Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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14/12/2010 (Nº 34) CONTRIBUIÇÕES DE UMA OFICINA DE PRODUÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE
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CONTRIBUIÇÕES DE UMA OFICINA DE PRODUÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DA UNICAMP

CONTRIBUIÇÕES DE UMA OFICINA DE PRODUÇÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA A FORMAÇÃO INICIAL DOCENTE


Carolina Messora Bagnolo

Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação, Unicamp. E-mail: carolina_mbagnolo@yahoo.com.br. Membro do grupo de Pesquisa FORMAR-Ciências.

Maína Bertagna Rocha

Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação, Unicamp. E-mail: maina@unicamp.br

Membro do grupo de Pesquisa FORMAR-Ciências.


Juliana Rink

Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação, Unicamp. E-mail: julianarink@ig.com.br

Membro do grupo de Pesquisa FORMAR-Ciências.


Alday de Oliveira Souza

Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação, Unicamp. E-mail: aldayos@yahoo.com.br

Professora assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)



Francielle Amâncio Pereira

Doutoranda em Educação da Faculdade de Educação, Unicamp. E-mail: francielleamancio@gmail.com

Professora assistente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)



Rebeca Chiacchio Azevedo Fernandes

Mestre em Educação, Faculdade de Educação, Unicamp. E-mail:rebeca_chiacchio@hotmail.com


Lindomar de Oliveira Untaler

Mestrando em Educação, Faculdade de Educação, Unicamp. E-mail: lindomaruntaler@hotmail.com



CEP 13083-65, Campinas ? SP, Brasil. URL: http://www.fae.unicamp.br/formar/






Resumo


O presente trabalho pretende analisar o desenvolvimento de uma proposta de formação docente em Educação Ambiental (EA), elaborada por alunos da Pós-graduação e aplicada numa disciplina para os cursos de Licenciatura e de Pedagogia da Faculdade de Educação da Unicamp. A disciplina foi estruturada em dois módulos, sendo que o primeiro articulou-se sob a forma de Oficinas de Produção em Educação Ambiental. Tendo como objetivos principais o resgate das concepções prévias dos alunos acerca da temática e a discussão das diferentes formas de abordar a questão ambiental sob a perspectiva interdisciplinar, concretizados na elaboração de um plano de ensino, levando em conta os cinco eixos temáticos propostos na disciplina. Os encontros proporcionaram atividades práticas, nas quais os alunos trouxeram experiências e refletiram sobre suas práticas enquanto alunos e/ou profissionais da Educação. A experiência mostrou-se significativa e, a partir das articulações teóricas-metodológicas apresentadas no trabalho final, foi possível mapear as concepções dos estudantes sobre a temática.


Palavras-chaves: Concepções de aluno, currículo, formação docente.




Introdução

Houve um tempo em que a formação docente se limitava à formação de profissionais que reproduziam práticas pré-estabelecidas e visavam apenas à eficácia de seu ensino na sala de aula. No entanto, as transformações sociais, educacionais e do mundo do trabalho, promoveram mudanças no papel atribuído ao professor, que deixou de ser visto como meramente um transmissor de conhecimento, e passou a ser visto como um indivíduo que pode contribuir para o processo de transformação social.

Nas reformas educacionais desencadeadas desde os anos 90 que acabaram por redesenhar o papel do professor (TARDIF, LESSARD e GAUTHIER, 1991), passou-se a exigir do professor uma atuação mais crítica em meio à complexidade do conhecimento existente, exigindo-se desse um processo de reflexão-ação-reflexão (SCHÖN, 1992) e o desenvolvimento de sua criatividade. Mas, para que o docente possa atuar dessa forma torna-se necessário a reestruturação da formação docente seja ela inicial ou continuada.

Sendo assim, a formação continuada de professores tem sido discutida por pesquisadores em educação1, dada a sua relevância no campo educacional brasileiro. Contudo, sabemos que as formas usuais não correspondem àquilo que o professor mais preza: a sua bagagem profissional. Os programas são, geralmente, idealizados dentro de uma perspectiva de separação total entre teoria e prática e um distanciamento das concepções prévias dos professores. Além disso, disseminam uma idéia de que o trabalho pedagógico se dá de forma independente das condições de produção do docente, descontextualizando o ?fazer pedagógico? abordado por (AMARAL, 2003).

Desta forma, a formação inicial docente deve procurar romper com a visão instrumental, oferecida pela racionalidade técnica, e buscar formar profissionais numa perspectiva mais integradora, onde haja uma articulação entre a teoria e a prática pedagógica, ao ensino a pesquisa e os conteúdos das áreas, a fim de dar condições ao futuro profissional da educação uma oportunidade de fazer um percurso de aprendizagem que lhe permita atuar de forma inter e multidisciplinar o que possibilitará diferentes leituras de mundo formando profissionais aptos a atuar de forma mais crítica.

Pensando no processo de colaborar com a formação inicial tomou-se como base a experiência vivenciada pelo grupo FORMAR-Ciências através das Oficinas de Produção, que foram desenvolvidas no bojo do ?movimento crítico na educação?. As oficinas buscaram em consonância com o movimento supracitado, um professor que articule a teoria e a prática, que reflita sobre a própria ação, consciente da sua ação política e pedagógica e da necessidade de estar num processo contínuo de formação.

As Oficinas de Produção, pelas suas próprias características brevemente assinaladas, não propõem um manual ou uma receita ao professor. Pelo contrário. Buscam, através de um diálogo crítico e direto com os participantes, resgatar suas experiências em sala de aula (na condição de professor ou estagiário), assim como suas vivências enquanto alunos da escola básica.

