Educação Ambiental em Ação1
Plástico forma ilhas de poluição
Em 30/08/2010, publicado por Fabiano Barretto. Categoria: Featured Articles,
Global News
Resistente, versátil, prático e barato, o plástico em poucos anos mudou os
padrões de consumo e comportamento da Humanidade, invadindo quase todos aspectos
de nossas vidas, da alimentação à higiene, do transporte ao vestuário, do
trabalho ao lazer. Mas esta revolução já começa a cobrar sua conta ambiental,
menos de 100 anos da explosão de seu uso, no esforço de
guerra dos anos 40.
24/08/2010
UM MUNDO EMBRULHADO
Plástico forma ilhas de poluição nos oceanos
Cesar Baima
RIO - Ele foi feito para durar e revolucionou a indústria no século XX.
Resistente, versátil, prático e barato, o plástico em poucos anos mudou os
padrões de consumo e comportamento da Humanidade, invadindo quase todos aspectos
de nossas vidas, da alimentação à higiene, do transporte ao vestuário, do
trabalho ao lazer. Mas esta revolução já começa a cobrar sua conta ambiental,
menos de 100 anos da explosão de seu uso, no esforço de guerra dos anos 40.
A produção global de resinas plásticas cresceu de entre 1,5 milhão a 5 milhões
de toneladas anuais na década de 50 para uma estimativa de mais 270 milhões de
toneladas em 2010. Só no Brasil, a produção e consumo de resinas termoplásticas
passou de 5 milhões de toneladas no ano passado, ou quase 28 quilos por
habitante, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast).
E, graças à sua durabilidade, quase todo plástico que foi produzido desde a
criação da primeira resina, há mais de 140 anos, ainda está espalhado por aí, em
aterros sanitários, nas margens de rios, nas praias e até no meio dos oceanos, a
milhares de quilômetros de qualquer sinal de presença humana.
- A poluição por plásticos é um problema global. Não existem barreiras nem
fronteiras para os plásticos. Resíduos já foram encontrados em ilhas remotas do
Pacífico, na Antártica e em muitos outros lugares onde não existe ocupação
humana - diz Juliana Assunção Ivar do Sul, doutoranda do Departamento de
Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora
científica do projeto “Lixo marinho“, que busca somar os esforços no estudo da
questão no Brasil e concentrar os dados sobre ela.
Sacolas plásticas: entenda a polêmica sobre o uso, seus problemas e soluções
Entre os poucos pesquisadores sobre o tema no país está o biólogo Alexander
Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo
(IO/USP). Em recente levantamento, ele estimou em 1,4 bilhão o número de pellets
- pequenas esferas de cerca de meio centímetro de diâmetro - presentes apenas
nas praias da bacia de Santos e São Vicente, em São Paulo, pesando um total de
cerca de 30 toneladas. Estes pellets são a matéria-prima usada pela indústria na
fabricação de sacos, copos e milhares de outros utensílios de plástico que
depois vão parar nos lixões, no mar e também nas praias. Segundo ele, este
material geralmente é perdido no seu transporte, quando é descarregado de navios
ou levado por caminhões para as fábricas.
- É incrível. Antes mesmo de virar um produto, o plástico já está poluindo. E é
um contrassenso, já que os pellets são uma matéria-prima valiosa - comenta.
Ninguém está a salvo dos lixões marinhos
Saco plástico afunda entre recifes no Mar Vermelho: de produto evolucionário à
preocupação ambiental
Durante séculos, o homem acreditou que, com sua vastidão, os imensos oceanos do
planeta seriam capazes de assimilar e diluir o que quer que se jogasse neles. A
realidade, no entanto, mostrou-se bem diferente. Em 1997, após participar de uma
regata, o americano Charles Moore e sua tripulação voltavam de catamarã do Havaí
para o sul da Califórnia quando o capitão decidiu alterar o curso e experimentar
uma nova rota, um pouco mais ao norte, passando pela borda do chamado Giro
Subtropical do Pacífico Norte, uma grande área do oceano que, apesar das águas
calmas, normalmente era evitada pelos marinheiros.
