Quem trabalha com Educação Ambiental com
certeza já leu e, até mesmo, tem como "cartilha" as obras do
sergipano Genebaldo Freire Dias. Mestre e doutor em Ecologia pela
Universidade de Brasília (UnB), Genebaldo se divide entre os bancos acadêmicos,
a coordenação do Projeto de Educação Ambiental da Universidade Católica
de Brasília e as consultorias ambientais para a iniciativa privada. Entre
os livros publicados estão "Ecopercepção - um resumo didático dos
desafios socioambientais" e "Pegada Ecológica e
Sustentabilidade Humana".
Mesmo com toda a agitação do dia-a-dia, o professor encontrou uma brecha
em sua agenda lotada para ceder uma entrevista (que pode ser conferida
logo abaixo) à Assessoria de Imprensa do Instituto Martim Pescador. No
dia 27 de maio, às 9 horas, ele fará a palestra de abertura do I
Encontro Metropolitano de Educação Ambiental, que será realizado na
Antiga Sede da Unisinos. O evento é uma promoção do Instituto Martim
Pescador, Projeto Apoema, Unisinos, Corsan e Semae. A atividade tem como
apoiadores Central de Transportes, Rede Sul Brasileira de Educação
Ambiental (Reasul), Consórcio Público de Saneamento da Bacia Hidrográfica
do Rio dos Sinos (Pró-Sinos), Comitesinos, Ministério Público do Estado
do Rio Grande do Sul, Comitê Lago Guaíba, Conselho Regional de Biologia
da 3ª Região (CRBio 3), Grupo Sinos, Olam Ciência & Tecnologia,
Karmel - Centro de Estudos Integrados, Broplast, Governo do Estado do Rio
Grande do Sul e HyperQZ Mídias.
Martim Pescador - O senhor iniciou sua carreira como professor de Física
e também lecionou iversas disciplinas como Ciências, Inglês, Química e
Biologia. Neste contexto, quando foi que a área ambiental entrou em sua
vida como trabalho?
Genebaldo Freire Dias - No início da década de 70, mais precisamente em
1974, quando tomei contato com um artigo científico que abordava a questão
da poluição em Tóquio e as suas conseqüências. À época, até mesmo
o termo "poluição" não era usual. Mas, acredito que tudo começou
na minha cidade natal (Pedrinhas), um pequeno paraíso tropical, em uma
região montanhosa, com Mata Atlântica e vários riachos. Vivi uma infância
compartilhando com meus amigos toda aquela maravilha. Muita brincadeira ao
ar livre, nadando em águas limpas, respirando ar puro e degustando frutas
que encontrávamos pelo caminho. Inesquecível.
Martim Pescador - A partir da vasta experiência, tanto nos bancos acadêmicos
como na consultoria de empresas, quais são as dicas que o senhor dá para
quem está iniciando na área ambiental?
Genebaldo Freire Dias - Honestidade, honra, sinceridade (nem que custe seu
emprego). Atualizar-se sempre. Persistência. Uma boa dose saudável de
desconfiança. Nem sempre os seus cinco sentidos colaboram na sua percepção.
Martim Pescador - As empresas estão investindo na consultoria ambiental?
Qual a importância disso no desenvolvimento de uma sociedade consciente e
sensível às questões ambientais?
Genebaldo Freire Dias - Sim. Por várias razões. Primeiro, porque é
obrigatório (Lei). Segundo, porque dá lucro e terceiro (e menos freqüente)
por consciência. Esse processo é importante porque as soluções só
podem ser alcançadas com a cooperação de todos os setores. Não se pode
esperar apenas pela ONU, pelo governo Federal ou outros. Estes são invenções
nossa. Podemos mudá-los. As pessoas são entes cósmicos, pertencentes à
teia da vida cuja tessitura foge à nossa percepção acadêmica.
