Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2015 (Nº 51) A PESQUISA PARTICIPATIVA NO DIAGNÓSTICO DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM RIO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E PROFESSORES DO ENSINO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
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A PESQUISA PARTICIPATIVA NO DIAGNÓSTICO DA QUALIDADE DA ÁGUA DE UM RIO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E PROFESSORES DO ENSINO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Erika Mayumi Shimabukuro1, Carolina Vieira da Silva2, Patrícia Hoffmann3, Mirian Rodrigues Suiberto3, Ricardo Alexandre Zerlin4, Ana Paula Vidotto-Magnoni3, Ana Carolina Souto2, Rachel Cristina Prehl Alves3, Hamilton Antônio Rodrigues5, Raoul Henry6

 

1 Doutoranda em Ecologia e Recursos Naturais. Departamento de Hidrobiologia. Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos – SP. CEP: 13565-905. (email: erika.msh@gmail.com; telefone: (16) 9 82594303).

2 Doutoranda em Ciências Biológicas (Zoologia). Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu - SP. CEP: 18618-000.

3 Doutora em Ciências Biológicas (Zoologia). Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu - SP. CEP: 18618-000.

4 Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia). Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu - SP. CEP: 18618-000.

5 Apoio Técnico Acadêmico do Departamento de Zoologia. Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu - SP. CEP: 18618-000.

Doutor em Ecologia, Professor Titular, docente do Departamento de Zoologia

Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu - SP. CEP: 18618-000 (email: rhenry@ibb.unesp.br).

 

 

 

RESUMO: Uma pesquisa participativa foi realizada envolvendo professores e alunos da rede pública de ensino do município de Angatuba – SP. O estudo durou mais de um ano e teve como ponto de partida a transmissão dos conceitos de ecologia aquática através da avaliação da qualidade de água de um rio que atravessa a cidade. Questionários foram aplicados no início e no final do projeto, para verificar se houve ampliação do conhecimento ecológico. Algumas habilidades foram desenvolvidas pelos alunos durante a realização do estudo: conhecimentos metodológicos e técnicos em ecologia aquática, espírito investigativo e o pensamento crítico, manifestados em muitos alunos. Um amadurecimento na forma de pensar e enxergar o processo de conservação pôde ser observado durante esse período.

 

Palavras-chave: educação ambiental, conscientização, ecossistemas aquáticos.

 

1.    INTRODUÇÃO

 

A Pesquisa Participativa (PP), no contexto da educação ambiental, contribui significativamente para uma educação de caráter emancipatório, e que reconheça seu lugar no processo de ensino, já que exige a construção contínua e permanente para apoiar o projeto educativo em questão (TOZONI-REIS, 2008). Os fundamentos sociais da metodologia da PP, em educação ambiental, referem-se à necessidade de superar o modelo de ciência tradicional de fragmentação dos saberes. A PP valoriza as experiências sociais, o diálogo entre as pessoas e sua interação com o ambiente, sendo o ponto de partida na produção de conhecimentos para a educação ambiental (BRANDÃO, 2003).

De acordo com Loureiro (2007), a PP difere da ciência tradicional em dois aspectos principais, quanto aos objetivos e aos métodos de estudo. No primeiro, a ciência tradicional trata do acúmulo de conhecimentos enquanto a PP se caracteriza pelo uso do conhecimento como meio de mudanças específicas na comunidade e transformação da sociedade. Quanto ao método de estudo, a ciência tradicional produz conhecimentos pela aceitação ou rejeição de hipóteses, e a PP produz conhecimentos pela prática, aferida pelos agentes sociais num enfoque bem determinado. Fundamentalmente, na PP pesquisadores e comunidade, deverão saber pensar e intervir juntos. Trata-se, portanto, de uma parceria entre “pesquisadores acadêmicos” e “pesquisadores comunitários”.

Assim, em setembro de 2009, os autores da presente comunicação (docente de universidade, alunos de graduação e de pós-graduação que serviram de orientadores – supervisores) deram início a um trabalho de parceria com alunos e professores da rede municipal, de oitavo e nono anos do ensino fundamental. Os objetivos do trabalho foram: (1) Investigar a percepção inicial e o conhecimento prévio dos alunos com relação ao rio que atravessa a cidade e sua situação; (2) Realizar coletivamente um diagnóstico da qualidade da água desse rio; (3) Desenvolver um processo educativo para ampliação do conhecimento ecológico através de atividades didático-científicas; (4) Sensibilizar os alunos para os problemas ambientais que ocorrem em sua cidade com vistas à conscientização e ao estímulo do pensamento crítico dos participantes.

