Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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A
ESCOLA E OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA: A PRODUÇÃO DE
ALIMENTOS DE ORIGEM ANIMAL THE
SCHOOL AND THE CHALLENGES OF CONTEMPORARY ENVIRONMENTAL EDUCATION: THE
PRODUCTION OF FOODS OF ANIMAL ORIGIN Rossano André Dal-Farra
Licenciado em Ciências Biologia (ULBRA). Médico Veterinário (UFRGS). Mestre em Zootecnia (UFRGS). Doutor em Educação (UFRGS). Professor, Pesquisador e Assessor Pedagógico na Universidade Luterana do Brasil. Atua no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA. RESUMO
– A produção intensiva de alimentos de origem
animal tem sido discutida atualmente em função da sua interface com os
discursos relativos à proteção do ambiente e à defesa do bem estar animal,
principalmente diante dos desafios enfrentados para abastecer cidades cada vez
mais populosas como temos no Brasil. Com base nestes aspectos, este texto tem
como objetivo trazer este debate para a Educação, buscando problematizar o
tema e a suas repercussões no Ensino de Ciências e na Educação Ambiental. Palavras-chave:
Criação de animais, Ensino de Ciências,
Educação Ambiental ABSTRACT
– The
intensive production of foods of animal origin has become the object of current
discussions due to the interface it has with the discourses related to
environmental protection and to animal rights, especially in the light of the
challenges faced to supply food to ever increasing urban populations, as
observed in Brazil. Based on these aspects, this text aims at inserting this
discussion in the field of Education studies, with a view to investigating the
issues concerning the theme and the repercussions thereof to the teaching of
Sciences and to Environmental Education. Key
words: Science
Education, Environmental Education, Livestock INTRODUÇÃO Mesmo que as pessoas possam ter gostado dos animais desde sempre, a história nos ensina que elas gostaram deles de formas profundamente diferentes sob
condições históricas diversas (FRANKLIN, 1999, p. 53). A
decisiva intervenção do ser humano no ambiente em que vive, bem como os
reflexos deste processo sobre a vida na Terra, suscitam um amplo debate na
atualidade a respeito da proteção do ambiente e da defesa do bem estar das
outras espécies de animais que convivem conosco, mormente em relação aos
conflitos deste discurso com as necessidades de produção de alimentos em
grande escala para o abastecimento de cidades cada vez mais populosas. O
discurso ambiental tem sido cada vez mais inserido na contemporaneidade, como
pode ser observado a partir dos reflexos resultantes de eventos como a Conferência
da ONU para o Ambiente Humano de 1972, o Programa Internacional de Educação
Ambiental de 1975 pela Conferência de Belgrado, a Conferência
Intergovernamental de Educação Ambiental de Tbilisi em 1977, e a Conferência
Internacional sobre Educação e Formação Ambiental da UNESCO em Moscou no ano
de 1987, que ratificou a necessidade de introduzir o tema na educação formal.
E mesmo que as preocupações com o ambiente ganhem matizes diferenciados em
relação ao grau admitido para a intervenção do ser humano na utilização
dos recursos naturais, se torna inegável que, nas últimas décadas, há um
maior espaço para a discussão destes temas, tanto na mídia, como na escola
(DAL-FARRA, 2007). Este
processo se corporificou ainda mais com a institucionalização da Educação
Ambiental no Brasil, cristalizada por ações efetivas do Ministério da Educação
desde 1991 até o período atual, destacando-se a Portaria 678, na qual o MEC
institui que os currículos de diferentes níveis devem contemplar conteúdos
relativos a Educação Ambiental, assim como a ampliação das ações
administrativas e pedagógicas nas últimas décadas, como pode ser observado
com a inclusão do tema Meio Ambiente de forma privilegiada nos Parâmetros
Curriculares Nacionais em 1997 e 1998, assim como em documentos importantes como
a Resolução No. 13 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
de 7 de abril de 2006, a respeito da Educação Ambiental e a sua operacionalização
na Educação Brasileira (BRASIL, 2006).
