Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
Perda progressiva da biodiversidade é ruim para
o planeta, pior para o homem
Publicado em dezembro 3, 2010 by HC
Estudo publicado pela revista Nature
mostra que a destruição da biodiversidade favorece a proliferação de agentes que
transmitem doenças ao ser humano A perda progressiva da biodiversidade não faz mal apenas à
saúde do planeta. O organismo humano também pode ser afetado pela extinção de
plantas e animais, de acordo com artigo publicado na revista especializada
Nature. Segundo os pesquisadores, financiados pela Fundação Nacional de Ciência
e pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, a perda de espécies em
ecossistemas como florestas e campos resulta no aumento de agentes patógenos, ou
seja, aqueles capazes de disseminar doenças nos hospedeiros. Reportagem no
Correio Braziliense. Segundo os autores do estudo, os animais, as plantas e os
micróbios mais suscetíveis à extinção são justamente os que protegem da
transmissão de doenças. Já os menos ameaçados geralmente abrigam agentes
infecciosos que podem afetar a saúde humana, como o hantavírus, o vírus do oeste
do Nilo e a doença de Lyme, transmitida pela picada de alguns carrapatos. “Nós
já sabíamos de casos específicos nos quais o declínio da biodiversidade aumentou
a incidência de doenças. Mas descobrimos que esse é um padrão muito mais geral:
a perda da biodiversidade tende a aumentar a transmissão de patógenos por meio
de uma grande rede”, disse ao Correio Felicia Keensing, ecóloga do Bard College,
em Nova York, e principal autora da pesquisa. Essa rede envolve diversos agentes
– vírus, bactérias e fungos – e variados hospedeiros, sejam eles homens, outros
animais ou plantas. A biodiversidade global tem caído drasticamente desde os
anos 1950. Estima-se que as taxas atuais de extinção são 100 a mil vezes maiores
que no passado, e as projeções são ainda menos animadoras. Acredita-se que, nos
próximos 50 anos, serão milhares de vezes mais altas. Com a expansão
populacional humana, aumentou o contato com patógenos, por meio de atividades
como a caça selvagem ou as queimadas nas florestas. “As mudanças globais estão
acelerando e trazendo consequências indesejáveis. Esse artigo demonstra os
riscos dessas mudanças”, comentou Sam Schneiner, diretor do programa de ecologia
da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos, em nota à imprensa. “A perda da biodiversidade pode influenciar a transmissão
de doenças por meio de vários mecanismos”, explica um dos coautores do estudo,
Richard Ostfeld, do Instituto Cary de Estudos do Ecossistema. Ele exemplifica
com a doença de Lyme, transmitida por carrapatos. “Nesse caso, espécies
altamente protetoras, como o opossum (masurpial que vive na América do Norte),
estão se extinguindo, à medida que as florestas têm sido fragmentadas. Ao mesmo
tempo, dissemina-se uma espécie de rato que hospeda os carrapatos que causam a
doença de Lyme”, diz. “Não sabemos por que as espécies mais resistentes às
mudanças no ecossistema são aquelas que amplificam o número de patógenos.
Preservar os hábitats naturais é a melhor maneira de prevenir esse efeito”, diz. Outro caso bem documentado é o da hantavirose, uma zoonose
emergente em todo o mundo. A doença, transmitida por roedores, causa problemas
severos à saúde humana, e pode mesmo levar à morte – os índices de mortalidade
decorrentes do mal são estimados em 40%. O vírus infecta os roedores por meio de
saliva, urina e fezes. Já a transmissão para humanos ocorre pela inalação das
secreções ou por mordidas. No início deste ano, a doença matou cinco pessoas no
Distrito Federal. Em cinco meses, o número foi maior do que o registrado em
2009. Além disso, a taxa de letalidade foi alta: 83,3% dos pacientes que
contraíram a doença morreram. Um estudo de campo no estado americano de Oregon mostrou
que a única variante significativa ligada à prevalência da infecção era a
diversidade de pequenos mamíferos. Quanto maior o declínio, maiores as taxas de
ratos infectados. O resultado foi semelhante a de pesquisas realizadas no estado
de Utah e no Panamá. Nova linhagem Segundo Felicia Keensing, já há provas suficientes de que,
para patógenos já estabelecidos em comunidades ecológicas, a perda da
biodiversidade aumenta frequentemente a taxa de transmissão. Porém ela lembra
que os ecossistemas também desempenham um papel no processo de proliferação de
novos agentes patógenos. De 1940 a 2004, mais de 300 doenças emergentes foram
identificadas em humanos em todo o planeta. “Concomitantemente, outras novas
infecções também começaram a aparecer na vida selvagem, em animais domésticos e
em plantas. As doenças emergentes infecciosas incluem aquelas nas quais o
patógeno desenvolveu uma nova linhagem ou começou a atacar novos hospedeiros”,
diz a pesquisadora. Ela explica que, para patógenos que migraram para novas
espécies hospedeiras, o processo envolve muitos passos – da invasão inicial ao
estabelecimento do micro-organismo na espécie como um todo. “O efeito da biodiversidade pode variar em cada um desses
passos. Na invasão inicial, essa variável talvez não seja tão importante”, diz
Felicia. Ao mesmo tempo, a pesquisadora lembra que diversos estudos
correlacionam fatores ambientais e socioeconômicos ao aparecimento de novos
patógenos. “São questões como o desflorestamento e a caça de animais
selvagens. Essas atividades aumentam o contato entre humanos e animais, o que
pode ser um fator crítico por trás do mecanismo que faz com que um patógeno
encontra novo hospedeiro”, afirma. Felicia diz que o artigo publicado na Nature é mais um
alerta para a necessidade de se proteger a biodiversidade. “Está claro que
precisamos implementar políticas de preservação o mais rápido possível. Isso
poderia reduzir a disseminação de doenças da vida selvagem para os humanos”,
defende. “Quando a diversidade biológica declina e o contato com os
homens aumenta, você tem uma receita perfeita para a deflagração de doenças
infecciosas.” Ameaça Estudos mostram que um percentual alto das espécies
existentes na Terra correm risco de extinção. Doze por cento dos pássaros, 23%
dos mamíferos, 32% dos anfíbios, 31% das giminospermas (árvores de clima frio e
temperado) e 33% dos corais já estão ameaçados.
EcoDebate, 03/12/2010 |