Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/09/2008 (Nº 25) A Educação Ambiental nos Espaços Formais de Ensino: Brinquedoteca Virtual como instrumento para Capacitação de Professores
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Educação Ambiental em Ação 25

A Educação Ambiental nos Espaços Formais de Ensino:

Brinquedoteca Virtual como instrumento para Capacitação de Professores.

 

Angela Barros Fonseca Berto

Mestre em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente – UNIPLI. Professora dos Institutos Superiores de Ensino do CENSA - Endereço para correspondência: Rua Nossa Senhora da Conceição, 8 - Parque Fazendinha. CEP:28027-260 Fones: 22 27246840 - 22 98297553. Campos dos Goytacazes/RJ - Brasil. angela.berto@ibest.com.br

  Sandra Lúcia de Souza Pinto Cribb

(orientadora da pesquisa)

Doutora em Engenharia de Produção - UFRJ.  Professora do Centro Universitário Plínio Leite - Niterói/RJ - Endereço para correspondência: Estrada do Monteiro, nº 545, bloco 01, apto. 302.

- Campo Grande/RJ CEP: 23045-830. Brasil. sandralucribb@yahoo.com.br

 

 

RESUMO

 

Este estudo versa sobre a importância de se criar espaços alternativos e democráticos para a inclusão da Educação Ambiental na formação dos professores. A questão central é motivar professores para o uso de brinquedos pedagógicos feitos a partir de material reaproveitável e, ao mesmo tempo, introduzi-los nas questões da Educação Ambiental. A pesquisa aprofunda as idéias de Kishimoto (2006) com relação à importância do brincar e de Lévy (2001) quanto ao uso das novas tecnologias, em especial a da internet, como ferramenta de trabalho didático e de formação continuada de professores. A organização metodológica utiliza a pesquisa participante, através da entrevista com grupo focal composto de 11 professores que atuam em Creches e Escolas da rede municipal de ensino de Campos dos Goytacazes. Para organizar os dados e fazer a análise utilizamos o “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC) de Lefèvre (2005). Verificou-se que, embora haja projetos desenvolvidos em Educação Ambiental voltados para a formação de professores, eles ainda não enfocam o reaproveitamento de materiais para a construção de brinquedos nem apresentam uma ferramenta de acesso a estes recursos para os professores. A idéia da construção de uma Brinquedoteca Virtual (“Sucatoteca”) poderá contribuir, não só para suprir a carência de brinquedos nas escolas como também para promover o acesso dos professores a um ambiente interativo voltado para a Educação Ambiental.

Palavras-chave: brinquedoteca virtual – internet – Educação Ambiental

 

I. Introdução

            Brincar faz parte da história do homem, sua forma de estar no mundo social e físico e de interagir com ele. É porta pela qual a criança entra em contato com as pessoas e com as coisas, instrumento para a construção coletiva do conhecimento. É uma atividade psicológica de grande complexidade; atividade lúdica que desencadeia o uso da imaginação criadora pela impossibilidade de satisfação imediata de desejos por parte da criança. O ato de brincar enriquece a identidade da criança porque ela experimenta outra forma de ser e de pensar; amplia suas concepções sobre as coisas e as pessoas e a faz desempenhar vários papéis sociais ao representar diferentes personagens.

            A primeira idéia de uma brinquedoteca surgiu em Los Angeles, em 1934, para evitar os furtos de brinquedos por crianças numa escola próxima da escola. O espaço foi montado, e os brinquedos do acervo passaram a ser emprestados. Em 1963, em Estocolmo, na Suécia, surgiu a primeira ludoteca, com o objetivo de orientar os pais de crianças portadoras de necessidades especiais a estimularem a aprendizagem com brinquedos. Em 1967, na Inglaterra, surgiram as Toy Libraries ou bibliotecas de brinquedos.

