sem a interrupção do ciclo da instalação das ocupações irregulares além de servir como renovação do sofrimento da população envolvida, também provoca a multiplicação permanente da demanda por recursos públicos.

Soma-se a isso, a desconfiança gerada pela regularização das ocupações irregulares, posto que em muitos casos, essa regularização é vista como uma forma de incentivar e perpetuar a instalação desses loteamentos ilegais.

 

6. Referências bibliográficas

 

ALFONSIN, Betânia de Moraes; SERPA, Claudia Brandão de; FERNANDES, Edésio, et. al. Regularização da Terra e da Moradia – O que é e como implementar. São Paulo, Instituto Polis, 2002. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2011, 16:30:30.

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Ilustrações: Silvana Santos