Educação Ambiental em Ação
Meu jardim, meu jardineiro. Minha estética e minhas
verdades.
Por
Clovis Ricardo Schrappe Borges
Diretor Executivo
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental - SPVS
Rua Isaías Bevilaqua, 999 - Mercês
80.430-040 - Curitiba - Paraná
Para conseguir o efeito desejado, este texto parte de alguns pressupostos para
com os leitores. Um punhado destes diz respeito a conceituação sobre o tema da
conservação: de que todos estamos de acordo que a conservação da natureza
passou a ser um tema de maior relevância nos últimos anos; de que a proteção
de áreas naturais é a maneira mais prática e significativa de seconservar a
natureza; de que quanto mais bem conservada for uma área natural, mais
biodiversidade nativa estará nela inserida; de que além de estarmos protegendo
espécies da flora e da fauna, perpetuamos paisagens, garantimos suprimento de
água, de ar, colaboramos para com o equilíbrioclimático, para com o uso
racional dos recursos naturais, para com nosso bem estar. Dúvidas a este
respeito e podemos parar por aqui mesmo.
Outros pressupostos se referem à situação atual das áreas naturais, rurais
ou urbanas, na maior parte da porção leste do território brasileiro: sabemos
que não existem mais do que 3%, em média, de áreas naturais bem conservadas
em toda estas regiões do Brasil; uma pequena porcentagem restante divide em áreas
nativas degradadas, que estão sendo rapidamente reduzidas; a grande maioria do
território é hoje formada por plantações agrícolas, pastagens e
monoculturas de árvores, além de cidades e áreas industrializadas; a progressão
da destruição dos últimos 3% e das áreas naturais degradadas continua
ocorrendo de maneira significativa; ainda são poucos os instrumentos que
valorizem e garantam a perpetuidade de áreas naturais bem conservadas, públicas
ou privadas; não há tempo disponível para deixar as demandas da conservação
da natureza para as próximas gerações - será demasiado tarde para isso.
Ainda, conceitualmente, o brasileiro ainda não percebe o verdadeiro sentido e
importância da conservação da natureza, desprezando-
a ou qualificando-
a erroneamente; parte do que fazemos para ajudar a natureza, com a melhor das
intenções, pode representar um verdadeiro desastre em termos de resultado;
muito embora de menor relevância, áreas urbanas podem constituir um bom
exemplo de iniciativas conservacionistas e repercutir em mudanças de
comportamento demandadas pela sociedade, se quisermos melhorar nossa condição
ambiental nos próximos anos. Dúvidas sobre este conjunto de afirmações podem
ser aceitas parcialmente, uma vez que o que segue abaixo procurará, justamente,
reforçá-las, especialmente no que se refere ao trato às áreas naturais que
ainda existem, em alguma proporção, nas cidades brasileiras.
Generalidades abordadas, o foco deste texto envolve nosso esforço em manter
"áreas verdes" em centros urbanos e sua periferia. Note-se que a
reconhecida expressão "área verde" pode significar muitas coisas.
Pode ser um gramado. Pode ser uma rua arborizada num bairro qualquer. Pode ser
um punhado de árvores exóticas, plantadas ao longo de uma cerca sob o
argumento de que "crescem rápido". E "área verde" também
pode ser uma área nativa, em diferentes estágios de conservação: uma
capoeira, uma floresta secundária, um banhado, um campo natural. Muitas coisas.
Quase tudo que é verde se encaixa nesta nomenclatura simplista.
E é justamente nesta amplitude de variáveis, que acabamos nos perdendo e sendo
enganados. Assim, o primeiro aspecto a se considerar é não utilizar este termo
"área verde", sem uma complementação que especifique objetivamente
a o que estamos nos referindo. Caso contrário, o propósito do uso é o de
confundir, mais que nada. Se dissermos que estamos aumentando as "áreas
verdes" em algum lugar, o que será que isto deve significar? Pode ser que
estejamos nos referindo a uma nova frente agrícola, a uma plantação de pinus,
a um novo campo de futebol na cidade... E até a uma área nativa sendo
restaurada. Mas um enorme problema vem sendo misturar isto tudo, deixando o
outro lado sem ter como saber o que realmente estamos querendo dizer.
Pior. Na maioria dos casos, trata-se de iniciativa completamente fora de princípios
de conservação e, pela subjetividade, anunciada como tal. Falta de precisão
de um lado, proposital ou não, e falta de conceituação do outro,
impossibilitando nem ao menos a geração de sentimento de dúvida. Está feita
a obra de vender gato por lebre. Ou paisagismo por conservação.
