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ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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03/09/2010 (Nº 33) As questões ambientais sob o prisma da abordagem geossistêmica
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Educação Ambiental 33

as questões ambientais sob o prisma da abordagem geossistêmica

 

João Mateus de Amorim

Doutorando em Geografia – UNESP de Rio Claro (SP)

 

resumo

 

O presente trabalho teve por objetivo entender a abordagem geossistêmica e seus pressupostos de análise do espaço geográfico, que pode ser uma bacia hidrográfica, ecossistemas ou biomas. Trata-se de um método adotado a partir de 1940 com Bertalanffy, mas antes desta ocorreu usos isolados do termo sistema. Sendo assim, trata-se de um método importante para análise das questões ambientais devido à preocupação de entender o objeto no todo, mesmo utilizando a visão mecanicista para decifrar as partes.

introdução

A geografia física ao estudar o espaço físico de uma bacia hidrográfica deve partir de uma hipótese previamente estabelecida e de mensuração, a partir de amostragem feita por meio da coleta de material a ser investigado. Assim sendo, e retomando a idéia de geossistema, ela aborda os sistemas ambientais físicos, que, na atualidade, poderão ser estudados com o uso do geoprocessamento e outras ferramentas analíticas de levantamento de dados acerca do meio ambiente. Nas palavras de Christofoletti,

A Geografia Física, como subconjunto da disciplina Geografia, preocupa-se com o estudo da organização espacial dos sistemas ambientais físicos, também denominados de geossistemas. Como a expressão concreta na superfície terrestre constitui a relevância espacial para a análise geográfica, torna-se necessário que os componentes do geossistema surjam ocupando territórios, que sejam visualizados em documentos tais como fotos aéreas, imagens de radar e de satélites e outros documentos, sendo sensíveis à observação visual. Deve-se (sic) também distinguir as fontes fornecedoras de energia e matéria, responsáveis pela dinâmica do sistema, e as redes de circulação envolvidas nos processos de interação, servindo de canais aos fluxos (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 41).

O estudo, nesse contexto, deve se apoiar nas técnicas do geoprocessamento. Segundo o pensamento de Christofoletti (1999), alguns atributos físicos do meio ambiente, tais como a topografia, a geomorfologia, os solos e os corpos hídricos, podem ser mais facilmente percebidos, nessa perspectiva, mas “o clima não é um componente materializável e visível na superfície terrestre, embora seja perceptível e contribua significativamente para se sentir e perceber as paisagens” (CHISTFOLETTI, 1999, p. 41).

Para aprimorar esse conhecimento, Popper (1975a apud CHRISTOFOLETTI, 1999) aponta hipóteses de pesquisas que possam ser refutadas sob a luz de novas formas de análise do objeto.

Na concepção de Karl Popper, o fundamental no conhecimento científico não consiste em realizar pesquisas e experimentos para ratificar os enunciados ou hipóteses, mas sim em criar condições passíveis de refutá-las. A quantidade de exemplos receptivos não aumenta a validade e conteúdo dos enunciados, que somente ganham consistência quando submetidos e ratificados em inúmeras condições diferentes [...] Na perspectiva de Popper, os enunciados que não são passíveis de refutação devem ser considerados como não científicos e dogmáticos (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 21).

Dentro do contexto exposto, as pesquisas buscam o entendimento e o conhecimento do objeto e cria a possibilidade de análise sob vários pontos de vista. Para que se possa conhecer as dinâmicas da natureza na perspectiva sistêmica, deve-se relacionar os atributos ambientais (pedologia, geologia, climatologia, etc.) com os passíveis impactos ou alterações no meio ambiente.

O método sistêmico iniciou-se no movimento científico com Bertalanffy, a partir da década de 1940, e foi intitulado Teoria Geral dos Sistemas, também conhecido como “sistema aberto” (CAPRA, 1996, p. 53). Capra (1996) explica que, anteriormente à pesquisa de Bertalanffy, já haviam sido utilizadas por diversos pesquisadores as palavras “sistema e pensamento sistêmico”. Porém, foi com Bertalanffy que a abordagem sistêmica tornou-se uma ciência. Para Morin (2003),

O sistema também oscila entre o modelo ideal e o reflexo descritivo dos objetos empíricos, e não é na verdade nem um nem outro. Os dois pólos de apreensão antagônicos são aqui complementares, apesar de permanecerem antagônicos [...] O conceito de sistema não é uma receita, um vagão que nos leva rumo ao conhecimento. Ele não oferece nenhuma segurança. È preciso sobrepô-lo, corrigi-lo, guiá-lo. È uma noção-piloto, mas à condição de ser pilotada (MORIN, 2003, p. 178).

