Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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DE
MÃOS DADAS: ÉTICA E PROGRESSO Gregorio
Carlos De Simone[i] Graduando
em Geografia PUC-RIO Instituto
Oswaldo Cruz – Fiocruz E-mail: gregorio@ioc.fiocruz.br Resumo O
objetivo deste trabalho é mostrar a relação entre ética e progresso na essência
de suas palavras. Para isso, fizemos um apanhado histórico e conceitual sobre o
que seria ética, sua origem, semântica, importância e quais são seus parâmetros
de análise. Em seguida analisamos o atual modelo de desenvolvimento, e
avaliamos como a educação ambiental pode contribuir para uma mudança social e
cultural, de modo a contribuir para a construção do progresso. Palavras-chaves: ética; progresso; desenvolvimento; educação
ambiental GIVEN HANDS: ETHICS AND PROGRESS Abstract The objective of this work is to show the relationship between ethics and progress on the essence of these words. To do this, we have a conceptual and historical overview on what is ethical, its origin, semantics, importance and what are the parameters of analysis. Then we analyze the current model of development, and evaluate how environmental education can contribute to a social and cultural change in order to contribute to the construction of progress.
A
Ética e suas raízes Para saber se sem
ética pode haver progresso é necessário um estudo que englobe as questões
sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais. Considerando a
complexidade da dinâmica do modelo de desenvolvimento global e tendo em vista
que este é incapaz de dar conta da diminuição da pobreza e ainda acentuou as
desigualdades. Ressalta-se a relevância da análise do modelo de
desenvolvimento capitalista, que impactou e ainda impacta de forma direta ou
indireta a qualidade de vida e do ambiente. A
ética pode ser interpretada como um termo genérico que designa aquilo que é
freqüentemente descrito como a "ciência
da moralidade",
que busca conhecer as relações entre os seres humanos e seu modo de ser e pensar. Seu significado é derivado
do grego, 'Morada da Alma', isto é, suscetível de qualificação do ponto de
vista do bem e do mal, seja relativamente a uma determinada sociedade,
seja de um modo absoluto. Eugênio Bucci, em seu livro Sobre Ética e
Imprensa, descreve a ética como um saber escolher entre "o bem" e
"o bem" (ou entre "o mal" e “o mal"), levando em
conta o interesse da maioria da sociedade. Ao contrário da moral, que delimita
o que é bom e o que é ruim no comportamento dos indivíduos para uma convivência
civilizada, a ética é o indicativo do que é mais justo ou menos injusto
diante de possíveis escolhas que afetam terceiros. Segundo Siqueira (1997), a distinção e a inseparabilidade entre
moral e ética são essenciais para o seu entender. A moral seria advinda do
modo de ser individual na relação, e a ética o modo de ser social. A
estrutura semântica[ii]
de ética é feita da seguinte maneira: Hexis:
Hábito ou o comportamento adquirido, procedente da ação do homem e Ethos:
Costume, procedentes da natureza do homem. A partir
dos escritos filosóficos de Vaz, H. L. C. (1993), é importante lembrar que o ethos
humano não é o mesmo ethos animal,
pois o animal é determinado unicamente pela natureza, enquanto o humano se faz
na dialética entre natureza e cultura. Nosso ethos
é resultante de uma interação com a natureza e com a sociedade, sendo
assim impossível pensar em construir uma ética ambiental separada da problemática
social. O ethos humano vai além do
caráter instintivo e repetitivo do ethos
animal, pois possui também um caráter reflexivo e criativo. Por isso é que
podemos refletir, repensar, criar e recriar novas práxis que resultem em
posturas éticas transformadoras e libertadoras que, embora e geograficamente
restritas, acabam irradiando e iluminando o horizonte mais amplo e universal.
