Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
19/09/2003 (Nº 3) Entrevista: Uma envolvente estória de amor entre Ellen e a Educação Ambiental
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Entrevistada: Ellen Regina Mayhé Nunes
Entrevista: Uma envolvente estória de amor entre Ellen e a Educação Ambiental

Por: Berenice Gehlen Adams

A entrevistada desta edição é Ellen Regina Mayhé Nunes. Ellen é professora da PUCRS, formada em biologia, é mestre em educação e fez o doutorado em Engenharia de Produção. Conheci Ellen pela Internet, através da lista de discussão. Tive o prazer de conhecê-la pessoalmente em uma reunião preparatória para o I Simpósio Sul Brasileiro de Educação Ambiental de Erechim, na PUC/RS. Vamos conhecer um pouco mais desta profissional engajada pela consolidação da Educação Ambiental.

- Ellen, como foi que você iniciou seu trabalho com a Educação Ambiental? Conte-nos um pouco de sua trajetória.

Em janeiro de 1980 cheguei em Porto Alegre, vinda do Rio de Janeiro, recém formada em Biologia, para fazer uma especialização em Ecologia, na UFRGS, que foi um dos primeiros cursos de pós-graduação na área criado no Brasil.

No final desse ano, eu estava na Estação Ecológica do Taim, na parte mais meridional do Brasil, fazendo uma disciplina de ecologia animal com o professor Dr. Fernando Dias de Ávila-Pires, um renomado biólogo e ecólogo brasileiro e grande mestre.

Numa tarde depois do trabalho, conversando com o Fernando, sobre possíveis áreas de pesquisa da ecologia (me recordo que naquela época eu andava muito interessada em pesquisar as aranhas), ele falou na educação ambiental.

Depois de reafirmar minha intenção de me dedicar à pesquisa básica de ecologia, de preferência estudando as restingas (minha paixão até hoje) e se possível suas aranhas, Fernando voltava a insistir no assunto. Ele estava voltando recentemente de uma Conferência na Europa e verificou que não se falava em outra coisa por lá, e na sua opinião, esta seria a temática do futuro.

Daí, para minha surpresa, ele falou que eu deveria me dedicar à educação ambiental.

Ainda relutante perguntei do que se tratava realmente, qual bibliografia ele indicava, por onde deveria começar meus estudos, estas coisas. O Fernando havia trazido de Paris, um livro publicado pela UNESCO em 1977 que apresentava os princípios gerais da educação ambiental.

Este foi então o primeiro livro de educação ambiental com o qual eu tive contato e um dos primeiros publicados pelo Programa Internacional de Educação Ambiental PIEA/PNUMA.

Depois disso me cadastrei no Programa Internacional de EA da UNESCO para receber o Boletim Contacto. Cadastrada comecei a receber os Resumos e os Anais dos principais eventos que o Programa realizou por mais de uma década, como por exemplo, o Seminário de Belgrado, a Conferência de Tbilisi, a de Moscou, e de outros eventos realizados na América Latina e Caribe.

No início de 1981 eu já estava totalmente envolvida pela educação ambiental. Concluído o curso de especialização abandonei os estudos sobre a restinga e comecei a realizar as minhas primeiras palestras no Rio Grande do Sul.

O primeiro estágio foi no Centro de Ciências do Rio Grande do Sul, o CECIRS, como bolsista da Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos, sob a orientação do Professor Georg Hennig, um dos pioneiros da educação ambiental aqui do Estado. Ele criou em 1979 o “Projeto Natureza” na Secretária da Educação, que realizou mais de cinco encontros estaduais, reunindo grupos cada vez maiores de professores da capital e do interior.

A esta altura meu interesse pela ecologia básica e aplicada passou para um plano secundário, mas não foi até hoje abandonado.