 

2.    METODOLOGIA

 

2.1 - O SURGIMENTO DA PROPOSTA

Há mais de duas décadas o docente idealizador deste trabalho vem desenvolvendo projetos na linha de pesquisa de ecologia de águas continentais. O local escolhido para realizar estes trabalhos está situado no município de Angatuba no estado de São Paulo, no qual se encontra a região de desembocadura do Rio Paranapanema na Represa de Jurumirim. Um laboratório-base foi construído, próximo à Rodovia Raposo Tavares, com o intuito de viabilizar as atividades de campo para pesquisa científica e, a partir do primeiro semestre de 2008, ministrar aulas teórico-práticas aos alunos da rede municipal de ensino da cidade. O objetivo das demonstrações, inicialmente, foi “transferir” o conhecimento gerado pelo grupo de pesquisa para a comunidade local, que dificilmente teria acesso à produção acadêmica.

No segundo semestre de 2008, os professores da rede municipal de ensino manifestaram interesse na continuidade do trabalho, sugerindo uma abordagem mais ampla do tema. Desta iniciativa, originou-se o projeto: D.R.A.G.A. (Diagnóstico e Recuperação das Águas do Rio Guareí – Angatuba).

O rio Guareí, tem a sua nascente no município de mesmo nome (Guareí-SP), e após atravessar esse e o município de Angatuba, desemboca no rio Paranapanema, na zona superior da represa de Jurumirim. Constitui-se em um “laboratório natural” para projetos visando obter caracterização ecológica da água e sua interface com os ecossistemas terrestres marginais.

 

2.2 - O DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO DE DIAGNÓSTICO DA QUALIDADE DA ÁGUA

            Antes de dar início ao projeto, o coordenador realizou encontros da sua equipe com os integrantes do projeto, envolvendo oito professores e 43 alunos da rede municipal de ensino, dos quais 40 pertenciam ao ensino fundamental (27 - 9º ano; 12 - 8º ano; 1 - 7º ano) e três ao 1º ano do ensino médio. O objetivo das reuniões e dos cursos (nomeados “Fundamentos de Ecologia de Rios”) foi detalhar as atividades futuras, oferecendo treinamento e embasamento teórico para desenvolvimento das mesmas.

Os alunos e professores envolvidos, após serem capacitados para as atividades subseqüentes, desenvolveram uma investigação com foco na qualidade da água do Rio Guareí, que contou com atividades práticas de campo e laboratório (Figura 1). A abordagem relacional (GUIMARÃES, 2006) foi aplicada nesta proposta, na qual cada grupo (um professor e cinco ou seis alunos) ficou encarregado de desenvolver trabalho de natureza ecológica (sob supervisão de docente ou aluno de mestrado/doutorado), compondo oito subprojetos envolvendo abordagens históricas, físicas, químicas e biológicas:

1-    O rio, a bacia de drenagem e a municipalidade: perspectiva histórica.

2-    A bacia hidrográfica: caracterização da rede de drenagem, usos do solo e cobertura vegetal e diversidade de habitats em trechos selecionados do curso de água.

3-    A importância da matéria orgânica particulada externa de origem vegetal e animal como recursos alimentares: composição, variação temporal e espacial.

4-    A decomposição da matéria orgânica particulada na água e a colonização concomitante por invertebrados aquáticos e as macrófitas aquáticas nas bordas do rio: composição, biomassa, área de cobertura e sua importância como local de residência, refúgio e reprodução para a fauna aquática.

5- Características químicas, físicas e hidrológicas do rio: variabilidade espacial e temporal.

6- A fauna de invertebrados e de peixes associados às plantas aquáticas nas margens do rio: composição e abundância e suas variações durante o ano.

7-    A fauna de invertebrados no sedimento do rio: composição e abundância e suas variações durante o ano.

8-    O plâncton: variação temporal e espacial.

 

As coletas eram realizadas em três trechos do rio Guareí: superior; intermediário e inferior. Um quarto local foi selecionado em um de seus afluentes. Trimestralmente, foram realizadas saídas de campo envolvendo as equipes de professores e alunos – os pesquisadores comunitários - responsáveis por cada um dos temas de estudo (Figura 1). A primeira das cinco coletas realizadas teve um caráter demonstrativo, conduzida pelos monitores de cada equipe. Posteriormente, todos os procedimentos de amostragem e processamento das amostras nas demais saídas a campo foram realizadas pelos alunos e professores, cabendo aos monitores a tarefa de acompanhar cada etapa e eventualmente auxiliá-los nas análises.

