Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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03/09/2010 (Nº 33) DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL
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Educação Ambiental 33

DA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL

 

FOFONKA, Luciana

Bióloga e doutoranda em Análise Ambiental/ UFRGS

 

 

Para falarmos em educação ambiental, primeiramente precisamos ter clareza de como o conhecimento é construído, ou melhor, de como a consciência ambiental é construída.

Em relação à construção do conhecimento Piaget é referência, através de sua teoria do conhecimento, que pode ser entendida como uma construção, sendo que a ação do sujeito constrói conhecimento. O sujeito é ativo em seu processo de construção do conhecimento através da ação sobre os objetos e a interação com as pessoas e não pela apresentação ou demonstração de conceitos prontos. A criança constrói e estrutura o conhecimento interagindo com o mundo. E a ação é dirigida, coordenada, não é desordenada ou ao acaso. As próximas ações ocorrem através da observação, informação e resultados. Para que ocorra o desenvolvimento as ações são comportamentos que estimulam o aparato intelectual da criança (BECKER, 2003).

Para Piaget o desenvolvimento intelectual possui dois componentes, sendo um cognitivo e o outro afetivo (sentimentos, interesses, desejos, tendências, valores, emoções). A motivação para agir surge a partir da afetividade que é encontrada na ação física ou mental. O desenvolvimento intelectual segundo Piaget (1993)  é dividido nos seguintes estágios: sensório-motor (0 a 2 anos), pré-operacional (3 a 6 anos), estágio de operações concretas (7 a 11 anos) e operações formais (12 anos em diante). Cada estágio representa um tipo de equilíbrio, que vai evoluindo para completar cada vez mais esse equilíbrio.

Essa noção de equilíbrio chamada equilibração é fundamental para entendermos o processo de construção do conhecimento. Piaget explica a gênese das estruturas operatórias com o auxílio da compreensão de equilíbrio. Ele elabora a teoria da equilibração que consiste em um mecanismo auto-regulador que é fundamental para garantir à criança uma interação eficiente dela com o meio-ambiente, se resumindo a um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação.

 

Esta equilibração é necessária porque se uma pessoa só assimilasse estímulos acabaria com alguns poucos esquemas cognitivos, muito amplos, e por isso, incapaz de detectar diferenças nas coisas, como é o caso do esquema "seres", já descrito nesta seção. O contrário também é nocivo, pois se uma pessoa só acomodasse estímulos, acabaria com uma grande quantidade de esquemas cognitivos, porém muito pequenos, acarretando uma taxa de generalização tão baixa que a maioria das coisas seriam vistas sempre como diferentes, mesmo pertencendo à mesma classe (TAFNER, 2010).

 

Em relação à construção do conhecimento Maturana & Varela (1995) dão sua contribuição de forma bem particular. Dizem que a vida é um processo de conhecimento e que os seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim através da interação, ou seja, aprendem vivendo e vivem aprendendo.  Ou ainda, que os seres vivos constroem o mundo e, ao mesmo tempo, são construídos por ele.

Maturana & Varela contestam a teoria do representacionismo, que diz que o cérebro humano recebe passivamente informações vindas já prontas de fora. O conhecimento é apresentado como o resultado do processamento (computação) de tais informações. É um fenômeno baseado em representações mentais que fazemos do mundo. Essa teoria fortaleceu a idéia de que o ser humano é o centro do universo, superior e dono da natureza, onde o planeta é um objeto a ser explorado pelo homem para seu benefício. Essa visão representacionista, isto é, considerar as pessoas separadas, fora do meio ambiente favoreceu ações muitas vezes predatórias em relação ao ambiente, graves distorções de comportamento.

Para esses autores o mundo não é anterior à nossa experiência. É através da nossa trajetória de vida que construímos nosso conhecimento do mundo e ele por sua vez também constrói seu conhecimento a nosso respeito. Somos constantemente influenciados e modificados pelo que vemos e sentimos. Com isso somos surpreendidos, ao ver que o que pensávamos ser repetição sempre foi a diferença, e o que considerávamos como monotonia nunca deixou de ser criatividade.