De 1982 até 1985, atuei na Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAM) como coordenadora do trabalho de educação ambiental. Na SMAM tive a oportunidade de elaborar o projeto de educação ambiental para a Reserva Biológica do LAMI, cujos subprojetos 1 e 2 chegaram a ser implantados. Também realizamos em 1983 o 1º Seminário de Educação Ambiental, cuja palestrante principal foi a maravilhosa Drª Judith Cortezão. Quando ingressei na Universidade em 1988, passei a me dedicar aos aspectos epistemológicos da Educação Ambiental e de lá para cá estive cada vez mais envolvida com a educação ambiental, na docência e na pesquisa em educação ambiental, como docente, pesquisadora e orientadora.

Somos resultado de um processo que sofre muitas influências e na década de 80 as leituras de alguns autores foram fundamentais para a construção do meu referencial teórico, dentre os mais importantes de todos cito o Fritjof Capra em primeiro lugar e o Edgard Morin. Mais recentemente a Marilyn Ferguson, o Humberto Maturana e Francisco Varela, e o Gunter Pauli, aos quais sou muito agradecida pela contribuição das suas idéias à expansão da minha visão de mundo.

- Quais são as maiores dificuldades e como você lida com as dificuldades encontradas nesta trajetória?

Peço desculpas se o que vou dizer pode parecer arrogância, mas no início, bem no início, lá por 81-82, uma dificuldade era a falta de interlocutores. Faltava gente para discutir, trocar idéias, experiências, uma vez que o boom da educação ambiental no Brasil, só foi ocorrer no final dos anos oitenta, e como eu comecei a me envolver com o tema no inicio da década, muitas vezes me sentia solitária nesta caminhada. Lembro-me que aqui no Rio Grande do Sul éramos poucos, uns quatro ou cinco, os que estavam se envolvendo com a educação ambiental.

Outra dificuldade era a escassez da literatura, a maior parte em idioma estrangeiro. Também eram raros os eventos onde esta temática era debatida.

Na universidade nem se fala. Só para dar uma idéia da situação, somente neste ano a ANPED aprovou a criação de um grupo de estudos, isto tudo graças ao trabalho incessante de muitos pesquisadores e docentes universitários.

Mas no fundo no fundo, eu sempre achei que a maior dificuldade era lidar com as contradições inerentes ao discurso e a prática da educação ambiental, principalmente o viés preservacionista, o que só enfatizava a defesa da natureza, e indiretamente excluí o ser humano do processo.

É muito difícil falar no problema da escassez, poluição e conservação da água para pessoas sem saneamento básico. Assim como falar do problema do lixo, com pessoas para as quais o lixo representa uma oportunidade de trabalho e renda e na sua contribuição para a alimentação de um número representativo de pessoas.

O maior desafio é mostrar as contradições existentes num modelo de desenvolvimento que é imediatista, injusto e insatisfatório. É mostrar, por exemplo, que os ideais de consumo e elevado padrão de vida em bases materiais é insustentável para todos os mais de 6 bilhões de seres humanos. Mas que é possível optar por outro modelo que leve em consideração as necessidades humanas e respeite a capacidade de carga da base de sustentação da vida.

Trabalhar com educação ambiental é olhar as diferenças e injustiças sociais e acreditar que um outro caminho é possível. Mas que este caminho exige mudanças radicais na estrutura política, social e econômicas das nações, principalmente, em relação a concentração da riqueza e consumo excessivo de bens naturais.

Os ideais da educação ambiental falam de justiça e eqüidade social, associadas à conservação e preservação dos bancos genéticos da biodiversidade e do conjunto da vida no planeta. A preservação não é somente da natureza ou dos seres humanos, mas a preservação da vida no planeta terra. Temos que começara a estudar a Teoria de Santiago (de Maturana e Varela) para começarmos a aprender com a vida, através de uma outra abordagem de cognição.

Outro aspecto é trabalhar a inclusão na educação ambiental. Fazer com que todos os indivíduos tenham dignidade e acesso aos seus direitos mais elementares, me parece ser um grande desafio para os educadores ambientais.

Conseguir que as pessoas se organizem e se mobilizem para conquistar os seus direitos no sentido de uma melhor qualidade de vida, pressionando os administradores e os políticos responsáveis pelo saneamento básico, habitação, trabalho e lazer, me parece ser um êxito da educação ambiental.