Este
cenário suscita diferentes posicionamentos em relação ao papel do ser humano
frente aos outros seres que coabitam o planeta conosco, da mesma forma que
levanta uma questão crucial a ser debatida pelos educadores brasileiros,
considerando as peculiaridades de um país agropecuário como o Brasil, bem como
as suas profundas carências em relação aos aspectos ambientais resultantes,
principalmente, da implantação de um processo acelerado de desenvolvimento no
século XX sem que houvesse um planejamento prévio. Diante
destes aspectos, o objetivo deste texto consiste em trazer este debate para a
educação, buscando problematizar a questão por meio da reflexão a respeito
das abordagens que este tema pode suscitar no Ensino de Ciências e, de forma
mais ampla, nos Programas de Educação Ambiental, considerando a profunda
escassez de publicações que há em torno deste tema. ANIMAIS DE PRODUÇÃO A
criação de animais para a utilização como produto de consumo acompanha a
história da humanidade, alimentada por discursos diferentes em diferentes
culturas. Entre a categoria de animais que servem de alimento, temos um conjunto
de seres (principalmente herbívoros) domesticados pelo ser humano há muitos séculos.
A civilização européia, chega a afirmar Thomas (1984, p. 25), seria impossível
sem os animais de produção. Ao
longo do século XX, ocorreram expressivas alterações no sistema de produção
de alimentos de origem animal inspiradas pelo fordismo, provocando grandes
transformações neste ramo produtivo e no cenário rural/urbano como um todo.
Franklin (1999, p. 39-40) comenta a respeito do tema elencando os seguintes
aspectos que alavancaram este processo: ·
Ampliação das áreas para pasto no Novo Mundo, resultando num
maior potencial para a produção de alimentos no globo, permitindo assim a
produção em grande escala. ·
Desenvolvimento técnico-científico
permitindo acondicionamento e armazenamento de carne pela refrigeração,
facilitando a comercialização a distâncias maiores e proporcionando um
incremento no consumo de carne no mundo. ·
Desenvolvimento técnico-científico
gerando uma produção mais especializada e industrial de carne, associada com a
comercialização do produto a preços mais baixos. ·
Concentração dos processos de
abate e beneficiamento da carne, resultando em linhas de produção mais
otimizadas e, principalmente, separando estes processos dos grandes centros
urbanos. Este processo culminou no século XX com a expansão da indústria de
produtos de origem animal como carne, leite, ovos e produtos de pesca, inseridos
na lógica intensiva de produção articuladas com os conceitos do fordismo
(FRANKLIN, 1999, p. 5), no qual a racionalização da produção e o processo de
divisão do trabalho alavancaram a produtividade (HARVEY, 1992, p. 121). No período pós-guerra, houve uma transformação absoluta na vida
cotidiana das pessoas, tanto na comunicação, quanto em relação às indústrias
em geral, ocorrendo a transformação dos hábitos alimentares pela introdução
de produtos como a comida desidratada, os hortigranjeiros industrializados e as
carnes com enzimas visando alterar o sabor (HOBSBAWN, 1994, p. 260). Neste sistema de produção, os animais deixam de receber alimentos
e passam a ter insumos, deixam de ser tratados e passam a ser administrados,
deixam de receber somente medicamentos individuais, e passam também a recebê-los
na comida e/ou na água, além de serem avaliados por números ou índices. Tal
incremento da indústria da produção animal teve um grande impacto na vida
social da segunda metade do século XX. Neste mesmo período, as agroindústrias
trouxeram grande desenvolvimento a algumas regiões do nosso país, e também
possibilitaram a produção de alimentos em grande escala, viabilizando a oferta
de proteína animal a custo reduzido para a população, especialmente no caso
da carne de frango. Neste contexto, se consolidaram os sistemas intensivos de
produção, gerando a oferta de alimentos em grande escala, abastecendo
eficientemente as cidades que a cada dia se tornavam maiores e mais populosas. Em decorrência desta nova conjunção de fatores, as representações de
animais de fazenda se alteraram a partir da modernidade, deixando de serem