Assim, fica claro que estudar e entender o objeto a partir da visão sistêmica exige uma compreensão que vai além do conhecimento fragmentado e clássico, ou seja, deve-se contextualizá-lo, com base no todo, de forma ampla. A abordagem sistêmica, nessa perspectiva, deve correlacionar, na pesquisa, a totalidade, a complexidade, a contextualização, o processual, as redes e conexões, a organização, a ordem, a desordem, o caos, o uno, o diverso, a relatividade, a dualidade, a multiplicidade, a cisão, o antagonismo, a hierarquização, as interações, os sistemas abertos, dentre outros (MORIN, 2003).

Abordagem geossistêmica

Na discussão em relação aos sistemas ambientais como método, Bertalanffy (1973) comenta que, nessa abordagem, o todo é menor que as partes, ou seja, estas perdem qualidades ao serem analisada de forma separada e fragmentada. Uma análise que se baseia apenas nas partes, sem levar em consideração o todo, está amparada na visão reducionista, cartesiana e mecanicista. Neste ponto, a especialização da ciência gera progresso devido à profundidade da investigação, mas, ao mesmo tempo, perde parte do todo ao fragmentar-se, gerando avanços e retrocessos. Neste sentido, o cientista tem uma visão do todo a partir de uma visão fragmentada, gerando conhecimentos e teorias desconectadas do todo. Essa situação, segundo Leff (2001), apresenta uma crise de limite e de conhecimento da natureza.

No presente trabalho, a abordagem sistêmica, como método, está amparada nos autores elencados por Christofoletti (1999) em sua pesquisa, quais sejam, “Bertalanffy (1933), Bertrand (1968), Sotchava (1976), Ab’ Saber (1977), Tricart (1972; 1973; 1976; 1977; 1979), Christofoletti (1979), Toppmair (1983), Prigogine (1984), Lovelock (1991)”, e outros (CHRISTOFOLETTI, 1999, p 1-33).

Para a compreensão do sistema ambiental, deve-se distinguir ecossistema de geossistema. Sobre este assunto, Christofoletti (2002) postula o seguinte:

O ecossistema é definido como sendo área relativamente homogênia de organismos interagindo como seu ambiente. A comunidade dos seres vivos constitui o componente principal, que se interliga com os elementos abióticos do habitat. Sem a presença dos seres vivos não há a existência de ecossistemas (CHRISTOFOLETTI, 2002, p. 35).

[...] os geossistemas, também designados como sistemas ambientais físicos, representam a organização espacial resultante da interação dos elementos físicos e biológicos da natureza (clima, topografia, geologia, águas, vegetação, animais, solos). É o campo de ação da geografia física. Os sistemas ambientais físicos possuem uma expressão espacial na superfície terrestre, funcionando através da interação areal dos fluxos de matéria e energia entre os seus componentes [...] (CHRISTOFOLETTI, 2002, p. 37).

Continuando na mesma linha de raciocínio, segundo Christofoletti (202), a pesquisa deve envolver e englobar a complexidade ambiental e a concepção holística, de forma interativa e dinâmica. Neste estudo, analisar-se-á o meio ambiente na perspectiva do sistema aberto, da complexidade, do equilíbrio dinâmico, do funcionamento e da resiliência, de forma integrativa com todos os elementos, mas, mesmo assim, ainda é necessário descrever e entender a morfologia e as características da paisagem, ou seja, a climatologia, a geologia, a pedologia, a geomorfologia e a hidrogeologia, entre outros. Entender a concepção sistêmica na perspectiva da bacia requer uma visão abrangente e, ao mesmo tempo, fragmentada. Apesar das críticas ao método mecanicista, entende-se que não é possível compreender a bacia sem que sejam descritas suas partes, como: o solo, a vegetação, o clima, a água, os animais, dentre outras. 