Martim Pescador - A Educação Ambiental desempenha papel fundamental no
processo de construção de uma sociedade consciente de seus deveres e
direitos quando se fala em meio ambiente? Por quê?
Genebaldo Freire Dias - Sim. Mas, não apenas ela. Porém, a Educação
Ambiental deve promover a percepção das pessoas. Já passamos do período
da coleta seletiva, da horta, das semanas da água. Tudo isso são apenas
elementos de gestão. A Educação Ambiental precisa trabalhar na área da
emoção, das re-conexões com a Terra, com a vida. Percebersse que se
vive na superfície de uma esfera com recursos limitados e captar a
magnificência dos processos que permitem que a vida se manifeste.
Martim Pescador - O atual modelo de desenvolvimento econômico está se
mostrando ineficaz tanto pelas diferenças sociais quanto pelos impactos
causados ao Planeta. Ao que se deve essa ineficiência?
Genebaldo Freire Dias - À falta de percepção da pertinência. O que
acabei de citar. As pessoas gastam o seu tempo estudando para se
qualificar e arrumar emprego. Depois trabalham para ganhar dinheiro e
comprar coisas, pagar impostos, adoecer e morrer. Essa caminhada precisa
ser mais rica em experiências. A motivação deve ser a vida, não juntar
coisas para depois deixá-las amontoadas em um canto (e seus descendentes
encaminharem-
nas aos lixões). A educação precisa proporcionar tais percepções.
Fora disso, é uma fábrica de iguais. Vão apenas replicar os erros. Aí,
ao adquirir o seu sonho de consumo, acredita em sucesso, que logo se
desfaz ao conhecer o novo desejo.
Martim Pescador - Em 2007, a grande mídia deu destaque ao Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), da
Organização das Nações Unidas, sobre o aquecimento global. Para o
senhor, o quê há de mito e verdade quando se aborda o tema?
Genebaldo Freire Dias - Nem mito, nem verdade. Não há mito porque
tratam-se de estudos sérios, sistemáticos e competentes. Não há
verdade porque não conhecemos isso. Houve e há muita ignorância. A mídia
não teve a competência de interpretar os relatórios, decodificá-los
para uma linguagem popular. Por outro lado, os cientistas também não se
dispuseram a fazê-lo. A mídia falou em previsões. Cientistas não fazem
previsões - isso é para as cartomantes e afins -, fazem cenários, tendências.
Trabalham com probabilidades.
Martim Pescador - O que podemos fazer para reverter o quadro que se
desenha de desastres, falta de água potável e alimentos? Qual o papel da
Educação Ambiental neste contexto?
Genebaldo Freire Dias - O maior desastre desenhado é a inação, a ignorância,
a perda de tempo em discutir se foi o ser humano ou não o causador dessas
mudanças climáticas, ou se são processos cíclicos históricos. Isso é
irrelevante. Temos um desafio e precisamos de respostas, ações. As nações
ricas já estão fazendo isso. Já se conhece o grau de vulnerabilidade
das nações e as mais vulneráveis são aquelas que estão localizadas em
latitudes mais altas (região tropical, equatorianas) e que ao mesmo tempo
têm baixa governança (desorganizaçã
o política, corrupção, educação de má qualidade e outros). O
processo educacional deve pautar seus programas dentro desse cenário.
Martim Pescador - Em seu livro "Ecopercepção"
, o senhor coloca que deveremos adotar um novo estilo de vida para
garantirmos a sustentabilidade do Planeta. Qual é esse estilo? E, essa
mudança seria uma alternativa para superarmos as previsões catastróficas
do IPCC?
Genebaldo Freire Dias - Primeiro vamos corrigir: IPCC não faz previsões,
mas cenários sob bases probabilísticas. As mudanças de estilo de vida não
compreendem apenas as tradicionais recomendações de reduzir consumo,
reciclar, preciclar, usar energias complementares, andar de bicicleta, dar
preferência a produtos orgânicos, biodegradáveis, não-fósseis e
outros. Essa é a parte mais fácil. Essa vamos conseguir. A mudança à
qual me refiro é mais profunda. Devemos descobrir (ou redescobrir) o que
é viver em um Planeta com recursos limitados; o que é viver uma vida, o
que é a vida, qual a nossa missão aqui, o que estamos fazendo, o que
devemos fazer para permitir a expressão livre dos processos vitais.