Este processo de diálogo e reflexão sobre as vivências desencadeia, em ambas as partes, um movimento reflexivo debruçado sobre a própria ação pedagógica. Nesse momento, a crítica sobre a própria ação se faz necessária, levando em conta o contexto histórico-social e as condições de produção em que tal ação se desenvolve. A finalidade última desse movimento cognitivo é a construção de novos conhecimentos, em busca de alternativas para os desafios que o professor enfrenta em sua realidade profissional cotidiana, num movimento de ação-reflexão-ação realizados por ambas as partes envolvidas ? formadores e participantes.

Considerando o contexto narrado acima, o presente artigo busca relatar uma experiência de um grupo de alunos da Pós-graduação, envolvidos na elaboração de uma disciplina para os cursos de Licenciatura e de Pedagogia, da Faculdade de Educação da Unicamp. Intitulada ?EP ? 171 ? Educação e Cidadania?, a disciplina foi estruturada em dois módulos, sendo que o primeiro - foco de análise do presente trabalho ? articulou-se sob a forma de Oficinas de Produção em Educação Ambiental, nos mesmos moldes teórico-metodológicos das Oficinas do grupo FORMAR-Ciências, embora reformuladas para um público de formação inicial.


A iniciativa

A iniciativa partiu dos alunos da pós-graduação do grupo FORMAR-Ciências preocupados com a própria formação continuada, partindo do pressuposto que, na prática pedagógica enquanto formadores refletiriam o fazer acadêmico ou até mesmo profissional, num movimento contínuo de ação-reflexão-ação já citado anteriormente.

A escolha pela temática ?Educação Ambiental2? deu-se por unanimidade. Primeiramente porque reflete as pesquisas em andamento do grupo constituído, na maioria voltadas para o ?estado da arte? e ?formação de professores?. Um segundo motivo que colaborou para esta escolha foi a importância atribuída a essa iniciativa quando nos deparamos com a formação inicial de professores no que tange a inserção da dimensão ambiental na formação desses futuros professores. Segundo, Schön (1992), a ação reflexiva visa possibilitar uma avaliação constante do trabalho do professor, transformando-o num sujeito ativo e participativo, discutindo e refletindo sobre suas próprias ações em sala de aula, modificando o seu papel de transmissor de conhecimentos.

Preocupados com essas questões buscamos desenvolver as Oficinas de Produção de modo a contribuir com um pensamento crítico em relação à EA, assim como buscamos oferecer aos alunos uma oportunidade de articular teoria e prática já na formação inicial, para que esses pudessem refletir sobre como levariam para as salas de aulas as questões referentes à EA.


O referencial teórico

Partimos do pressuposto de que não existe um único conceito, modalidade e tendência de EA. Lima (2005), em sua tese de doutoramento, demonstra que existem diferentes tendências político-pedagógicas e discursos que não conferem uma unidade ao campo da EA no Brasil, explicitando as diferenças internas deste campo, as disputas políticas e ideológicas e os limites e possibilidades de cada tendência verificada.

Sorrentino (1995) classifica as tendências de EA em quatro diferentes dimensões:

  • A Conservacionista ganhou repercussão depois do livro Primavera Silenciosa levando muitos ambientalistas a refletirem sobre as causas e efeitos da degradação ambiental.

  • A Gestão Ambiental surge dos movimentos sociais da América Latina; no Brasil, ganhou um impulso humano a partir das mazelas de um sistema predatório do ambiente e do ser humano nos movimentos por liberdades democráticas que reivindicavam a participação da população na administração dos espaços públicos e nas decisões do futuro que estamos construindo.

  • A Economia Ecológica é oriunda do ecodesenvolvimento no qual apresentam duas vertentes que são: o desenvolvimento sustentável e sociedades sustentáveis o que significa repensar o modelo de desenvolvimento das sociedades.

  • A Educação Ambiental ao Ar Livre realizada por antigos naturalistas, escoteiros, espeleologistas, caminhadas ecológicas, ecoturismo, trilhas de interação ecológicas.

Fracalanza (2003), utilizando-se da classificação de Sorrentino (1995), destaca as tendências apresentadas acima e as acima, , utilizando-se de ume q tinham sido tirados)afirma que essas possuem concepções diferenciadas entre si, e que são determinadas principalmente pelo tipo de instituição que a pratica (ONG, mídia, escola, empresa).

Já Brügger (1994) delineia duas grandes modalidades de EA:

  • Uma primeira tendência seria aquela fornecida pelas ciências humanas e sociais, em que os fatores sócio-históricos se sobressaem aos fatores técnicos ou naturais da questão ambiental.

  • Outra em que a problemática ambiental é tratada exclusivamente sob a ótica das dimensões naturais e técnicas, negligenciando os fatores sociais e políticos.

Para Brügger (1994) essa segunda tendência tem prevalecido porque houve uma fragmentação do saber que empobreceu o diálogo entre as ciências humanas e as ciências naturais e exatas. Ainda o mesmo autor afirma que a ausência desse diálogo deve ser superada para que possamos dar conta da problemática ambiental, ainda mais num contexto onde o saber instrumental tem prevalecido e predominado na segunda tendência destacada acima.

Lima (2002) aponta duas tendências no vasto campo da EA: a conservadora e a emancipatória, entendendo estes dois opostos como tipos ideais, no sentido que Max Weber3 dá ao termo.

A EA conservadora caracteriza-se, sinteticamente, por uma visão fragmentada e reducionista, por uma leitura individualista e comportamentalista, além de uma despolitização do debate ambiental, em consonância com a banalização da noção de cidadania e participação social. Já a vertente emancipadora caracteriza-se por uma visão que abarca a complexidade e a multidimensionalidade da questão ambiental, por meio de uma atitude crítica que tenha a democracia e a participação cidadã como pré-requisito da sustentabilidade (LIMA, 2002).