Uma longa rua arborizada, em geral formada por uma só espécie exótica
selecionada por critérios de conforto e proteção das pessoas, nada tem a ver
com a conservação da natureza. Um jardim recém montado pela melhor empresa de
paisagismo da cidade, muito provavelmente não terá nada a ver com conservação
da natureza. E assim por diante. O perverso desta realidade é que, mesmo sem
nenhuma conexão garantida entre plantar espécies quaisquer, formando uma
"área verde" e conservar a natureza, sistematicamente estas
iniciativas são associadas, perpetuando a má conceituação que dispomos sobre
estes assuntos.
É certo que, independentemente da cidade em que estejamos vivendo, ao mesmo
tempo em que áreas verdes estão aumentando, áreas naturais ou nativas estão
desaparecendo quase por completo. Não é esquisito? Esquisito e, de certa
forma, criminoso. Pois muitas das supressões de espaços ainda bem conservados
se dá a partir do subterfúgio de que a situação não é tão grave, uma vez
que estão sendo ampliadas as "áreas verdes". Políticas públicas de
expansão urbana encima de espaços naturais são pautadas, muitas vezes, a
partir deste tipo de insinuação. Uma inverdade conveniente.
Como cidadãos, deveríamos exigir mais clareza dos governantes, políticos e
empreendedores privados sobre o tema da conservação. Em geral estes atores
todos ainda tratam a proteção de áreas naturais como prejuízo certo. Uma dor
de cabeça. E investem em instrumentos cada vez mais elaborados para ludibriar a
sociedade. Um exemplo muito evidenciado positivamente nos últimos anos na
cidade de Curitiba se refere a uma região que passou a ser chamada de
"Ecovile", nova frente imobiliária para prédios de luxo. Poucos anos
atrás, uma vasta faixa de porções de vegetação nativa cobria as áreas
delimitadas para a invasão de novos empreendimentos imobiliários. Hoje, já é
possível se observar o óbvio: o custo para a implantação destas obras vem
sendo a sistemática destruição das áreas naturais existentes. Cabe perguntar
se, ao final, terão o bom sendo de mudar o nome da região depois de destruírem
tudo? Os consumidores deste produto de propaganda enganosa estão cientes da
versão falaciosa de conservação utilizada na estratégia de venda? Sequer estão
preocupados com este detalhe?
Na verdade, exemplos não faltam. Desculpas para destruir tem sido nossa
especialidade. Falta a percepção de que há um regramento mais técnico e
consciente a ser seguido para se conservar a natureza, que não é tão simples,
nem tão fácil e nem tão rápido de alcançar. A conservação da natureza é
hoje considerada uma ciência e proteger áreas naturais está longe de
representar apenas a decretação de uma determinada região como parque ou
similar. Muito embora cada vez mais se observe a complexidade e a fragilidade da
natureza, insistimos em colocar em mãos erradas a responsabilidade do que fazer
a respeito, até quando as intenções são as melhores possíveis. Achar que um
jardineiro convencional, ou mesmo uma empresa de paisagismo, formada de
profissionais convencionais, irão ajudar-nos a conservar alguma coisa é pedir
demais e jogar dinheiro fora na enorme maioria dos casos. Em especial, nossas próprias
percepções do que deve ou não ser feito precisam ser melhor pontuadas.
Há, por certo, uma demanda reprimida, em cada cidade brasileira, por serviços
mais qualificados e que promovam iniciativas realmente congruentes com princípios
de conservação de áreas naturais, sua flora e sua fauna características,
fugindo da "estética de plástico" exemplificada pelo uso de
cedrinhos, beijinhos e grama coreana (dentre centenas de outras possibilidades
absolutamente estéreis ou, ainda, colaborando com a introdução de exóticas
invasoras). É evidente que não há motivo para radicalismos, sendo a utilização
de ornamentais exóticas não invasoras uma possibilidade aceitável, mas sem
perder de vista que um esforço de interesse comum é manter e desenvolver espaços
nativos onde seja possível - de um pequeno jardim a grandes condomínios, chácaras
de lazer, clubes, empresas, etc... Justamente o que não ocorre.
Quem ainda não se deparou com o sujeito que anuncia ter adquirido recentemente
um terreno ou uma chácara com uma notável vegetação nativa e que, sem
pestanejar, começou a dar uma "ajeitada" na sua área? Primeiro,
limpa - destrói - o sub-bosque. Todas aquelas arvoretas pequenas tiram a
visibilidade e não deixam, a grama crescer. Ficam as árvores maiores, também
selecionadas a partir de critérios como a falta de insolação, existência de
muitas parasitas (em geral epífitas) e daí para a frente. Um arremate final:
pintar os trocos de branco e encher de beijinhos nas porções mais isoladas. O
paraíso está formado. Deu um trabalhão, mas vale a pena para ajudar a
natureza, não é? Na realidade, apenas este conjunto de procedimentos permite
uma quebra radical da biodiversidade da área impactada com a ajuda de seu novo
proprietário.