Para tentar corrigir costumes não sustentáveis é necessário reeducar hábitos
antigos e/ou criar novos hábitos. Porém com a construção lenta e gradual dos
costumes é que se conseguirá a introdução de novos hábitos sustentáveis. Reflexões
sobre éticas Quando se
fala sobre ética, surgem diferentes tipos de reflexões e pensadores, mas para
abordarmos o tema é importante levantarmos aqui as éticas egocêntrica,
antropocêntrica e ecocêntrica. Serres
(1990) nos mostra a ética egocêntrica tida como a ética do sujeito responsável
pelo bem-estar do mundo natural, comprometendo-se com a preservação das condições
da estrutura à qual pertence enquanto ser vivo. Possuindo várias dimensões
que fariam parte de um novo contrato natural, ou seja, o conjunto dos direitos
do indivíduo, dos direitos do "outro" e dos direitos da Terra. A ética
antropocêntrica ainda está fortemente presente na escala global que usufruiu e
ainda usufrui intensamente os recursos naturais sem um modo de visão
integrador. Portanto, estuda o comportamento social do homem consigo mesmo,
levando-o a condição de espécie superior pela razão, onde ele é o centro, o
qual possui um domínio sobre tudo e todos inclusive da natureza. Atualmente
devido aos inúmeros problemas que as sociedades têm passado em relação ao
seu ambiente, uma nova corrente tem sido mais difundida: a ecocêntrica. Esta
por sua vez tem como visão o homem centrado no tudo, permitindo o estudo do
comportamento do homem em relação à natureza. A visão do ser humano passa a
ser de se preocupar com suas ações entendendo que ele não é à parte da
natureza, ao contrario, é integrante da mesma. Essa nova visão global e
integradora faz com que surja uma nova interligação ética entre homem e
natureza, onde as questões sociais, econômicas, políticas e ambientais se
incluem e se complementam. Ao querer
avaliar a aplicação da ética na prática, muitos autores argumentam que ela
está inserida em outra perspectiva de análise, a qual passa atualmente por uma
crise, ou seja, a crise da ética.
Segundo Carneiro Leão (1992), essa crise se situa nos princípios de
ordenamento e de organização das relações e comportamentos a que foi
submetido o mundo industrial capitalista através das possibilidades abertas
pelo desenvolvimento da técnica e da ciência. A nova ordem industrial vai
sendo feita pelo o homem, mas não para ele. Ética
e Modelo de Desenvolvimento Dentro
deste contexto nos cabe a discussão entre a questão ética e ambiente. Pois na
origem das complexas condições ambientais e sanitárias existentes hoje, está
o modelo de desenvolvimento capitalista contemporâneo, com a divisão
internacional do trabalho e dos mercados, com a constituição dos blocos geopolítico-econômicos,
com um trato específico em relação ao valor relativo do ambiente e da saúde,
e com seu referencial ético (ou aético) de base no tocante à vida em
sociedade. Uma nova ética pressupõe também um mundo integrado, mas que
assegure o direito à diversidade em
relação aos processos econômicos, culturais e ambientais. “Uma nova ética
implica em compromisso com a democracia,
significando este conceito um novo modo de relação entre os indivíduos, e
destes com o Estado, e uma outra ordem internacional” (RODRIGUES, R. 1991). O
desenvolvimento sustentável, a criação de sustentabilidades, o ambientalismo
e a responsabilidade social são conceitos interessantes que surgiram nesses últimos
anos principalmente devido ao caos de políticas da saúde, economia, cultura e
ambiente. Porém se ficarem soltos sem a interligação necessária acabam não
ajudando em nada na prática. O
ambientalismo nos remete, assim, à idéia de que uma ética da sustentabilidade
passa, necessariamente, por uma sociedade fundada em relações igualitárias e
por outros estilos de sociedade fundada quanto aos padrões de consumo e modos
de produção. (GONÇALVES, C. 2002 p.60) No entanto falar
em relações igualitárias visto que vivemos num mundo predominantemente
capitalista, no qual a máquina burocrática se alimenta das diferenças econômicas
e sociais dos indivíduos, é um verdadeiro paradoxo. A partir do Renascimento séc.