Sempre trabalhei com a perspectiva de que a educação ambiental possui um processo interno poderoso de educação política, e procurei trabalhar a educação ambiental não como panacéia, mas como possibilidade de mudar o papel e a atuação do educador, do líder comunitário do técnico, do empresário nas suas realidades específicas.

A educação ambiental não pode ser neutra. Dentro de sua multiplicidade de manifestações ela pode ser tudo, mas não pode ser nunca neutra!

Ao longo destes anos trabalhando com a perspectiva política da educação ambiental, constatei que se trata de um poderoso processo pedagógico, possível de provocar avanços na chamada cultura ambiental, que se manifesta através da cidadania ambiental.

Enfim, tenho procurado colaborar neste grande movimento socioeducativo que vem se construindo e reconstruindo ao longo destas três últimas décadas do século passado, o que por si só já é recompensador, pois indica que a educação ambiental é efetivamente futuro, construído no presente de todos nós.

Por fim, gostaria de dizer tenho tentado trabalhar como educadora ambiental, colocando-me sempre como aprendiz do meu próprio trabalho, das minhas próprias ações e contradições.

Considero muito dialético o processo individual do educador e da educadora ambiental que é por isso contraditório. É impressionante o que aprendemos no processo, é não bom ser patrulha de ninguém, evitando ser aquele que aponta, cobra, acusa, mas o que é capaz de ensinar a partir de seus próprios exemplos.

- A Internet tem-se revelado como uma importante ferramenta para a consolidação da Educação Ambiental. Como você vê esta questão?

Acredito que a rede mundial veio para agilizar a tessitura da teia e conectar a consciência ecológica e planetária. É impressionante o universo criado pelo mundo virtual hoje. Estes são tempos de grandes inventos, de muita expansão tecnológica, mas considero que o desenvolvimento que a informática permitiu é maravilhoso!

Creio que a Internet serve hoje como um canal de informação, mas também de aproximação de pessoas, como no caso das redes e listas de educação ambiental.

Na PUCRS estou atualmente vinculada à Faculdade de Educação onde atuo como pesquisadora do Centro de Informática na Educação, e uma de nossas pesquisas atuais é “O uso da internet pelos professores da educação infantil para a educação ambiental”.

O que estamos verificando é que tem muita informação na Internet que contêm inverdades e erros científicos grosseiros, por isso é preciso saber filtrar, pois corre-se o risco de ficar mal informado. Além das questões pertinentes á informática educativa, no que se refere aos indicadores de qualidade para sites.

acredito que a alfabetização científica diminuiria um pouco este aspecto preocupante da rede, pois assim as pessoas poderiam desconfiar das fragilidades de algumas “pesquisas’ que são divulgadas na rede.

E por fim penso que o aspecto mais assustador, que está também relacionada à alfabetização científica, é a fábrica de cópias e plágios de trabalhos escolares e acadêmicos, praticados nos diferentes níveis de escolaridade, é o cola/recorta a ferramenta mais eficiente para fortalecer a mediocridade.

Os professores/educadores comprometidos com a ética e a cidadania deveriam coibir com mais intensidade esta reprodução do conhecimento, e fazer os estudantes acreditarem que é mais importantes formular perguntas do que repetir respostas.

Nos últimos anos a Internet expandiu a educação ambiental numa velocidade que não ocorreu nas últimas duas décadas, e isso é sem dúvida, espantosamente maravilhoso!!

- Falar em Educação Ambiental é falar em mudanças na educação. O que você considera importante ser modificado dentro do sistema educacional vigente para que ocorra a consolidação da Educação Ambiental?

Considero essencial que a mudança principal, ocorra nos cursos de formação dos docentes em todos os níveis e nas diferentes áreas.

Existe uma crítica muito severa sobre a atuação do professor, em relação ao uso de metodologias que não motivam os alunos, e pela utilização de sistemas de avaliação que valorizam mais a reprodução do conhecimento do que sua reconstrução.

Também ocorrem críticas ao comportamento autoritário e algumas vezes prepotente do professor em relação ao aluno e vice versa, prejudicando a riqueza da relação entre quem ensina e quem aprende.