            No Brasil, a montagem dos primeiros espaços para brinquedoteca começou com a ludoteca da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), em 1973, que funcionava sob a forma de rodízio de brinquedos entre as crianças. Com o acervo precário, as crianças levavam o brinquedo para casa por empréstimo por um tempo determinado. Um novo encontro era marcado, e os brinquedos eram novamente trocados. A primeira brinquedoteca brasileira oficial foi criada em 1981, em São Paulo, com uma combinação dos objetivos das primeiras Toy Libraries, que era o empréstimo de brinquedos, aliado a uma filosofia fundamentada no ato de brincar e na brincadeira em atendimento às necessidades da criança. Em 1984, foi criada a Associação Brasileira de Brinquedoteca, que existe até hoje e que atua na divulgação, incentivo e orientação de pessoas e instituições e na formação de profissionais brinquedistas. (BALTHAZAR, 2006)

Com a difusão rápida das brinquedotecas, houve uma diversificação na dinâmica de funcionamento e, embora os objetivos continuassem sendo a criação de espaços para brincar, atualmente existem diferentes tipos de brinquedoteca, como as escolares, as de bairro, as de hospitais e clínicas e as de universidades, agregadas às bibliotecas temporárias e no sistema de rodízio. Conforme Santos (1995), as brinquedotecas classificam-se em função de diferentes fatores, entre eles, a situação geográfica, as tradições e as culturas de cada povo, o sistema educacional, os materiais e espaços disponíveis, os valores, as crenças e os serviços prestados; entretanto, independente de cada tipo, é sempre preservado o aspecto lúdico como fator primordial que assegura o direito da criança de brincar.

As brinquedotecas escolares geralmente são implantadas em instituições de Educação Infantil. No entanto, o atendimento, na maioria das vezes, é limitado à clientela institucionalizada para suprir as necessidades de material pedagógico. Caracterizam-se pela montagem de um acervo, geralmente, na própria sala de aula como espaço para brincar. Quando o acervo de brinquedos fica localizado numa sala separada, o material é trazido para a sala de aula e, ao final, retorna ao acervo. Já as brinquedotecas de hospitais e clínicas existem para dar suporte ao tratamento medicamentoso, estimulando a brincadeira como forma de amenizar os traumas de internação ou como terapia. Existem, ainda, as brinquedotecas sem local fixo, circulantes, também chamadas de ambulantes, móveis ou itinerantes. Podem ser adaptadas a um ônibus ou instaladas junto aos circos. A finalidade é levar a brinquedoteca a diferentes lugares, variando o tempo em cada local, dependendo de cada situação.

Conforme Santos (1995), a brinquedoteca é uma nova instituição que nasceu neste século para garantir à criança um espaço destinado a facilitar o ato de brincar num ambiente previamente preparado, agradável, alegre e colorido, onde mais importante que a diversidade dos brinquedos é a ludicidade que eles proporcionam.

A brinquedoteca é um lugar onde se aprende a brincar com os brinquedos feitos de sucata, reaproveitáveis ou artesanais. Os brinquedos artesanais são influenciados pelo meio sociocultural e os brinquedos feitos de sucata são facilitadores nos projetos de trabalho voltados à preservação do meio ambiente e ao resgate cultural dos brinquedos e brincadeiras.

Os brinquedos pedagógicos são subsídios para o processo de ensino-aprendizagem e, por terem caráter lúdico, proporcionam atividades educacionais mais criativas e motivadoras às crianças.

Nos últimos anos, nota-se uma tendência mundial em aproveitar cada vez mais os produtos jogados no lixo para fabricação de novos objetos, através dos processos de reciclagem, o que representa economia de matéria-prima e de energia fornecidas pela natureza. Assim, o conceito de lixo tende a ser modificado, podendo ser entendido como coisas que podem ser úteis e aproveitáveis pelo homem.

É importante ressaltar que utilizamos, nesta pesquisa, o termo “reaproveitamento” já que estamos abordando a reutilização de materiais para a confecção de materiais pedagógicos e, dentro dessa vertente, não há necessidade que tais materiais retornem ao processo de fabricação (indústria) como acontece na reciclagem. O processo de reciclagem consiste em processar determinados produtos novamente. Assim, estes materiais podem voltar para as indústrias como matéria-prima para a fabricação de novos produtos.

O reaproveitamento de materiais é indispensável quando se pensa em diminuir a quantidade de lixo. É importante criar o hábito de doar roupas, brinquedos, móveis, livros, garrafas e outros objetos para que outras pessoas possam utilizá-los. Aproveitar garrafas e outras embalagens para fazer brinquedos, guardar alimentos, dentre outros. A utilização de sucata/material reciclável para fabricação de brinquedos, possibilita aos alunos uma aprendizagem por meio do desenvolvimento de um processo criativo e também pela utilização deste brinquedo pela criança, como um recurso concreto.