XVI e, sobretudo no surgimento do capitalismo séc. XVIII, o trabalho passa a
ser super enaltecido. “O trabalho dignifica o homem” (GONÇALVES, C. 2002),
o capitalismo antes de ser visto apenas como uma economia é também uma religião
laica. A natureza passa a ser objeto, a terra deixou de ter um valor e passou a
ter preço. A dominação dos espaços por empresas privadas passa cada vez mais
a ter um papel hegemônico em relação ao Estado sobre os nossos destinos,
levando assim um descrédito na política. O consumo e a necessidade de mostrar
que possui mais bens materiais do que o seu próximo é a base de sustentação
do modo de vida capitalista, onde para haver ricos tem de haver pobres. Ao
participarmos da excessiva e constante troca de materiais como aparelhos
celulares e automóveis, estamos realizando um prazer pessoal, porém ao mesmo
tempo estamos contribuindo para o aumento de resíduos não provenientes
diretamente da natureza, mas que terão seu desfecho diretamente nela,
aumentando assim direta e indiretamente os problemas sociais e ambientais. “A
lógica econômica tende para a tirania e não para a democracia.” (GONÇALVES,
C. 2002 p.63). O significado do
“desenvolvimento”, nada mais é do que uma quebra, ou seja, uma mudança no
envolvimento dos homens com a terra e seus recursos naturais tais como a água,
plantas, sol... Essa mudança de
envolvimento, atualmente possui um significado de dominação, o qual é o símbolo
maior do progresso de nossa civilização. Eis que o sentido da ética passa a
“navegar numa quinta dimensão”[iii],
como por exemplo, além da prática da apropriação da terra, via-se numa outra
época um homem pertencer a outro homem naturalmente e agora um homem
desempregar outro em nome do desenvolvimento.
Para evitar que o
desenvolvimento almejado por todos obtenha unicamente essa definição, a qual
possui um significado de dominação, foi criado o conceito de desenvolvimento
sustentável, concebido como “o desenvolvimento que satisfaz as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
suprir suas próprias necessidades”... Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD), presidida na época pela Primeira-Ministra da Noruega,
Gro Harlem Brundtland, adotou o conceito de Desenvolvimento Sustentável em seu
relatório Our Common Future (Nosso Futuro Comum), também conhecido como
Relatório Brundtland. Nele, aborda uma visão crítica do modelo de
desenvolvimento adotado pelos países industrializados e reproduzido pelos
“sub-desenvolvidos”. Ressalta ainda os riscos do uso excessivo de recursos
naturais sem considerar a capacidade de suporte dos ecossistemas, e a
incompatibilidade entre o desenvolvimento e os padrões de produção e consumo
vigentes. De acordo com a Declaração
de Política de 2002 da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável,
realizada em Joanesburgo, o desenvolvimento sustentável é construído sobre
“três pilares interdependentes e mutuamente sustentadores” —
desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental. Para
esse tripé possuir o equlibrio
necessário é indispensável a presença e atuação conjunta de quatro
elementos — sociedade, ambiente, economia e cultura. No entanto caímos num verdadeiro paradoxo onde temos de reconhecer a
complexidade e o interrelacionamento de questões críticas como pobreza,
desperdício, degradação ambiental, decadência urbana, crescimento
populacional, igualdade de gêneros, saúde, conflito e violência aos direitos
humanos. Educação
Ambiental, um instrumento de mudança A educação
ambiental é a ciência que está inserida numa ética ecocêntrica e surge como
uma alternativa para a mudança desse cenário malfazejo a que nos encontramos
submetidos, o antropocentrismo. As peças bases para conseguirmos alcançar o
equilíbrio pretendido são as mudanças mútuas culturais e sociais das
sociedades. A cultura é sim um ponto fortíssimo nas crises ambientais, onde mudanças individuais nos hábitos cotidianos na esfera privada,
como o consumo sustentável e a reciclagem são importantes,
porém não pode ser classificada como a única fonte a ser mudada. Pois como já
dizia Leff (2001): A incorporação de uma racionalidade ambiental no processo de
ensino-aprendizagem implica um questionamento do edifício do conhecimento e do
sistema educacional, enquanto se inscrevem dentro dos aparelhos ideológicos do
Estado que reproduzem o modelo social desigual, insustentável e autoritário,
através de formações ideológicas que moldam os sujeitos sociais para ajustá-los
às estruturas sociais dominantes. O ambientalismo surge num processo de
emancipação da cidadania e de mudança social,com uma reivindicação de
participação popular na tomada de decisões e na autogestão de suas condições
de vida e de produção, questionando a regulação e controle social através
das formas corporativas de poder e o planejamento centralizado do Estado. Esta
demanda de democratização no manejo dos recursos volta-se também para a gestão
dos serviços educacionais. (LEFF, 2001 p.256). Além dessas
considerações, presenciamos no Princípio n° 4 do Tratado de
Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (La
Rovère & Vieira, 1992) uma menção explícita sobre a articulação da educação
ambiental com a mudança social: A Educação Ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato
político, baseado em valores para a transformação social. Tendo em vista essa perspectiva analítica da
educação ambiental, temos: Quadro
1: Dimensões da educação ambiental
Fonte:
LAYRARGUES, P. P. Muito além da natureza: educação ambiental e reprodução social In:
LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P.