 

 

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FIGURA 1 - Os alunos e professores nas atividades de campo e de laboratório.

 

2.3 - O IMPACTO DA PESQUISA PARTICIPATIVA NA CONCEPÇÃO DOS ALUNOS

Concluídas as tarefas propostas pelo D.R.A.G.A., buscou-se verificar a contribuição dessas atividades para a construção de conhecimento ecológico e, especialmente, dos valores ambientais. Utilizou-se um método comparativo baseado nos relatos dos próprios envolvidos, antes e após a participação no projeto de pesquisa-participativa. A investigação, portanto, se deu através de um processo de reflexão e análise das evidências coletadas evidenciando os ganhos obtidos através desse projeto por meio de seus posicionamentos. Partimos de uma proposta pedagógica construtivista de evolução conceitual, no qual se assume que o aprendizado se dá a partir de conceitos pré-estabelecidos, sendo necessária a investigação das concepções prévias desses alunos (RESNICK, 1983).

O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um questionário (Figura 2), contendo questões dissertativas e de múltipla escolha. O questionário foi aplicado, antes do início do projeto, e novamente depois de finalizado, para fins comparativos. O primeiro questionário foi aplicado, portanto, com o intuito de levantar os conhecimentos e as opiniões prévias desses jovens. (Figura 2).

 


FIGURA 2 - Questionário aplicado aos alunos antes e após o projeto (exceção às questões 8 e 9).

 

As questões 8 e 10 foram aplicadas apenas no início da pesquisa. Nessa segunda investigação, uma questão adicional pediu aos alunos que argumentassem a validade do desenvolvimento do projeto realizado como garantia para a boa qualidade das águas do rio.

 

3.    RESULTADOS

 

            3.1 - O DIAGNÓSTICO DA QUALIDADE DA ÁGUA DO RIO GUAREÍ

Os levantamentos ecológicos foram restritos aos trechos Médio e Baixo do rio Guareí. Contudo, todas as fontes pontuais (como os esgotos da cidade de Guareí bem como da Penitenciária do Estado, situado no município do mesmo nome) e não-pontuais (estreitamente relacionadas aos usos do solo) mostraram afetar as águas do rio Guareí.

 

            3.2 - ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS

            Verificou-se que a grande maioria dos alunos (> 95%) conhecia o Rio Guareí antes mesmo de ser realizada qualquer atividade referente a essa pesquisa (Figura 2). Dentre esses, a maior parte já tinha visitado o rio, seja em companhia da família (maior número) ou através de passeios com a escola. Com relação à minoria que só tinha ouvido falar sobre o rio, mais de 70% do total dos alunos obtiveram informações através de conversa com parentes e familiares (Figura 2).  Em ambos os grupos, incluindo aqueles que já tinham visitado o rio e aqueles que apenas tinham ouvido falar, mais de 70% julgavam sua condição regular ou ruim. Essa visão, aparentemente pessimista, antes mesmo do início do trabalho, foi confirmada a seu término. Ao encerrar as atividades, a quantidade de alunos que caracterizou a conservação do rio como regular e ruim aumentou para aproximadamente 90% do total (figura 2). 

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FIGURA 2 - Análise do conhecimento prévio e posterior ao projeto sobre o rio Guareí e sua conservação (em % do total de alunos).

 

A oitava questão e a décima questão, aplicadas apenas no início do projeto, tiveram caráter meramente especulativo, com o intuito de avaliar a aceitação dos alunos com relação à investigação ambiental proposta, e de que forma poderiam colaborar com a conservação do ambiente aquático em questão. Todos concordaram que era necessária a realização de um projeto desse caráter. As justificativas foram variadas, mas a grande maioria concordou que era indispensável conhecer bem o rio Guareí, já que este está inserido na região em que vivem:

“Para ver se o rio não está poluído, pois há muitas pessoas que nadam lá”

“Pois conhecendo onde moramos, conhecemos o lugar e a cultura”

Muitos, desde o início já se mostravam preocupados com o possível despejo de esgoto em seu canal e por isso reconheceram que era necessária uma avaliação para que, se constatada a poluição, atitudes apropriadas fossem tomadas:

"Chamando a atenção da prefeitura para que possa encontrar uma forma de não poluir alguns pontos que estão poluídos"

Alguns alunos também mantinham o pensamento no futuro, argumentando que a conservação do rio era fundamental para usufruto futuro:

"Se estivermos bem preparados e conscientizados com a realidade do rio podemos interferir no seu futuro, mudando para melhor"

"Além de estarmos fazendo a nossa parte contribuindo com o ambiente, também estaremos ajudando o futuro da nossa cidade"

"Nós somos a semente de um futuro melhor"

 

Para saber se os alunos acreditavam em possíveis mudanças por parte dos habitantes locais em função dos futuros resultados do projeto, questionou-se se o mesmo seria capaz de mudar as leis e as atitudes da comunidade. Todos os alunos responderam positivamente, tanto antes como depois da realização desse trabalho. Algumas respostas mereceram destaque.

ANTES

"Inicialmente com a conscientização, depois como algo que todos devem cumprir e respeitar"

"Pois poderá ajudar a comunidade a perceber que foi necessário esse projeto"

"A comunidade pode se conscientizar de que sem o rio espécies vão desaparecer. A água que utilizamos será retirada de onde?"

"Todos têm que fazer a sua parte para o rio melhorar"

 

DEPOIS

"Mostrando os resultados para os órgãos responsáveis e realizar um acordo para despoluir o rio"

"Acredito que poderíamos impedir que os moradores habitassem as margens, e assim evitar a devastação das matas ciliares"

"Precisamos de uma lei mais rígida para preservação. Apresentações para mostrar o nosso objetivo e mostrar que é possível"

"Se o rio estiver muito poluído, as pessoas poderão se conscientizar e perceber que ele é muito importante, pois abriga uma fauna imensa e precisamos dele saudável"

 

Foi perguntado também se eles acreditavam que o projeto era suficiente para garantir a conservação do rio Guareí. Entre o total de respostas, 81% foram negativas. Os argumentos dados pela maioria foram semelhantes.

"Não, o diagnóstico e a recuperação podem ajudar, mas a conscientização é fundamental"

"O projeto é apenas o começo de algo que pode ser muito maior, ter melhores resultados"

"Além do projeto é necessária a contribuição da comunidade e autoridades para a recuperação do rio"

"O projeto é um incentivo para que nós, jovens, não cometamos os mesmos erros que os adultos de hoje cometem, poluir os rios, por exemplo. E o mais importante é a consciência de cada um, pois todo ato gera uma conseqüência"

"Falta a consciência dos moradores"

 

A questão final pedia aos alunos que avaliassem as contribuições que a experiência na participação no projeto proporcionou para a sua formação. Algumas respostas são destacadas a seguir:

“Além de estar comprometido com algo sério, aprender coisas novas podem até abrir novas portas do conhecimento”

“É um trabalho em equipe, onde um precisa do outro para realizar o projeto”

“Com o D.R.A.G.A. tomo consciência dos meus atos e aprendo a reagir perante uma ação errada que possa acontecer ao ambiente”

“Desperta meus interesses, agora penso seriamente em fazer biologia”

“Participando, buscando mais conhecimento na internet e eu considero meu desempenho esforçado, já que aqui no projeto me sinto fazendo o que eu gosto que é ajudar o meio ambiente”

“Meu vocabulário enriqueceu-se com isso”

 “Aprendi mais na prática, como redigir, elaborar gráficos e afins, trazendo melhoria no projeto e fora dele”

“Eu aprendi muitas coisas não só sobre o rio mas também como avaliações de gráficos e tabelas e sobre computadores”

 