Os anos de experiência no mar, porém, não prepararam Moore para o que ele
encontrou lá: pedaços de redes, sacolas, garrafas e tampas; brinquedos, escovas
de dentes, tênis e isqueiros. De embalagens de óleo e produtos de limpeza a
cones de sinalização em estradas, Moore viu boiando praticamente todo objeto
possível de ser feito com plástico. De volta para casa e chocado com a imagem de
tanta sujeira em um lugar tão isolado, ele abandonou seu negócio de reforma de
móveis para criar a Fundação de Pesquisa Marinha Algalita (AMRF, na sigla em
inglês) e estudar o que batizou e passou a ser conhecida como a “Grande Mancha
de Lixo do Pacífico“.
Com uma área estimada em mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados, o lixão do
Pacífico cobre uma extensão maior que o estado do Pará. E também não é o único.
Existem mais quatro giros oceânicos semelhantes no mundo, verdadeiros vórtices
formados pela ação das correntes marítimas e dos ventos e que lentamente
acumulam em seu interior o lixo que chega no mar e eventualmente não é devolvido
à costa. Na semana passada, artigo publicado na revista “Science” trouxe uma
radiografia de outro destes grandes lixões marítimos, no Atlântico Norte. Ao
todo, os cinco giros cobrem mais de 40% da superfície dos oceanos, ou um quarto
do globo terrestre.
Não existem estatísticas precisas sobre a poluição oceânica, mas os cálculos são
de que passa de 600 milhões de toneladas a quantidade de plástico nos oceanos.
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o plástico
representa 70% de todos os detritos encontrados no mar, com 46 mil pedaços
flutuando a cada 2,58 quilômetros quadrados de oceano. Além disso, estima-se que
chegam nos oceanos aproximadamente 10% de toda a produção anual de plásticos, a
maior parte (80% a 90%) carregada pelas chuvas e rios de fontes em terra, como
aterros sanitários e o descarte direto em mananciais e no litoral.
Um dos grandes obstáculos para chamar a atenção para o problema, porém, é que
grande parte desta sujeira não é facilmente visível. Isso porque, embora a
maioria dos plásticos não seja biodegradável, a ação do Sol e da água faz boa
parte dele se fragmentar relativamente rápido, sumindo da vista humana. A
própria Grande Mancha do Pacífico, com uma estimativa de 150 milhões de
toneladas de plásticos, é uma sopa de água e poluição com, em média, 10 metros
de profundidade.
- Temos que nos preocupar com o que a gente vê e o que a gente não vê. Em
algumas partes do oceano, quando se passa uma rede de plâncton (rede muito
fina), capturamos mais partículas plásticas, fibras, do que organismos. O
plástico some de nossa vista, mas é só pôr num microscópio para vermos que ele
está lá - diz Turra.
A primeira vítima de toda essa poluição é a fauna marinha, já que durante os
milhões de anos em que estes animais evoluíram eles podiam considerar
praticamente tudo que caía na água como alimento. De acordo com relatório da ONG
internacional Greenpeace, ao menos 267 espécies, entre tartarugas, mamíferos,
pássaros marinhos e peixes, consomem resíduos plásticos ou os levam a seus
filhotes julgando tratar-se de comida. Já a ONU calcula que mais de um milhão de
pássaros e 100 mil mamíferos e tartarugas marinhas morrem por ano por comerem ou
ficarem presos em restos de plásticos. Só no remoto Atol de Midway, próximo ao
Havaí, o lixo que vai dar nas suas praias provoca a morte de metade dos 500 mil
filhotes de albatrozes que nascem anualmente no local. Já no Brasil,
levantamento recente de Fernanda Imperatrice Colabuono, Satie Taniguchi,
Rosalinda Carmela Montone, também do Instituto Oceanográfico da USP, encontrou
plástico no sistema digestivo de 28% dos pássaros marinhos recolhidos já mortos
ou feridos no litoral do Rio Grande do Sul.