O referido autor aponta ainda uma terceira tendência, denominada conservadorismo dinâmico, que opera por mudanças superficiais e redundantes, tornando-se um grande obstáculo para a transformação socioambiental.

Já Amaral (2003) resume em 4 tendências em EA descritas abaixo:

A primeira tendência, de adestramento ambiental, advém do teor instrumental e pouco crítico da prática educativa. Tenta-se, nessa perspectiva político-filosófica, desenvolver posturas e atitudes corretas nos educandos, sem preocupar-se com os pressupostos sociais, políticos e econômicos. Há uma visão utilitarista e antropocêntrica, onde a ciência e a tecnologia estão a serviço para a resolução dos problemas. Pode-se identificar uma similaridade entre essa tendência e aquela que Lima (2002) denominou de conservadora.

A segunda tendência, do desenvolvimento sustentável, preconiza o equilíbrio entre ambiente e desenvolvimento econômico, sem que profundas transformações ocorram, o que se assemelha ao que Lima (2002) chama de conservadorismo dinâmico. Como mostra Amaral (2003, p.09), ?nessa perspectiva, sociedade e cultura se pasteurizam e subordinam-se irremediavelmente à economia e aos interesses ambientais?. Da mesma forma que na primeira tendência, há uma visão antropocêntrica, porém atenuada, e uma certeza de que a ciência e a técnica trarão soluções para o problema ambiental.

O ecologismo radical, terceira tendência analisada por Amaral (2003, p.09) ?preconiza uma transformação completa dos atuais padrões de relação entre ser humano e restante da natureza [...]?. Nessa tendência, em contraposição total às anteriores, a ciência e a técnica são as grandes culpadas pela crise que vivemos, assim, como o capitalismo e suas formas de exploração. Para tanto, propõe uma ética preservacionista e um retrocesso total nos padrões atuais de civilização.

A última tendência, do pensamento crítico, rege um conjunto de diretrizes programáticas e metodológicas que oferece alternativas coesas às críticas e oposições que traz às demais tendências, revelando o ambiente em suas múltiplas facetas. Ainda segundo Amaral (2003), suas principais críticas e objeções às demais tendências de EA são variadas, como um antropocentrismo e cientificismo exagerados; uma tentativa de individualizar a responsabilidade ambiental; negligência aos fatores políticos e econômicos que incidem sobre o meio ambiente e, principalmente, uma fragmentação, compartimentação e reducionismo da EA, assim como a dissociação entre EA e educação em geral.

Como resposta a estas objeções, o autor sintetiza algumas propostas da tendência do pensamento crítico, que foi adotada pelas Oficinas de Produção aqui relatadas. Um primeiro ponto que deve ser destacado é a necessidade de entender a questão ambiental dentro da complexidade que a temática exige, ou seja, levando em conta os aspectos históricos, físicos, biológicos, sociais, econômicos, filosóficos e políticos, assim como a necessária contextualização histórica do conhecimento científico, buscando sempre a interdisciplinaridade. Um outro aspecto que merece menção é a incorporação do cotidiano do aluno e de seus conhecimentos prévios, tentando adequar sempre ao nível de desenvolvimento cognitivo daqueles que participam do processo de formação.

A partir destas concepções de formação docente e educação ambiental, o grupo definiu como objetivos da Oficina:

  • Resgatar as experiências e as concepções de Educação Ambiental dos participantes e promover o intercâmbio entre os mesmos.

  • Realizar levantamento das concepções e memórias dos participantes a respeito de cada eixo gerador abordado.

  • Possibilitar a interação entre os saberes dos participantes em formação e os conhecimentos sistematizados pela produção acadêmica.

  • Estimular os alunos participantes a desenvolverem uma prática preocupada com a abordagem da Educação Ambiental de maneira reflexiva, inovadora e integradora.

A formação de professores e a interdisciplinaridade

A necessidade de formação de indivíduos aptos para lidar com o contexto atual, de mudança social, conflito de valores, avanço tecnológico, interdependência global e, em especial, de crise ambiental onde a sobrevivência da própria espécie humana encontra-se ameaçada, fazem da interdisciplinaridade uma urgência ao sistema educacional, que já vem incorporando essa perspectiva em documentos oficiais, como por exemplo, nos PCN, na perspectiva de garantir a sua implementação.

Essas questões apontam para a importância da abordagem interdisciplinar nos cursos de formação especialmente se tratando de Educação Ambiental, intrinsecamente ligada à interdisciplinaridade. Por outro lado, revelam um cenário de dificuldades e deixam dúvidas quanto à real implementação dessa abordagem nos cursos mencionados.

Entretanto, diferentes estratégias têm sido utilizadas, sendo erroneamente classificadas como interdisciplinares, possivelmente devido não só à variedade de definições existentes para a palavra interdisciplinaridade, ou às diversas terminologias que vêm sendo utilizadas, como também devido ao desconhecimento do real significado dessas palavras.

Alguns autores, como Japiassu (1976) e Fazenda (1995), evidenciam diferenciações entre os termos multi e pluridisciplinaridade. Por outro lado, Morin (2005), considera ambas as expressões como sendo sinônimas, enquanto que Amaral (2005) foca-se na multidisciplinaridade, estabelecendo duas modalidades para desenvolvê-la. Optamos pela linha de Amaral (2005), que desenvolve essas definições intrinsecamente relacionadas ao aspecto educacional, por ser mais adequada a análise desenvolvida na metodologia deste trabalho.

Amaral (2005) diferencia duas modalidades de multidisciplinaridade. A primeira, multidisciplinaridade simples acontece quando alguns temas abrangidos em certos conteúdos programáticos escolares são automaticamente abordados por diferentes disciplinas, em diferentes momentos do período letivo e/ou de formação do aluno. Já a multidisciplinaridade articulada acontece quando o mesmo tema é abordado por diferentes disciplinas num mesmo período de tempo. Neste caso, há uma concomitância no tempo de desenvolvimento do tema, não sendo, de qualquer forma, um trabalho em equipe.