Precisamos compreender as bases de sustentação da vida, a aventura de se
estar vivo, compreender suas entranhas, seus processos, o acoplamento dos
sistemas, as interdependências. Redescobrir os serviços que funcionam
nos ecossistemas que permitem a nossa sobrevivência, o papel das espécies,
a importância delas no contexto total. Perceber que sem tais serviços
funcionando não há economia, não há comércio, não há lucro, nem
sustentação qualquer (social, política, ética). Descobrir que somos
parte de um todo. Viver valores, fomentar a ética, a contemplação, a
calma, a alegria. Restaurar as forças da vida. Viver de forma a voltar a
ter vida. Isso é evolutivo, é desafiador, é utópico, mas desejável.
Martim Pescador - Como o governo e a iniciativa privada podem colaborar na
implantação desse novo estilo de vida?
Genebaldo Freire Dias - Definindo políticas, estabelecendo programas,
destinando recursos, qualificando pessoas. Boa parte disso está em
andamento. Infelizmente, não em todas as nações. O Brasil está fazendo
um bom papel, apesar das queimadas, dos desmatamentos, da corrupção e da
burrice de oferecer carne de boi e soja ao mundo, às custas de
desmatamentos e queimadas, poluição das águas e degradação do solo.
Martim Pescador - O que é pegada ecologia?
Genebaldo Freire Dias - É a área ecoprodutiva que uma pessoa precisa
para sustentar o seu consumo e absorver os seus resíduos. Logo, depende
dos seus padrões de consumo. O Planeta admite uma pegada ecológica de no
máximo 1,8 hectares/pessoa/
ano. Muitas nações ricas ostentam pegadas superiores a 5,0 ha/p/ano, ou
seja, sustentam-se às custas de áreas de outros países (o exemplo da
exportação de carne nos moldes de produção atual).
Martim Pescador - Em seu livro, que leva o nome do termo pegada ecológica,
o senhor aborda o cálculo dos impactos causados por uma pessoa ao meio
ambiente. Como é realizado esse cálculo?
Genebaldo Freire Dias - Normalmente se calcula o consumo de água, energia
elétrica, combustível, gás de cozinha, papel, madeira e produção de
resíduos sólidos (lixo). Calcula-se a emissão de dióxido de carbono e
a área respectiva de florestas necessárias para a sua neutralização.
Martim Pescador - Qual sua avaliação da Educação Ambiental promovida
no Brasil hoje? Como se pode defini-la? É necessário se ter um profundo
conhecimento de Ecologia para construí-la e para que o atual contexto
seja transformado?
Genebaldo Freire Dias - Hoje, o Brasil está na elite da Educação
Ambiental do mundo. Nenhum País tem a estrutura legal, colegiada e
capilarizada que temos. Somos um dos poucos países a ter definida uma Política
Nacional de Educação Ambiental. Temos um programa nacional, diretorias
de Educação Ambiental no Ministério da Educação (MEC) e no Ministério
do Meio Ambiente, redes de Educação Ambiental espalhadas pelo País e
uma infinidade de ONG´s e instituições privadas e governamentais
desenvolvendo programas-projetos de Educação Ambiental. Estamos no topo,
somos bons nisso. Todos sabem disso lá fora.
Martim Pescador - Afinal, o que é analfabetismo ambiental?
Genebaldo Freire Dias - O desconhecimento dos processos sócio-ambientais
(estrutura, dinâmica e função).
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Carmem Carvalho (MTB/RS 12263) - Assessora de Imprensa do Instituto Martim
Pescador
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