Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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19/09/2003 (Nº 2) AS TRÊS ECOLOGIAS
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As três ecologias

Vilmar Berna
http://www.jornaldomeioambiente.com.br


As lutas ecológicas têm variados aspectos, destacando-se aqui o técnico, político e o ético. Do ponto de vista técnico, existe uma real necessidade de atuar aqui e agora, com as melhores técnicas e conhecimentos, para impedir a continuação do massacre que nossa espécie empreende contra a natureza, como se ela fosse uma inimiga a ser vencida. Essa luta leva os ecologistas-técnicos a formarem alianças com o empresariado e os governos, quase sempre correndo o risco da cooptação e manipulação, o que geralmente acontece. Se por um lado há o desgaste pessoa e uma certa neutralização dos esforços técnica tende a ser mediatista ao tentar resolver os problemas ambientais mais emergentes, o que é absolutamente necessário, mas que compromete o enfrentamento dos reais agressores do meio ambiente.

A ecologia política busca exatamente concentrar suas lutas contra a estrutura de poder político e econômico que se esconde por detrás das agressões à natureza. Essas lutas dividem-se pelo menos, em duas vertentes; a da política partidária e a da política suprapartidária, que acontece nos movimentos populares. Nesse sentido, os políticos ambientalistas dependem essencialmente das alianças com os movimentos sociais. A ecologia política, entretanto, não e neutra ideologicamente, embora seus melhores esforços venham da chamada esquerda. É preciso lembrar que as agressões ambientais estão acima da luta de classes, já que se o planeta for destruído tanto pobres quanto os ricos perecerão. Mas também não se pode esquecer que a poluição não é democrática, atingindo mais diretamente as camadas mais pobres da população, que não podem se mudar para longe das fontes de poluição, para bairros mais arborizados e com infra-estrutura. Outro fator importante e o aspecto da transformação social. As classes mais ricas estão relativamente satisfeitas com seus privilégios, ao contrário das classes mais pobres. Se o que os ecologistas desejam são mudanças, não é da parte dos ricos que se deve esperar muita coisa. Por isso a preferência dos ecologistas políticos pela esquerda, o que não quer dizer que os regimes socialistas sejam mais preservadores do meio ambiente que os países capitalistas. Muito pelo contrário. Ë direito de todo cidadão conhecer os níveis de degradação ambiental a que está exposto e obter todas as informações referentes à qualidade do meio ambiente em que vive, podendo se organizar livremente para defender esse direito sem ser acusado de subversivo. Os ecologistas políticos teriam muitas dificuldades nos regimes socialistas. A não ser que o regime fosse socialista e democrático de verdade Democracia é a chave principal que permite todas as lutas, inclusive a ecológica.

O desafio dos ecologistas políticos, portanto, e conquistar as camadas mais pobres da população para teses ambientalistas. Mas para isso e fundamental saber adequar a linguagem do ecologes para a linguagem que o povo entenda. É difícil, por exemplo, ser compreendido pela população que os ônibus devem ser movidos a gás natural, que a comida não pode estar contaminada por agrotóxicos ou a mata não deve ser destruída para a construção de barracos quando a população não dispõe sequer de ônibus no horário, comida suficiente na mesa ou moradia. Ecologia num país como Brasil, onde crianças ainda morrem de fome ou vitimas de doenças provocadas por falta de saneamento, deve ter a espécie humana como medida de todas as coisas mesmo, sendo fundamental para a preservação dos ecossistemas e da fauna e flora em particular, que os seres humanos compreendem no que isso pode ser útil para a melhoria de sua própria qualidade de vida, pois para a população nenhum ecossistema, por mais rico que seja, pode ser mais importante que a vida de uma criança, por exemplo.

E, finalmente, o aspecto ético da ecologia nos leva questionar sobre o tipo de relacionamento que nossa espécie mantém diante das outras e do próprio planeta, considerando-se o centro da Criação, como se a natureza não passasse de uma inesgotável fonte de matérias-primas para o desenvolvimento humano sendo um direto e um dever dos seres humanos explorar essas fontes até a exaustão, como se fosse a única espécie importante sobre a Terra. É como e nossa espécie não fizesse parte da natureza e, como está fora dela, pode fazer com ela o que quiser sem que isso resulte em maiores conseqüências. O papel dos ecologistas, principalmente os educadores, diante desse quadro, é restabelecer a idéia de que a espécie humana também faz parte da natureza, onde tudo está interligado entre si, e se mexemos numa coisa alteramos outra.

Diante desses três aspectos da ecologia os ambientalistas acabam escolhendo caminhos diferentes para a defesa da mesma ecologia. Existem ecologistas entre os patrões e empregados, entre as lideranças populares e os técnicos políticos de governo e universidades, ecologistas entre socialista e capitalistas. Cada qual falando uma linguagem diferente defendendo diferentes interesses. É pedir demais da compreensão da população, que ainda precisa saber distingui dentre os vários discursos qual realmente representa o seu interesse. E se essas diferenças podem confundir a população, não causam menos estragos entre os próprios ecologistas, que, apesar de ainda pouco numerosos, já conseguiram dividir-se em subgrupos de acordo com o nível de interesses. Dessa forma, existe o subgrupo dos ecologistas do movimento popular, que vê com desconfiança os ecologistas dos governos e universidades, e rejeitam os ecologistas das empresas. Os ecologistas não divergem somente quanto aos métodos, mas também quanto à ideologia Uns são capitalistas, outros socialistas, e assim por diante. Ao contrário de isso parecer um motivo de enfraquecimento, representa a democratização do tema ecológico por todas as tendências de luta da sociedade, garantindo que, sejam quais forem as forças que dominem a sociedade, a ecologia estará presente. Por outro lado, essa difusão da questão ecológica deve exigir dos ecologistas um esforço redobrado para conquistar a população, procurando falar uma linguagem que seja percebida por todos, a partir dos problemas e carências da espécie humana, e não o contrário.


Ilustrações: Silvana Santos