Por outro lado, a palavra interdisciplinaridade ?se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de um projeto específico de pesquisa? (JAPIASSU, 1976, p. 74). Coaduna com essas reflexões a visão de Morin (2005), que compreende a interdisciplinaridade como a reunião de disciplinas que estabelecem trocas e cooperações entre si, transformando-se em algo orgânico (MORIN, 2005). A partir desses levantamentos podemos concluir que a interdisciplinaridade acontece sempre que é promovido algum tipo de interação entre duas ou mais áreas do conhecimento, seja pela simples troca de idéias ou informações entre elas, ou pela síntese de conceitos, metodologias e procedimentos, em busca de solução para um problema comum.

Amaral (1993) desenvolve essas definições de forma intrinsecamente relacionada ao aspecto educacional e descreve duas modalidades de interdisciplinaridade: a interdisciplinaridade de transição, que é aquela que um determinado professor desenvolve quando, ao tratar um tema em sua disciplina, procura transcender os limites da mesma, e invadir outros campos de conhecimento; e a interdisciplinaridade plena, que ocorre quando professores das diferentes disciplinas envolvidos concomitantemente com a mesma abordagem temática, estabelecerem intercâmbios cognitivos e/ou metodológicos no tratamento do assunto. Assim, podemos observar que o desenvolvimento da interdisciplinaridade não requer a eliminação das disciplinas, mas tão somente sua integração, de modo a estabelecer pontos de ligação, que permitam compor o conhecimento em sua totalidade e dinamicidade.


Desenvolvimento das Oficinas

No 1o semestre de 2009 surgiu a oportunidade de executar a proposta das Oficinas em EA junto a uma disciplina eletiva de graduação ? EP-171: Educação e Cidadania. Devido ao caráter não obrigatório da disciplina tivemos matrículas de alunos de diferentes áreas do conhecimento (Pedagogia, Ciências Sociais, Química, Educação Física) além de alunos especiais (professoras em exercício). Isso nos levou a realizar algumas adaptações na estrutura e na carga horária das Oficinas.

Os encontros foram divididos em cinco eixos temáticos, os quais foram considerados por seus organizadores, como grandes eixos norteadores da EA. As temáticas foram desenvolvidas em sete encontros e as aulas ministradas na Faculdade de Educação da Unicamp das 8 às 12h, totalizando uma carga horária de 30 horas.

Todos os encontros foram desenvolvidos buscando, inicialmente, resgatar as concepções prévias dos participantes com relação à temática trabalhada. Isso foi feito utilizando-se de diversas estratégias tais como: imagens, filmes, dinâmicas, entre outros. Posteriormente a esse resgate foi feito um pequeno aprofundamento teórico conduzido pelo debate suscitado pelas concepções trazidas pelos alunos. E por fim, foi realizada uma atividade voltada para a ação educativa em EA.

Como encerramento do módulo, foi solicitado aos alunos a elaboração de uma proposta de atividade educativa em EA com o intuito de avaliar o que os alunos compreenderam sobre o tema ao longo dos encontros e também oferecer elementos para a reflexão dos professores formadores sobre a própria prática. Com base nas atividades apresentadas pelos alunos, escolhemos os seguintes pontos para a análise: temas abordados; público-alvo; metodologias propostas; recursos didáticos utilizados; grau de integração das disciplinas; e por fim, as tendências de EA explicitadas pelos alunos.


Análise preliminar das propostas

Todos os grupos entregaram uma proposta escrita e tiveram espaço no último encontro da disciplina para apresentá-la. Ao todo foram seis grupos de trabalho constituídos por aproximadamente sete alunos. De acordo com a linha avaliativa os trabalhos elaborados pelos alunos ficaram apresentados conforme o quadro abaixo.


Quadro 1 - Sistematização dos pontos de análise dos trabalhos



Tema

Público-alvo

Metodologia

Recursos

Grau de integração

Tendências EA

A

Resíduos Sólidos (Lixo)

EFI

2° e 3° anos

Roda de conversa

Sensibilização

Pesquisa

Aula expositiva

Vídeo, História em quadrinhos,

Textos de apoio,

Livro de registros,

Visitação à empresa

Multidisciplinaridade articulada

Desenv. Sustententável Com elementos de EA crítica

B

Recursos Hídricos (Água)

EFI
4° e 5° anos

Aula expositiva

redação

Gibi, Textos de apoio,

Desenho do ciclo da água

Multidisciplinaridade articulada

Adestramento

Voltada para o Ensino de Ciências (conteudista)

C

Recursos Hídricos (Água)

EFI° 4°ano

Desenho

Pesquisa internet

Atividades de experimentação

Música, Gráficos, Mapas, História em quadrinho, Internet

Interdisciplinaridade

Desenv. Sustentável

D

Energia

E.Médio

Palestras

Música, Filmes,

Textos, Fotos,

Reportagens

Interdisciplinaridade

Desenv. Sustentável Com elementos de EA crítica

E

Natureza (seres vivos)

E.infantil

Roda de conversa

Atividades de observação

Livro paradidático,

Registros, Fotos,

Músicas, Vídeos,

Coletores de lixo

Multidisciplinaridade simples

Adestramento

F

Geral 4

Geral

Trilha

Desenhos

Não foi possível identificar5

Ecologismo radical


Fonte de Dados: Disciplina EP 171 - Educação e Cidadania


Temas abordados

A análise desse item procurou estabelecer quais foram os temas abordados pelos trabalhos. Desse modo, após leitura e apreciação das propostas, foi possível identificar as seguintes temáticas: ?Água? em dois trabalhos; ?Lixo?, ?Seres Vivos?, ?Energia? em um trabalho cada, revelando estreito vínculo das propostas curriculares com as Ciências Naturais, especialmente com assuntos ligados à Ecologia. Por fim, uma última proposta foi classificada como Geral por não privilegiar nenhum conteúdo ou tema específico, já que focou uma estratégia/recurso/metodologia em EA, constituída por uma trilha.