A formação de professores em Educação Ambiental poderia trabalhar com a idéia de reaproveitamento na confecção de brinquedos, com este tipo de material, promovendo assim uma maior concientização e, ao mesmo tempo, dotaria o professor de ferramentas importantes para facilitar seu trabalho pedagógico. A utilização de material reaproveitado reduz o custo dos brinquedos permitindo que os mesmos possam ser reproduzidos em escolas que não possuam recursos financeiros.

Para tanto, partimos da hipótese de que o espaço virtual pode ser uma ferramenta bastante útil no que diz respeito a esta questão ao disponibilizar para todos o acesso às informações em tempo real.  A cada ano mais e mais pessoas estão conectadas à rede mundial de computadores.

O espaço virtual nos permite refletir sobre o computador como um instrumento mediador no processo de produção do conhecimento.

 

Estamos saindo de uma formação institucionalizada (escola, universidade) para uma situação de troca generalizada de saberes, (...) para chegar a essa cultura planetária, a escola precisa assumir um papel fundamental: criar modelos de aprendizagem em que o professor seja um “animador da inteligência coletiva” do grupo de alunos e não mais um fornecedor de conhecimentos. (Lévy,1999)

 

Esta tarefa não cabe só aos professores, mas a toda a sociedade porque a velocidade da aprendizagem possibilita-nos adquirir conhecimentos rapidamente. Faz-se necessário o acesso à virtualização a fim de entendermos as informações, objetivando atuar com segurança na mudança da escola, do futuro professor e do aluno, interligando tecnologia a processo educativo.

Com a ampliação da Informatização no ensino das escolas municipais de Campos de Goytacazes nosso interesse por trabalhar com o espaço virtual tornou-se cada vez maior. Como ainda não havia e não há uma “Brinquedoteca Virtual” voltada para o reaproveitamento de materiais na construção de brinquedos pedagógicos, optamos por direcionar nossos esforços neste sentido.

 

II. Metodologia

Em nossa pesquisa priorizamos a metodologia qualitativa porque ela possibilita trabalhar a relação observador/observado, os elementos simbólicos e as representações sociais favorecendo a compreensão dos valores e práticas presentes na realidade. Por meio da entrevista com o grupo focal selecionado foi possível observar, registrar, analisar interações entre as pessoas e vivências dos professores nas escolas municipais de Campos dos Goytacazes.

A entrevista em grupo focal possibilitou a compreensão da realidade vivida pelos participantes, mediante interpretação de dados, em profundidade e detalhadamente, detectando comportamentos sociais e práticas cotidianas (HABERMAS, 1992 apud BAUER; GASKELL, 2003).

Foram feitas gravações da entrevista com os sujeitos da pesquisa (grupo focal) e as falas destas gravações transcritas na íntegra como forma de expressão das opiniões dos participantes. Gravuras, sucata, DVD e fotografias foram utilizados como meios estimuladores do diálogo.

Para tabular os dados e fazer a análise dos mesmos utilizamos a metodologia sobre “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC), uma proposta de Lefèvre (2005). Segundo ele, quando se busca resgatar o pensamento de uma coletividade sobre um tema, é preciso considerar que o pensamento e/ou opinião dos indivíduos só podem ser vistos como depoimento discursivo, manifestação lingüística de um posicionamento sobre um tema, seus conteúdos e argumentos.

 

 

III. Resultados e Discussão

As falas[i] gravadas, referentes à entrevista com o grupo focal, foram analisadas dentro de uma abordagem qualitativa e, para isso, utilizou-se a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). A confecção dos discursos se dá pela junção de fragmentos das respostas dos entrevistados, que são expressões-chave, e se constituem do que é essencial, dentro de uma determinada idéia central, em torno da qual será elaborado um discurso (LEFÈVRE; LEFÉVRE, 2005).

O DSC descreve e expressa uma determinada opinião ou posicionamento sobre um tema. Assim, transcrevemos as falas para os quadros, identificando e marcando cada uma das respostas, com uma cor determinada: as idéias centrais retiradas das expressões-chave (de amarelo) e, quando há, com outra cor (azul), as expressões-chave das ancoragens.