            4. DISCUSSÃO

            4.1 - A PERCEPÇÃO DA AMEAÇA AO ECOSSISTEMA AQUÁTICO

            Durante a pesquisa-participativa, abordagens relativas aos processos ecológicos, físicos, químicos e biológicos, foram transmitidas aos alunos, com o intuito final de avaliar as condições de conservação do rio Guareí. Além disso, buscou-se discutir também o significado histórico e social da situação desse manancial para a população local. Como um complemento às disciplinas abordadas em sala de aula, buscou-se a criação de uma atmosfera de interdisciplinaridade, na qual a finalidade principal foi a construção de novos saberes, dentre eles a conscientização ecológica, de maneira que os alunos tivessem a oportunidade de adquiri-los através da prática coletiva.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001), o Ensino de Ciências Naturais deve garantir o desenvolvimento de uma postura reflexiva, questionadora e investigativa, no que diz respeito a não aceitação, a princípio, das ideias e informações. Entretanto, muitas vezes os instrumentos e as abordagens utilizadas em sala de aula não são suficientes para que essas habilidades sejam alcançadas, pois, frequentemente, encontram-se limitadas à mera transmissão de conceitos desconexos de outras grandes áreas do conhecimento. A adoção de atividades práticas e coletivas no cotidiano escolar do aluno pode fazer com que os conteúdos sejam assimilados de forma significativa, pois o aluno atuante tem mais condições de adquirir, armazenar e futuramente reproduzir os conhecimentos vivenciando tais experiências.

De acordo com o modelo de evolução conceitual, sintetizado por Millar (1989), para que o aluno aprenda de forma significativa, é necessário que este não reproduza simplesmente o que foi ensinado, mas que saiba construir significados maiores para suas experiências. No presente trabalho, pode-se dizer que os alunos, após compreenderem as metodologias que lhes foram ensinadas para avaliar as condições do corpo d’água, chegaram à constatação de que a qualidade da água de fato não estava boa, e através disso, começaram a buscar alternativas para reverter essa situação, visto que esse era um assunto lhes afetava diretamente.

            Não apenas o interesse inicial dos alunos foi marcante para que o projeto pudesse se desenvolver, mas também todo o processo prático da pesquisa foi ativamente realizado pelos mesmos. Isso significa que os pesquisadores envolvidos, os alunos, foram significativamente atuantes no diagnóstico da qualidade da água do Rio Guareí. O entusiasmado envolvimento com o projeto levou o grupo de estudantes da pesquisa participativa a se intitularem integrantes do projeto D.R.A.G.A.     Como relatado no trabalho de Janke e Tozoni-Reis (2005), o primeiro resultado de um projeto sob a metodologia das pesquisas participativas, coletivas, é o processo grupal. Nota-se que, no estudo aqui apresentado, os integrantes do grupo de pesquisa assumiram uma identidade peculiar, ao se intitularem integrantes do “D.R.A.G.A.”. Este reconhecimento foi um sinal importante para dar início ao processo da ação-participativa.

O fato de a grande maioria dos alunos já conhecer o rio Guareí, antes mesmo de se iniciar o projeto, não surpreende visto que esse rio tem um importante significado histórico e econômico para os habitantes locais (SAMPAIO, 1890). Contudo, nota-se a importância da esfera familiar nesse contato entre os jovens e o ambiente em questão, ainda que apenas como fonte de informação sobre o rio. Assim, o interesse demonstrado pelos jovens para a realização de um diagnóstico da “saúde” do rio denota em grande parte a consciência de que este é um bem coletivo e de responsabilidade e usufruto de todos. Ninguém gostaria de ver o rio que os acompanhou desde a infância, poluído e impróprio para o uso daqui a alguns anos. Esse fato tem um peso maior quando se pensa na representação familiar que esse ambiente possui, visto que a grande maioria deles conheceu e visitou o local na companhia de familiares, para atividades de lazer. É necessário que não se rompam vínculos como esse, entre o universo social e ambiental, se a intenção é se aproximar de modelos mais sustentáveis de vida. Portanto, é nosso dever estar em harmonia com o meio que o cerca. Segundo Oliveira Júnior, Senra e Soares (2007) apud Diniz et al. (2012):

Sem a noção de proximidade com o ambiente não tem como aplicar métodos direcionados à preservação e/ou à conservação dos recursos naturais. A importância da conservação das diversidades é eminente. A cada dia que passa, mais e mais espécies, inclusive espécies desconhecidas, estão sendo exterminadas. Além das espécies extintas, o próprio conhecimento local também acaba se perdendo.

Ao analisar a imagem que os jovens tinham do estado de conservação do rio inicialmente, foi possível notar que tanto aqueles que puderam vivenciar o contato com este ecossistema como aqueles que apenas ouviram a respeito, mantinham predominantemente a visão de um rio impactado. É importante ressaltar que a noção do grau de conservação do rio, nesse primeiro momento, leva em conta apenas o conhecimento empírico dos jovens e dos membros da comunidade que já conheciam o rio. A concepção de um rio bem conservado nesse caso seria dada por sua aparência visual (água transparente, ausência de lixo e outros dejetos), o que denota o conhecimento inicial dos alunos, seja essa ideia o retrato da realidade ou não. Após o desenvolvimento do trabalho, a constatação de que alguns trechos do rio estavam realmente poluídos gerou uma inquietação por parte dos participantes.