- O consumo de plástico pelos animais faz com que grande parte acabe morrendo,
tanto por ação mecânica, como engasgamento, quanto por uma sensação falsa de
saciedade. Eles param de comer porque estão com o estômago cheio, mas é de lixo
- conta o biólogo da USP. - Em toda praia que eu fui nos últimos quatro anos, e
foram muitas, eu vi pellets. É um problema ambiental que ocorre de forma
disseminada do Sul ao Nordeste do Brasil. Até em locais como Fernando de Noronha
eles estão presentes - acrescenta.
Mas os problemas gerados pelo plástico nos oceanos não ficam por aí. Por
repelirem a água, as resinas acabam atraindo diversos outros tipos de poluentes
hidrofóbicos, principalmente compostos orgânicos venenosos como pesticidas (DDT)
e bifenilos policlorados (PCBs), funcionando como verdadeiras esponjas de
sujeira. Estas substâncias - além do próprio plástico, tratado com aditivos
tóxicos como bisfenol A, que podem causar câncer e infertilidade - vão se
acumulando ao longo da cadeia alimentar e chegam aos seres humanos. Um
zooplâncton, por exemplo, pode consumir um pedaço microscópico de plástico cheio
destes poluentes. Depois, este zooplâncton é comido por um organismo maior, que
por sua vez alimenta um pequeno peixe, comido por outros de tamanhos crescentes
até chegar no atum, um dos maiores predadores dos oceanos. Por fim, este atum,
carregado de produtos tóxicos, é pescado e servido em um restaurante japonês
qualquer.
- Assim, o ser humano também acaba sendo indiretamente afetado - comenta Turra.
E, quanto menor é este pedaço de plástico no mar, maior é sua capacidade de
agregar outros poluentes, lembra Juliana, da UFPE.
- Quanto mais fragmentado o plástico, maior é sua relação superfície/volume, o
que faz com que ele possa carregar uma maior quantidade destas substâncias. E
uma infinidade de animais está consumindo estes restos - diz ela.
Redução do consumo e reciclagem são caminho
“Todo mundo é plástico, mas eu amo plástico. Eu quero ser plástico”, disse o
artista americano Andy Warhol na década de 60. Embora ele se referisse à
indústria do entretenimento de Hollywood, não está muito longe da realidade
atual. Abolir estas resinas de nosso dia a dia seria muito difícil, para não
dizer impossível. Boa parte da comida que consumimos vem acondicionada - e
preservada - em embalagens plásticas, e praticamente para qualquer lado que
olhemos ele está presente. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria do
Plástico (Abiplast), as principais destinações da produção nacional no ano
passado foram os setores alimentício (17,5%), de construção civil (15,6%), de
embalagens (14,5%) e agrícola (10,6%). Isso, porém, também não quer dizer que
não se devam buscar alternativas e soluções. Já existem plásticos
biodegradáveis, mas, como eles ainda são bem mais caros do que os comuns, sua
fabricação e uso é muito pequena.
Além disso, se por um lado a durabilidade e persistência das resinas plásticas
são um problema para o meio ambiente, elas também podem ser parte da sua
solução. Como não se degrada, um mesmo plástico pode ser reutilizado várias
vezes. Para tanto, porém, é preciso incentivar sua reciclagem, com ações de
educação ambiental e coleta seletiva. Segundo dados do Plastivida, instituto
sócio-ambiental mantido pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim),
o índice de reciclagem de plásticos no Brasil estava em 21,2% em 2007. É uma
proporção equivalente a de países desenvolvidos como Holanda (20,8%) e Suíça
(21,8%), acima da média da União Europeia no mesmo ano (18,3%) e bem superior à
dos EUA, que está entre apenas 5% e 10%.
- O plástico sempre pode ser reciclado e este seria o caminho mais lógico. A
capacidade de reaproveitamento é justamente um dos trunfos do produto. Não vamos
nem podemos abolir os plásticos, mas devemos usá-los com mais sabedoria -
defende Alexander Turra, da USP, para quem a primeira coisa a se fazer é
implantar sistemas de gestão que, no caso dos pellets, garantam uma perda zero
para o meio ambiente, além de maior racionalidade do seu uso em embalagens. -
Outro dia ganhei um presente que vinha envolto em cinco folhas
de plástico. Para quê isso?