Em nossa pesquisa, selecionamos as seguintes categorias (não pré-determinadas), mas extraídas das falas do grupo focal: A - O trabalho coletivo na escola B - A existência de brinquedos na escola C - A satisfação pela profissão D - O conceito de Educação E -  O conceito de Meio Ambiente F - Os brinquedos de sucata G - A capacitação de professores.

Esse processo pode ser visualizado em tabelas que nos permitiram categorizar segmentos de falas e elaborar, posteriormente, o DSC do grupo entrevistado. Os  quadros se constituem de “operadores”: expressões-chave[ii], idéias centrais[iii], ancoragem[iv] e, por fim, o DSC[v].

 

Exemplo de Discurso Coletivo das professoras.

Categoria analisada:   EXISTÊNCIA DE BRINQUEDOS NA ESCOLA

 

EXPRESSÕES-CHAVE

 

IDÉIAS CENTRAIS

 

DSC - Discurso do Sujeito Coletivo

1. Se a gente quiser, tem que comprar com o nosso salário.

Compramos os brinquedos com o nosso salário.

 

Quase não existem brinquedos nas escolas. Os que existem ou não são comprados com o nosso salário, ou vêm de doações da comunidade, ou ainda, feitos de sucata.

Alguns professores não estão dispostos a fazer de sucata, mas temos que dar um jeito de confeccioná-los.

2. Alguns  professores não querem “perder tempo” com a confecção de brinquedos.

Alguns professores não estão dispostos a construir os brinquedos.

3. Usamos sucatas na nossa escola para confeccionar os brinquedos das crianças.

Usamos sucata para confeccionar os brinquedos.

4. A gente tem que planejar as atividades dentro do material que a gente tem.

Planejamos as atividades dentro do material que temos.

5 - Os brinquedos que existem, compro ou confecciono. Não temos materiais e brinquedos suficientes nas escolas. Temos que nos virar e construir com sucata.

(1ª idéia) Os brinquedos que a escola tem, são comprados ou construídos.

(2ª idéia) Não há materiais/ brinquedos suficientes na escola.

(3ª idéia) Damos um jeito e construímos com sucata.Os brinquedos que temos vêm de doações da comunidade.

6 - Não temos quase brinquedos na escola.

Não temos quase brinquedos.

7 - Os brinquedos que temos são de doações da própria comunidade.

Os brinquedos que temos vieram de doações.

 

Neste discurso, comprovamos a tese inicial desta pesquisa: a ausência, quase que total, de brinquedos pedagógicos nas escolas municipais de Campos dos Goytacazes/RJ, segundo o discurso das professoras - “Os brinquedos que existem, compro ou confecciono. Não temos materiais e brinquedos suficientes nas escolas”.

A Educação Ambiental possui uma perspectiva interdisciplinar que é, atualmente, necessidade na educação tendo em vista tantos problemas ambientais que assistimos diariamente. Os brinquedos pedagógicos são subsídios durante o processo de ensino-aprendizagem e, por terem caráter lúdico, favorecem atividades educacionais mais criativas e motivadoras (tanto para o professor quanto para o aluno).

Acreditamos, assim como Kishimoto (2006) que o professor precisa adotar, em sua prática, propostas e ferramentas que possibilitem o preenchimento de lacunas deixadas no processo de construção do conhecimento pelo aluno. E os brinquedos pedagógicos são importantes nesta construção.

As professoras entrevistadas responderam que não existem muitos e variados brinquedos na escola, mas que, apesar disso, elas confeccionam (na maioria das vezes com sucata) e/ou compram quando é possível. Segundo Nóvoa (1992), se a estrutura física e material revela valores assumidos pela organização escolar, pode-se inferir que a função simbólica, a criatividade e a socialização da criança são pouco relevantes nas escolas nas quais as professoras entrevistadas atuam,  dada a quase que inexistência de brinquedos no acervo das unidades.

O espaço do brincar, no contexto da Educação Infantil, necessita de um projeto pedagógico nas escolas que possibilite espaços e ferramentas necessários à educação da criança pequena.  Conforme já pontuamos nesta dissertação, a atividade lúdica tem sido considerada importante elemento importante do desenvolvimento infantil e o brinquedo tem se tornado centro de interesse dos educadores.