Chama atenção o fato de que apenas o assunto ?Lixo? foi amplamente problematizado em um dos eixos das Oficinas, enquanto que os demais (Água, Seres Vivos e Energia) apareceram em algumas discussões e debates, mas sem se deter em um enfoque específico. Todavia, mesmo sem focar diretamente a temática Lixo, os demais trabalhos acabaram por tangenciar a questão da poluição por resíduos sólidos, possuindo indiretamente elementos de tal conteúdo. Frente ao cenário da crise ambiental em que estamos imersos, é notadamente reconhecido que tanto o tema resíduo sólidos quanto o de recursos hídricos tem recebido crescente atenção dos educadores ambientais, principalmente no âmbito da Educação Formal. Em panorama sobre a EA nas escolas de Ensino Fundamental brasileiras, Trajber e Mendonça (2006) mostram que o principal tema abordado nos projetos é a água, seguida pelos temas de lixo/reciclagem e poluição/saneamento básico.

A despeito do ?tradicionalismo? que as temáticas relacionadas às Ciências da Natureza possuem em relação à EA (Dias, 1998; Trivelato, 2001), é importante ressaltar que uma das preocupações centrais dos eixos das Oficinas foi justamente conduzi-los de forma a não destacar uma visão estritamente ecológica da EA, que desarticulasse as dimensões naturais e sociais. Contudo, a maior parte das propostas conduziu os temas de uma maneira tradicional, dando ênfase para conceitos científicos ligados aos assuntos envolvidos. Nas propostas que envolviam o conteúdo ?Água?, é clara a predominância de conceitos ecológicos, tais como a apresentação do ciclo da água, a discussão sobre a relação existente entre a quantidade de água doce e salgada, o quanto de água doce é destinada/disponível para o consumo humano e a diminuição de tal quantia devido à poluição, entre outros. Aspectos sociais sobre a desigualdade de distribuição da água, discussões sobre a potabilidade da mesma ou doenças associadas ao consumo de água contaminada não foram abordadas pelas propostas. O trabalho que versava sobre os ?Seres vivos? também focou unicamente os aspectos ecológicos do tema, limitando-se a ressaltar a importância da água para a sobrevivência de vários animais, sem maiores problematizações sobre o assunto. Já os que envolveram ?Lixo? e ?Energia? apresentaram elementos de aproximação com questões sociais diante de tais temáticas, embora tenham mantido o foco da proposta nos conhecimentos científicos.


Público-alvo

Analisando os trabalhos, verificamos que o público trabalhado pertence ao âmbito escolar, ou seja, as atividades desenvolvidas foram voltadas para o Ensino Formal6: um para a Educação Infantil (creche), três para séries iniciais do Ensino Fundamental (2º, 3º, 4º e 5º anos), um para o Ensino Médio e, por fim, um para os próprios alunos participantes das Oficinas, que foi caracterizado como Ensino Superior. Vale salientar que o público escolhido pelos grupos possui estreita ligação com os cursos de formação e a atuação dos alunos da disciplina: duas alunas da pedagogia atuantes em creche apresentaram em conjunto uma proposta voltada para o Ensino Infantil; as demais alunas da pedagogia e as professoras em exercício focaram suas propostas para as séries iniciais do Ensino Fundamental; os licenciandos pertencentes ao curso de Ciências Sociais desenvolveram o trabalho para o Ensino Médio; enquanto que os alunos ouvintes, com histórico de atuação/envolvimento com a EA em espaços não-formais, propôs uma atividade para os alunos da sala, caracterizando-a como Ensino Superior.


Metodologia e Recursos Didáticos

Sensibilizar licenciandos de diferentes áreas de conhecimento a partir de um enfoque pautado nas relações ambientais presentes nessa disciplina, com certeza foi um grande desafio para todos do grupo. Neste sentido, esta proposta de formação que visa articular o conhecimento adquirido e o planejamento de um projeto de ensino, utilizando métodos e recursos diversos, tornou-se um instrumento valioso não só para os alunos dessa disciplina, mas para os seus professores (autores desse artigo).

Segundo Soncini e Castilho Jr. (1990), é necessário estabelecer uma metodologia capaz de chamar a atenção do aluno despertando assim, seu interesse pela proposta que o professor ou futuro professor deseja abordar, ou seja, propor uma dinâmica capaz de excitar os alunos a aprendizagem.

No sentido de potencializar as aulas, os professores que desejam trabalhar EA na escola devem estar atentos às múltiplas relações que se estabelecem entre os alunos e seus processos de ensino de aprendizagem. Nesse contexto, o professor deve também ter claro os objetivos das atividades a serem trabalhadas por ele e suas possíveis articulações, pois essas atividades podem se tornar um combustível para que os alunos participem reflexivamente da produção de novos conhecimentos.

Dentro dos trabalhos analisados, as propostas metodológicas apresentadas pelos alunos estavam associadas a uma diversidade de recursos didáticos que consubstanciava as ações no sentido de facilitar o processo de ensino ? aprendizagem. A intenção dos alunos também com os diferentes recursos foi a de propiciar práticas reflexivas, tentando sair daquele sistema de aula estritamente teórico e técnico, além de procurar trazer elementos do dia-a-dia do aluno. De forma geral, as ações foram assim apresentadas: Roda de conversa, Sensibilização, Pesquisa, Aula expositiva, Palestras.