baseadas na pequena produção e na ansiedade relativa a escassez, passando para
questões como produção em massa, superabundância e, posteriormente, para as
preocupações com o consumo exagerado e com a contaminação. Em termos de
representação, os animais de fazenda deixaram de ser um ícone de segurança e
saúde e tornaram-se símbolos de risco, de doenças e de poluição. No
entanto, as “antigas” representações ainda se encontram nos produtos
culturais (filmes, livros) destinados às crianças, devido à
“impossibilidade” de colocar e traduzir estas novas representações dentro
de histórias infantis (FRANKLIN, 1999, p. 127). Tais alterações, desembocando
na solidez das agroindústrias ligadas aos produtos de origem animal, criaram
novos significados para os animais de produção, que não mais se enquadram nas
representações românticas de bucólicos galos cantantes da aurora, nem de
bovinos solitários pastando tranqüilamente junto às casas, ou em duplas
carregando, sonoramente, carroças com rodas de madeira em vielas de chão
batido. As transformações ocorridas no espaço urbano, que hoje concentra
grande parte da população brasileira, têm como conseqüência o afastamento
da população em relação aos meios de produção animal, criando uma cultura
urbana que desconhece a intimidade dos processos de produção de alimentos e,
principalmente, o que acontece no período decorrido entre a presença do animal
vivo no processo produtivo e a sua chegada à mesa dos consumidores. Deste modo, os habitantes das grandes cidades, especialmente as crianças
e adolescentes, ignoram os meandros da passagem dos animais pelo frigorífico,
assim como os demais procedimentos ocorridos até a embalagem do produto que
descansa sobre as prateleiras no comércio, pois estes processos não possuem a
visibilidade que possuíam na cultura da ruralidade que havia em décadas
passadas. Em uma cultura voltada cada vez mais para a urbanidade, prosseguimos
construindo um olhar distinto para a nossa relação com os animais, com
reflexos contundentes sobre as questões concernentes à Educação Ambiental. REPRESENTAÇÕES DE ANIMAIS E
SENSIBILIDADES CONTEMPORÂNEAS Os animais se inserem em nossas
vidas de forma complexa, pois alguns são criados com o máximo de zelo, como se
fossem membros da família, outros são apenas tolerados diante da sua importância
para o ecossistema, assim como há aqueles animais que exterminamos por serem
fruto do desequilíbrio que criamos ao transformar o cenário urbano com nossas
construções e devastações, e ainda temos aqueles que desenvolvemos
exclusivamente para nossos fins, e que são destinados para o abastecimento da
nossa população. Em meio às diferentes possibilidades de inserção dos
animais em nossas vidas, fazemos as nossas escolhas: defendemos o cuidado dos
animais que são importantes para nós, olhamos para alguns com maior interesse
do que para outros e, fundamentalmente, absorvemos as representações cuja
ressonância com nossos valores proporcionam maior engajamento com os discursos
que circulam no tecido cultural, inclusive a necessidade que temos em utilizar
produtos de origem animal para nossa alimentação. Diante da profusão
de significados e representações de animal veiculados nos discursos aos quais
estamos submetidos, escolhemos aquilo que mais nos faz sentido, aquilo que tem
ressonância em nossos valores e na nossa história, incluindo as narrativas que
ouvimos desde criança a respeito dos animais, assim como as atividades
escolares, e as representações locais/regionais de onde crescemos e de onde
estamos. Muitas vezes, os atributos que
conferimos aos animais deslizam entre o dócil e o perigoso, entre o que deve
ser cuidado e o que deve ser eliminado, colocando o ser humano em posições
distintas deste embate, conforme a espécie e o significado atribuído a ela no
contexto cultural em questão. (DAL-FARRA, 2003. p. 5). Em relação aos animais de produção, este aspecto se torna ainda mais
decisivo já que a criação de bovinos, ovinos, caprinos, suínos, entre
outros, impulsiona a economia de cidades brasileiras, gerando uma teia de
representações destes animais que emergem de significados muitas vezes ambíguos
em relação ao que fazemos e ao que deveríamos fazer com eles. A uma ruralidade já acostumada com os processos de obtenção de