Segundo Almeida e Tertuliano (2002), para que se possa analisar os sistemas ambientais, é necessário pensá-lo de forma hierárquica, ou seja, deve-se levar em consideração a microbacia, a bacia, o ecossistema, o bioma e a biosfera. Essa análise baseia-se na idéia dos sistemas (bacia) e subsistemas (microbacia).

Nesse sentido, aborda-se a questão da conexão e das interações entre os vários tipos de matéria e de energia, que podem ser estáveis em um momento e instáveis em outro. Atribui-se a isto o conceito de “equilíbrio dinâmico”, apresentado por (CAPRA, 1982). Sendo assim, um efeito sério em um determinado local pode dispersar-se no ecossistema ou na biosfera como um todo.

Cunha e Guerra (2000) apontam a importância da mensuração nos estudos de degradação ambiental. Porém, esse levantamento por si só não é suficiente para a explicação de um problema (impacto), devido às suas limitações. Aliado a essa mensuração, deve estar o conhecimento teórico-conceitual e empírico do pesquisador, com vistas a dar sustentação ao entendimento do problema a ser resolvido.

[...] a mensuração dos processos de degradação ambiental deve levar em conta as variações das taxas e a freqüência dos processos, a periodicidade das mensurações e o espaçamento e regularidade das amostragens, dentre outras características, para que o monitoramento possa retratar o melhor possível, a realidade da degradação ambiental, de uma determinada área (STOCKING, 1987 apud CUNHA; GUERRA, 2000, p. 373). Caso isso não seja seguido, as estimativas feitas com base nesses dados não retratarão a realidade da área. Conseqüentemente, as medidas tomadas, nesses casos, para se recuperar as áreas degradadas, em questão, poderão estar superestimando ou subestimando os processos naturais, que causam a degradação (Cunha; Guerra, 2000, p. 373).

Nessa concepção, a bacia hidrográfica torna-se um espaço importante para se entender as variáveis de “input” (ações humanas) e “output” (impactos positivos e negativos), respectivamente, emprego e renda e as alterações ambientais, conforme sugerido no estudo de Monteiro (1978 apud CHRISTOFOLETTI, 2002, p. 43).

Na abordagem holística sistêmica, os sistemas ambientais são explicados e conhecidos a partir das conexões e das interações que se apresentam no espaço geográfico. Mas, para entendê-la, é preciso também fragmentá-la, para que se possa compreender as partes no todo e de forma individual. 

A abordagem holística sistêmica é necessária para compreender como as entidades ambientais físicas, por exemplo, expressando-se em organizações espaciais, se estruturam e funcionam como diferentes unidades complexas em si mesmas e na hierarquia de aninhamento. Simultânea e interativamente há necessidade de focalizar os subconjuntos e partes componentes em cada uma delas, a fim de melhor conhecer seus aspectos e as relações entre eles. A abordagem reducionista também se enquadra como básica na pesquisa dos sistemas ambientais, sem contraposição com a holística (CHRISTOFOLETTI, 1999,  p. 1).

Nesse enfoque, a totalidade, as conexões e a teia entre as partes tornam-se um ponto crucial na pesquisa acerca dos sistemas ambientais. Como nos mostra Christofoletti,

A totalidade aplica-se às entidades constituídas por um conjunto de partes, cuja interação resulta numa composição diferente e específica, independente da somatória dos elementos componentes. O todo assume uma estrutura e funcionalidade diferenciada dos seus subcomponentes. Em novo nível hierárquico, cada componente do todo possui características específicas, podendo ser considerado como unidade, sendo também analisada como uma totalidade. A noção sempre envolve o contexto do todo, em seu nível hierárquico e na categoria classificatória, constituindo-se em uma entidade unitária, individualizada (CHRISTOFOLETTI, 1999,  p. 3).