Um dos principais fatores que podem estimular a reutilização dos plásticos é o
econômico. Para começar, a fabricação das resinas consome cerca de 8% da
produção mundial de petróleo. Com a expectativa de uma crescente escassez, e
consequente aumento do preço, do insumo, fazer mais plástico novo vai ficar cada
vez mais caro. Além disso, de acordo com relatório do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) deste ano, a indústria da reciclagem poderia gerar
ganhos de mais de R$ 8 bilhões anuais no país, com os plásticos respondendo pela
maior parte deste potencial econômico, com mais de R$ 5 bilhões.
- Assim, mesmo que a gente não incentive o reuso, o mercado vai acabar regulando
isso. Uma hora a reciclagem vai se tornar mais atrativa economicamente e, quando
esta hora chegar, vai começar a faltar plástico nos lixões - acredita o biólogo.
Mas há limitações para a reutilização das resinas. A legislação brasileira e em
muitos países onde ela existe não permite o uso de plástico reciclado na
fabricação de novas embalagens para produtos alimentícios. Desta forma, cada
nova caixinha de leite ou pacote de biscoito vai sempre demandar uma boa dose de
plástico “virgem”.
Enquanto a reciclagem não avança, no entanto, a melhor defesa parece ser mesmo o
ataque, com medidas de restrição do uso que levem a uma redução do consumo geral
de plásticos. É o caso, por exemplo, de recente lei em vigor no estado do Rio de
Janeiro, que determina que supermercados e estabelecimentos comerciais de médio
e grande portes substituam os sacos plásticos por sacolas reaproveitáveis. Só no
estado são usadas cerca de 200 milhões de sacolas plásticas por mês, ou quase
2,5 bilhões por ano. Para estimular a adesão do consumidor, a medida prevê ainda
um desconto de R$ 0,03 no valor da compra para cada cinco itens adquiridos por
quem opte não usar os sacos descartáveis, ou um quilo de arroz ou feijão para
quem devolver 50 deles para reciclagem.
- Esta é uma excelente medida. As sacolas representam uma boa parte de todo lixo
encontrado em terra e nos aterros sanitários e também um grande problema no mar
e nas praias. Elas são especialmente danosas para os animais, principalmente
tartarugas e mamíferos, que as confundem com alimentos como águas-vivas e as
ingerem, ou ficam presos nelas - considera Juliana Assunção Ivar do Sul, da
Universidade Federal de Pernambuco.
Legislações semelhantes já existem em vários outros países, que também vão além.
No início deste ano, a cidade americana de Concord, no estado de Massachusetts,
proibiu a venda de água engarrafada. As garrafinhas de água e outras bebidas são
outra praga da poluição por plásticos. Só nos EUA, são usadas 2,5 milhões destas
por hora.
- Antes mesmo da reciclagem, o que precisamos mesmo é reduzir o consumo. Estamos
vendo um aumento desenfreado da produção de plásticos porque a sociedade já não
consegue mais viver sem eles. A redução do uso levará a um menor descarte -
acredita a pesquisadora.
E quanto a todo plástico que já está nos oceanos? Neste caso, não há muito o que
fazer, lamentam os cientistas.
- Este plástico vai ficar para sempre e, em qualquer ambiente em que ele
estiver, terá algum tipo de impacto - diz Juliana.
- Por isso, precisamos trabalhar sempre antes de o problema acontecer.
Depois, não tem o
que fazer, é só secar gelo, já que a quantidade de plástico que entra no mar é
bem maior do que a que pode ser retirada. O que já está no mar não é
recuperável, já era, Inês é morta - avalia Turra.
O Globo
Fonte:
http://www.globalgarbage.org/blog/index.php/2010/08/30/plastico-forma-ilhas-
de-poluicao-nos-oceanos/