No entanto, fizemos uma análise mais detalhada das propostas metodológicas, levando em consideração aspectos relacionados à formação e ao tempo de experiência em sala de aula dos alunos participantes da disciplina. Dentre os seis grupos formados, dois eram de licenciandos do curso de Pedagogia (todos sem experiência como professores da Educação Básica). Ambos os grupos abordaram o mesmo tema, porém utilizaram metodologias diferenciadas. Um grupo propôs aulas predominantemente expositivas; o outro propôs quatro aulas com duração de 50 minutos com uma grande diversidade de atividades (leituras de gráficos, mapas e imagens, discussões, pesquisas na internet etc.). De certa forma, o segundo grupo se aproximou mais da idéia, defendida pelos professores na disciplina, da utilização de uma metodologia diversificada para se trabalhar EA em sala de aula. Por outro lado, a pequena duração das atividades pode ser um indício da falta de experiência desses alunos com a docência com relação às especificidades dos processos de aprendizado e ao ato de planejar, uma vez que a disciplina foi inserida num curso de formação inicial de professores.

Outros dois grupos foram compostos por professoras dos anos iniciais de escolarização, em exercício profissional. Um deles foi composto por professoras da Educação Infantil e o outro, por professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental. Ambos os grupos trouxeram propostas já experimentadas por elas em suas respectivas escolas. Assim, como o grupo acima, os dois grupos de professoras também propuseram uma diversidade de metodologias de ensino e recursos didáticos, porém as atividades foram realizadas num tempo maior. Este fato pode estar relacionado com o maior tempo de experiência docente dessas professoras em sala de aula. Além disso, mesmo entendendo que a educação nos anos iniciais requer criatividade e a exploração de diferentes tipos de aprendizados nos alunos, as professoras, ao trazerem para a disciplina suas experiências em sala de aula já iniciaram um processo de ação-reflexão-ação da própria prática e de suas concepções sobre EA nesta fase de escolarização.

O quinto grupo analisado foi composto por licenciandos do curso de Sociologia, os quais propuseram um ciclo de palestras sobre o tema ?Energia? para alunos do Ensino Médio. O grupo indicou uma diversidade de recursos didáticos que, segundo eles, seriam utilizados por cada professor das diferentes ?disciplinas? ou ?módulos? (Química, Física, Biologia, História, Sociologia, Matemática etc). No entanto, a forma de utilização dos recursos didáticos não foi descrita pelo grupo, assim como não foram descritos o planejamento e o desenvolvimento do ciclo de palestras. Apesar da intenção da utilização da integração de saberes (disciplinas) como meta para a abordagem do tema escolhido pelo grupo, a ausência de detalhamento do planejamento de ensino do grupo não nos forneceu outros elementos para analisar mais detalhadamente a proposta. Além disso, a proposta fragmentada em disciplinas (módulos) nos faz lamentar que esta visão ainda se perpetue entre as licenciaturas da Unicamp, contrapondo ao modelo de EA baseado na interdisciplinaridade e na integração de saberes.

O último grupo propôs uma trilha interpretativa, a qual foi vivenciada por todos os alunos e professores da disciplina. Os alunos passavam pela trilha de olhos vendados e iam entrando em contato com os diferentes estímulos presentes: som, cheiro e objetos para serem tocados. Segundo o grupo e a partir da nossa experiência, os objetos foram colocados da seguinte forma: primeiro, os elementos naturais (frutas, terra, água) e conforme o andar da trilha, objetos como produtos industrializados e instrumentos tecnológicos foram sendo introduzidos para serem sentidos. Depois, todos os participantes foram convidados a fazer um desenho que representasse seus sentimentos a partir da experiência.

Para nós, esta atividade pode ser considerada apenas um recurso didático possível de sensibilização de seus participantes de forma a ?engatilhar? discussões mais fundamentadas e críticas dentro da temática ambiental. Ainda assim, achamos ser necessário ter claros os objetivos a serem alcançados com a atividade e as concepções de EA a serem trabalhadas pelo professor. Caso essa atividade seja utilizada sem ter claro os aspectos citados acima, pode-se desenvolver apenas uma atividade de sensibilização sem reflexões fundamentadas e críticas sobre as mais variadas temáticas ambientais.


Grau de Integração

A partir da análise dos trabalhos pudemos identificar que dois dos seis grupos conseguiram elaborar propostas interdisciplinares, segundo as definições de Amaral (1993 e 2005). Entretanto, outros três não conseguiram superar as propostas multidisciplinares, que são mais comumente desenvolvidas nas escolas por meio dos projetos. Além disso, um dos grupos desenvolveu uma proposta que, por não desenvolver conteúdos, e sim trabalhar com os sentidos, não foi possível classificar.

Sobre as propostas interdisciplinares apresentadas, podemos observar que apenas uma atingiu um nível maior de integração, que podemos classificar como interdisciplinaridade plena, em que os conteúdos se intercruzam de forma íntima. Entretanto, percebe-se pela apresentação dos alunos uma dificuldade de explicitar como essa proposta pode ser colocada em prática, apontando que apesar da compreensão do significado da interdisciplinaridade, ainda persiste a carência de maiores subsídios sobre como implementá-la.

O outro grupo, por sua vez, optou por uma proposta interdisciplinar de transição, possivelmente pela maior facilidade de compreensão e implementação da mesma, quando comparada à interdisciplinaridade plena.