produtos de origem animal em um país com extensas fronteiras a serem abertas,
segue-se, especialmente a partir da segunda metade do século XX no Brasil, uma
cultura mais urbana, e cada vez mais destacada de práticas como, por exemplo, o
abate de animais. As histórias infantis na literatura Ocidental têm as suas próprias
representações de animal de fazenda, sendo que os textos destinados às crianças
remetem para a presença de propriedades rurais em horizontes bucólicos, onde
os animais passeiam livremente em campos verdejantes sob um sol acalentador,
harmonicamente relacionados ao ambiente e às práticas rotineiras do local. Em matéria da revista Recreio1, as chinchilas são
apresentadas como animais de companhia, havendo apenas uma leve referência a
possível utilização para obtenção de peles como demonstra o texto: “por
causa de seu pêlo macio e quentinho, as chinchilas já foram muito caçadas
para fazer casacos de pele. Atualmente, com o seu jeito fofo e manso, são
comuns como bichos de estimação e vivem no mundo inteiro”. Mesmo apresentando consistentes informações a respeito dos animais,
apoiadas por elaborada produção fotográfica, a referida revista possui
dificuldade para vincular os animais aos seus produtos, algo que é possível
observar também em outras publicações. Para Franklin (1999, p. 34) quatro temas chave podem caracterizar a relação
animal-ser humano no início do século XX: a sentimentalização em relação
aos animais, o papel do Estado Moderno na regulação desta relação para
assegurar um comportamento “civilizado” do ser humano em relação a eles, a
demanda pelos direitos animais, e um incremento da importância dos animais nas
atividades de lazer do ser humano. Segundo Harvey (1992, p. 257) nas décadas de 70 e 80, a compressão espaço-tempo
teve grande impacto sobre a vida cultural e social, proporcionando que a
sensibilidade contemporânea conduzisse a um olhar mais simpático a movimentos
culturais e filosóficos, mesmo que estes se apresentassem confusos. Para o
autor (idem, p. 258-259), as transformações rápidas que a sociedade têm
experimentado favorecem as quebras de consenso e a diversidade de valores nas
pessoas. De forma semelhante ao que ocorreu a partir da década de 70 do século
XX em relação aos movimentos ecológicos, as últimas décadas foram marcadas
por profundas mudanças nas relações sociais, se constituindo em momento histórico
profícuo para o impulso de movimentos em defesa das mulheres, contra a
discriminação étnica e demais ações pró-direitos humanos, provavelmente
como prolongamentos de tentativas de valorização das especificidades dos
grupos a partir do reconhecimento de(as) diferença(s), e de maior visibilidade
dos prejuízos causados pelas conseqüências de as desconhecermos. Em
relação ao presente tema, a própria Declaração dos Direitos dos Animais foi
lançada em Bruxelas justamente em 1978, o que pode ser considerado, de certa
forma, como uma extensão deste processo de reconhecimento das necessidades do
“outro”. Para Harvey (1992, p. 19) tal preocupação com a ética e com a
dignidade do outro neste período assinala uma ampla e profunda alteração nos
sentimentos das pessoas, surgindo novas sensibilidades contemporâneas. Discorre Franklin (1999, p. 127), entretanto, que nos últimos tempos, um
olhar - altamente centrado no urbano - de sentimentalismo em relação aos
animais vem sendo acompanhado pelo que pode se considerar seu oposto, ou seja, a
tendência de exploração dos animais para a produção cada vez mais
intensiva, industrialmente controlada, de carne, ovos e de leite, longe do olhar
sensível das pessoas. Este tema é de vital importância no Brasil, país no qual a divisão de
fronteiras agrícolas e de áreas de preservação ainda esbarra em uma teia
burocrática de grandes dimensões, gerada pela dificuldade de controlar um
território imenso e rico em biodiversidade animal e vegetal. No entanto, é notória a contribuição da agroindústria no
abastecimento das cidades cada vez mais populosas, com a crescente dissolução
das áreas rurais pela expansão da construção civil em áreas anteriormente
destituídas de habitações humanas. Um estado como São Paulo, e os seus mais