Vygotsky (1984) indica a relevância de brinquedos e brincadeiras como indispensáveis para a criação da situação imaginária, salientando que “... o imaginário só se desenvolve quando se dispõe de experiências que se reorganizam”. Dispor de tais imagens é fundamental para instrumentalizar a criança para a construção do conhecimento e sua socialização. Abrir o espaço para que criança receba outros elementos da cultura, que não a escolarizada, é muito importante para que beneficie e enriqueça o seu repertório imaginativo. Os pressupostos de Vygotsky (idem) que “a cultura forma a inteligência e a brincadeira favorece a criação de situações imaginárias e reorganiza experiências vividas”, são também caminhos que abrem as portas para a entrada da cultura e condiciona o saber a um fazer. Aprendizado esse que começa com brincadeiras em que se aprende a criar significações, a comunicar-se com outros, a tomar decisões, decodificar regras, expressar a linguagem e socializar.

Quando partilhamos com a criança a reinvenção de um brinquedo, estamos também levando-a a descobrir o encanto nas coisas simples e reaproveitáveis. A criação de brinquedos com sucata é uma proposta de mudança na forma de ver as coisas. O ato de criar brinquedos com estes materiais permite à criança descobrir as diferentes propriedades e características do lixo.  Nesta perspectiva, os brinquedos de sucata, e a construção destes pelas crianças, têm sido valorizados, pois articula o lúdico e a relação diferenciada com materiais reaproveitáveis e com o ambiente, na medida em que contribui para o desenvolvimento da consciência ambiental.

O DSC das professoras evidencia também que meio ambiente é visto como “a nossa casa”, “o lugar onde vivemos”. Segundo Capra (1989), essa mudança na imagem da natureza e, conseqüentemente, na imagem de meio ambiente, conduz a uma atitude mais ecológica. Imagens de natureza enquanto mãe provedora, ou como criação de Deus, serviam como uma espécie de “freio cultural” na Grécia antiga. Estavam na base de uma atitude de reverência diante da natureza que limitava as intervenções do homem e o distanciava de sua “casa”.

Em contrapartida, a partir da revolução científica (século XV), a natureza se transformou em objeto da ciência, sendo vítima de exploração e manipulação sem precedentes.  Pelo que observamos nos DSC das professoras, o homem é apontado como o responsável pelos danos causados ao meio ambiente - “As próprias pessoas estão destruindo o meio ambiente. Por falta de informação e por não terem sido educadas para tal exercício.” Considerar-se inserido no meio ambiente significa superar visões parciais e especializadas, compreendendo as complexas interações entre os processos políticos, econômicos, sociais e culturais que geram esses problemas, tal como nos aponta Reigota (1994). Tal questão é desconsiderado no DSC das professoras.

Durante a entrevista, as professoras responderam que realizam algumas atividades voltadas para a Educação Ambiental, tais como: ensinar aos alunos o cuidado que se deve ter com o lixo e as plantas, não poluir o ambiente, rios e mares, não riscar as cadeiras, mesas e paredes da escola, cuidar dos animais, trabalho com rótulos de embalagens, importância da reciclagem. Essa prática realizada em sala de aula reforça a idéia de Oliveira (2000) que considera que o desafio da temática ambiental nos currículos escolares deve procurar abordar as questões ambientais em sua totalidade, evitando enfoques de temas isolados, mesmo que relevantes.

Analisando o DSC das professoras no que se refere ao uso de brinquedos de sucata na escola, percebemos o quanto este tipo de recurso é valorizado pelas crianças -  Os brinquedos de sucata são os preferidos das crianças porque elas participam da confecção”. As crianças encontram divertimento no manusear os materiais, buscando novas composições para as peças disponíveis. Pautam-se, na maioria das vezes, segundo as professoras, pelo desejo de ter um resultado imediato, ao invés de investirem num brinquedo mais elaborado.

Uma professora ressaltou que o reaproveitamento valoriza a criatividade, a cooperação. Considerando a criança como um sujeito social e histórico, integrante de um ambiente sócio-cultural e como ser integral, dotada das dimensões afetiva, intelectual, física, moral e social e em processo de desenvolvimento, a criança é um sujeito ativo da construção de seu conhecimento e nesse processo de desenvolvimento ela se utiliza das mais diferentes linguagens, num trabalho de criação, significação e ressignificação da realidade. Construir brinquedos de sucata promove a autonomia e a criatividade. Como já dissemos nesta dissertação, os brinquedos são portadores de cultura.