Quanto às propostas multidisciplinares do tipo articulada, verificamos que existe uma confusão por parte dos alunos sobre a diferença desta modalidade de integração e a interdisciplinaridade. Segundo relatos dos alunos percebemos a persistência da visão de que o pedagogo, por trabalhar todos os conteúdos, necessariamente desenvolve trabalho interdisciplinar. Entretanto, analisando as propostas, identificamos que a abordagem desses conteúdos continua sendo feita de modo fragmentado, sem estabelecer relação nem entre as disciplinas, nem entre os próprios conteúdos de uma mesma disciplina. Tal fato nos parece bastante preocupante se pensarmos que, em função mesmo da própria forma de trabalho do pedagogo, seria muito mais fácil para professores com essa formação desenvolver atividades interdisciplinares (especialmente as interdisciplinares de transição).

Já o trabalho que apresentou proposta do tipo multidisciplinar simples, percebe-se que não houve avanço se comparado à forma de trabalho predominante nas escolas atualmente. Ou seja, a visão que permanece é a de que apesar de trabalharem conteúdos afins, cada professor deve trabalha-los ao seu modo e tempo, e sem se preocupar com o estabelecimento de relações explícitas com outras disciplinas. Do nosso ponto de vista, essa perspectiva é fruto da crença de que o aluno é capaz de estabelecer sozinho tais interações, o que nem sempre acontece na prática.

Quanto ao último trabalho cuja classificação não foi possível ser feita, por não abordar conteúdos, convém fazermos uma ressalva. Se considerarmos que as experiências sensíveis que se tem no dia-a-dia são integradas, na medida em que permitem vivenciar o ambiente nas suas múltiplas integrações, neste caso, poderíamos considerar esta atividade como sendo interdisciplinar. Entretanto, se pensarmos que essas mesmas experiências, apesar de integradas, não necessariamente conseguem, por si só, oferecer uma compreensão aprofundada do nível dessas interações e integrações que se manifestam no ambiente, carecendo muitas vezes de análises e reflexões mais profundas, e essas reflexões não foram oferecidas ao término da trilha. De maneira geral, pode-se dizer que, apesar do avanço promovido pelas oficinas, para a maioria dos alunos a abordagem realizada não foi suficiente para superar as dificuldades de planejamento e implementação de propostas interdisciplinares.


Tendências de EA

A análise deste item buscou entender quais as tendências de EA verificadas nas propostas elaboradas pelos discentes de acordo com Amaral (2003). Contudo, sabemos ser tarefa complicada encontrar uma tendência na sua forma mais pura, como um tipo ideal, no sentido weberiano (COHN, 1982). Por isso é importante ressaltar que todos os autores citados, que enveredam no debate das tendências e modalidades de EA, acabam por sistematizá-las metodologicamente na forma de tipos ideais, pois dificilmente serão encontradas na realidade na sua forma mais pura ou sem interferência e influência de outras tendências e/ou modalidades.

Após a leitura das propostas, pudemos identificar uma interessante heterogeneidade nas propostas apresentadas. De modo geral, foi possível perceber: duas como ?desenvolvimento sustentável com elementos de EA crítica?, uma como ?desenvolvimento sustentável?, duas propostas caracterizadas como ?adestramento ambiental? e uma como ?ecologismo radical?.

Ressaltamos duas propostas classificadas como ?desenvolvimento sustentável com elementos de EA crítica?. A primeira, um grupo formado por professoras em exercício que elaboraram um trabalho sobre resíduos sólidos, temática mais comum nos trabalhos de EA nas escolas brasileiras. Sabemos como mostra Layrargues (2002), que apesar da complexidade do tema, os trabalhos desenvolvidos nas escolas sobre a questão do lixo são reducionistas, abrangendo apenas uma reflexão superficial sobre a reciclagem, tornando a reciclagem uma atividade-fim.

No caso desta proposta, pudemos perceber que as professoras escaparam do senso comum, propondo reflexões que escapassem da simples reciclagem. Esta foi considerada o tema gerador para outros debates mais profundos (mesmo se tratando de um público de crianças do Ensino Fundamental I) e, ainda, utilizando-se de metodologias variadas.

A segunda proposta versou sobre energia, composto por professores de Ensino Médio em formação. Inovou na escolha do conteúdo e na forma como ele seria tratado: debates e palestras com professores de várias disciplinas, utilizando-se de um referencial crítico na abordagem. Questões como ?quais os custos sociais e culturais do progresso? foram colocadas, o que contemplaria a multiplicidade da temática para além da questão energética no país.

O grupo que escolheu o conteúdo ?recursos hídricos? tratou a temática de forma bastante tecnicista e conteudista. Dentre outros elementos, pudemos caracterizar a proposta como ?desenvolvimento sustentável?.

Dois grupos foram classificados como ?adestramento ambiental?. A proposta que contemplou a natureza e os seres vivos, embora bastante articulados para se trabalhar com o público do Ensino Infantil, pecou pelo excesso de antropocentrismo, principalmente no tocante à exclusão do ser humano como um dos seres vivos existentes na natureza. Já a proposta desenvolvida para o público de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental sobre recursos hídricos focou o trabalho no Ensino de Ciências, utilizando-se do excesso de conteudismo e metodologias mais tradicionais e abandonando as pré-noções dos alunos.

Por fim, a proposta que teve o conteúdo ?geral? mostrou-se interessante como recurso metodológico, mas a ausência de um debate mais profundo e o reforço de uma ?natureza esquecida? fez com que se enquadrasse dento do ?ecologismo radical?.


As contribuições das Oficinas na e para a formação docente...