P. & CASTRO, R. C. De (Orgs.). Pensamento complexo, dialética e educação ambiental. São Paulo: Cortez.
2006 p.83. Logo, podemos
estabelecer uma relação da educação ambiental com “responsabilidade
social” e desenvolvimento sustentável , onde o desafio da complexidade parece
ser o de tornar visíveis as mútuas relações de causalidade multidimensional
entre os fatores ecológicos, sociais, culturais, econômicos, políticos,
territoriais, e éticos. Já que não estamos acostumados a ver as coisas assim
conectadas, muito pelo contrário, nossa tendência é a de fragmentar, separar,
dividir e hierarquizar. Construindo
o Progresso Para conseguirmos
a construção de um bom progresso é essencial antes analisarmos as diferentes
formas de encará-lo. Para tal existem dois tipos de visões, o quantitativo e o
qualitativo. O progresso
quantitativo tem por características acúmulos e expansões numéricas, onde o
seu resultado é a riqueza crescente. Com o desenvolvimento tecnológico da
nossa civilização, aumentam as necessidades humanas e também os meios de
satisfazê-las. Já o progresso qualitativo, como o próprio nome diz é
caracterizado com o avanço na qualidade de vida. Foca-se nos problemas sociais
mais correntes como o da desigualdade. Nosso
desafio para que consigamos realmente progredir seria juntar o quantitativo ao
qualitativo, ou seja, mudar o nosso modo de agir. A fim de diminuir as
desigualdades e não simplesmente enriquecer sem se preocupar com o próximo, não
usufruir os recursos naturais sem se importar com as gerações atuais e as
futuras, não desenvolver promovendo as perigosas mudanças ambientais como, por
exemplo, a questão do clima e da água. A
primeira coisa a ser feita em busca de uma sociedade sustentável é reconhecer,
como nos mostra Paulo Freire, que “ninguém liberta ninguém, ninguém se
liberta sozinho. Os homens só se libertam em comunhão”. Para uma realidade
global, importa também uma ética global, ou seja, pensar globalmente e agir
localmente; e de pensar localmente e agir globalmente. Edgar Morin trata o
universal como singular, porque cada singular é parte e parcela do universo,
logo as singularidades de cada local, povo ou região devem ser mantidos e
respeitados, entretanto sempre interligados de um modo que não se
descaracterizem e possam se complementar em busca de um modo de vida sustentável.
Portanto
é necessária uma mudança profunda de mentalidade para que possamos integrar
novos e bons hábitos, contribuindo para a construção de bons costumes, onde o
social e o ambiental estejam cada vez mais integrados comprovando que somente
com ética é que pode realmente haver o progresso. Referências BOFF, L. Ethos Mundial. Brasília, DF, Letraviva, 2000. BRASIL.
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jan/mar, 1992. SANSOLO,
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acessado em 28/02/2008. http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/10/399168.shtml
- acessado em 14/04/2008. http://www.economiabr.net/economia/3_desenvolvimento_sustentavel_conceito.html
- acessado em 15/04/2008 http://www.unb.br/portal/temas/desenvolvimento_sust/o_que_e.php
- acessado em 15/04/2008 [i] Comissão Interna de Gestão Ambiental (CIGAmb) do Instituto Oswaldo Cruz – Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, RJ, Brasil [ii]
A respeito de uma melhor definição sobre a estrutura semântica da
ética, ver Siqueira, 1997. [iii]
A justificativa do uso das aspas no termo navegar numa quinta dimensão, se
deve a uma reflexão interna do que seria ético ou aético. |