Segundo o DSC das professoras, é mais importante, para as crianças, construir do que pegar o brinquedo pronto para usar. - “Os alunos destroem os brinquedos prontos mais rápido que os de sucata porque estes eles ajudaram a construir. Eles adoram montar os próprios brinquedos”. - A criança, ao construir, necessariamente, tem que pensar, refletir e interagir com o grupo e com o meio, estimulando assim, sua imaginação e sua criatividade. É por meio das brincadeiras que a criança percebe e interage com o mundo que a cerca. É no brincar que a criança atinge a sua autonomia e constrói hipóteses sobre o conhecimento.

 

3.1. SUCATOTECA: a brinquedoteca virtual

           

Com a ampliação da Informatização no ensino das escolas municipais de Campos, nosso interesse por trabalhar com o espaço virtual tornou-se cada vez maior. Como ainda não havia e não há uma “Brinquedoteca Virtual” voltada para o reaproveitamento de materiais na construção de brinquedos pedagógicos, optamos por voltar nossos esforços nesta direção.

Assim a “Sucatoteca[vi]” é, ao mesmo tempo, o “produto” final de uma dissertação de Mestrado Profissional[vii] e mais que isto, instrumento de formação e capacitação contínua dos professores municipais de Campos dos Goytacazes, além de ser a primeira brinquedoteca virtual brasileira voltada para um trabalho em Educação Ambiental. A “Sucatoteca” é um espaço que reúne muitas possibilidades e potencialidades para desenvolver trabalhos sérios e relevantes para as crianças através da brincadeira e funciona como um meio de virtualizar os brinquedos construídos durante as aulas a partir de material reaproveitado.

 

 

 

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se o cotidiano das escolas infantis carece de brinquedos e materiais pedagógicos, cabe questionar não só a ausência desses materiais, mas se os cursos de formação inicial e continuada têm incluído em seus currículos a temática do reaproveitamento e da Educação Ambiental como parte da formação profissional. Dar subsídios para que as crianças desenvolvam seu grande potencial na descoberta do mundo, através da manipulação de brinquedos e de objetos desafiadores, é favorecer o estímulo à criatividade e a vivência de etapas fundamentais no processo de ensino-aprendizagem. O que se propõe é uma práxis educativa e social que visualize a construção de valores, conceitos e atitudes para a formação de uma consciência individual e coletiva de como conciliar o consumo dos recursos com a preservação e sustentabilidade.

Parece evidente que uma das chaves para o desenvolvimento da Educação Ambiental está na formação de educadores. Entretanto, um dos desafios mais difíceis desta formação é a de que, devido à natureza transversal da Educação Ambiental, todo o professorado é afetado. A formação e a capacitação de docentes para a Educação Ambiental é, na atualidade, objetivo reconhecido e inclusive prioritário de muitas administrações educativas assim como de numerosas instituições e organismos, oficiais ou não, sensíveis a esta necessidade. Trata-se de uma tarefa complexa que não pode ser abordada sem contextualizá-la aos problemas gerais do sistema educativo, nas políticas de desenho de currículos e nas específicas características da Educação Ambiental.

O entrelaçamento da EA com os mais diversos ramos do saber torna-se cada vez mais urgente. A necessidade e urgência deste tipo de formação têm sido alvo, desde há muito anos, às distintas administrações educativas, bem como de diversas instituições internacionais. Isto se deve, com certeza, a crescente consciência da problemática do meio ambiente e a constatação de que desde o sistema educativo podem ser estabelecidas respostas ao desafio de solucionar tal problemática de forma eficiente. Isto tem levado, desde há décadas, a introdução da EA e a conseguinte necessidade de formação do professorado.

Faz-se necessário colocar em prática ações consideradas saudáveis, procurando incorporá-las no cotidiano da escola e da família do aluno, no sentido de promover mudanças significativas de conduta, com vistas à formação de indivíduos capazes de agir, individual e coletivamente, na busca por um ambiente mais equilibrado, entendendo os processos naturais e sociais que influenciam na qualidade ambiental.