Para Morin (2003), a totalidade baseia-se na complexidade da teia de relações, que o autor apresenta da seguinte forma:

[...] Há na totalidade buracos negros, ofuscações, zonas de sombra, rupturas. A totalidade traz em si suas divisões internas que não são apenas as divisões entre as partes distintas. São cisões, fontes eventuais de conflitos e até de separações. È muito difícil conceber a idéia de totalidade em um universo dominado pela simplificação reducionista. E, uma vez concebida, será derrisório conceber a totalidade de maneira simples e eufórica. A verdadeira totalidade é sempre fendida, fissurada, incompleta. A verdadeira concepção da totalidade reconhece a insuficiência da totalidade [...] (MORIN, 2003, p. 162).

Outro aspecto que deve ser destacado refere-se à complexidade, que, para Christofoletti, também é um ponto essencial para o entendimento da não-linearidade e do caos que existe na natureza. Nas palavras do autor,

O estudo da complexidade vem sendo considerado como uma importante revolução na ciência, reformulando e ultrapassando a concepção mecanicista e linear dos sistemas. As bases encontram-se na concepção de que a maior parte da natureza é não-linear, comportando-se como sistemas dinâmicos e caóticos. Na teoria dos sistemas dinâmicos, a complexidade significa não apenas a não-linearidade, mas também uma diversidade elevada de elementos com muitos graus de liberdade. A emergente ciência da complexidade tem a ver com a estrutura e a ordem, procurando as regras básicas e os princípios comuns que fundamentam todos os sistemas e não apenas os detalhes de uma determinada categoria (exemplo: organização social, ecossistemas, embriões, cérebro, geossistemas, etc) (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 3).

Ainda a esse respeito Morin (2003) afirma que a complexidade é:

A primeira e fundamental complexidade do sistema é (sic) associar em si a idéia de unidade, por um lado, e a de diversidade ou multiplicidade do outro, que, em princípio, se repelem e se excluem. O que é preciso compreender são as características da unidade complexa: um sistema é uma unidade global, não elementar, já que ele é formado por partes diversas e inter-relacionadas. È uma unidade original, não original: ele dispõe de qualidades próprias e irredutíveis, mas ele deve ser produzido, construído, organizado. É uma unidade individual, não indivisível: pode-se decompô-lo em elementos separados, mas então sua existência se decompõe. É uma unidade hegemônica, não homogênia: é constituído de elementos diversos, dotados de características próprias que ele tem em seu poder (MORIN, 2003, p. 135).  

Outra questão levantada por Christofoletti refere-se à própria definição de ecologia. Para o autor, a Ecologia é uma ciência que explica as interações entre os organismos vivos e seus meio ambientes. O autor coloca ainda que, para a pesquisa, o ecossistema já expressa a idéia de sistemas e de conexões que se inter-relacionam e interagem. Em suas próprias palavras,

[...] a Ecologia é definida como o estudo das interações entre organismos e seus ambientes. Dessa maneira, corresponde ao estudo das estruturas e relações entre organismos vivos e entre os organismos e seus ambientes, especialmente comunidades de plantas e animais, seus fluxos de energia e suas interações com a circunvizinhança. A unidade representativa de análise corresponde ao ecossistema, expresso mais adequadamente na grandeza da escala local (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 36).

No estudo dos sistemas ambientais, a organização espacial é também uma característica a ser analisada, com vistas a nos permitir entender os fluxos de energia e matéria no mesmo.

Os sistemas ambientais físicos representam a organização espacial resultante da interação dos elementos componentes físicos da natureza (clima, topografia, rochas, águas, vegetação, animais, solos) possuindo expressão espacial na superfície terrestre e representando uma organização (sistema) composta por elementos, funcionando através dos fluxos de energia e matéria, dominante numa interação areal [...] (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 42).

E, ainda, no que se refere a esse assunto, Camargo postula que o acaso é a explicação mais eficiente para a maioria dos acidentes ambientais. Na natureza, as leis newtonianas, não são obedecidas de forma absoluta. Isto fica evidente quando o autor afirma que

O acaso e a sua inerente criatividade demonstram que, na natureza, os sistemas complexos que vivem na turbulência, fruto da dinâmica ordem-desordem, mostram que a natureza não obedece a leis newtonianas, porém a interações que agem ao acaso. Na estrutura dessa nova dinâmica de interações, o novo é gerado e estudado pela Teoria da Auto-Organização, pela Teoria da Complexidade, pela Teoria das estruturas dissipativas e pela Teoria do Caos (CAMARGO, 2005, p. 65).