A construção do conhecimento é necessariamente compartilhada, temos uma participação ativa nesse processo. Precisamos sair da comodidade para poder perceber que o mundo é construído por nós, num processo incessante e interativo.

O conhecimento não se resume a um processamento de informações vindas de um mundo anterior à experiência do ser humano, que se apropria dele para fragmentá-lo e explorá-lo. Os seres vivos são autônomos, podem produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio. Sendo autônomos, não irão receber passivamente informações ou comandos vindos de fora. Mas é importante refletir que se considerarmos os seres vivos isoladamente eles são autônomos, mas se observarmos sua interação com o meio, percebe-se que dependem de outros recursos para sobreviver. Nesse contexto vimos a autonomia e a dependência andarem juntas, se complementando.

Partindo do princípio que a vida é um processo de conhecimento e, que os seres humanos constroem esse conhecimento através da interação com o meio, diferente da atitude passiva, de receber tudo pronto, ou ainda parafraseando Maturana & Varela (1995) que dizem que aprendemos vivendo e vivendo aprendendo, chego a conclusão que o que acontece na educação formal é bem diferente desse processo ativo apresentado por esses dois autores.

A escola em geral, os professores, os alunos têm se mantido passivos no processo de ensino-aprendizagem. A educação tradicional ainda prevalece, pois, alguns professores continuam sendo transmissores de conhecimentos. Suas mentes se corrigiram tanto que eles esquecem o processo como a aprendizagem ocorreu. E assim, não entendem que o aluno precisa entender o processo, os passos para chegar até os fins.

Essa relação ensino-aprendizagem tradicional é explicada através do modelo pedagógico chamado por Becker (1994) de Pedagogia Diretiva. Nesse modelo o professor acredita que o conhecimento é transferido e que somente ele é detentor desse conhecimento, que sem a presença do professor o aluno não aprende.

 

O professor considera que seu aluno é tabula rasa não somente quando ele nasceu como ser humano, mas frente a cada novo conteúdo estocado na sua grade curricular, ou nas gavetas de sua disciplina. A atitude, nós a conhecemos. O alfabetizador considera que seu aluno nada sabe em termos de leitura e escrita e que ele tem que ensinar tudo. Mais adiante, frente à aritmética, o professor, novamente, vê seu aluno como alguém que nada sabe sobre somas e subtrações. No segundo grau, numa aula de física, o professor vai tratar seu aluno como alguém sem nenhum saber sobre espaço, tempo, relação causal. Já, na universidade, o professor de matemática olha para seus alunos, no primeiro dia de aula e "pensa": "60% já está reprovado!" Isto porque ele os concebe, não apenas como folha em branco na matemática que ele vai ensinar, mas, devido à sua concepção epistemológica, considera-os estruturalmente incapazes de assimilar esse saber (BECKER, 1994)

 

Se a educação segue nesses moldes, com o aluno se sentindo cada vez mais fora do processo de aprendizagem, alguém que segundo Becher (1994) “renunciou ao direito de pensar e que, portanto, desistiu de sua cidadania e do seu direito ao exercício da política no seu mais pleno significado”, com o processo de educação ambiental não é diferente. Como esse ser que abandonou seu direito de pensar, que deixou de acreditar que sua ação seja capaz de mudar qualquer coisa, será capaz de se sensibilizar frente aos problemas ambientais e ao mesmo tempo mudar seu comportamento em relação a conservação da natureza?  Como despertar nesse aluno um interesse pelas questões ambientais? Como se constrói a consciência ambiental?