de 40 milhões de habitantes, possui uma demanda elevadíssima de quantidade de
alimentos, traduzindo-se em uma imensa área necessária para tal produção. E
na condição em que o país se encontra, com mais de 200 milhões de bovinos,
ou seja, um número maior do que o de habitantes, este setor representa um
aspecto fundamental da economia do país. Ao lado desta preocupação está a necessidade de confrontarmos esta
perspectiva com os princípios da Educação Ambiental, considerando que a inserção
da pecuária em determinadas regiões tem sido alvo de preocupação em relação
à preservação dos biomas brasileiros. Em momentos de crise na produção de alimentos para uma crescente população,
de barreiras sanitárias que se constituem em entrave para a exportação, e de
desequilíbrios econômicos existentes entre várias partes do mundo, emergem as
discussões a respeito da preservação de ambientes naturais e da manutenção
da sustentabilidade de comunidades. DILEMAS NA SALA DE AULA A
professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os
feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que
envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além
disso são muito úteis... devemos amar os animais, e não maltratá-los de
jeito nenhum. Entendeu, Ricardo? -
Entendi. A gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar
bem o pêlo, o couro e os ossos (Extraído do texto “Da utilidade dos
animais” de Carlos Drummond de Andrade). Neste texto de Drummond, vemos explicitado o dilema da inserção dos
animais de produção na escola, especialmente no Ensino Fundamental. Nas salas de aula deste continental país, caracterizado como um mosaico
de climas, topografias, solos, meios de produção e principalmente, condições
culturais, sociais e econômicas, tratar deste assunto de forma destacada da
cultura da região em que os alunos estão inseridos e descontextualizada da
inserção deste setor na economia do local em que se encontra, trará inúmeras
dificuldades para o docente, assim como não atenderá aos objetivos da escola
como espaço de aprendizado significativo, principalmente pela evidente escassez
de produções tratando desta problemática, em que pese a importância da
mesma. Para que as práticas pedagógicas se tornem efetivas, precisamos
compreender a relevância destas atividades na vida das pessoas, especialmente
para professores que atuam em escolas com alunos oriundos do ambiente rural,
sabendo que as práticas de campo que os mesmos participam, estão inseridas
culturalmente de forma muito arraigada, pois o sustento de suas famílias
depende delas. No meio urbano, as crianças conhecem os produtos e os animais,
mas poucas vezes observam os processos que ocorrem neste hiato representado
pelos métodos de tecnologia da carne, desde o abate, até a chegada dos animais
à nossa mesa. É
importante que o professor compreenda que o aluno está influenciado por influências
sócio-culturais que o constituem, e que as suas experiências estão
inerentemente associadas com os seus modos de perceber, vivenciar e interpretar
o mundo (OLIVEIRA, 1997, p. 10-11). Em relação ao ambiente, a escola tem
desempenhado um papel fundamental na tomada de consciência que gradativamente
tem atingido os demais recantos da sociedade contemporânea. A
partir da década de 70 do século XX, muitas pesquisas foram realizadas
demonstrando algumas limitações dos livros didáticos, chegando até a avaliação
institucional de 1994 das publicações distribuídas nas escolas públicas pelo
Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), cujos resultados podem ser observados
através do aprimoramento destas publicações, especialmente no âmbito
conceitual e metodológico (DELIZOICOV et al., 2002, p. 37-38). Nélio
Bizzo (1996) relata, em artigo publicado na Revista Ciência Hoje, a avaliação
de livros de Ciências utilizados nas escolas realizada no período. Devidamente
ilustrado, o artigo apresenta uma consistente lista de erros encontrados nas
publicações, desencadeando uma grande reformulação destes materiais, e
contribuindo para o aprimoramento deste recurso de ensino e aprendizagem. Mesmo
que o professor não deva considerar o conteúdo do livro didático como
autoridade absoluta, sabemos que a repercussão deste recurso na veiculação de