Dos alunos participantes

Ao longo das Oficinas, a participação dos alunos se fez presente nas discussões e reflexões, bem como durante a realização das atividades propostas pelos professores da disciplina. O confronto entre as concepções dos alunos e as concepções de EA trabalhadas nas Oficinas de Produção possibilitou aos alunos (re) pensarem sobre a complexidade da temática ambiental e suas articulações com o ensino formal e não-formal. Esse fato pode ser melhor observado através dos resultados das propostas de atividades/aulas apresentadas no final das oficinas e das avaliações individuais dos alunos sobre o trabalho desenvolvido

Segundo Zimmermann e Evangelista (2007), os formadores de professores ao proporem questões que desafiam as concepções dos futuros professores sobre os significados dos processos de aprender e de ensinar Ciências, podem favorecer a busca de inovações no ensino de Ciências em sala de aula. Acho que essa citação não cai bem porque direciona para o ensino de ciências

Assim, esperamos que, a partir das Oficinas os alunos tenham sido estimulados a realizar uma análise no processo de ensino-aprendizagem dentro da temática ambiental, a partir da apresentação dos planejamentos de ensino e das discussões que aconteceram durante as aulas envolvendo a temática ambiental. As oficinas possibilitaram trocas de saberes e experiências vivenciadas se ?constituindo em espaço de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando.? (NÓVOA 1997, p.26) . Nessa vivência percebemos que houve um amadurecimento dos alunos em relação às atividades propostas, mesmo que ainda eles tenham sido superficiais no estabelecimento da integração do homem no ambiente.

Dos professores formadores

A trajetória de elaboração, execução e avaliação das Oficinas de Produção em EA esteve marcada por constantes reflexões dos formadores em relação a sua prática docente de professor formador do Ensino Superior. Tais reflexões, a nosso modo de ver, somente foram possíveis devido a algumas características do grupo de professores idealizadores dessas Oficinas, como por exemplo, a valorização da temática da EA para a formação de futuros educadores; a afinidade e a união do grupo de trabalho e o comprometimento do grupo com a formação inicial e continuada no Ensino Superior.

Além disso, as discussões e as reflexões geradas durante as Oficinas possibilitaram, a reflexão sobre as suas próprias concepções de ambiente e sobre a inserção desse ambiente nos processos de ensino e de aprendizagem em contextos de ensino formal e não-formal. Desta forma, a elaboração e execução dessa oficina de produção contribuíram para o processo de ação-reflexão-ação dos envolvidos, levando a um amadurecimento e crescimento profissional de toda a equipe de professores.

Conclusões

A proposta pedagógica das Oficinas de Produção em Educação Ambiental buscou trazer para os alunos da graduação a discussão sobre a educação ambiental como um elemento na formação inicial. O trabalho teve como perspectiva estabelecer uma inter-relação entre a teoria e a prática de forma dinâmica a fim de despertar o interesse, estimular reflexão e propiciar a construção de conhecimento sobre a educação ambiental. Assim sendo, considera-se que ao final da intervenção a grande maioria dos alunos matriculados na disciplina Educação e Cidadania conseguiram estabelecer relações sobre as questões sócio-ambientais e propor no trabalho final atividades que possibilitavam uma construção critica e interativa na tentativa de trazer discussões mais amplas que envolvam o discurso sócio-ambiental. Apenas um grupo ao apresentar a sua proposta de trabalho ficou limitado as questões ambientais que se encontram na proposta curricular do ensino de ciências não conseguido alargar a sua proposta de trabalho a fim de estabelecer relações sócio ambientais. Outros dois grupos além de elaborar a proposta fizeram a sua aplicação como forma de testagem na escola.

Acreditamos ainda que a universidade em seu papel formador deva trabalhar nos cursos de graduação, principalmente por já está inserida nas diretrizes curriculares da educação básica tornando-se primordial que as questões sócio-ambientais presentes na sociedade façam parte da formação inicial desses profissionais. Essa necessidade foi percebida no inicio das oficinas quando os alunos demonstravam suas dúvidas e inquietações sobre a EA. Com a evolução dos trabalhos os mesmos demonstravam certo amadurecimento sobre o tema. Apesar do curto espaço de tempo considerado por todos os alunos participantes e também pelos professores, avaliamos que as Oficinas de Produção atenderam os objetivos propostos de forma satisfatória.


Referências Bibliográficas


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1A título de exemplificação, podemos citar duas iniciativas vinculadas ao grupo de pesquisa FORMAR-Ciências. Em setembro de 2007 coordenou o evento "A Escola e a Formação do Professor" no Fórum Desafios do Magistério. Em outubro do mesmo ano, realizou o V ENFOCO - Encontro de Formação Continuada de Professores de Ciências, cujo tema foi "Pesquisas e ações na formação continuada de professores de ciências".

2 Neste artigo utilizaremos a sigla EA para designar Educação Ambiental.

3De acordo com Cohn (1982, p.08), um dos grandes estudiosos da obra weberiana, ?trata-se de um recurso metodológico para ensejar a orientação do cientista no interior da inesgotável variedade de fenômenos observáveis na vida social. Consiste em enfatizar determinados traços da realidade ? por exemplo, aqueles que permitam caracterizar a conduta do burocrata profissional e a organização em que ele atua ? até concebê-los na sua expressão mais pura e conseqüente, que jamais se apresenta assim nas situações efetivamente observáveis?. É importante ressaltar que todos os autores citados, que enveredam no debate das tendências e modalidades de EA, acabam por sistematizá-las metodologicamente na forma de tipos ideais, pois dificilmente serão encontradas na realidade na sua forma mais pura ou sem interferência e influências de outras tendências e/ou modalidades.

4 Consideramos como Geral os trabalhos que trataram genericamente sobre EA, não privilegiando nenhum aspecto específico do conteúdo.

5 Trabalho ficou focado em experiências sensitivas e não envolveu nenhuma abordagem que procurasse relacionar as experiências vivenciadas com conhecimentos abordados por qualquer das disciplinas dos currículos escolares.

6 As denominações do público-alvo determinado pelas propostas foram adequadas à legislação atual, utilizando a nomenclatura dos níveis de ensino existente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.





Ilustrações: Silvana Santos