Para que os professores tenham uma prática diferenciada, realizando projetos, discussões, produção textual e estimulem a apresentação de trabalhos orais que auxiliam a desinibição, é fundamental que durante sua formação tais atividades tenham sido adotadas pelos seus educadores, para que sejam a sua referência profissional. É quase inevitável a reprodução depois na prática, dos modelos mais presentes durante a formação profissional, em qualquer área.

No caso da docência, muitas vezes os jovens professores lidam com muitas dificuldades, uma delas lidar com crianças e jovens que apresentam cada vez mais sérios problemas de limites, que em alguns casos são dificuldades psicopedagógicas.

Considero esta situação extremamente crítica.

Outro caso, a educação ambiental, segundo orientações pedagógicas e legais, deve ser tratada de forma transversal, ou seja, a dimensão ambiental deve estar contemplada no currículo e programas de todas as disciplinas, exigindo que ela esteja presente na formação de todos os profissionais, e em especial na formação dos professores.

É fácil falar que os professores precisam trabalhar com os temas transversais, ou aplicar os princípios da interdisciplinaridade na ação pedagógica. Mas não é fácil colocar isso em prática não!

Porque fazer isso implica numa mudança radical (no sentido de ir fundo, até a raiz) na visão de educação, de mundo, de ciência e do papel dos seres humanos na teia planetária.

Isso exige que o pensamento, a visão e a ação ocorram numa perspectiva sistêmica e não linear como aprendemos e agora ensinamos.

Aceitar a complexidade do mundo e sua diversidade e colocar em prática virtudes poderosas que a educação ambiental ajuda a consolidar.

- Para finalizar, qual é a importância da Educação Ambiental e como são trabalhados os conceitos acerca desta temática? Aproveite para deixar uma mensagem aos/as leitores/as da Educação Ambiental em Ação.

Vou resumir a importância da educação ambiental com uma palavra, pois para mim ela é – fundamental.

Como eu tenho contato com pessoas que se envolvem com educação ambiental em diferentes realidades, verifiquei que os conceitos são trabalhados de forma a adequá-los ao público alvo e a realidade local. Hoje sabemos que a educação ambiental enquanto processo pedagógico abarca uma diversidade muito grande de metodologias, enfoques e abordagens.

O que me parece ser relevante em todo o processo da educação ambiental, seja formal ou não formal, é que os indivíduos - educandos e educadores - sejam respeitados nas suas idiossincrasias, e que as atividades e ações levem em consideração as particularidades do entorno, ou seja, do contexto social.

Penso que nós seres humanos precisamos reaprender a nossa existência na Terra, para podermos enxergar e entender que a teia da vida é um intricado movimento de aprendizagem que vem ocorrendo há bilhões de anos.

Para isso é necessário que incorporemos a modéstia que nos cabe em relação a quem somos, da onde viemos e para onde vamos. O avanço do conhecimento humano no campo da ecologia nos faz compreender que somos apenas mais um elo da corrente de sustentação da vida na Terra.

Por isso acredito que agora, além da necessidade da educação ambiental é preciso desencadear com urgência um amplo processo de alfabetização ecológica, visto que é fundamental que todos adquiram conhecimentos básicos de ecologia, para que se possa aprender com a vida, que não pára nunca, de aprender.

Vejo que os educadores e educadoras ambientais são pessoas muito altruístas, desprendidas e dedicadas ao outro e ao mundo. Digo isto porque todo educador e educadora ambiental trabalham para o futuro e dependendo da situação, é um futuro muito longínquo, o que significa que provavelmente eles não vejam o resultado das mudanças pelas quais se dedicam. Mas isso para um verdadeiro educador e educadora ambiental não tem a menor importância. Isso é o verdadeiro compromisso intergeracional.

Acredito na idéia de que somos seres espirituais vivendo uma aventura humana, por isso acredito, também, que com o nosso trabalho estamos contribuindo para um novo tempo que está por vir, e que depende muito das decisões que estamos tomando agora no presente. A vida está continuamente a aprender, Oxalá consigamos aprender com ela!

Ilustrações: Silvana Santos