Para essa análise, a geografia, com o apoio do geoprocessamento, configura-se em uma ferramenta relevante para correlacionar os dados geossistêmicos (sistemas ambientais físicos) levantados da pedologia, da geomorfologia, da geologia, do clima e da hidrografia, dentre outros campos de estudo.

A Geografia Física, como subconjunto da disciplina Geografia, preocupa-se com o estudo da organização espacial dos sistemas ambientais físicos, também denominados de geossistemas. Como a expressão concreta na superfície terrestre constitui a relevância espacial para a análise geográfica, torna-se necessário que os componentes do geossistema surjam ocupando territórios, que sejam visualizados em documentos tais como fotos aéreas, imagens de radar e de satélites e outros documentos, sendo sensíveis à observação visual. Deve-se também distinguir as fontes fornecedoras de energia e matéria, responsáveis pela dinâmica do sistema, e as redes de circulação envolvidas nos processos de interação, servindo de canais aos fluxos (CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 42).

Camargo (2005) critica a utilização dos bens naturais para suprir aos ideais modernos, com a externalização do homem à natureza, com o pensamento fragmentado, com a visão cartesiana, com a visão organicista, dentre outros. Ele afirma que a ciência responsável pela evolução moderna em um dado momento, poderá também resolver ou minimizar os problemas do esgotamento dos recursos naturais por meio de novas técnicas e da construção de novos produtos e equipamentos em curto prazo. Pode-se dizer que nesse sentido pode ser uma solução sustentável para o meio ambiente e para a sobrevivência da humanidade, de acordo com Camargo,

Sentindo-se externo ao meio natural, o homem moderno efetivou diferentes intervenções na natureza, baseado no conceito clássico do espaço absoluto, tridimensional, inerte e não participante. O meio natural passa a ser, então, um eterno supermercado de recursos, e, em caso de esgotamento de algum elemento, a mesma ciência, rica e em evolução, tenderia facilmente a redimensionar uma solução técnica e efetivamente eficaz (CAMARGO, 2005, p. 76-77).

Para a visão mecanicista, as partes são meras peças mecânicas, metáfora que foi inspirada no funcionamento de um relógio.

A visão mecanicista do mundo considera que a organização é composta por peças elementares e separadas, mas que se integram em funcionamento similar ao das máquinas, como se fosse um relógio. O traço fundamental dessa orientação é o estabelecimento  de uma natureza composta por fenômenos imbricados em uma cadeia de ligações necessárias [...] (CHRISTOFOLETTI, 1999,  p. 2).

Nessa mesma linha de pensamento, tem-se a visão organicista que se explica a partir da comparação do funcionamento do objeto com os órgãos do corpo humano. Com a frase “Amazônia é o pulmão do mundo”, Christofoletti critica a visão organicista:

[...] o conjunto não é apenas o resultado da somatória dessas partes, mas surge como sendo algo individualizado e distinto, com propriedades e características que só o todo possui. A visão organicista é a proposição mais antiga formulada como alternativa para a mecanicista [...] a Amazônia é o pulmão do mundo baseia-se nessa concepção de visão-de-mundo [...] (CHRISTOFOLETTI, 1999,  p. 2).

O pensamento sistêmico, segundo Capra (1996) é tido como uma rede, uma teia, uma totalidade e inseridos em relações de organização. Nessa concepção, a pesquisa baseia-se na totalidade integrada, portanto a fragmentação e o isolamento provocam uma ruptura nesse todo. 