Se o aluno se sente fora do processo da aprendizagem, ele também se sente fora do meio ambiente. Mas o que fazer para que o ser humano se sinta também como parte do meio ambiente? Maturana & Varela (1995) acreditam que primeiramente o ser humano precisa observar a si mesmo enquanto observa o mundo. Assim é possível compreender que entre o observador e o observado, ou seja, entre o ser humano e o mundo não há hierarquia nem separação, mas sim cooperatividade na circularidade. Eles reforçam que “os seres vivos e o mundo estão interligados, de modo que não podem ser compreendidos em separado”.

E para que as pessoas se sintam integrantes desse mundo é preciso voltar ao outro ponto de convergência que já foi abordado: o conhecimento não é passivo, mas construído pelo ser humano através de suas relações com o mundo. A consciência ambiental também não é transmitida, ninguém conscientiza ninguém. A construção da consciência ambiental implica na busca e na consolidação de novos valores na forma de ver e viver no mundo, a partir da complexidade ambiental, que possibilita a construção de novos padrões cognitivos na relação do homem com a natureza, ou seja, na produção de processos cognitivos que reconheçam a interdependência e o inacabamento de qualquer ação, de (des) construir e (re) construir o pensamento a partir da ciência, e da sinergia existente no tecido social, ambiental e tecnológico (LEFF, 2001)

Nesse contexto falar e fazer educação ambiental exige muito mais que desenvolver nas escolas, por exemplo, projetos para reciclagem do lixo, confeccionar cartazes alertando sobre os impactos ambientais, passar vídeos sobre essas questões ambientais, organizar saídas a campo... Sem fazer o aluno refletir sobre seu papel no processo de ensino-aprendizagem, sobre a importância de suas ações em relação ao meio em que vive.

Propor a interação do aluno com a natureza, entender como ele vê essa natureza, desenvolver a percepção ambiental, desacomodar, questionar, promover debates que levem os alunos a refletirem sobre essas questões são habilidades necessárias para que o aluno represente e se conscientize da importância de suas ações em relação ao meio ambiente, sendo assim competente para ter uma postura ética e responsável frente aos problemas ambientais. Quando o aluno representa ele se torna competente para formar sua consciência ambiental.

Para Moscovici (2003) as representações são fenômenos específicos que precisam ser descritos e explicados, que estão relacionados com um modo particular de compreender e se comunicar, que cria tanto a realidade quanto o senso comum. Ao representar o sujeito explica à sua maneira, reconstituindo, retocando seu significado. As representações são interações entre sujeito e objeto do conhecimento.

No que se refere a educação ambiental, o professor deve desenvolver uma consciência crítica em relação a sua tarefa, realizando constantes questionamentos sobre o porquê de ensinar teorias para crianças e adolescentes.  Para Lakatos e Marconi (1997) o processo de educar é um ato de construção de conhecimento.

A consciência ambiental só será confirmada no momento em que o aluno tiver clareza no significado de suas ações, atribuindo sentido aos conceitos estudados na vivência de suas práticas diária. Os conceitos sobre ecologia, desenvolvimento sustentável, proteção, conservação ambiental só farão sentido e serão aprendidos pelo aluno, se forem assimiláveis e coerentes com o que ele acredita e vivencia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

BECKER, F. A Origem do Conhecimento e a Aprendizagem Escolar. Porto Alegre, ArtMed, 2003.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica: ciência e conhecimento científico. 2 ed. São Paulo : Atlas, 1997. 256 p.

LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.

 

MATURANA R., Humberto; VARELA G., Francisco. A árvore do conhecimento:

as bases biológicas do entendimento humano. Campinas: Psy II, 1995. 281p

MOSCOVICI, S. (2003). Representações Sociais: Investigações em Psicologia Social. Petrópolis, RJ: Vozes.

PIAGET, J. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

 

TAFNER, Malcon MSc. A construção do conhecimento segundo Piaget. Revista Eletrônica de divulgação científica em neurociência.

Disponível em: http://www.cerebromente.org.br/n08/mente/construtivismo/construtivismo.htm

Acesso em 20 de junho de 2010.

 

Ilustrações: Silvana Santos