Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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19/09/2003 (Nº 2) PARA QUEM SERVIRÁ JO’BURG 2002?
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PARA QUEM SERVIRÁ JO’BURG 2002?

MICHÈLE SATO

Quando tentamos avaliar as mudanças ocorridas dez anos depois da mega conferência do Rio, teremos que assumir que as recomendações, contidas no imperioso documento “Agenda 21”, ou mesmo nos princípios de valores da “Carta da Terra”, transformaram-se em belas proposições jamais cumpridas por nenhum país. Iniciemos com os títulos: de “United Nations Conference on Environment and Development (UNCED, 1992)”, passou a ser chamada “World Summit on Sustainable Development (WSSD, 2002)”. Inegável constatação que a ideologia neoliberal do “desenvolvimento sustentável” foi vitoriosa, por mais uma vez, no cenário globalizado.

Não queremos ser os “advogados do diabo”, mesmo sabendo que as inquietações de Fausto e suas férteis ações repousavam naquilo que Mefistófeles o atordoava. Assim como Riobaldo, personagem forte nas narrativas de Guimarães Rosa, é preciso ousar uma avaliação nevrálgica, que se posicione criticamente frente ao cenário internacional na travessia para a construção da sociedade brasileira. Se há dez anos atrás tínhamos um capítulo somente para a educação (capítulo 36) e transversalizada em todos os demais, hoje ela aparece timidamente em alguns itens relacionados com a dimensão social. Aliás, observaríamos que a palavra “educação”, a quinta mais citada na Agenda 21, tem pouca ressonância no interior dos debates atuais, vindo pasteurizada nas proposições das novas agendas, da proteção dos sistemas naturais, da informação ambiental, da prosperidade, das políticas ecológicas e da equidade social.

Contrariando o quadro internacional, a Agenda 21 brasileira inicia com a frase: “A educação é um consenso absoluto no país”. Igualmente, a Carta da Terra sublinha a educação como linha prioritária nos seus 16 princípios. Discurso de um país demagógico, em busca de pequenas fatias do capital FMI (Fundo Monetário Nacional), ou utopia de um pequeno grupo de ambientalistas na demarcação dos diferentes?

Resta nos perguntar qual educação estaremos sublinhando: uma “educação para sustentabilidade”, em consonância com as grandes orientações mercadológicas - ou ainda uma “educação ambiental” contrária ao jargão de um capitalismo revestido de outra roupagem. As utopias estão freqüentemente aliadas às frustrações das pessoas, essencialmente quando não temos uma visão concreta da realidade e deixamos de avaliar os limites e as potencialidades do processo educativo. É nosso dever, assim, avaliar a educação ambiental nestes marcos internacionais, desde que a consideramos substancialmente importante para qualquer agenda que seja responsável e que se preocupa com a justiça social através dos cuidados ecológicos.

A identidade não depende somente do nascimento ou das escolhas realizadas pelos sujeitos. No campo político das relações de poder, uma mudança de identidade que altere nossa compreensão de nós mesmos, nossos objetivos e nossos valores faz-se imperativa. O sujeito ecológico aqui evocado, não pode ser pilotado sob influência de uma minoria, mas pertencer à própria cultura incorporada. Cada um age sobre si mesmo, sobre os outros e de acordo com os interesses de uma época.

Embora a globalização se preocupe com os fatos ruidosos, não devemos apenas dar importância aos vagos e abstratos agregados mundiais. Conhecemos os dilemas ambientais há décadas e as mega-conferências internacionais, como Estocolmo (1972), Tbilise (1977), Eco-92 (1992) ou Johannesburg (2002) não puderam ou jamais poderão, sozinhas, frear as violências sociais ou naturais vivenciados pela nossa era. Aumentam-se os agravos ambientais na mesma acelerada escala social. Fazem-se leis, mas sem fortalecer mecanismo de atuação da sociedade civil ou efetivação das políticas democráticas.


Não é preciso dizer que tais declarações internacionais, impregnadas de boas intenções, tenham em grande parte o objetivo de uma estabilização do mundo sob a égide dos Estados Unidos e da velha Europa na fase inicial de sua industrialização (...) A partir deste momento, trata-se certamente, de buscar um desenvolvimento mais amplo, e não somente de políticas macroeconômicas de estabilização de curto alcance impostas pelo ordenamento resultante de circunstâncias que imperam após a II Guerra Mundial (Hermet, 2002: 33).
A resistência à violência que a sociedade brasileira está submetida poderá esclarecer o poder que emana de sua gente. Não pelo afastamento do papel do Estado, muito menos pelas privatizações de setores nacionais, mas na abertura do diálogo e na explicitação da urgência do reconhecimento de todos os sentidos de uma Nação. Ensinar e aprender fluem no ritmo de vida do grupo e tornam-se constitutivos da grande comunidade de aprendizagem. A construção da identidade é a proposição pedagógica da educação ambiental.

Somente através da alteridade é que o grito ambientalista não sucumbirá frente às imposições imperialistas. A própria luta dará forças à construção dos ideários que combatam a miséria cultural e a degradação da natureza. É por isso que, freqüentemente, acata-se a proteção da biodiversidade, mas se resiste ao pluriculturalismo. O desafio do século deve repousar na alteridade da diversidade – social e biológica. Este é grito que não se cala, nem se cansa, que não se corrompe pelos jargões e interesses de uma época, mas que se consolida nos labirintos de nossas existências e no silêncio da práxis educativa explicitadas nas metamorfoses reais do nosso próprio quotidiano.
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i: professora e pesquisadora em educação ambiental do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT e docente associada no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFSCar.

ii: HERMET, Guy. Cultura e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

Ref.: SATO, Michèle. “Para quem servirá Jo’Burg 2002?”. In: V CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA SOBRE MEIO AMBIENTE. Anais... Belo Horizonte: Ecolatina, 2002 (4º fórum: ONGs ambientalistas).


Michèle Sato GPEA/PPGE/UFMT
Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT
http://go.to/eamt1
Ilustrações: Silvana Santos