De acordo com Effeting (2007), a Educação Ambiental tem papel decisivo sobre o processo de conscientização, para tanto, exige-se que haja conhecimento sobre os atuais impactos de uma sociedade moderna sobre os recursos naturais, e, a partir disso, que haja uma sensibilização com reais e possíveis perdas ecossistêmicas.  Assim sendo, a busca pelo diagnóstico da qualidade da água de seu rio, com rigores científicos, pode levantar a real condição deste, podendo confirmar ou não as expectativas iniciais. Os alunos, a partir disso, têm condições de analisar de maneira crítica os acontecimentos que têm levado à degradação do meio ambiente, e isso pôde ser observado no presente estudo. Como evidenciado nas frases coletadas, os jovens passaram a demonstrar maior preocupação e mostraram estar cientes de que são necessárias mudanças que tenham resultados de longo prazo, deixando de pensar apenas no bem estar atual. Segundo Freire (2007), o primeiro passo para construir uma sociedade sustentável, exige que se pense nas consequências das nossas ações de hoje para o bem-estar futuro de todos, de tal forma que o individualismo seja substituído por práticas mais solidárias.

Um destaque nas declarações dos alunos foi a necessidade de conscientização da comunidade para a preservação do rio, algo que já estava claro em suas mentes desde o inicio do projeto. Contudo, inicialmente, essa questão aparecia como a principal, por vezes, única solução dada pelos alunos para manter o rio saudável. Com o encerramento do trabalho, após as análises dos dados, interpretações dos resultados, seguidas discussões e apresentações acerca dos estudos realizados, foi possível perceber um amadurecimento das idéias dos alunos. Desse momento em diante, além de estarem cientes da necessidade de colaboração da comunidade em geral, um novo aspecto surgiu como prioridade em suas falas: a intervenção do poder público. Críticas mais contundentes e cobranças de atitudes pontuais ficaram mais claras ao final do projeto, possivelmente pelo grande envolvimento resultante. Os alunos acreditavam que para garantir boas condições ao rio era necessário o envolvimento, esforço e continuidade por parte dos habitantes e do poder público da região.

Deve se ter em mente, entretanto, que a prática da Educação Ambiental por si só, não é capaz de solucionar os complexos problemas ambientais existentes na sociedade, mas, a exemplo desse e alguns outros estudos (VARGAS, 2005; TREVISOL et al., 2013; JACOBI, 2003), seu grande significado está em poder influenciar grandemente na formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres de cidadania ambiental e capazes de alcançar alternativas para a resolução dos problemas sócio-ambientais (REIGOTA, 2006). Nesse estudo, ressalta-se o desenvolvimento de um “sentimento coletivo” mais consciente, fundamental para a construção de uma sociedade sustentável e socialmente justa.

A consciência de que os cuidados com o rio são importantes, não apenas para viabilizar seu usufruto da população, mas principalmente pelo fato de abrigar uma rica biodiversidade, mostra o grande valor do conhecimento biológico e ecológico para a conscientização ambiental desses alunos. A noção de proximidade estabelecida durante as atividades propostas, levou os alunos a criarem um sentimento de respeito ainda maior pelo rio, o que para Malafaia et al (2013), é uma concepção fundamental para a conservação desses ambientes. Segundo esses autores, que buscavam investigar as percepções dos habitantes de uma pequena cidade com relação ao rio que atravessa a mesma, é necessário primeiramente fazer com que a população reconheça os ecossistemas aquáticos como locais essenciais para a manutenção da qualidade de vida de diversas espécies, deixando de lado a visão utilitarista do rio, cuja importância restringe-se à necessidade de  recursos.

Os aspectos levantados pelos alunos como benefício para sua formação parecem mostrar um pouco da contribuição que o projeto lhes ofereceu. Verificou-se em muitos uma visão de que o conhecimento é processo continuo e que por isso a participação nesse trabalho pôde oferecer subsídios para a construção de novas ideias e busca por mais informações. O despertar de vocações também foi muito claro em alguns dos estudantes, sendo o interesse pelo estudo dos organismos e do meio ambiente tão grande, que estes cogitaram seguir tal ramo da ciência como uma futura profissão. Espera-se que essa experiência tenha sido capaz de despertá-los para uma nova realidade, a qual não se fazia presente, ou que até então não fora percebida, no cotidiano da sala de aula.