O ser humano precisa modificar o quadro de insustentabilidade existente no planeta. Para tanto, será necessário buscar um novo estilo de vida baseado numa ética global que resgate e crie novos valores e hábitos de consumo.

Para Reigota (2002), a sociedade como um todo é responsável pela preservação do meio ambiente, então, é preciso agir da melhor maneira possível para não modificá-lo de forma negativa, pois isso terá conseqüências para a qualidade de vida da atual e das futuras gerações. No momento em que conseguirmos sensibilizar a nós mesmos, bem como as nossas crianças, para essa consciência de responsabilidade pela gestão da qualidade ambiental, pela geração de resíduos, pela preservação dos recursos naturais do planeta, talvez possamos começar a construção de uma nova época, que possa reverter o quadro crítico que vivemos e contrariar as caóticas estimativas futuras, ajudando a garantir às gerações que nos seguem, a sobrevivência em um ambiente um pouco mais justo, próspero e limpo.

É extremamente importante aliar a preservação dos recursos naturais e determinadas espécies animais e vegetais às questões econômicas e culturais entre a humanidade e a natureza e entre os homens, fazendo-nos entender a educação ambiental como formadora de cidadania nacional e planetária, fundamentando as relações sociais e com a natureza na ética, portanto, uma educação ambiental como educação política (REIGOTA, 1994:10).

 

A presença da Educação Ambiental não só nos currículos escolares, mas, principalmente, nas práticas educativas é fundamental para que as pessoas compreendam melhor como funciona o ambiente no qual estão inseridas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BALTHAZAR, Maria da Paz Nunes Costa. FISCHER, Julianne. A Brinquedoteca numa visão educacional moderna. Revista de divulgação técnico-científica do ICPG Vol. 3 n. 9 - jul.-dez./2006 ISSN 1807-2836.

BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Orgs..) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Tradução: Pedrinho A. Guareschi. 2.ed. Petrópolis/ RJ: Vozes, 2003.

CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1989.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, brincadeira e a educação. 9.ed. São Paulo: Cortez 2006.

LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. 2.ed. Caxias do Sul/RS: EDUCS, 2005.

LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.

NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

OLIVEIRA, E. M. Educação Ambiental: uma possível abordagem. 2.ed. Brasília: IBAMA, 2000.

REIGOTA, M. Meio Ambiente e representação social. 5.ed. São Paulo: Cortez, 2002.

____________. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1994.

SANTOS, Santa Marli Pires. Brinquedoteca: sucata vira brinquedo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

 

 



 

 

[i] As falas das professoras foram bastante objetivas, o que justifica a concisão da respostas. Nem todas se manifestaram, verbalmente, durante todos os momentos da entrevista. Várias acenavam que estavam concordando com a fala da colega de grupo.

[ii]  Expressões-chave: trechos selecionados dos depoimentos que melhor descrevem seu conteúdo.

[iii] Idéias centrais: fórmulas sintéticas que descrevem os sentidos presentes nos depoimentos década resposta e também nos conjuntos de respostas de diferentes indivíduos que apresentam sentido semelhante ou complementar.

[iv] Ancoragem: fórmulas sintéticas que descrevem valores, crenças, presentes no material verbal das respostas, sob a forma de afirmações genéricas destinadas a enquadrar situações particulares.

As ancoragens, diferentemente as idéias centrais, que estão sempre presentes nos depoimentos, só são consideradas, na metodologia do DSC, quando estiverem concreta e explicitamente presentes nesses depoimentos, o que nem sempre acontece. (LEFÈVRE; LEFÉVRE, 2005).

[v] DSC (Discurso do Sujeito Coletivo): é a reunião das expressões-chave presentes nos depoimentos que têm idéias centrais ou ancoragens de sentido semelhante ou complementar. Essas expressões-chave de sentido semelhante foram depoimentos coletivos, na pessoa de um só Sujeito Coletivo de discurso (LEFÈVRE; LEFÉVRE, 2005).

[vi] Disponível no endereço: www.sucatoteca.hd1.com.br

[vii] Dissertação do Mestrado Profissional em Ciências da Saúde e do Ambiente do Centro Universitário Plínio Leite, localizado em Niterói, Rio de Janeiro.

 

Ilustrações: Silvana Santos