Na seqüência, vem o plantio de exóticas de todos os cantos, para abrilhantar
ainda mais o enriquecimento da propriedade. Soltam-se animais domésticos -
galinhas, porcos, cavalos, cães e gatos - para garantir a presença explícita
de fauna na propriedade, quase sempre com 100% da vegetação alterada, sem
nenhum espaço sequer que lembre sua forma original (e como deveria, em grande
parte, ter permanecido)
. Nas regiões mais urbanizadas, galhos e folhas são o mesmo do que lixo. Varrê-las
sistematicamente, até o solo aparecer, faz parte do processo de
"limpeza". Grandes sacos plásticos recebem todos o "lixo"
retirado do jardim e são, quase que diariamente, depositados para à frente da
rua para que uma equipe de funcionários públicos, com um grade caminhão,
transporte para local indeterminado, todas as matérias que causam impacto
negativo aos olhos do proprietário, aliviado em, mais uma vez, se ver livre do
peso der tanta sujeira. Sequer percebe estar exaurindo seu terreno de substr
ato, sendo absolutamente simples o depósito todo o material proveniente de
jardins, nos próprios jardins. Nada mais lógico e simples. E não realizado
por quase ninguém.
É bom insistir que este cenário é a regra e não a exceção. Todos os dias,
em todos os lugares. Imaginem a quantidade gigantesca de energia e boa vontade
sendo gastos de maneira completamente inadequada. O cenário da conservação da
natureza já é dramático, a partir da fração preponderante da sociedade que
quer mais é destruir. Se aqueles que pretendem proteger alguma coisa e têm a
valorosa sensibilidade para isto, não estiverem minimamente orientados, então,
estamos mesmo fritos.
A conclusão é que somos, lamentavelmente, péssimos manejadores de nosso espaços.
De nossas "áreas verdes". Não cobramos um tratamento adequado às áreas
públicas, não cobramos limites ao uso de áreas privadas que ainda estão com
cobertura natural (sejam florestas, campos, banhados), e não sabemos quase nada
de como cuidar de um simples jardim. Nem se falar de algo mais amplo. Pobres
chacarazinhas de lazer. Pobres últimas áreas naturais que estão caindo nas mãos
de degradadores de carteirinha ou de conservacionistas de faz de conta. Sobrou
quem? Em 2000, a partir de uma seqüência de demandas da comunidade da Região
Metropolitana de Curitiba, surge uma iniciativa que tem a pretensão de
colaborar com as pessoas que querem, de fato, fazer conservação. É o Condomínio
da Biodiversidade, ou CONBIO, uma iniciativa entre empresas, instituições não
governamentais, governo e, especialmente, pessoas físicas, interessadas em
refinar seus conceitos e procedimentos de conservação da natureza em suas próprias
áreas. Quem tiver curiosidade, ou demandar de alguma orientação procure o
site www.condominiobiodi
versidade.
org.br . Lá já existem informações muito interessantes sobre a região de
Curitiba, incluindo alguns casos práticos que valem a pena serem observados.
Não importa o tamanho nem a condição atual de algum trecho de chão que você
considere destinável a proteger a natureza. Sempre haverá um jeito de se fazer
algo positivo. E, em geral, de forma muito mais barata do que as peripécias e
superficialidades que vemos todos os dias ocorrendo nas "áreas
verdes" urbanas do nosso País. Sorte de quem se deparar com jardineiros da
categoria de Ademar Brasileiro, membro fundador e entusiasta do CONBIO. Ele vai
começar a conversa mansamente, perguntando se você já ouviu falar em cerca
viva de pitangueiras! E aí, não vai mais parar de dar idéias totalmente
distintas do que o sistema convencional oferece. Pena poucos ainda serem assim
como ele. E também serem poucos os que o procuram.
Fazer conservação é importante, dá imenso prazer e é uma atividade muito séria.
Demanda orientação técnica, bom senso e boa vontade. Mudanças de paradigmas
são imprescindíveis, mas os resultados a serem alcançados justificam um esforço
nesta direção. Há jardineiros e jardineiros. Mas há, sobretudo, proprietários
e proprietários. Informe-se melhor e mude seu comportamento perante a natureza
de sua casa e de todos os outros espaços em que sua ação possa influenciar.
Sem isto, continuaremos a gastar mais dinheiro, empobrecer a natureza de nossos
espaços e, o pior de tudo, enganar nossos filhos com iniciativas equivocadas. Já
fizeram isto conosco em gerações passadas, e está na hora de mudar o curso
desta história nesta geração.
Clovis Ricardo Schrappe Borges
Diretor Executivo
Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental - SPVS
Rua Isaías Bevilaqua, 999 - Mercês
80.430-040 - Curitiba - Paraná
www.spvs.org.
br
Fonte: Texto veiculado por e-mail na REASul, DEZ - 2007