saberes reveste de grande importância o processo de escolha das publicações
utilizadas na escola (KRASILCHIK, 2004, p. 65-67). Hoje, o livro didático se
constitui em adequado material de apoio para consultas pelo professor,
somando-se aos demais materiais que o auxiliam na construção do seu trabalho
(BIZZO, 2002, p. 66). Em
prospecção realizada em 17 livros didáticos de Ciências destinados a alunos
de 1ª. a 4ª. Séries, publicados entre 1998 e 2003, foram analisados conteúdos
versando sobre os animais de produção, cujos resultados indicaram as
dificuldades em conciliar as práticas da agroindústria com as questões da
educação ambiental e do bem estar animal, em vista de uma abordagem que tende
a apresentar os animais de produção, ou animais de fazenda, em representações
próximas a uma ruralidade afeita a pequenas propriedades, com produção para
subsistência, e que desvincula o animal de seu produto. Há nestas publicações,
um hiato entre a criação dos animais e a utilização de seus produtos para o
consumo, caracterizado pela ausência de menções aos processos de abate e
destino das partes da carcaça dos animais (DAL-FARRA, 2007). Tal constatação
não se constitui em crítica às produções didáticas, tendo em vista a
dificuldade em conciliar estes aspectos, especialmente em produções que se
destinam às crianças. Entretanto, a problematização destas questões permite
que possamos tratar este assunto dentro de uma abordagem sistêmica, o que
pressupõe um diálogo constante entre os posicionamentos diversos que
constituem a sociedade. Portanto,
este tema perpassa diferentes conteúdos ministrados no Ensino Fundamental e Médio,
estando vinculado ao desenvolvimento de todas as regiões do país, que precisam
de projetos consistentes de médio e longo prazo para o desenvolvimento sustentável
de acordo com as suas peculiaridades. E sabemos que tal investida não pode
prescindir da formação de alunos que entendam a questão de forma ampla, para
então desenvolver caminhos sólidos no âmbito econômico, e seguros do ponto
de vista ambiental. O
intenso trabalho de Educação Ambiental que tem sido feito no Brasil precisa
lançar as suas bases nos mais amplos domínios das atividades humanas,
conciliando necessidades imediatas com a visão de futuro, e a convivência com
os animais de produção e a sua inserção na vida diária dos brasileiros
torna imprescindível a discussão desta temática em nossas escolas. CONSIDERAÇÕES FINAIS As
questões a respeito da defesa do bem estar animal e da proteção do ambiente,
têm sido postas em choque com as demandas relacionadas com a produção de
alimentos de origem animal, suscitando a necessidade de realizar um amplo debate
sobre o assunto na cultura contemporânea, embora o mesmo não esteja sendo
contemplado em sua plenitude, especialmente pela necessidade de construirmos
processos pedagógicos que resgatem as questões da comunidade em que a escola
está inserida, para então, podermos abordar questões tão complexas como os
animais de produção. É imprescindível reconhecer que estamos
imersos neste nosso tempo, em que observamos alterações nas relações do
homem com os animais, mas também agimos nestas transformações e somos tocados
por elas. Não somos apenas agentes, mas também pacientes, não apenas
espectadores, mas também atores, sem deixar de sermos nós mesmos. Nós mesmos que diante de nossas origens
culturais estamos tão longe e tão perto dos animais. Nós, seres urbanos, que
moramos uns sobre os outros, vivemos distantes de florestas, transportamos
nossas coisas em máquinas, assim como nós mesmos e, quando olhamos para o
lado, lá está um animal, assim como no momento em que abrimos a geladeira e
encontramos o seu produto. Da mesma forma, ao olharmos no espelho todas as manhãs,
nos deparamos com um outro animal, que, aliás, freqüentemente julgamos
conhecer muito bem, mas que ainda possui um longo processo pela frente, visando
restabelecer um equilíbrio entre os diferentes aspectos que o constituem, assim
como atenuar, e até mesmo dissipar as contradições que o tornam um sujeito
complexo diante de si mesmo e de todos com os quais convive. Notas 1
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