[...] É a mudança das partes para o todo. Os sistemas vivos são totalidades integradas cujas propriedades não podem ser reduzidas às de partes menores. Suas propriedades essenciais, ou “sistêmicas”, são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui. Elas surgem das “relações de organização” das partes – isto é, de uma configuração de relações ordenadas que é característica dessa determinada classe de organismos ou sistemas. As propriedades sistêmicas são destruídas quando um sistema é dissecado em elementos isolados [...] Aquilo que denominamos parte é apenas um padrão numa teia inseparável de relações (CAPRA, 1996, p. 46-47)

Na abordagem sistêmica, os estudos são relativos, incompletos, não-lineares, contextuais, processuais, como nos mostra Capra (1996) no trecho abaixo:

No novo pensamento sistêmico, a metáfora do conhecimento como um edifício está sendo substituída (sic) pela da rede [...] A natureza é vista como uma teia interconexa de relações, na qual a identificação de padrões específicos como sendo “ objetos” depende do observador humano e do processo de conhecimento [...] O velho paradigma baseia-se na crença cartesiana na certeza do conhecimento científico. No novo paradigma , é reconhecido que todas as concepções e todas as teorias científicas são limitadas e aproximadas. A ciência nunca pode fornecer uma compreensão completa e definitiva [...] O pensamento sistêmico é sempre processual (CAPRA, 1996, p. 48-50).

As pesquisas baseadas nessa concepção geraram uma mudança profunda no entendimento acerca da pesquisa, pois esta não pode ser entendida a partir da análise e sim do aspecto contextual de forma ampla. Isto gerou uma reviravolta no objeto de pesquisa, na medida em que não é mais preciso isolá-lo para que se possa entendê-lo; é necessário sim contextualizá-lo no todo, de forma ampla.  

O grande impacto que adveio com a ciência do século XX foi a percepção de que os sistemas não podem ser entendidos pela análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Desse modo, a relação entre as partes e o todo foi revertida. Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes pode ser entendidas apenas a partir da organização do todo. Em conseqüência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de construção básicos, mas em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é “contextual”, o que é oposto do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento sistêmico significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo (CAPRA, 1996, p. 41).

   

Considerações finais

Tendo em vista o acima exposto, pode-se dizer que o pensamento sistêmico abriu a possibilidade de novas formas de se entender e de se conhecer o objeto a ser pesquisado, principalmente aquelas de cunho ambiental relacionadas às  bacias hidrográficas. Para isto, a pesquisa deverá ser abrangente, contextual, não-linear, interativa, complexa e deverá também correlacionar o equilíbrio dinâmico com o caos, a ordem com a desordem. Diferentemente do pensamento mecanicista que, com base em Galileu e Kepler, postula uma pesquisa linear e analítica. Essa ruptura provocou grandes mudanças na pesquisa geográfica, e também em outras disciplinas, pois deixou de simplesmente analisar somente as partes para analisar a contextualização do todo de forma ampla.

A pesquisa geográfica beneficiou-se dessa abordagem após a década de 1940, com Bertalanffy, mas foi a partir de 1970, com o geoprocessamento, que ocorreram grandes avanços. Essa ferramenta possibilitou o cruzamento de vários atributos, permitindo a construção de cartas geoambientais, assinalando os pontos vulneráveis para a ocupação do solo por atividades humanas (tais como a agropecuária, a indústria e a urbanização). Já as cartas de fragilidades ambientais são feitas a partir de valores quantitativos, para a classificação dos elementos naturais, partindo do menos favorável aos mais favoráveis para a ocupação do solo.

referências

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BERTALANFFY, Ludwig Von. Teria Geral dos Sistemas. Trad. Francisco M. Guimarães. Petrópolis: Vozes, 1973.

CAMARGO, Luís Henrique Ramos de. A ruptura do meio ambiente conhecendo as mudanças ambientais do planeta através de uma nova percepção da ciência: A geografia da complexidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Pensamento Cultrix, 1982.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma compreensão científica dos sistemas vivos. Trad. Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Pensamento Cultrix, 1996.

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CUNHA, Luis Henrique; COELHO, Maria Célia Nunes. Política e Gestão ambiental. In: CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antônio José Teixeira (org.). A questão ambiental: diferentes abordagens. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antônio José Teixeira (org.). Geomorfologia e meio ambiente. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ. Vozes, 2001.

OLIVEIRA, Pérsio Santos. Introdução à sociologia. São Paulo: Ática, 2001.

MORIN, Edgar. O método 1: a natureza da natureza. Trad. Ilana Heineberg. Porto Alegre: Sulina, 2003.

Ilustrações: Silvana Santos