 

4.2 - CONTRIBUIÇÕES SOCIOAMBIENTAIS

Como contribuição para a qualidade socioambiental da região, o esgoto da cidade de Guareí passou a ser tratado após os apelos dos moradores da cidade, mobilizados principalmente pelo descontentamento demonstrado e impulsionado pelas crianças com relação à “saúde” do rio.

De acordo com os dados lançados pela secretaria do Meio Ambiente do governo do estado de São Paulo, a cidade de Angatuba demonstrou um expressivo avanço em sua conduta quanto às ações que priorizam a qualidade ambiental nos últimos anos. Esses resultados são oriundos do Programa Município Verde Azul, criado em 2007, o qual atribui uma pontuação para mais de 350 municípios do estado, levando em conta seus esforços com relação às práticas ecologicamente corretas, previstas em uma Agenda Ambiental, tais como o tratamento de esgoto, a arborização urbana, educação ambiental, gestão das águas, qualidade do ar, habitações sustentáveis, coleta seletiva de lixo, entre outros aspectos importantes (disponível em: http://www.ambiente.sp.gov.br/municipioverdeazul/). A posição da cidade de Angatuba no ranking ambiental dos municípios do estado, de 2009 (ano do início do desenvolvimento do projeto) em comparação aos anos subseqüentes, mostrou um avanço significativo. Em 2009, Angatuba esteve na 190ª colocação, com 77,14 pontos; já em 2010 (ano de conclusão do trabalho de pesquisa participativa) a posição da cidade subiu para 49ª; e surpreendentemente, em 2011, a cidade passou para a 7ª posição, com 93,85 pontos, um grande salto no ranking ambiental do estado. Essa conquista pode ter sido, dentre outros fatores, reflexo da implementação de práticas mais ecológicas pelo governo e pela população. Essa constatação indica um importante avanço no âmbito da consciência ambiental, na qual a execução de projetos de pesquisa participativa pode representar um primeiro passo rumo a uma sociedade sustentável.

           

5.    REFERÊNCIAS

 

BRANDÃO, C. R. A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no trabalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003.

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DINIZ, L. P.; BRITO, M. T. S.; CORDEIRO, W. P. F. S.; MELO, A. L.; JÚNIOR, M. M.A fauna está acabando, a camada de ozônio está furada...”: percepção e conscientização ambiental por crianças de duas escolas públicas do sertão de Pernambuco. Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental , v. 29. 2012.

EFFTING, T. R. Educação Ambiental nas escolas públicas: Realidade e desafios. Monografia. Paraná, 2007.

FREIRE, A. M. Educação para a Sustentabilidade: Implicações para o Currículo Escolar e para a Formação de Professores - Centro de Investigação em Educação Universidade de Lisboa, Portugal. v. 2, n. 1,  p. 141-154, 2007.

GUIMARÃES, M. Abordagem relacional como forma de ação. In: GUIMARÃES, M. (Org.). Caminhos da Educação Ambiental: Da forma à ação. 3. ed. Campinas: Papirus, p. 9-16, 2006.

JACOBI, P. Educação e Meio Ambiente/Transformando as práticas. Revista Brasileira de Educação Ambiental. Brasília, DF, n.0, 140p. 2004.

JANKE, N.; TOZONI-REIS, M. F. C. Qualidade de vida e educação ambiental: construção coletiva de significados pela pesquisa-ação-participativa. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 28. Caxambu. Anais Caxambu, 1 CD-ROM, 2005.

LOUREIRO, C. F. B. Pesquisa-Ação participante e educação ambiental: uma abordagem dialética e emancipatória. In: TOZONI-REIS, M. F. de C. (Org.). A pesquisa-ação-participativa em educação ambiental. 1. ed. São Paulo: Annablume, p. 13-56, 2007.

MALAFAIA, G.; LIMA, F. C.; BAPTISTA, M. A.; RODRIGUES, A. S. L. Percepções e conhecimentos de moradores de Urutaí-GO sobre o córrego Palmital. Brazilian Journal of Aquatic Sciences and Technology, v. 17, n. 1, p. 19-26. 2013.

 

MILLAR, R. Constructive criticisms. International Journal of Science Education, v. 11, n. 5, p. 587-596. 1989.

REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2006.

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Ilustrações: Silvana Santos